Processo nº 1030779-26.2023.8.11.0003
ID: 318350436
Tribunal: TJMT
Órgão: Quarta Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1030779-26.2023.8.11.0003
Data de Disponibilização:
07/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1030779-26.2023.8.11.0003 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Obrigação de Fazer /…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1030779-26.2023.8.11.0003 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral, Obrigação de Fazer / Não Fazer, Tratamento médico-hospitalar] Relator: Des(a). SERLY MARCONDES ALVES Turma Julgadora: [DES(A). SERLY MARCONDES ALVES, DES(A). ANGLIZEY SOLIVAN DE OLIVEIRA, DES(A). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO] Parte(s): [UNIMED NACIONAL - COOPERATIVA CENTRAL - CNPJ: 02.812.468/0001-06 (APELANTE), RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA - CPF: 444.850.181-72 (ADVOGADO), R. P. D. S. - CPF: 077.148.001-60 (APELADO), CAROLINA MOREIRA REZENDE - CPF: 031.535.131-47 (ADVOGADO), GABRIANI SILVA RAMOS - CPF: 025.816.282-19 (APELADO), RENE PEREIRA DA SILVA - CPF: 052.131.531-00 (APELADO), GABRIANI SILVA RAMOS - CPF: 025.816.282-19 (REPRESENTANTE/NOTICIANTE), RENE PEREIRA DA SILVA - CPF: 052.131.531-00 (REPRESENTANTE/NOTICIANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: PARCIALMENTE PROVIDO. UNANIME E M E N T A DIREITO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA). OBRIGAÇÃO DE CUSTEAR TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR COM TÉCNICAS ESPECÍFICAS. CLÁUSULA DE COPARTICIPAÇÃO. LIMITES DE REEMBOLSO. DANO MORAL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME Apelação interposta por UNIMED NACIONAL – COOPERATIVA CENTRAL contra sentença que julgou procedente ação de obrigação de fazer cumulada com indenização por danos morais, ajuizada em nome de menor diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA), para determinar o fornecimento integral de tratamento multidisciplinar prescrito, com técnicas específicas (ABA, psicomotricidade relacional, fonoaudiologia e integração sensorial de Ayres), condenando a operadora ao pagamento de R$ 8.000,00 por danos morais, além das custas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há quatro questões em discussão: (i) definir se a operadora de plano de saúde é obrigada a custear integralmente o tratamento multidisciplinar prescrito ao menor com TEA, com técnicas específicas; (ii) estabelecer se a carga horária de 20 horas semanais do método ABA é desproporcional; (iii) determinar se são aplicáveis as cláusulas contratuais de coparticipação e os limites de reembolso; e (iv) verificar se a negativa tácita da operadora configura dano moral indenizável. III. RAZÕES DE DECIDIR A operadora de plano de saúde deve fornecer integralmente o tratamento prescrito ao beneficiário com TEA, incluindo técnicas específicas, como previsto no art. 6º, §4º, da RN ANS nº 461/2021, incluído pela RN nº 539/2022, que obriga o atendimento conforme metodologia indicada pelo médico assistente. A ausência de profissionais habilitados na rede credenciada não exime a operadora da obrigação de custeio, devendo viabilizar o atendimento fora da rede ou reembolsar integralmente as despesas, sob pena de transferir ao consumidor ônus decorrente da própria deficiência da rede assistencial. A carga horária de 20 horas semanais para o método ABA, fixada por profissional médico, não pode ser revista judicialmente ou pela operadora, sob pena de indevida interferência na autonomia médica e nas decisões terapêuticas personalizadas. A aplicação irrestrita das cláusulas de coparticipação e limites de reembolso, em casos como o dos autos, pode configurar prática abusiva, nos termos do art. 51, IV, do CDC, ao representar obstáculo desproporcional ao acesso ao tratamento de saúde essencial, especialmente quando evidenciada hipossuficiência financeira da família. O inadimplemento contratual pela operadora, ainda que reprovável, não ultrapassa os limites do mero descumprimento de obrigação, não se configurando dano moral indenizável por ausência de prova de sofrimento excepcional ou abalo à dignidade do beneficiário. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: A operadora de plano de saúde é obrigada a custear integralmente o tratamento multidisciplinar prescrito ao beneficiário com TEA, incluindo as técnicas específicas indicadas pelo médico assistente, ainda que não haja profissional habilitado na rede credenciada. A carga horária semanal prescrita pelo médico para o método ABA não pode ser revista pela operadora ou pelo Judiciário, sob pena de violação à autonomia médica. As cláusulas de coparticipação e de limites de reembolso são inaplicáveis quando comprometem o acesso ao tratamento essencial por pacientes com TEA e diante da ausência de profissionais habilitados na rede credenciada. A negativa tácita de cobertura pelo plano de saúde, quando não demonstrada situação excepcional, não configura dano moral indenizável. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, XXXII; CDC, arts. 6º, III, 14 e 51, IV; Lei nº 9.656/98, art. 16, VIII; Resolução Normativa ANS nº 461/2021, art. 6º, §4º (com redação da RN nº 539/2022); Resolução CONSU nº 8/1998, art. 2º, VII. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp 1029449/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j. 22.08.2017, DJe 01.09.2017. R E L A T Ó R I O AP 1030779-26.2023.8.11.0003 UNIMED NACIONAL - COOPERATIVA CENTRAL X R. P. D. S. Eminentes pares: Trata-se de Recurso de A pelação interposto por UNIMED NACIONAL - COOPERATIVA CENTRAL, com o fito de reformar a sentença que, nos autos da Ação de Obrigação de Fazer c/c Indenização por Danos Morais proposta por R. P. D. S. representado por GABRIANI SILVA RAMOS e RENE PEREIRA DA SILVA, julgou procedente a ação, para: a) determinar que a ré forneça o tratamento terapêutico ao autor, com médico cadastrado junto à parte ré, especializado em neuropediatria, psicólogo com formação em ABA – (20) vinte horas semanais; psicomotricidade relacional – (2) duas vezes por semana; fonoaudiologia – (2) duas vezes por semana; terapeuta ocupacional, com formação em integração sensorial de Ayres – (2) duas vezes por semana, observando-se a orientação médica; b) condenar a parte ré no pagamento da importância de R$ 8.000,00, a título de danos morais, devendo ser corrigido com juros de 1% ao mês e correção monetária INPC, a contar do arbitramento; e c) condenar a ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que arbitrou em 10%, sobre o valor da condenação. Em suas razões, a apelante sustenta que: a) não houve negativa no fornecimento das terapias requeridas, havendo apenas a necessidade de observação aos critérios de coparticipação previstos contratualmente; b) o reembolso de despesas médico-hospitalares somente é devido quando a operadora não dispuser de rede credenciada e o atendimento necessário for de urgência ou emergência, ressaltando que o reembolso de despesas deve ser realizado nos limites das obrigações contratuais; c) defendeu a legalidade da cláusula de coparticipação, prevista no art. 16 da Lei nº 9.656/98, que permite à operadora de plano de saúde cobrir parte do procedimento, ficando o segurado responsável por um percentual previamente fixado no contrato; d) a carga horária semanal de 20 horas para o método ABA seria desproporcional e incompatível com as rotinas de uma criança; e) inexistiu conduta ilícita passível de configurar dano moral, pugnando pela reforma da sentença ou, subsidiariamente, pela redução do quantum indenizatório para R$1.000,00. Em contrarrazões (Id. 279915895), o apelado suscita, preliminarmente, a ausência de dialeticidade das razões recursais e a interposição de recurso manifestamente protelatório e, no mérito, defende a manutenção integral da sentença. O parecer da d. Procuradoria-Geral de Justiça (Id. 292667856) é pelo conhecimento parcial por apontar a ausência de interesse recursal no tocante à aplicação da tabela de reembolso ou cláusula de coparticipação, uma vez que ausente determinação em contrário no pronunciamento de origem e, no mérito, pelo desprovimento do recurso. É o relatório. V O T O R E L A T O R VOTO PRELIMINAR (DIALETICIDADE) Eminentes pares: Em contrarrazões, o autor, ora apelado, suscita preliminar de não conhecimento do recurso, por ausência de dialeticidade, por não ter a apelante indicado os motivos de fato e de direito pelos quais requer o novo julgamento. Não assiste razão ao autor, ora apelado. É que, segundo o artigo 1.010, inciso II, do Código de Processo Civil, a apelação deverá conter “os fundamentos de fato e de direito”: “Art. 1.010. A apelação, interposta por petição dirigida ao juízo de primeiro grau, conterá: I - os nomes e a qualificação das partes; II - a exposição do fato e do direito; III - as razões do pedido de reforma ou de decretação de nulidade; IV - o pedido de nova decisão.” Assim, ainda que as razões recursais sejam genéricas, reiterando, na verdade, as teses defensivas, tal fato não leva necessariamente à inadmissibilidade do recurso, sendo bastante que se evidencie o inconformismo com os fundamentos da sentença, como no caso dos autos. Nesse sentido a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: “AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. 1. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. 2. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DOS DISPOSITIVOS LEGAIS TIDOS COMO VIOLADOS. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 282/STF E 211/STJ. 3. PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. RECURSO DE APELAÇÃO. REITERAÇÃO DA CONTESTAÇÃO NAS RAZÕES RECURSAIS. IMPUGNAÇÃO DA SENTENÇA NO CASO CONCRETO. VERIFICAÇÃO. VIOLAÇÃO AO ART. 514, II, DO CPC/1973. NÃO OCORRÊNCIA. PRECEDENTES. 4. NECESSIDADE DE ANÁLISE DE LEGISLAÇÃO LOCAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 280/STF. 5. IMÓVEL COM DESTINAÇÃO EXCLUSIVA PARA USO RESIDENCIAL. PRAZO PRESCRICIONAL. REVISÃO. SÚMULA 7/STJ. 6. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL PREJUDICADA. 7. AGRAVO IMPROVIDO. (...). 3. Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, a mera reprodução da petição inicial ou da contestação nas razões de apelação não configura violação à dialeticidade recursal, desatendendo ao disposto no art. 514, II, do CPC/1973, quando estas bastarem à impugnação da sentença apelada (v.g. AgRg no AREsp 832.883/RS, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 26/4/2016, DJe 13/5/2016). (...). (AgInt no AREsp 1029449/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/08/2017, DJe 01/09/2017)” Ante o exposto, REJEITO a preliminar de ausência de dialeticidade recursal. É como voto. VOTO (MÉRITO) Eminentes pares: Trata-se de recurso de apelação interposto pela CENTRAL NACIONAL UNIMED - COOPERATIVA CENTRAL contra sentença que julgou procedente o pedido formulado por R. P. D. S., menor representado por seus genitores, em ação de obrigação de fazer c/c indenização por danos morais. Extrai-se que acriança, diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista (TEA) - CID 11 6 AO2.1 / CID.10 F.84.0, em comorbidade com CID 10 F40.9 / F70 / F94.0, necessita de intervenção multidisciplinar para seu tratamento e desenvolvimento, bem como que lhe foi prescrito pela médica especialista o acompanhamento multidisciplinar, incluindo tratamento comportamental pelo método ABA (20 horas semanais), psicomotricidade relacional (2 vezes por semana), fonoaudiologia (2 vezes por semana) e terapia ocupacional com formação em integração sensorial de Ayres (2 vezes por semana). Verifica-se que os pais do autor tentaram obter consulta com neuropediatra pela rede credenciada da operadora, sem êxito, tendo sido informados que o motivo seria a falta de pagamento da Unimed à médica neuropediatra. A controvérsia recursal gravita em torno de quatro pontos principais: a) saber se a operadora deve ou não custear integralmente o tratamento multidisciplinar prescrito, com a metodologia específica indicada pelo médico assistente (ABA, psicomotricidade, fonoaudiologia e terapia ocupacional com integração sensorial); b) saber se a carga horária de 20 horas semanais seria excessiva e desproporcional, como alega a recorrente; c) saber se devem ser aplicadas as regras contratuais de coparticipação e limites de reembolso aos tratamentos pleiteados; e saber se a recusa/omissão da operadora em autorizar o tratamento configura ato ilícito passível de indenização por danos morais e, em caso positivo, se o valor arbitrado (R$8.000,00) é proporcional. A questão central da demanda versa sobre a obrigatoriedade de a operadora de plano de saúde fornecer o tratamento multidisciplinar prescrito ao menor portador de Transtorno do Espectro Autista (TEA), com as técnicas e metodologias específicas indicadas pelo médico assistente. O exame dos autos revela que o menor R. P. D. S. foi diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (CID 11 6 AO2.1 / CID.10 F.84.0), apresentando necessidade de apoio substancial e comorbidade com CID 10 F40.9 / F70 / F94.0, conforme documentação médica acostada aos autos (Id. 279914537 e seguintes). Para o adequado tratamento de sua condição, foi prescrito pela médica especialista o acompanhamento multidisciplinar, com tratamento comportamental pelo método ABA (20 horas semanais), psicomotricidade relacional (2 sessões semanais), fonoaudiologia (2 sessões semanais) e terapia ocupacional com integração sensorial de Ayres (2 sessões semanais). A recorrente sustenta, em suas razões recursais, que não haveria negativa no fornecimento das terapias requeridas, mas apenas a necessidade de observação aos critérios contratuais e, ainda, que a carga horária semanal de 20 horas para o método ABA seria desproporcional e incompatível com as rotinas de uma criança. Contudo, tal argumentação não merece prosperar. A relação jurídica estabelecida entre as partes é nitidamente de consumo, atraindo a incidência do Código de Defesa do Consumidor, sem prejuízo da aplicação da Lei nº 9.656/98, que regulamenta os planos e seguros privados de assistência à saúde. No caso, restou incontroverso que os genitores do autor tentaram, sem êxito, obter o tratamento adequado à condição da criança pela rede credenciada da operadora, sendo informados que a impossibilidade decorria da falta de pagamento da recorrente à médica neuropediatra. Observo que, a despeito das reiteradas solicitações dos representantes legais do menor, nenhuma providência efetiva foi adotada pela operadora do plano de saúde para viabilizar o atendimento, o que revela uma postura omissiva deliberada e incompatível com os deveres contratuais e legais que recaem sobre a apelante. A alegação de que não houve negativa formal de cobertura não encontra respaldo no conjunto probatório dos autos, pois a recusa pode se materializar tanto por ato comissivo quanto por conduta omissiva da operadora. No caso, a não disponibilização do atendimento médico e do tratamento multidisciplinar por período prolongado configura negativa tácita de cobertura, igualmente apta a caracterizar o inadimplemento contratual. Ademais, tratando-se de paciente diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista, a operadora do plano de saúde não pode se furtar à cobertura do tratamento prescrito pelo médico especialista, com as técnicas e metodologias indicadas como mais adequadas ao quadro específico do paciente. Nesse contexto, convém salientar que a Resolução Normativa nº 539/2022 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que acrescentou o §4º ao art. 6º da RN nº 461/2021, estabeleceu expressamente que: "Para a cobertura dos procedimentos que envolvam o tratamento/manejo dos beneficiários portadores de transtornos globais do desenvolvimento, incluindo o transtorno do espectro autista, a operadora deverá oferecer atendimento por prestador apto a executar o método ou técnica indicados pelo médico assistente para tratar a doença ou agravo do paciente." Esta norma regulamentar, em vigor desde 01/07/2022, portanto aplicável ao caso em apreço, determina de forma clara a obrigatoriedade de cobertura do tratamento com as metodologias específicas prescritas pelo médico assistente, sendo descabida a pretensão da recorrente de limitar ou recusar o tratamento sob o fundamento de não possuir em sua rede credenciada profissionais habilitados nas técnicas indicadas. A propósito, cabe destacar que se a operadora não dispõe em sua rede credenciada de profissionais aptos a executar o tratamento com a metodologia prescrita, deve viabilizar o atendimento por profissionais não credenciados, arcando integralmente com os custos, ou autorizar o reembolso integral das despesas efetuadas pelo beneficiário, não podendo o consumidor ser penalizado pela deficiência da rede assistencial do plano de saúde. Quanto à alegação de desproporcionalidade da carga horária semanal prescrita para o método ABA (20 horas), também não merece acolhimento. Isso porque, conforme bem assinalado pelo Ministério Público, não compete ao Judiciário infirmar a prescrição médica quanto à intensidade e duração do tratamento, sob pena de indevida interferência na autonomia médica e no direito da família de buscar os cuidados que considera mais adequados ao desenvolvimento da criança. A frequência e duração das sessões terapêuticas foram determinadas pelo profissional médico que acompanha o paciente, considerando suas particularidades clínicas e necessidades específicas, não cabendo à operadora do plano de saúde, tampouco ao Poder Judiciário, substituir o juízo técnico do especialista responsável pelo tratamento. Nesse sentido, o argumento da operadora de que a carga horária seria incompatível com as rotinas de uma criança reflete uma indevida intromissão nas decisões terapêuticas, além de não estar respaldada em qualquer evidência científica ou parecer técnico que contradiga a prescrição do médico assistente. Ademais, conforme pontuado pelo Ministério Público em seu parecer, o tratamento do Transtorno do Espectro Autista exige intervenção precoce e intensiva, sendo o tempo um fator determinante para sua eficácia, razão pela qual a limitação da carga horária prescrita poderia comprometer significativamente os resultados terapêuticos esperados. Desse modo, deve ser mantida a sentença no que tange à obrigação de fazer imposta à recorrente, consistente no fornecimento do tratamento terapêutico ao autor, com médico especializado em neuropediatria, psicólogo com formação em ABA (20 horas semanais), psicomotricidade relacional (2 vezes por semana), fonoaudiologia (2 vezes por semana) e terapeuta ocupacional com formação em integração sensorial de Ayres (2 vezes por semana), conforme a orientação médica. No que concerne aos danos morais, a recorrente sustenta a inexistência de conduta ilícita passível de configurar dano indenizável, pugnando pela reforma da sentença ou, subsidiariamente, pela redução do quantum indenizatório para R$1.000,00. Neste ponto específico, entendo que a pretensão recursal merece acolhimento. A configuração do dano moral exige a demonstração inequívoca de que o inadimplemento contratual ultrapassou o mero aborrecimento inerente às relações negociais para atingir, de forma significativa, os direitos da personalidade do consumidor, como sua honra, dignidade, imagem ou integridade psíquica. No caso, embora tenha havido demora na autorização do tratamento prescrito, o que caracteriza inadimplemento contratual por parte da operadora, não se pode extrair dos elementos probatórios constantes dos autos que tal circunstância tenha efetivamente ocasionado abalo anímico excepcional ao autor ou aos seus genitores, a ponto de configurar dano moral indenizável. É preciso distinguir o mero inadimplemento contratual, ainda que injustificado, da conduta geradora de dano moral, já que nem toda negativa ou atraso na prestação de serviço tem o condão de configurar ofensa à esfera extrapatrimonial do indivíduo, sendo necessária a comprovação de consequências extraordinárias que transcendam o simples descumprimento da obrigação. No presente, conquanto tenha havido atraso no fornecimento do tratamento, não se verifica nos autos elementos que evidenciem agravamento do quadro clínico do menor exclusivamente em virtude da demora, tampouco situação emergencial ou de risco à saúde que pudesse intensificar o sofrimento psíquico dos interessados além dos limites da normalidade. Ademais, não se pode olvidar que a relação entre operadoras de planos de saúde e seus beneficiários é permeada por questões administrativas e procedimentais que, não raro, ocasionam demoras na autorização de procedimentos, sem que isso, por si só, caracterize ato ilícito gerador de dano moral indenizável. A jurisprudência predominante tem se orientado no sentido de que o mero descumprimento contratual, por si só, não tem o condão de ocasionar danos morais, sendo necessária a demonstração de lesão efetiva aos direitos da personalidade. Diferencia-se, assim, o inadimplemento contratual simples, que gera efeitos apenas no âmbito material, da conduta que, além de descumprir o contrato, atinge a órbita extrapatrimonial do indivíduo. No caso dos autos, não se vislumbra essa excepcionalidade. Os dissabores experimentados pelos representantes do autor, embora inegáveis, inserem-se na esfera dos aborrecimentos inerentes à vida em sociedade e às relações contratuais, não configurando situação extraordinária apta a caracterizar dano moral indenizável. Ressalte-se que o reconhecimento da obrigação da operadora em fornecer o tratamento prescrito, conforme determinado na sentença e aqui mantido, já constitui medida suficiente para reparar o inadimplemento contratual verificado, garantindo ao menor o acesso às terapias necessárias para o adequado manejo de sua condição. Desse modo, embora mantida a obrigação de fazer imposta à recorrente para fornecimento do tratamento terapêutico ao autor, deve ser afastada a condenação ao pagamento de indenização por danos morais, por não estarem presentes os requisitos necessários à sua configuração. Por fim, quanto à coparticipação e aos limites de reembolso, a recorrente sustenta, em síntese, que: a) o reembolso de despesas médico-hospitalares somente é devido quando a operadora não dispuser de rede credenciada e o atendimento necessário for de urgência ou emergência, ressaltando que o reembolso deve ser realizado nos limites das obrigações contratuais; b) é legal a cláusula de coparticipação, prevista no art. 16 da Lei nº 9.656/98, que permite à operadora de plano de saúde cobrir parte do procedimento, ficando o segurado responsável por um percentual previamente fixado no contrato. De início, é preciso reconhecer que as cláusulas de coparticipação e limites de reembolso são, em princípio, válidas e encontram respaldo legal, conforme se depreende do art. 16, VIII, da Lei 9.656/98, que prevê expressamente a possibilidade de estipulação de "franquia, os limites financeiros ou o percentual de coparticipação do consumidor ou beneficiário, contratualmente previstos nas despesas com assistência médica, hospitalar e odontológica". Contudo, a validade e aplicabilidade de tais cláusulas não são absolutas, devendo ser interpretadas à luz dos princípios que regem as relações de consumo, notadamente o da boa-fé objetiva, da função social do contrato e da proteção do consumidor, além de observar a finalidade precípua dos contratos de plano de saúde, que é assegurar a adequada assistência médica ao beneficiário. Na hipótese, tratando-se de paciente diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista, cuja condição exige tratamento contínuo e multidisciplinar por tempo indeterminado, a aplicação irrestrita das cláusulas de coparticipação e limites de reembolso poderia representar obstáculo significativo ao acesso às terapias necessárias, comprometendo a efetividade do tratamento e, por conseguinte, o desenvolvimento neuropsicomotor da criança. Nesse contexto, cabe destacar que a Resolução nº 8/1998 do Conselho de Saúde Suplementar (CONSU), em seu art. 2º, inciso VII, estabelece que "está vedado estabelecer coparticipação ou franquia que caracterize financiamento integral do procedimento por parte do usuário, ou fator restritor severo ao acesso aos serviços". Examinando as peculiaridades do caso concreto, verifica-se que o tratamento prescrito ao autor envolve múltiplas sessões semanais de terapias diversas, incluindo 20 horas semanais de ABA, além de sessões de psicomotricidade, fonoaudiologia e terapia ocupacional, por tempo indeterminado. A aplicação de coparticipação sobre cada uma dessas sessões poderia resultar em ônus financeiro desproporcional para a família do beneficiário, configurando verdadeiro fator restritivo de acesso ao tratamento. Tal circunstância se agrava quando considerada a situação de hipossuficiência econômica da família, evidenciada pela concessão de assistência judiciária gratuita, o que torna ainda mais onerosa a manutenção do tratamento em caso de aplicação integral das cláusulas de coparticipação. De igual modo, quanto aos limites de reembolso, embora seja legítima a sua previsão contratual para atendimentos fora da rede credenciada, tal limitação não pode prevalecer quando a operadora não dispõe em sua rede de profissionais habilitados para executar o tratamento com as técnicas e metodologias específicas prescritas pelo médico assistente. No caso em apreço, não há nos autos demonstração inequívoca de que a recorrente disponha em sua rede credenciada de profissionais aptos a realizar o tratamento prescrito com as técnicas específicas indicadas (ABA, psicomotricidade relacional e integração sensorial de Ayres). Ao contrário, a própria conduta omissiva da operadora em viabilizar o atendimento por mais de 12 meses sugere a inexistência de rede adequada para o caso específico do autor. Nesse cenário, aplicar os limites de reembolso previstos contratualmente significaria transferir ao consumidor os ônus da deficiência da rede credenciada da operadora, o que contraria frontalmente o disposto no art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor, que considera nulas de pleno direito as cláusulas que "estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade". Portanto, no caso específico dos autos, considerando as peculiaridades do tratamento prescrito ao autor (portador de TEA), a demonstrada deficiência da rede credenciada em oferecer os serviços necessários, a hipossuficiência econômica da família e a natureza continuada e essencial do tratamento, entendo que devem ser afastadas as cláusulas de coparticipação e limites de reembolso previstas no contrato, garantindo-se ao beneficiário o custeio integral das terapias prescritas, com as técnicas e metodologias específicas indicadas pelo médico assistente, seja através da disponibilização de profissionais na rede credenciada, seja mediante o reembolso integral das despesas com tratamento realizado fora da rede. Tal entendimento, longe de negar vigência às disposições contratuais e legais que preveem a coparticipação e os limites de reembolso, apenas reconhece que, em situações excepcionais como a dos autos, a aplicação irrestrita de tais cláusulas pode configurar abusividade, por representar obstáculo desproporcionado ao acesso ao tratamento de saúde essencial, em descompasso com a finalidade precípua do contrato de plano de saúde e com os princípios que regem as relações de consumo. Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso, apenas para afastar a condenação por danos morais, por entender que o inadimplemento contratual verificado no caso concreto, embora reprovável, não ultrapassa os limites do mero descumprimento de obrigação, não configurando situação excepcional apta a caracterizar dano indenizável na esfera extrapatrimonial. Por fim, em razão da alteração do resultado do julgamento, distribuo a sucumbência entre as partes na proporção de 50% para cada e fixo honorários advocatícios em 10% sobre o valor da causa, observada a gratuidade da justiça concedida ao autor. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 02/07/2025
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