Processo nº 5003474-64.2024.4.02.5106
ID: 274051423
Tribunal: TRF2
Órgão: 5ª Turma Recursal do Rio de Janeiro
Classe: RECURSO INOMINADO CíVEL
Nº Processo: 5003474-64.2024.4.02.5106
Data de Disponibilização:
26/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JULIANE FERREIRA COUTO BALTAR GEHREN
OAB/RJ XXXXXX
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RECURSO CÍVEL Nº 5003474-64.2024.4.02.5106/RJ
RECORRENTE
: LEANDRO SCHANUEL DA FONSECA (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: JULIANE FERREIRA COUTO BALTAR GEHREN (OAB RJ235144)
DESPACHO/DECISÃO
DECISÃO MONOCRÁTICA
…
RECURSO CÍVEL Nº 5003474-64.2024.4.02.5106/RJ
RECORRENTE
: LEANDRO SCHANUEL DA FONSECA (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: JULIANE FERREIRA COUTO BALTAR GEHREN (OAB RJ235144)
DESPACHO/DECISÃO
DECISÃO MONOCRÁTICA
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE.
SEJA POR PARTE DA TNU (TEMA 318), SEJA POR PARTE DO STF (ADI 6.279), NÃO HOUVE DETERMINAÇÃO DIRIGIDA ÀS TURMAS RECURSAIS PARA SUSPENDEREM A TRAMITAÇÃO E JULGAMENTO DOS RECURSOS A RESPEITO DA CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 26 DA EC 103/2019.
AS ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELO ART. 26 DA EC 103/2019 TÊM EFICÁCIA IMEDIATA, POIS SEU § 2º JÁ ESTABELECE TODA A NORMATIVIDADE NECESSÁRIA A SUA APLICAÇÃO.
NÃO HÁ INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL NEM MATERIAL NO ART. 26 DA EC 103/2019. NÃO HOUVE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO, AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NEM AO NÚCLEO DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ COMO GARANTIA SOCIAL (RESPEITO AOS PARÂMETROS MÍNIMOS ESTABELECIDOS PELAS CONVENÇÕES 102 E 128 DA OIT).
NÃO É INCONSTITUCIONAL NEM IRRACIONAL REGRA QUE PREVÊ A POSSIBILIDADE DE A APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE DEFINTIVA TER VALOR INFERIOR AO BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA.
O TRATAMENTO DIFERENTE DADO À APOSENTADORIA POR INVALIDEZ DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO OU DOENÇA DO TRABALHO NÃO IMPÕE A MAJORAÇÃO DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ COMUM.
O ART. 26 DA EC 103/2019 SE APLICA AOS CASOS EM QUE A DATA DE INÍCIO DA INVALIDEZ É FIXADA EM MOMENTO IGUAL OU POSTERIOR A 13/11/2019, AINDA QUE A INCAPACIDADE TEMPORÁRIA TENHA TIDO INÍCIO ANTES DA VIGÊNCIA DA EMENDA.
RECURSO INTERPOSTO PELA PARTE AUTORA DESPROVIDO.
1. NÃO HÁ ORDEM DE SUSPENSÃO DOS PROCESSOS REFERENTES AO ART. 26 DA EC 103/2019
A TNU deu início, em 07/02/2024, ao julgamento do Tema 318 no PEDILEF 50007425420214047016 (
"Definir se os benefícios de aposentadoria por incapacidade permanente, sob a vigência da EC nº 103/2019, devem ser concedidos ou revistos, de forma a se afastar a forma de cálculo prevista no art. 26, §2º, III, da EC nº 103/2019, ao argumento de que seria inconstitucional."
). O relator, juiz Odilon Romano Neto, votou pela inconstitucionalidade da regra discutida; em seguida, a TNU, por maioria, decidiu suspender o julgamento do caso, a fim de aguardar o pronunciamento do STF acerca do mérito da ADIn 6.279.
Seja por parte da TNU, seja por parte do STF, não houve determinação para as Turmas Recursais suspenderem a tramitação e julgamento dos recursos a respeito da questão. Consoante arts. 14, § 5º, e 15 da Lei 10.259/2001, a imposição de suspensão é faculdade dos relatores dos pedidos de uniformização e dos recursos extraordinários e não houve sua determinação no que toca ao art. 26 da EC 103/2019. Registre-se, além disso, que a ADI 6.279 discute apenas eventual inconstitucionalidade formal do art. 26 da EC 103/2019, não havendo em curso no STF discussão, ao menos em sede de controle concentrado, a respeito de sua (in)constitucionalidade material.
A 5ª Turma Recursal do Rio de Janeiro decide, portanto, não suspender a tramitação do presente recurso e dar prosseguimento ao seu julgamento.
2. AS ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELO ART. 26 DA EC 103/2019 TÊM EFICÁCIA IMEDIATA
Na vigência da
Lei 3.807/1960
, a aposentadoria por invalidez equivalia a 70% do salário de benefício, mais 1% para cada ano de contribuição efetiva, até o limite de 100% (art. 27). Essa era a mesma fórmula do auxílio-doença (art. 24). Não havia diferença entre o valor das duas espécies de benefício por incapacidade; o que as diferenciava era a estabilidade da aposentadoria, enquanto o auxílio-doença era temporário.
Na
redação original do art. 44 da Lei 8.213/1991
, a aposentadoria por invalidez correspondia a 80% do salário-de-benefício, mais 1% deste, por grupo de 12 contribuições, sem poder ultrapassar 100% do salário-de-benefício (para a invalidez decorrente de acidente de trabalho, era assegurado o percentual de 100%).
A
Lei 9.032/1995
restringiu a concessão da aposentadoria especial e majorou o valor de diversos benefícios, sem preocupação com o equilíbrio financeiro-atuarial, agravando o desequilíbrio que, posteriormente, motivou a aprovação da Emenda Constitucional 20/1998. A aposentadoria por invalidez passou a corresponder, em qualquer caso, e independentemente do histórico contributivo do segurado, a 100% do salário de benefício.
A
Emenda Constitucional 103
foi promulgada em
12/11/2019
e, quanto às alterações na forma de cálculo dos benefícios por incapacidade permanente (aposentadoria por invalidez), entrou em vigor na data da sua publicação, 13/11/2019. Essa emenda foi aprovada pelo voto de 379 deputados (370 no segundo turno) e de 56 senadores (60 no segundo turno); tomando como base a votação menos expressiva em cada casa legislativa, a nova regra contou com o apoio de 72% dos deputados e de 69% dos senadores, percentual superior aos 60% exigidos pela Constituição da República para a sua aprovação - o que sinaliza o significativo convencimento a respeito de sua imprescindibilidade, por mais impopulares que fossem as medidas adotadas.
As duas alterações pertinentes ao presente processo trazidas no
art. 26 da EC 103/2019
são as seguintes:
(i)
o cálculo dos benefícios passou a utilizar a média aritmética simples dos salários de contribuição, atualizados monetariamente, correspondentes a 100% do período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde o início da contribuição, se posterior àquela competência (até então, o cálculo era feito pela média dos 80% maiores salários de contribuição do período contributivo desde julho de 1994); e
(ii)
o valor do benefício de aposentadoria por incapacidade permanente passou a corresponder a 60% da média aritmética definida na forma prevista no
caput
e no § 1º, com acréscimo de 2 pontos percentuais para cada ano de contribuição que exceder o tempo de 20 anos de contribuição (até então, o valor correspondia a 100% do salário de benefício), exceto quando decorrer de acidente de trabalho, de doença profissional e de doença do trabalho, caso em que corresponderá a 100%.
A 5ª Turma Recursal do Rio de Janeiro adota o entendimento, expresso em voto do juiz João Marcelo Oliveira Rocha (p. ex., 5107823-41.2021.4.02.5101, j. em 09/05/2022), no sentido de que
(...) a disposição do §2º do art. 26 da EC, que cuida da RMI da aposentadoria por invalidez, tem eficácia imediata, pois já estabelece toda a normatividade necessária para a sua aplicação: “
o valor do benefício de aposentadoria corresponderá a 60% (sessenta por cento) da média aritmética definida na forma prevista no
caput
e no § 1º, com acréscimo de 2 (dois) pontos percentuais para cada ano de contribuição que exceder o tempo de 20 (vinte) anos de contribuição
”.
Na verdade, o próprio
caput
do art. 26 parece-nos expresso sobre essa eficácia imediata: “
até que lei discipline o cálculo dos benefícios do regime próprio de previdência social da União e do Regime Geral de Previdência Social, será utilizada a média aritmética simples dos salários de contribuição e das remunerações adotados como base para contribuições a regime próprio de previdência social e ao Regime Geral de Previdência Social...
”.
A EC, portanto, estabelece a sua aplicação imediata, sem necessidade de legislação integradora ou intermediadora.
Portanto, desde a vigência da EC 103 (13/11/2019), não foram recepcionadas: (i) a disposição legal do
caput
do art. 44 da LBPS (com a redação da Lei 9.032/1995), que fixava o coeficiente de 100% para qualquer aposentadoria por invalidez; e (ii) a disposição regulamentar do §7º do art. 36 do Regulamento de 1999, que estabelecia que a aplicação do coeficiente de 100% dava-se diretamente sobre o salário de benefício já calculado para o auxílio doença precedente.
3. NÃO HÁ INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL NO ART. 26 DA EC 103/2019
A ADI 6.279 pretende levar o STF a discutir a existência de eventual inconstitucionalidade formal em diversos dispositivos da EC 103/2019, incluindo seu art. 26, em razão da alegada ausência de aprovação em dois turnos em cada uma das Casas Legislativas.
A Procuradoria-Geral da República emitiu parecer pela improcedência da ADI:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PROCESSO LEGISLATIVO. INTERPRETAÇÃO DO REGIMENTO INTERNO DO SENADO FEDERAL. NORMA INFRACONSTITUCIONAL INTERPOSTA. OFENSA INDIRETA. MATÉRIA INTERNA CORPORIS.
1. A invocada violação do art. 60, § 2º, da Constituição Federal foi defendida a partir de afronta a normas do Regimento Interno do Senado Federal, notadamente as disposições constantes dos arts. 314, V, e 256, § 1º, o que caracteriza inconstitucionalidade por norma infraconstitucional interposta.
2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de não caber ao Poder Judiciário, a pretexto de realizar o controle de atos legislativos, imiscuir-se em matérias interna corporis, sob pena de violação do princípio da separação dos Poderes.
— Parecer pela improcedência do pedido.
O julgamento teve início no Plenário Virtual em 09/2022, com voto do relator, Min. Roberto Barroso, relator, no sentido da improcedência da ação direta, uma vez que o Senado deu interpretação razoável a suas normas regimentais, não havendo inconstitucionalidade formal. O julgamento foi retomado em 06/2023 e em 12/2023; apesar de ainda não ter sido concluído, o voto do relator já foi acompanhado, nesse ponto referente ao art. 26, pelos Ministros Edson Fachin, Rosa Weber e Dias Toffoli.
A discussão a respeito da eventual inconstitucionalidade formal não foi discutida pelas partes no curso do presente processo. Contudo, por se tratar de questão que pode ser conhecida de ofício, a 5ª Turma Recursal do Rio de Janeiro adere integralmente aos termos do voto já lançado pelo Ministro Roberto Barroso na ADI 6.279 para considerar que não há inconstitucionalidade formal.
4. AS ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELA EC 103/2019 QUANTO AO VALOR DA APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE SÃO MATERIALMENTE CONSTITUCIONAIS
O juiz Odilon Romano Neto, integrante da Turma Nacional de Uniformização dos JEF, em 08/02/2024, proferiu sólido voto pela inconstitucionalidade material do art. 26 da EC 103/2019:
Questão mais delicada, sob a perspectiva constitucional, diz respeito à alegada violação ao núcleo essencial do direito à aposentadoria por incapacidade permanente, em razão da dupla redução de seu valor imposta pelas novas regras de cálculo, tanto do salário-de-benefício, quanto do salário-de-contribuição.
Nesse ponto, é importante considerar um parâmetro interpretativo adotado pelo Supremo Tribunal Federal, ao chancelar o voto condutor do Ministro Luís Roberto Barroso na ADI 7051, na qual se discutiram as modificações no benefício de pensão por morte.
Como já referido anteriormente neste voto, entendeu-se naquele julgamento que a redução no benefício de pensão por morte não violava o núcleo essencial do direito à previdência social, até porque deste não se extrai que a Constituição “
ofereça parâmetros precisos para o cálculo da prestação pecuniária
”. A barreira que não poderia ser ultrapassada, segundo o relator, seria a preservação do benefício em valor não inferior ao salário mínimo.
Referida ponderação, contudo, deve ser transplantada com cuidado para outras espécies previdenciárias, sobretudo para a aposentadoria por incapacidade permanente. Isso porque há importantes distinções entre este benefício e o benefício de pensão por morte.
Uma primeira e evidente distinção é que a renda auferida em vida pelo segurado se destina à sua própria manutenção e também à manutenção de seus dependentes. Com o falecimento do segurado instituidor, há também uma redução de despesas no núcleo familiar, pois tem-se um membro a menos. Dessa forma, a redução no valor da pensão de certa forma é acompanhada de uma redução na despesa do núcleo familiar, ainda que de forma não inteiramente proporcional e com variações particulares que eventualmente se verificam.
Não é o que ocorre na aposentadoria por invalidez permanente. Além de não haver qualquer redução de despesas no núcleo familiar, o que se tem muitas vezes é um acréscimo de despesas, em decorrência dos gastos impostos por necessidades aumentadas de saúde do segurado instituidor e, também, a depender do grau de incapacidade, da necessidade de que algum ou alguns dos outros membros do grupo familiar tenham que dedicar parte de seu tempo aos cuidados eventualmente demandados, em prejuízo de sua capacidade de trabalho. Em outras palavras, a incapacidade permanente do segurado instituidor pode acarretar não apenas um incremento da despesa do núcleo familiar, como também eventualmente um decréscimo indireto da renda de outros membros desse mesmo núcleo familiar.
Outra distinção importante há entre ambos os benefícios. Como bem destacou o Ministro Luís Roberto Barroso, o benefício de pensão por morte deve em princípio servir como um “
alento temporário
” para que o núcleo familiar possa se reorganizar após o falecimento do segurado instituidor. Embora este magistrado guarde reservas com relação a essa assertiva, é certo que ela não é aplicável à aposentadoria por incapacidade permanente. Esta não é de forma alguma um alento temporário, mas um rendimento que deve perdurar por toda a vida do segurado inválido, potencialmente até seu falecimento, salvo se por algum avanço da medicina seu quadro de invalidez for revertido.
Além disso, como destacou o IEPREV em seus memoriais (Evento 52), o benefício de aposentadoria por incapacidade temporária não é um benefício assistencial que busque simplesmente assegurar um mínimo existencial ou uma renda mínima. É um benefício de natureza contributiva e que, na condição de seguro social, deve resguardar condições de subsistência ao segurado acometido de uma incapacidade permanente que lhe retire a capacidade laboral próximas às condições de subsistência que teria, caso estivesse em atividade.
Dessa forma, ao impor uma dupla redução no benefício de aposentadoria por invalidez permanente, primeiro ao reduzir o salário-de-benefício, e depois ao reduzir o salário-de-contribuição (sendo esta segunda alteração a aqui discutida), justamente no momento em que o segurado foi acometido de um risco social gravíssimo que lhe retirou a possibilidade de sustento e, para além disso, ordinariamente lhe trouxe maiores ônus financeiros, tenho que a modificação atingiu o núcleo essencial do benefício, vulnerando suas finalidades sociais e ferindo os princípios da dignidade humana e da vedação ao retrocesso social. Esses aspectos foram muito bem destacados no voto do Ministro Edson Fachin, acompanhado pela Ministra Rosa Weber que, conquanto vencidos, devem ser também considerados, até mesmo ante a diversidade de objetos entre as ações.
O respeito à dignidade da pessoa humana se impõe também ao constituinte reformador, uma vez que se trata de um dos fundamentos da república (art. 1º, III, CRFB/88), sendo simultaneamente um direito fundamental e um princípio informador de toda a ordem jurídica, que deve convergir para a sua realização. Não atende à dignidade da pessoa humana um benefício de aposentadoria por incapacidade permanente, decorrente de um evento não programável e por si catastrófico para o indivíduo, que não proporcione ao menos uma renda que reflita a média de sua vida contributiva e permita ao segurado, manter para si e para a sua família um patamar de renda próximo do que teria, caso não lhe tivesse sido suprimida a capacidade de trabalho.
Em 05/07/2021, por ocasião do julgamento do mandado de segurança 5016800-14.2021.4.02.5101, esta 5ª Turma Recursal foi a primeira do Rio de Janeiro a decidir pela constitucionalidade material do art. 26 da EC 103/2019, em acórdão por mim relatado. Apesar de reconhecer que o voto proferido pelo juiz Odilon Romano Neto é muito bem fundamentado (razão pela qual o transcrevi, de modo a permitir o contraste entre os fundamentos dos diferentes posicionamentos, para deixar prequestionada a matéria) e que a questão é sensível - ninguém nega que o remédio trazido pela Emenda é excessivamente amargo -, passo a reafirmar adiante os fundamentos que adoto desde 2021, acrescentando outros que foram adotados pela Turma em julgamentos posteriores:
4.A) NÃO HOUVE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO, AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NEM AO NÚCLEO DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ COMO GARANTIA SOCIAL
4.A.1. Por meio do
Decreto Legislativo 269/2008
, o Brasil aprovou a
Convenção 102 da Organização Internacional do Trabalho
– OIT (adotada em Genebra, em 28/06/1952), ratificada em 15/06/2009, relativa à fixação de normas com
parâmetros mínimos para a seguridade social
. Os art. 65 a 67 estabelecem o valor mínimo dos benefícios previdenciários, cujos percentuais são estabelecidos em tabela anexa (tomando como beneficiário padrão um segurado, com cônjuge e dois filhos), em 45% do salário de benefício para proteção contra doença, 40% do salário de benefício para proteção contra invalidez e 50% para invalidez decorrente de acidentes de trabalho e doenças profissionais (tomando como beneficiário padrão um segurado, com cônjuge e dois filhos). A Convenção 128 da OIT (Genebra, 1967), da qual o Brasil não é signatário, majora o percentual mínimo da proteção contra invalidez para 50% do salário de benefício.
As regras da EC 103/2019, por mais duras e desagradáveis que sejam em comparação àquelas outrora vigentes no Brasil para o cálculo dos benefícios por incapacidade, não afrontam os parâmetros internacionais mínimos estabelecidos nas Convenções da OIT nem os praticados pela legislação previdenciária de diversos países. O estabelecimento de um percentual de 60% para a aposentadoria por invalidez supera o piso de 40% fixado na Convenção 102 e de 50% fixado na Convenção 128, bem como o percentual de 100% em caso de acidente de trabalho e doença profissional excede o piso de 50%. Consequentemente, não há como considerar que a inovação da Emenda de 2019 viola a dignidade da pessoa humana ou o núcleo essencial da garantia social de proteção previdenciária ao evento "invalidez".
4.A.2. No que diz respeito ao princípio da vedação ao retrocesso, transcrevo trecho de voto em que decidi sobre a constitucionalidade das severas restrições trazidas pela EC 20/1998 ao auxílio-reclusão, fundamento em tudo aplicável à alteração do cálculo da aposentadoria por invalidez pela EC 103/2019 para concluir pela ausência de violação àquele princípio:
(...)
A EC 20/1998 reconfigurou e reduziu a extensão da proteção do auxílio-reclusão, limitando o seu pagamento aos dependentes dos segurados de baixa renda.
O Decreto 678/1992 positivou, no Brasil, o Pacto de San José da Costa Rica, cujo art. 26 enuncia que ‘Os Estados-Partes comprometem-se a adotar providências, tanto no âmbito interno como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, NA MEDIDA DOS RECURSOS DISPONÍVEIS, por via legislativa ou por outros meios apropriados’.
O princípio da vedação ao retrocesso proíbe a supressão pura e simples, de modo irrazoável, de leis editadas para dar concretude a comandos constitucionais, de modo a evitar o retorno a uma situação de menor cumprimento da vontade constitucional.
No Brasil, há situações concretas que impõem, em algum grau, a reestruturação da Previdência Social, como o aumento da expectativa de vida média da população, o envelhecimento da população (diminuição progressiva da base de contribuintes, aumento progressivo das pessoas em gozo de benefícios), a instituição de pensão por morte em favor de dependentes cada vez mais jovens etc.
Indo além, os princípios da progressividade dos direitos sociais e da vedação ao retrocesso não obstam que, em nome da higidez da Previdência Social e da reconfiguração da seletividade dos riscos protegidos, criem-se novos requisitos para a aquisição de benefícios ou diminua-se a extensão destes, principalmente quando a manifestação da vontade popular se concretiza em emendas constitucionais.
(...)
(5ª TR-RJ, recurso 5008011-31.2018.4.02.5101/RJ, relator JF Iorio D'Alessandri, j. em 15/05/2019)
Em 20/03/2023, ao julgar o recurso 5001998-62.2022.4.02.5105/RJ, a 5ª Turma Recursal adotou o voto do juiz João Marcelo Oliveira Rocha, a reforçar os fundamentos no sentido da necessidade de uma reforma da Previdência e da ausência de afronta ao princípio da vedação ao retrocesso:
Sobre a alegação de vulneração ao princípio de vedação do retrocesso, tenho que não pode ser acolhida. Não se cuidou de Reforma tendente a abolir a garantia da Previdência. Pelo contrário, cuidou-se de instrumento que visou justamente à sustentabilidade financeira da Previdência brasileira a longo prazo, em especial por conta de dois grandes desafios: (i) o envelhecimento da população; e (ii) a necessidade de incremento do valor real do salário mínimo, movimento histórico desde de 1994 (embora estacionado desde 2019; perda de eficácia da Lei 13.152/2015).
De acordo com dados do TCU de 2019 (https://sites.tcu.gov.br/contas-do-governo-2019/resultado-previdenciario.htm), época da EC 103/2019, a Previdência pública federal (RGPS e RPPS federais) consistiram em despesa da ordem de 797,8 bilhões (com déficit de 288,7 bilhões). A despesa total (797,8 bi) equivalia a 11,17% do PIB e a 53% das despesas da União.
Cuida-se de números alarmantes. Só o déficit correspondeu a 4,2% do PIB, coeficiente esse que vinha crescendo a "
uma taxa média de 11,9% ao ano
" "
desde 2011
".
Se incluída nessa conta os RPPS locais, a despesa chega a 13% do PIB (numero de 2017 para o total, que inclui Estados e Municípios). O Brasil tem uma proporção de gasto da Previdência em relação ao PIB relativamente muito elevada, se levarmos em conta outros países igualmente ainda jovens e os mais envelhecidos. O Brasil tem aproximadamente 8% de pessoas acima de 65 anos (dados de 2017). O Japão, por exemplo, país mais envelhecido do mundo (21% de pessoas acima de 65 anos; dados de 2017), tinha gasto com Previdência de 12,2% do PIB em 2017 (https://g1.globo.com/economia/noticia/gasto-brasileiro-com-previdencia-e-o-mais-alto-entre-paises-de-populacao-jovem.ghtml).
Não se trata, portanto, de um retrocesso, mas de uma necessidade urgente de adequação à realidade da riqueza produzida no País e do envelhecimento da população, fenômeno este já em curso há muito no Brasil. Em passado recente, vários Estados e Municípios (que têm capacidade de endividamento muito menor e que não têm a possibilidade de emitir moeda) simplesmente não tinham dinheiro para pagar benefícios do seus RPPS.
Bem assim, não há como encampar a ideia de vulneração ao princípio da dignidade da pessoa humana, pois há a garantia de que o benefício seja de pelo menos um salário mínimo, garantia essa que não existe em vários países.
O regime atual (que já foi utilizado no passado) leva em conta o risco social mais agudo (coeficiente base de 60%) e também o tempo contributivo incorrido pelo segurado e, portanto, a sua colaboração histórica para o sustento do sistema.
Deve-se ter em conta que a legislação da Previdência brasileira é significativamente protetiva: (i) uma pessoa pode ficar sem contribuir por 12 meses (e até por 36 meses) e ainda assim contar com a proteção dos benefícios de alto risco; (ii) não há carência para acidentes nos benefícios por incapacidade; (iii) não há carência para a pensão por morte; (iv) não há exigência de contribuições individuais para segurados especiais (rurícolas e pescadores artesanais); (v) há possibilidade de proteção a segurados facultativos etc..
No caso concreto, por exemplo, o segurado já não contribuía há quase 20 anos. Depois de internado por doença terminal (e já inválido e excluído do mercado de trabalho, ao que tudo indica), pagou quatro contribuições e deu à família a possibilidade da pensão.
Ao julgar a ADI 7.051, ocasião em que reputou constitucionais as alterações trazidas pela EC 103/2019 à disciplina da pensão por morte, o STF considerou que o princípio da vedação ao retrocesso social não é óbice absoluto à alteração da configuração dos benefícios previdenciários para reduzi-los, uma vez que o o quadro de abundância de recursos existente quando da instituição desses benefícios não existe mais.
4.B) NÃO É INCONSTITUCIONAL NEM IRRACIONAL REGRA QUE PREVÊ A POSSIBILIDADE DE A APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE DEFINTIVA TER VALOR INFERIOR AO BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA
4.B.1. Desde a promulgação da EC 103/2019, foi sustentada por muitos a tese de que o valor da aposentadoria por incapacidade definitiva não poderia, em hipótese alguma, ser inferior ao valor do benefício por incapacidade temporária.
Mesmo que se concordasse com essa tese (e não concordamos), deve-se ter em vista que ela não implicaria a inconstitucionalidade do art. 26 da EC 103/2019 nem a manutenção do valor de 100% do salário de benefício para a aposentadoria por incapacidade definitiva. Dentro dessa linha de raciocínio, a solução mais favorável possível (com a qual também não concordamos) seria estabelecer que o valor da aposentadoria permanecesse no patamar do auxílio-doença (91% do salário de benefício, limitado à média dos últimos 12 salários de contribuição; considerando essa limitação, seu valor não necessariamente excederá o do benefício por incapacidade permanente). Mesmo assim, essa solução só faria sentido enquanto a Lei 8.213/1991 não fosse alterada; a futura revisão da forma de cálculo do auxílio-doença deveria ser acompanhada da imediata redução do valor das aposentadorias concedidas (pois a EC 103/2019 não impõe que o percentual adotado para o cálculo do benefício por incapacidade temporária seja superior àquele empregado para a aposentadoria por incapacidade permanente; a disparidade de tratamento hoje existente é circunstancial, não é da essência da Emenda, então o legislador ordinário tem a liberdade de, a qualquer momento, reduzir o percentual de 91% do auxílio-doença).
4.B.2. Pois bem, teve ampla publicidade e tem sido invocado pelos segurados
acórdão da 4ª Turma Recursal do Rio de Janeiro, no recurso 50132228320214025120, julgado em 29/08/2023
, que adotou a vedação à proteção deficiente para concluir (por maioria, nos termos do voto do juiz Fábio de Souza Silva, vencida a relatora, juíza Ana Cristina Ferreira de Miranda) que o risco mais grave (incapacidade total e permanente) não poderia gerar um benefício com valor inferior àquele previsto para o risco mais leve (incapacidade temporária); logo, o art. 26, da EC 103/2019 deveria ser interpretado conforme a Constituição para que o coeficiente mínimo da aposentadoria por incapacidade permanente correspondesse a 91% do salário de benefício.
Em respeito à hierarquia das normas, tendo em vista que a forma de cálculo da aposentadoria por incapacidade definitiva foi fixada no texto da EC 103/2019, que foi promulgada posteriormente ao art. 61 da Lei 8.213/1991 (com redação dada pela Lei 9.032/1995), a adoção da premissa de que o valor da aposentadoria nunca poderia ser inferior ao do auxílio-doença (repita-se, premissa da qual discordamos) levaria à conclusão de que este é que deveria ser reduzido ao patamar de 60%, e não de aquele deveria - contrariamente ao texto constitucional - ser majorado para 91% ou para 100%.
4.B.3. Em verdade, a 5ª Turma Recursal do Rio de Janeiro considera equivocada a premissa de que a aposentadoria por incapacidade definitiva não poderia ter valor inferior ao do benefício por incapacidade temporário.
O outrora chamado auxílio-doença é, em regra, um benefício temporário, de curta ou média duração. A prioridade da lei que cobre o risco social, nesse caso, é manter o valor do benefício próximo do patamar remuneratório atual do segurado, nem maior nem muito menor. Justamente por isso, a Lei 13.135/2015 incluiu o § 10 no art. 29 da Lei 8.213/1991 para fixar que o auxílio-doença não poderá exceder a média aritmética simples dos últimos 12 salários-de-contribuição, inclusive em caso de remuneração variável. A constitucionalidade dessa regra tem sido reconhecida pela jurisprudência:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE RMI. AUXÍLIO-DOENÇA. CONSTITUCIONALIDADE DA LIMITAÇÃO PREVISTA NO §10 DO ART. 29 DA LEI Nº 8.213/91. RAZÕES RECURSAIS QUE NÃO DEMONSTRAM O DESACERTO DA SENTENÇA. RECURSO DA PARTE AUTORA CONHECIDO E DESPROVIDO.
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O benefício de auxílio-doença, diferentemente da aposentadoria por invalidez, tem caráter transitório e substitutivo de renda, tendo por fim manter a subsistência do segurado, durante período de incapacidade para o trabalho, razão pela qual deve refletir os ganhos habituais do segurado, em sua última atividade profissional.
Em sendo assim, por não se tratar de benefício programado como a aposentadoria, a renda mensal do auxílio-doença deve, de fato, se aproximar do valor do último rendimento do segurado, e não da média apurada segundo as contribuições vertidas ao longo da vida.
Em verdade, fosse desconsiderada a limitação imposta pelo §10 do art. 29 da Lei 8.213/91, o valor do benefício poderia, inclusive, ser superior ao do último rendimento percebido pelo segurado, sem refletir as últimas contribuições vertidas, afastando-se, assim, da natureza transitória do benefício, além de ser incentivo para a permanência do segurado afastado do trabalho.
Desta feita, resta forçoso concluir que, para o cálculo da RMI do auxílio-doença, não se pode ultrapassar o valor das últimas doze contribuições mensais, as quais refletem exatamente o período contributivo que antecede o afastamento por incapacidade.
A norma em discussão não ofende a isonomia, porquanto aplicável indistintamente a todos os segurados, em situação idêntica. O disposto no §10 do art. 29, em verdade, apenas estabelece forma de cálculo que reflete o histórico contributivo de cada segurado, circunstância que, em última análise, observa o critério de igualdade material.
Do mesmo modo, não há ofensa ao art. 201, §1º, da CF, pois, conforme já mencionado, o §10 do art. 29 prescreve norma de caráter geral, sem estabelecer critérios diferenciadores entre os segurados.
Nem se diga haver violação ao art. 201, §11, da CF, pois o conteúdo do dispositivo questionado não impõe qualquer limitação nos ganhos habituais do segurado, mas apenas limitação temporal para o cálculo do auxílio-doença, a qual se afigura razoável, nos termos já explicitados acima. Ademais, inexiste vinculação direta entre o valor das contribuições vertidas pelo segurado e o benefício que possa vir a perceber.
Da mesma forma, inexiste violação ao princípio de vedação ao retrocesso social, pois o §10 do art. 29 promove adequação na forma de cálculo, a fim de corrigir distorções verificadas na efetivação do direito aos segurados, sem alterar a amplitude de cobertura previdenciária do auxílio-doença e tampouco restringir as hipóteses de concessão.
Por fim, não há que se falar de inconstitucionalidade formal da norma impugnada, uma vez que a análise dos requisitos constitucionais necessários à adoção de medidas provisórias é, de regra, juízo político a cargo do Poder Executivo e do Congresso Nacional, no qual, salvo nas hipóteses de abuso (situação não verificada na hipótese), não deve se imiscuir o Poder Judiciário (ARE 704520).
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(2ª TR-RJ, recurso 5009684-16.2019.4.02.5104/RJ, relatora JF Cleyde Muniz da Silva Carvalho, j. em 01/07/2020)
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE RMI DE AUXÍLIO-DOENÇA. CONSTITUCIONALIDADE DA LIMITAÇÃO PREVISTA NO § 10 DO ART. 29 DA LEI 8.213/1991. O CRESCENTE DÉFICIT DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, FUNDADO EM GRANDE PARTE NO AUMENTO DE QUANTIDADE E DURAÇÃO DE BENEFÍCIOS POR INCAPACIDADE, CARACTERIZA URGÊNCIA JUSTIFICADORA DE EDIÇÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA QUE CONFERE MAIOR RACIONALIDADE AO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO E CONTRIBUI PARA O EQUILÍBRIO FINANCEIRO-ATUARIAL NÃO CARACTERIZA RETROCESSO SOCIAL. O § 11 DO ART. 201 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DETERMINA QUE OS GANHOS HABITUAIS DO EMPREGADO SERÃO INCORPORADOS AO SALÁRIO PARA EFEITO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA E CONSEQUENTE REPERCUSSÃO EM BENEFÍCIOS, NOS CASOS E NA FORMA DA LEI, O QUE NÃO SIGNIFICA QUE TODO E QUALQUER GANHO DA VIDA CONTRIBUTIVA INFLUENCIARÁ DIRETAMENTE NO VALOR DE TODO E QUALQUER BENEFÍCIO. SEM ESSA REGRA, O VALOR DO AUXÍLIO-DOENÇA PODERIA EXCEDER O ÚLTIMO RENDIMENTO PERCEBIDO PELO SEGURADO, O QUE CONSTITUIRIA INCENTIVO A QUE O SEGURADO PERMANECESSE AFASTADO DO TRABALHO.
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Acolho integralmente os fundamentos do voto da juíza federal Cleyde Muniz, acima transcritos. A garantia de vedação ao retrocesso social não impede adequações promovidas pela lei na sistemática de cálculo do valor do benefício, desde que esse aperfeiçoamento confira maior racionalidade ao sistema. Não há inconstitucionalidade formal, porque só cabe ao Judiciário o controle dos requisitos de urgência e relevância de edição das medidas provisórias quando estes forem manifestamente inexistentes, o que não é o caso; além disso, diante do crescente déficit da Previdência Social, que tem volume crescente de benefícios por incapacidade, tem-se caracterizada a urgência para a promoção de acertos pontuais. O § 11 do art. 201 da Constituição da República determina que os ganhos habituais do empregado serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei, o que não significa que todo e qualquer ganho de momento passado influenciará diretamente no valor de todo e qualquer benefício; como dito pela juíza Cleyde Muniz, ‘fosse desconsiderada a limitação imposta pelo §10 do art. 29 da Lei 8.213/91, o valor do benefício poderia, inclusive, ser superior ao do último rendimento percebido pelo segurado, sem refletir as últimas contribuições vertidas, afastando-se, assim, da natureza transitória do benefício, além de ser incentivo para a permanência do segurado afastado do trabalho.’
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(5ª TR-RJ, recurso 5000578-48.2020.4.02.5119/RJ, relator JF Iorio D'Alessandri, j. em 23/11/2020)
Diferentemente, a aposentadoria por invalidez, apesar de excepcionalmente passível de revisão por recuperação da capacidade laborativa, é benefício estável, permanente. Por uma questão de equilíbrio financeiro e atuarial, cabe ao segurado adaptar suas despesas à nova renda, cujo valor não guarda mais relação com a remuneração que tinha em seu último trabalho, devendo agora ser proporcional ao seu histórico contributivo para a Previdência. Isso vale para qualquer aposentadoria, por invalidez ou não, pois o valor desses benefícios permanentes é, em regra, muito inferior ao que o segurado ganhava como salário quando estava empregado.
4.B.4. Não é irracional manter o valor do auxílio-doença em um patamar superior ao da aposentadoria por invalidez, pois isso constitui incentivo para o segurado evitar aposentar-se precocemente e empenhar-se na recuperação da sua capacidade laborativa ou na busca por reabilitação profissional. O legislador também poderia, em reforma da lei, manter o percentual de 91% apenas nos primeiros meses de benefício, instituindo um decréscimo gradual do seu valor, até alcançar o patamar da aposentadoria por incapacidade permanente.
4.B.5. Em acréscimo, o juiz João Marcelo Oliveira Rocha pondera:
"
no Regime Próprio de Previdência dos Servidores da União, regido pela Lei 8.112/1990, o servidor em ‘licença para tratamento de saúde’ (proteção equivalente ao auxílio-doença), fica afastado do trabalho ‘sem prejuízo da remuneração a que fizer jus’ (art. 202), isto é, recebe a remuneração integral, exceto as verbas estritamente pro labore faciendo. Já a aposentadoria por invalidez é, em regra, proporcional ao tempo de serviço (art. 186, I), com piso de 1/3 da remuneração (art. 191), salvo nas hipóteses de causa acidentária ou doença grave tipificada em Lei."
Há três décadas, o RPPS convive com aposentadorias por invalidez com valor inferior ao das licenças para tratamento de saúde que têm como piso apenas 33% do valor da remuneração, parâmetro que nunca teve sua constitucionalidade questionada; não há razão para identificar inconstitucionalidade, portanto, em regra que, para o RGPS, fixa que a aposentadoria por invalidez corresponderá a, no mínimo, 60% do salário de benefício (podendo chegar a 100%, consoante proporcionalidade ao tempo contributivo).
4.C) O TRATAMENTO DIFERENTE DADO À APOSENTADORIA POR INVALIDEZ DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO OU DOENÇA DO TRABALHO NÃO IMPÕE A MAJORAÇÃO DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ COMUM
Em
11/03/2022, a Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, ao julgar o pedido de uniformização 5003241-81.2021.4.04.7122
, decidiu, em acórdão relatado pelo juiz Daniel Machado da Rocha, pela inconstitucionalidade do art. 26 da EC 103/2019, por considerar inexistir motivo para a discriminação entre os coeficientes aplicáveis à aposentadoria por incapacidade permanente acidentária e não acidentária, e por considerar sem sentido, do ponto de vista da proteção social, que um benefício por incapacidade temporária tenha um valor superior a um benefício por incapacidade permanente.
O segundo fundamento já foi apreciado e superado no item 4.B acima. Quanto ao primeiro, não há inconstitucionalidade no fato de a legislação contemplar com o coeficiente de 100% a aposentadoria por invalidez exclusivamente quando decorrer de acidente de trabalho ou de doença do trabalho. O tratamento distinto existia na redação original do art. 44 da Lei 8.213/1991, até sua alteração pela Lei 9.032/1995, sem que ninguém a questionasse. O tratamento distinto para a invalidez decorrente de acidente de trabalho ou de doença do trabalho também é legitimado pela Convenção 102 da OIT. Além disso, há uma contribuição previdenciária específica (SAT) que também viabiliza uma proteção previdenciária majorada. Nas palavras do juiz João Marcelo Oliveira Rocha (recurso 5018389-70.2023.4.02.5101, j. em 23/01/2024),
"O regime de Previdência é justamente o seguro que substitui a renda do trabalhador. Logo, se a causa da invalidez é justamente um evento direto que decorra desse trabalho, não vejo qualquer irregularidade em se estabelecer um tratamento diferenciado, como já se dá no RPPS dos servidores federais."
5) O ART. 26 DA EC 103/2019 SE APLICA AOS CASOS EM A INVALIDEZ É FIXADA EM DATA IGUAL OU POSTERIOR A 13/11/2019, AINDA QUE A INCAPACIDADE TEMPORÁRIA TENHA TIDO INÍCIO ANTES DA VIGÊNCIA DA EMENDA
5.1. Desde o precedente firmado em 05/07/2021 (MS 5016800-14.2021.4.02.5101), esta 5ª Turma Recursal considera que a norma de regência do cálculo da aposentadoria por invalidez é aquela vigente na sua DIB, isto é, na data em que restou caracterizado que a incapacidade não é temporária nem compatível com reabilitação profissional. Não há amparo na lei para a pretensão de utilizar a DIB do auxílio-doença que a antecedeu.
Não importa que, por muitos anos, desde antes da EC 103, o segurado tenha permanecido em gozo de auxílio-doença. Ele foi avaliado e reavaliado periodicamente e o prognóstico, nesse período, era no sentido de que sua incapacidade era passível de tratamento e, portanto, reversível. O fato gerador da aposentadoria por invalidez não é simplesmente a existência de uma incapacidade temporária (mesmo que ela tenha progredido e se tornado permanente), e sim a existência de um prognóstico médico que ateste a permanência da incapacidade e a inviabilidade da reabilitação profissional.
Há segurados que sustentam a tese de que o início da incapacidade (ainda que apenas temporária) antes da EC 103/2019
"gera um direito adquirido a que seja aplicado, na futura e incerta aposentadoria por invalidez - se e quando vier a ser constatada no futuro a incapacidade apta ao deferimento da aposentadoria -, o regime jurídico de cálculo da RMI vigente ao tempo do início da incapacidade que deu causa ao auxílio doença. A tese não pode ser acolhida. Os fatos geradores do auxílio doença (incapacidade temporária para a atividade habitual) e da aposentadoria por invalidez (incapacidade tal que seja permanente e omniprofissional ou insuscetível de reabilitação profissional) são diferentes e o regime jurídico a ser aplicado à RMI é aquele vigente ao tempo do correspondente fato gerador."
(trecho de decisão do juiz João Marcelo Oliveira Rocha no recurso 5000994-69.2022.4.02.5111, j. em 23/01/2024).
5.2. O segurado não está impedido de demonstrar que a invalidez já existia desde antes de 13/11/2019 e apenas ainda não havia sido reconhecida pelo INSS. Nesse caso, é do segurado o ônus de alegar e demonstrar o alegado, não cabendo à Turma Recursal apreciar essa questão de ofício.
6) A JURISPRUDÊNCIA DA 1ª, 2ª E 3ª TURMAS RECURSAIS DO RIO DE JANEIRO É, ASSIM COMO A DA 5ª TURMA, NO SENTIDO DA PLENA CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 26 DA EC 103/2019
A orientação que a 5ª Turma Recursal do Rio de Janeiro vem seguindo desde 2021 é, atualmente, majoritária, como demonstram as ementas de seus acórdãos recentes:
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE RMI. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 26, §2º, III, DA EMENDA CONSTITUCIONAL 103/2019. REVISÃO INDEVIDA. RECURSO DA PARTE AUTORA CONHECIDO E NÃO PROVIDO. SENTENÇA DE PRIMEIRA INSTÂNCIA MANTIDA.
...
Destarte, revisando meu anterior entendimento acerca do tema ora em liça, considero hoje que, embora se trate de benefício não programável, o constituinte derivado concluiu que um segurado do RGPS que se torna incapacitado para o labor após 20 anos de contribuição mereceria tratamento diferenciado em relação àquele que necessita ser definitivamente afastado do labor após 03 anos de contribuição, a título de exemplo.
Embora ambos estejam incapacitados de prover seu sustento e de sua família, a proteção que é dada a cada um – e ambos têm proteção – depende da aferição, em cada caso, da quantidade de contribuições vertidas para todo sistema.
Ademais, consigno que o legislador adotou a via da Emenda Constitucional para promover a alteração em comento no regramento da formação da RMI nos casos que especifica. Nesse jaez, deveria ter sido demonstradas as alegadas violações a cláusulas pétreas para que houvesse ensejo para a declaração de inconstitucionalidade.
Por todo o exposto, reconhecendo a constitucionalidade do dispositivo legal acima descrito, reputo que o desprovimento ao recurso da parte demandante é de rigor.
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(1ª TR-RJ, recurso 5002474-66.2023.4.02.5105/RJ, relatora JF Lilea Pires de Medeiros, j. em 18/03/2024)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE DECORRENTE DA CONVERSÃO, POSTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONAL 103/2019, DE AUXÍLIO-DOENÇA CONCEDIDO ANTERIORMENTE À SUA VIGÊNCIA. RESSALVA DE ENTENDIMENTO PESSOAL (VENCIDO) DO RELATOR, QUANTO À REGRA DE CÁLCULO DA APOSENTADORIA, PARA APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO MAJORITÁRIO DESTE COLEGIADO, DE APLICAÇÃO DA REGRA TRAZIDA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL 103/2019, POIS EM SUA VIGÊNCIA SATISFEITOS INTEGRALMENTE OS REQUISITOS À APOSENTADORIA. DEMANDA IMPROCEDENTE. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CÍVEL CONHECIDO E PROVIDO.
(2ª TR-RJ, recurso 5000824-60.2023.4.02.5112/RJ, relator JF Luiz Cláudio Flores da Cunha, j. em 28/02/2024)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE. FATO GERADOR DO BENEFÍCIO POSTERIOR AO ADVENTO DA EC 103/2019. IMPOSSIBILIDADE DE RETROAÇÃO DA DII A MOMENTO ANTERIOR A MAIO DE 2021. PROCESSO JUDICIAL ANTERIOR FIXOU A INCAPACIDADE TEMPORÁRIA DA AUTORA EM MAIO DE 2021 E HOUVE CONCORDÂNCIA DESTA. APLICÁVEL A NORMA DO ART. 26 DA EC 103/2019. INEXISTÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA, NA VISÃO DESTE RELATOR. A ALTERAÇÃO ESTÁ DENTRO DO ÂMBITO DE ATUAÇÃO NORMATIVA DO PODER CONSTITUINTE DERIVADO E NÃO VIOLA CLÁUSULAS PÉTREAS DA CARTA DA REPÚBLICA. NÃO É POSSÍVEL USAR COMO PARADIGMA DE CONTROLE DE VALIDADE DE UMA NORMA CONSTITUCIONAL A SUA APARENTE CONTRADIÇÃO OU INJUSTIÇA COM UMA NORMA INFRACONSTITUCIONAL. RECURSO DA PARTE AUTORA CONHECIDO E NÃO PROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.
(3ª TR-RJ, recurso 5007334-16.2023.4.02.5104, relator JF Alexandre da Silva Arruda, j. em 15/03/2024)
O entendimento seguido pela 4ª Turma Recursal do Rio de Janeiro (entendimento que sequer é unânime na Turma) é isolado e não representa a orientação majoritária.
7. CASO CONCRETO
A sentença julgou improcedente o pedido de alteração do valor da aposentadoria por invalidez para os parâmetros vigentes anteriormente à EC 103/2019.
A parte autora, em recurso, não rediscutiu a data de início de invalidez, mas apenas trouxe argumentos para questionar as regras trazidas pela EC 103, as quais, a seu ver, violariam as garantias de irredutilibidade do valor do benefício e de proporcionalidade/razoabilidade.
Aludo à fundamentação acima para confirmar a sentença.
8. Decido
NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELA PARTE AUTORA.
Sem condenação ao pagamento de custas, em razão da gratuidade de justiça. Condena-se a parte autora ao pagamento de honorários de sucumbência recursal de 10% sobre o valor da causa; suspende-se, porém, sua exigibilidade, nos termos do art. 98, § 3º, do CPC/2015, em razão da gratuidade deferida. Intimem-se. Após o trânsito em julgado, dê-se baixa e remetam-se os autos ao juízo de origem.
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