Drebes & Cia Ltda x Jose Silva Nunes
ID: 339355843
Tribunal: TJRS
Órgão: Secretaria da 20ª Câmara Cível
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 5026569-98.2022.8.21.0008
Data de Disponibilização:
31/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
OLINDO BARCELLOS DA SILVA
OAB/RS XXXXXX
Desbloquear
LUIZA GIGANTE ALBUQUERQUE
OAB/RS XXXXXX
Desbloquear
Apelação Cível Nº 5026569-98.2022.8.21.0008/RS
TIPO DE AÇÃO:
Defeito, nulidade ou anulação
RELATORA
: Juiza de Direito FABIANE BORGES SARAIVA
APELANTE
: DREBES & CIA LTDA (RÉU)
ADVOGADO(A)
: OLINDO …
Apelação Cível Nº 5026569-98.2022.8.21.0008/RS
TIPO DE AÇÃO:
Defeito, nulidade ou anulação
RELATORA
: Juiza de Direito FABIANE BORGES SARAIVA
APELANTE
: DREBES & CIA LTDA (RÉU)
ADVOGADO(A)
: OLINDO BARCELLOS DA SILVA (OAB RS018389)
APELADO
: JOSE SILVA NUNES (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: LUIZA GIGANTE ALBUQUERQUE (OAB RS084129)
EMENTA
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. EMPRÉSTIMO. JUROS REMUNERATÓRIOS. REVISÃO SOMENTE EM SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE ABUSIVIDADE. PRECEDENTES VINCULANTES DO STJ. RECURSO DA INSTITUIÇÃO DEMANDADA PROVIDO.
I. CASO EM EXAME:
Ação revisional proposta em face de instituição financeira, visando à limitação da taxa de juros remuneratórios do contrato de empréstimo à taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil, sob alegação de abusividade. A sentença de primeiro grau julgou procedente em parte o pedido, determinando a aplicação da taxa média de mercado, afastando a mora e condenando a instituição financeira à devolução dos valores cobrados em excesso na forma simples. A instituição demandada apela.
II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO:
Há duas questões em discussão:
(i)
verificar se o contrato firmado entre as partes está sujeito à revisão judicial dos juros remuneratórios com base na taxa média de mercado; e
(ii)
analisar se há comprovação da abusividade na taxa de juros aplicada ao contrato.
III. RAZÕES DE DECIDIR:
O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial Repetitivo n.º 1.061.530/RS, fixou a tese de que a revisão das taxas de juros remuneratórios é possível apenas em situações excepcionais, desde que demonstrada a relação de consumo e a abusividade do contrato nos termos do artigo 51, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor.
A simples superação da taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil não é suficiente para caracterizar abusividade, sendo necessária a análise de fatores como custo da captação dos recursos, perfil de risco do tomador,
spread
da operação e equilíbrio contratual.
Diante da inexistência de elementos nos autos que demonstrem a abusividade da taxa de juros pactuada, a ausência de referência, quiçá prova, quanto ao perfil econômico da parte autora, diante da validade presumida da contratação livremente celebrada, não há que se falar em revisão contratual.
A revisão judicial de cláusula contratual, especialmente quanto à taxa de juros pactuada, exige demonstração concreta de abusividade, vício na formação da vontade ou desequilíbrio significativo entre as prestações. Não basta a insatisfação subjetiva da parte autora nem a demonstração de fragilidade econômica.
A decisão recorrida, ao fixar limite para os juros remuneratórios com base exclusivamente na taxa média de mercado, diverge da orientação vinculante do STJ e deve ser reformada para julgar improcedente a ação revisional.
IV. DISPOSITIVO:
Recurso da parte demandada provido para julgar improcedente a ação.
Dispositivos relevantes citados:
Código de Processo Civil, arts. 320; 330, § 2º; 932, VIII;
Código de Defesa do Consumidor, art. 51, § 1º.
Jurisprudência relevante citada:
STJ, REsp Repetitivo nº 1.061.530/RS, Segunda Seção, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 22/10/2008.
STJ, AgInt no AREsp nº 1.772.563/RS, Quarta Turma, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 21/06/2021.
STJ, REsp nº 407.097/RS, Terceira Turma, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, relator para acórdão Ministro Ari Pargendler, Segunda Seção, julgado em 12/3/2003.
STJ, AgInt no REsp nº 1.995.857/MS, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 29/8/2022.
STJ, REsp nº 1.821.182/RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 23/6/2022.
DECISÃO MONOCRÁTICA
A sentença assim julgou a ação revisional (
evento 73, SENT1
):
Diante do exposto,
JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES
os pedidos formulados por
Jose Silva Nunes
em face de
Loja Drebes Financeira S.A. - Crédito, Financiamento e Investimentos
,
com fulcro no art. 487, inciso I, do CPC/2015, para o efeito de
REVISAR
o contrato de n° 0307938801 e declarar que o regime da dívida passa a vigorar com as seguintes alterações:
a) limitar os juros remuneratórios à taxa média do mercado na data da contratação, nos termos da tabela do BACEN, para operações da mesma espécie
(
série temporal
nº
25464
- 5,32% ao mês)
;
b) declarar descaracterizada a mora; e
c) determinar a compensação de valores, caso seja verificado um crédito em favor da parte autora, bem como a repetição do indébito na forma simples, devendo o montante ser corrigido pelo IPCA, desde cada desconto, e juros de mora de 1% ao mês, contados da citação, até 29/08/2024, quando, a partir daí, deverão observar a SELIC, na forma do art. 406, §1º, CC, deduzido o indíce de correção monetária de que trata o parágrafo único do art. 389 do mesmo diploma.
Em razão da sucumbência recíproca, nos termos do art. 86, do CPC,
condeno a parte ré
ao pagamento de
50%
das custas processuais, bem como de honorários advocatícios em favor do advogado da parte contrária, os quais fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, considerando o tempo de tramitação do feito, a natureza da demanda e o trabalho realizado pelo causídico, nos termos do art. 85, §2º, do CPC.
De outro lado,
condeno a autora
ao pagamento de
50%
das custas processuais e honorários advocatícios em favor do patrono da parte ré, que fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, considerando o tempo de tramitação do feito, a natureza da demanda e o trabalho realizado pelo causídico, com fulcro no art. 85, §2º, do CPC/2015.
Suspendo
, no entanto, a exigibilidade do pagamento de tais verbas, tendo em vista que a parte requerente litigou sob o amparo do benefício da gratuidade da justiça deferido no
processo 5184587-96.2022.8.21.7000/TJRS, evento 4, DECMONO1
, com fundamento no art. 98, §2º e §3º, do CPC.
A parte demandada apela e assim postula (
evento 78, APELAÇÃO1
):
Ante o exposto, entende a apelante que deva ser revista a decisão do juízo a quo, sendo julgada procedente a apelação ora interposta, como medida de mais inteira JUSTIÇA.
Houve contrarrazões (
evento 82, CONTRAZAP1
).
A ação revisional, ajuizada em 27/07/2022, refere-se ao contrato cujas características principais reconstituo conforme a tabela a seguir:
Contrato
Valor
Data
Parcelas
Taxa de juros
Taxa média
030793(9)8801
Ilegível
13/05/2022
25 de R$ 172,63
13,98% a.m.
5,32% a.m.
É o relatório.
Decido.
O recurso de apelação comporta pronunciamento monocrático, nos termos do artigo 932, inciso VIII, do Código de Processo Civil, uma vez que incumbe ao/à Relator/a “exercer outras atribuições estabelecidas no regimento interno do tribunal”, e do artigo 206, inciso XXXVI, do Regimento Interno deste Tribunal, o qual autoriza o/a Relator/a negar ou dar provimento aos recursos quando há jurisprudência dominante acerca da matéria em discussão no âmbito do Tribunal:
Art. 206. Compete ao Relator:
XXXVI - negar ou dar provimento ao recurso quando houver jurisprudência dominante acerca do tema no Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça com relação, respectivamente, às matérias constitucional e infraconstitucional e deste Tribunal;
A revisão dos juros pactuados em contratos bancários deve ser analisada com cautela, considerando-se os princípios que regem o sistema financeiro nacional, a autonomia da vontade das partes e a lógica própria do sistema capitalista, onde há liberdade de oferta e de contratação, inclusive no que se refere à concessão de crédito e às condições estipuladas.
A Constituição Federal, bem como as leis infraconstitucionais que disciplinam o mercado financeiro, não autorizam a mera intervenção judicial na taxa de juros pactuada, salvo quando demonstrada, de forma cabal, a abusividade ou a ocorrência de onerosidade excessiva — o que não se verifica no presente caso.
Registro que o Brasil é um país com características particulares em relação ao mercado de crédito, pois possui população altamente dependente de operações financeiras para aquisição de bens, serviços e para reorganização de finanças pessoais, sendo que a atividade bancária é regida pela lógica do risco, da análise de perfil e da precificação, conforme as condições de mercado. Não obstante, as instituições bancárias têm o dever de não colocar em risco a subsistência do/a contratante, devendo observar critérios mínimos de responsabilidade na concessão do crédito em cotejo com as necessidades e possibilidade de cada cliente.
No caso em apreço, não se verifica qualquer ilegalidade na taxa de juros aplicada, uma vez que a parte autora não foi obrigada a contratar o empréstimo nos moldes oferecidos, sendo certo que o produto financeiro escolhido se encaixava ao seu perfil — ou, ao menos, não há nos autos qualquer elemento de prova que demonstre o contrário. A parte autora não demostra que o seu perfil admitia taxas de juros remuneratórios mais baixas, sequer as refere, limitando-se a indicar a taxa média como aquela que deveria ser a aplicada.
Ademais, não foram provados motivos impeditivos à
parte autora de buscar alternativas mais vantajosas em outras instituições financeiras, caso considerasse as condições ofertadas pela ré excessivamente onerosas. A existência de concorrência no setor bancário permite ao consumidor pesquisar e optar por taxas mais acessíveis dentro de seu perfil de crédito.
O Código de Defesa do Consumidor, ao inverter o ônus da prova em favor do consumidor, impõe à instituição financeira o dever de demonstrar a regularidade da contratação e das taxas aplicadas de acordo com o risco de cada perfil contratante. Lado outro, a ausência de qualquer comprovação documental ou mínima descrição do perfil socioeconômico que a parte autora entende possuir impede o exame quanto à eventual abusividade na taxa de juros.
Destarte, diante da inexistência de elementos nos autos que demonstrem a abusividade da taxa de juros pactuada, a ausência de referência, quiçá prova, quanto ao perfil econômico da parte autora, diante da validade presumida da contratação livremente celebrada, não há que se falar em revisão contratual.
A revisão judicial de cláusula contratual, especialmente quanto à taxa de juros pactuada, exige demonstração concreta de abusividade, vício na formação da vontade ou desequilíbrio significativo entre as prestações. Não basta a insatisfação subjetiva da parte autora nem a demonstração de fragilidade econômica. Vejamos.
1. Dever de fundamentação mínima na inicial e distinção da inversão do ônus da prova
Compete à parte autora, já na petição inicial, subsidiar minimamente sua pretensão, indicando quais elementos tornam a cláusula contestada excessiva ou ilegal — sem confundir essa obrigação com a inversão do ônus da prova prevista no Código de Defesa do Consumidor, que atua apenas sobre a produção de provas em juízo.
2. Desigualdade entre instituições e distorção da taxa média de mercado
Grandes bancos, sobretudo os públicos, operam com ampla carteira de crédito de baixo risco, o que lhes permite oferecer taxas menores e baixar a média dos juros contratuais em cada modalidade. Já as financeiras, com menor escala e maior exposição ao risco, praticam juros mais elevados — resultado do custo de operação e inadimplência.
3. Reconhecimento da profunda vulnerabilidade socioeconômica, mas dentro da ordem capitalista constitucional
A julgadora reconhece a profunda desigualdade social e econômica no Brasil e que a maioria dos consumidores carece de educação financeira mínima, conforme demonstram dados preocupantes: em recente levantamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo - CNC, 78% das famílias brasileiras estão endividadas, sendo que quase 30% já registram dívidas em atraso;
1
estimativas da Serasa apontam que 57 milhões de brasileiros estão endividados;
2
o fenômeno das "bets" agrava esse quadro: em agosto de 2024, cerca de 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família — 21% dos 20 milhões de famílias — transferiram R$ 3 bilhões a plataformas de apostas via Pix, gastando em média R$ 100.
3
Esses dados revelam uma fragilidade generalizada no controle das finanças pessoais, fruto de falta de acesso à educação financeira e de incentivos perversos do mercado. Ainda assim, a Constituição Federal adota a economia de mercado e a livre iniciativa como regimes econômicos válidos (artigo 170 da Constituição Federal), sem excluir a proteção à função social do contrato e a defesa do consumidor.
Os juros elevados no Brasil são fenômeno estrutural, resultante de fatores macroeconômicos — inadimplência, tributação, insegurança jurídica e baixa concorrência. A correção dessas questões deve ocorrer por meio de políticas públicas e reformas legislativas, não por intervenção pontual do Judiciário em ações individuais, o que foge à sua função institucional e pode agravar ainda mais a desigualdade.
4. Função social do contrato e boa-fé objetiva
A função social do contrato, prevista no artigo 421 do Código Civil, não autoriza revisão contratual apenas por condição econômica desfavorável. Já a boa-fé objetiva impõe comportamento leal e colaborativo — não a imposição de resultados economicamente vantajosos a quem optou pela litigãncia sem ter produzido fundamentos mínimos.
5. Custo público da judicialização privada e efeitos regressivos
A ampla concessão de gratuidade judiciária em ações revisionais bancárias, lidando com relações privadas, transfere o custo ao erário, impactando diretamente os que mais dependem de serviços públicos essenciais. É especialmente grave quando associada à captação massiva de clientes por escritórios que estruturam demandas coletivas sem lastro jurídico.
Esse modelo de litigância, sem controle estatal efetivo, gera distorção orçamentária e prejudica a serventia pública, pois drena recursos destinados à população vulnerável.
6. Limites da atuação judicial e risco de tabelamento informal
Intervir judicialmente em contratos válidos, com base em médias genéricas, drenaria o Poder Judiciário para uma atividade regulatória — sem respaldo legislativo e em desacordo com a separação dos poderes e a livre iniciativa.
7. Conclusão
A ausência de elementos mínimos de plausibilidade, a desigualdade metodológica na comparação das taxas e o uso de educação financeira deficiente, combinados com o custo público da litigância privada, demonstram que não há espaço para revisão judicial da taxa de juros pactuada. A responsabilização do Estado só poderá ocorrer por mecanismos estruturais, não pelo Judiciário individual com base em mero descontentamento contratual.
Ainda, procedo ao julgamento do caso mediante a aplicação das teses jurídicas firmadas pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp Repetitivo n.º 1.061.530/RS (Temas Repetitivos n.ºs 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36), as quais, editadas sob a forma do artigo 543-C do Código de Processo Civil de 1973, então vigente, são de natureza vinculante:
ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS
a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF;
b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade;
c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02;
d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto.
ORIENTAÇÃO 2 - CONFIGURAÇÃO DA MORA
a) O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descarateriza a mora;
b) Não descaracteriza a mora o ajuizamento isolado de ação revisional, nem mesmo quando o reconhecimento de abusividade incidir sobre os encargos inerentes ao período de inadimplência contratual.
ORIENTAÇÃO 3 - JUROS MORATÓRIOS
Nos contratos bancários, não-regidos por legislação específica, os juros moratórios poderão ser convencionados até o limite de 1% ao mês.
ORIENTAÇÃO 4 - INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES
a) A abstenção da inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes, requerida em antecipação de tutela e/ou medida cautelar, somente será deferida se, cumulativamente: i) a ação for fundada em questionamento integral ou parcial do débito; ii) houver demonstração de que a cobrança indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do STF ou STJ; iii) houver depósito da parcela incontroversa ou for prestada a caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz;
b) A inscrição/manutenção do nome do devedor em cadastro de inadimplentes decidida na sentença ou no acórdão observará o que for decidido no mérito do processo. Caracterizada a mora, correta a inscrição/manutenção.
ORIENTAÇÃO 5 - DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO
É vedado aos juízes de primeiro e segundo graus de jurisdição julgar, com fundamento no art. 51 do CDC, sem pedido expresso, a abusividade de cláusulas nos contratos bancários.
Consoante a Orientação 1, "d", supra, de natureza vinculante, que enfatizo e grifo por sua importância,
"é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações
excepcionais
, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, §1º, do CDC) fique
cabalmente demonstrada
, ante às
peculiaridades
do julgamento em concreto"
.
No julgamento vinculante do REsp n.º 1.061.530/RS, cujas teses foram acima referenciadas, o voto da Ministra Nancy Andrighi, proferido como Relatora, destaca, referindo-se ao uso da taxa média divulgada pelo Banco Central como marco referencial:
"como média, não se pode exigir que todos os empréstimos sejam feitos segundo essa taxa. Se isto ocorresse, a taxa média deixaria de ser o que é, para ser um valor fixo. Há, portanto, que se admitir uma faixa razoável para a variação dos juros"
. Em tal voto, a Ministra Relatora acrescenta:
A jurisprudência, conforme registrado anteriormente, tem considerado abusivas taxas superiores a uma vez e meia (voto proferido pelo Min. Ari Pargendler no REsp 271.214/RS, Rel. p. Acórdão Min. Menezes Direito, DJ de 04.08.2003), ao dobro (Resp 1.036.818, Terceira Turma, minha relatoria, DJe de 20.06.2008) ou ao triplo (REsp 971.853/RS, Quarta Turma, Min. Pádua Ribeiro, DJ de 24.09.2007) da média.
Todavia, esta perquirição acerca da abusividade não é estanque, o que impossibilita a adoção de critérios genéricos e universais.
A taxa média de mercado, divulgada pelo Banco Central, constitui um valioso referencial, mas cabe somente ao juiz, no exame das peculiaridades do caso concreto, avaliar se os juros contratados foram ou não abusivos.
[Grifei.]
Dimensionando a abstração atinente à abusividade como requisito à revisão do contrato de crédito bancário, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pondera que, para que a revisão seja possível, não basta a superação da taxa média do Banco Central do Brasil, enquanto marco referencial; é preciso analisar as circunstâncias específicas de cada caso e que, a partir delas, esteja caracterizada a relação de consumo e fique cabalmente demonstrado o excesso capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada.
Em outras palavras, também segundo o Superior Tribunal de Justiça em precedente relevante e consolidado,
"eventual redução da taxa de juros, somente pelo fato de estar acima da média de mercado, sem que seja mencionada circunstância relacionada ao custo da captação dos recursos, à análise do perfil de risco de crédito do tomador e ao spread da operação, apenas cotejando, de um lado, a taxa contratada e, de outro, o limite aprioristicamente adotado pelo julgador em relação à taxa média divulgada pelo Bacen - está em confronto com a orientação firmada na Segunda Seção desta Corte nos autos do REsp. 1.061.530/RS"
(AgInt no AREsp n.º 1.772.563/RS, Relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 21/6/2021, DJe de 24/6/2021).
Em conhecido julgado, como precedente relevante e consolidado, o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, no voto que proferiu no julgamento do REsp n.º 407.097/RS, assim elucidou:
[...]
Em trabalho elaborado a meu pedido, os Professores Marcos de Barros Lisboa e Renato Fragelli, da Fundação Getúlio Vargas, consideram que a "taxa de juros é o preço cobrado pela cessão de uso de recursos monetários durante um certo período de tempo. Tipicamente, a taxa de juros cobrada para um empréstimo depende das oportunidades de investimento disponíveis ao investidor e do risco de que o devedor honre sua dívida no prazo pactuado". E, ainda, indicam que as "instituições financeiras são responsáveis pela intermediação dos recursos entre os poupadores, agentes com recursos momentaneamente ociosos, e os tomadores de empréstimos, que utilizam estes recursos seja na aquisição de bens de consumo seja na realização de investimentos.
O spread bancário é a diferença entre a taxa de juros paga ao poupador e a cobrada do tomador do empréstimo, constituindo-se, portanto, na remuneração do serviço de intermediação
".
Assim como os preços, os juros são obtidos mediante o somatório de diversos componentes do custo final do dinheiro, tais o custo de captação, a taxa de risco, custos administrativos (pessoal, estabelecimento, material de consumo, etc.) e tributários e, finalmente, o lucro do banco.
Os Professores Marcos Lisboa e Renato Fragelli indicam que a "existência de diversas taxas de juros no mercado reflete a multiplicidade de prêmios de risco existentes. Se esse não fosse o caso, isto é, se as diferentes taxas de juros não refletissem custos de empréstimos distintos, os bancos simplesmente direcionariam seus recursos para as modalidades que apresentem a maior taxa de juros. Esses prêmios de risco refletem tanto os incentivos e punições existentes para os inadimplentes quanto o prazo médio esperado de recebimento de eventuais garantias oferecidas". Em resumo, afirmam: "as taxas de juros desempenham o papel adicional de procurar garantir incentivos para que o tomador de empréstimos se esforce em honrá-los. Modalidades de crédito distintas estão associadas a possibilidades distintas de que os pagamentos sejam honrados. Além disso, essas modalidades também estão associadas a mecanismos específicos de recuperação dos recursos emprestados caso os tomadores de empréstimo se tornem inadimplentes. As penalidades impostas em caso de inadimplência têm por objetivo tanto remunerar o banco pela expansão não programada no prazo do empréstimo - que se generalizada pode resultar em insolvência bancária - quanto desestimular a maior ocorrência de seleção adversa e risco moral". O spread bancário, na verdade, segundo estudos do Banco Central, mencionado pelos Professores da Fundação Getúlio Vargas, pode ser decomposto em risco de inadimplência, equivalente a 15,8%, despesas administrativas a 19,2%, impostos indiretos a 8,2%, impostos diretos a 21%, margem do Banco a 35,7%, sendo que essa margem é "margem média do setor bancário calculada sobre todos os empréstimos". O raciocínio que desenvolvem mostra que também a correlação do prazo do empréstimo com a taxa de inadimplência repercute sobre o spread. Assim por exemplo, "em um empréstimo mensal o tomador de empréstimo paga um spread de 30% caso a taxa de inadimplência seja de 1% dos empréstimos concedidos. Já nos empréstimos semanais, esse spread sobe para quase 100%. Os valores chegam a 140% no caso de empréstimos mensais com taxa de inadimplência de 5% e a 540% nos empréstimos semanais com a mesma taxa de inadimplência".
Por outro lado, os custos de captação variam conforme a fonte da qual o banco obtém o dinheiro que repassará ao mutuário, podendo citar-se, v.g., as cadernetas de poupança, os depósitos remunerados dos correntistas e aplicadores e moeda estrangeira. Evidentemente, o banco deverá devolver o dinheiro devidamente remunerado com o índice contratado ou previsto na lei, conforme a hipótese.
Concluindo, os gastos com pessoal, com o estabelecimento - alugado ou não -, com o material de consumo (papel, equipamentos, veículos, material de limpeza, alimentação, etc.) e com os impostos e taxas recolhidas às entidades fazendárias, igualmente, são contabilizados para o cálculo da taxa de juros, pois representam o quanto se gasta com o suporte físico da instituição. A taxa de risco, por sua vez, decorre dos prejuízos que a instituição tem com os devedores que não pagam ou demoram excessivamente para quitar as suas dívidas. O descumprimento da obrigação por parte destes, obviamente, tem reflexo obrigatório no custo do dinheiro emprestado a todos os mutuários, sobretudo num período de alto índice de inadimplência, para viabilizar possa a instituição remunerar as fontes de custeio pelos índices respectivos e pagar as despesas administrativas e tributárias. Finalmente, à taxa de juros deve ser acrescido o lucro do banco, sem o qual não poderá o mesmo crescer, acumular patrimônio e remunerar os seus acionistas.
Seguindo essa linha de raciocínio, não se pode dizer abusiva a taxa de juros só com base na estabilidade econômica do país, desconsiderando todos os demais aspectos que compõem o sistema financeiro e o preço do empréstimo. A política de juros altos, por outro lado, ao menos no Brasil, tem servido como mecanismo de contenção do consumo e da inflação. Não o inverso. Assim, ao contrário do que diz o Acórdão, a inflação baixa no Brasil decorre, também, de uma política econômica de juros mais elevados. Em uma palavra, a taxa de juros, do ponto de vista de política pública, significa também um meio para estabilizar a moeda no tempo, com suas evidentes repercussões no mercado, do sistema produtivo ao ponto final do consumo.
Com efeito, a limitação da taxa de juros em face de suposta abusividade somente teria razão diante de uma demonstração cabal da excessividade do lucro da intermediação financeira, da margem do banco, um dos componentes do spread bancário, ou de desequilíbrio contratual.
A manutenção da taxa de juros prevista no contrato até o vencimento da dívida, portanto, à luz da realidade da época da celebração do mesmo, em princípio, não merece alterada à conta do conceito de abusividade.
Somente poderia ser afastada mediante comprovação de lucros excessivos e desequilíbrio contratual, o que, no caso, não ocorreu.
[...].
[Grifei.]
Consolidando tais argumentos, o abuso do juro remuneratório pressupõe que as circunstâncias do caso demonstrem, cabalmente, o lucro excessivo do banco, da instituição financeira ou daqueles a eles equiparados mediante fatores relacionados ao
custo final do dinheiro ou o desequilíbrio contratual superveniente.
Os fatores concernentes ao custo final do dinheiro, de aferição obrigatória para a caracterização ou não da abusividade do juro remuneratório sob a ótica do lucro excessivo, correspondem a circunstâncias como o custo da captação dos recursos no local e época do contrato; o valor e o prazo do financiamento; as fontes de renda do cliente; as garantias ofertadas; a existência de prévio relacionamento do cliente com a instituição financeira; análise do perfil de risco de crédito do tomador; a forma de pagamento da operação, dentre outros aspectos.
Nesse mesmo sentido, cito julgados do Superior Tribunal de Justiça:
BANCÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO BANCÁRIO. LIMITAÇÃO DOS JUROS REMUNERATÓRIOS À TAXA MÉDIA DE MERCADO. AUSÊNCIA DE ABUSO. TAXA MÉDIA DE MERCADO. CONFORMIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO COM O ENTENDIMENTO DESTA CORTE (SÚMULA 83/STJ). AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. A jurisprudência firmada em recurso repetitivo, sob o rito do art. 543-C do CPC/73, no julgamento do REsp 1.061.530/RS, é no sentido de ser admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, quando caracterizada relação de consumo e cabalmente demonstrado abuso capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada (CDC, art. 51, § 1°). 2. O caráter abusivo da taxa de juros contratada haverá de ser demonstrado de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto, levando-se em consideração circunstâncias como o custo da captação dos recursos no local e época do contrato; o valor e o prazo do financiamento; as fontes de renda do cliente; as garantias ofertadas; a existência de prévio relacionamento do cliente com a instituição financeira; análise do perfil de risco de crédito do tomador; a forma de pagamento da operação, entre outros aspectos (REsp 1.821.182/RS, Relatora Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 23/6/2022, DJe de 29/6/2022).
3. Na espécie, o eg. Tribunal de origem, após o exame dos autos, inclusive dos documentos e da natureza da avença, concluiu não ser abusiva a taxa de juros remuneratórios, pois fora "estipulada em percentual semelhante à taxa média praticada no mercado no período da contratação". 4. O entendimento adotado no acórdão recorrido coincide com a jurisprudência assente desta Corte Superior, circunstância que atrai a incidência da Súmula 83/STJ. 5. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp n. 1.995.857/MS, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 29/8/2022, DJe de 8/9/2022.)
[Grifei.]
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO. CONTRATO BANCÁRIO. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS ARTS. 11, 489 E 1.022 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. NÃO OCORRÊNCIA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. CARÊNCIA DE AÇÃO. SENTENÇA COLETIVA. LIMITAÇÃO DO JUROS REMUNERATÓRIOS À TAXA MÉDIA DE MERCADO, ACRESCIDA DE UM QUINTO. NÃO CABIMENTO. ORIENTAÇÃO FIRMADA NO RESP N. 1.061.530/RS. ABUSIVIDADE. AFERIÇÃO EM CADA CASO CONCRETO. 1. O acórdão recorrido analisou todas as questões necessárias ao deslinde da controvérsia, não se configurando omissão, contradição ou negativa de prestação jurisdicional. 2. De acordo com a orientação adotada no julgamento do REsp. 1.061.530/RS, sob o rito do art. 543-C do CPC/73, "é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, § 1°, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante as peculiaridades do julgamento em concreto." 3. Prevaleceu o entendimento de que a taxa média de mercado apurada pelo Banco Central para cada segmento de crédito é referencial útil para o controle da abusividade, mas o simples fato de a taxa efetiva cobrada no contrato estar acima da taxa média de mercado não significa, por si só, abuso. Ao contrário, a média de mercado não pode ser considerada o limite, justamente porque é média; incorpora as menores e maiores taxas praticadas pelo mercado, em operações de diferentes níveis de risco. Foi expressamente rejeitada a possibilidade de o Poder Judiciário estabelecer aprioristicamente um teto para taxa de juros, adotando como parâmetro máximo o dobro ou qualquer outro percentual em relação à taxa média.
4. O caráter abusivo da taxa de juros contratada haverá de ser demonstrado de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto, levando-se em consideração circunstâncias como o custo da captação dos recursos no local e época do contrato; o valor e o prazo do financiamento; as fontes de renda do cliente; as garantias ofertadas; a existência de prévio relacionamento do cliente com a instituição financeira; análise do perfil de risco de crédito do tomador; a forma de pagamento da operação, entre outros aspectos.
5. Inexistência de interesse individual homogêneo a ser tutelado por meio de ação coletiva, o que conduz à extinção do processo sem exame do mérito por inadequação da via eleita. 6. Recurso especial provido. (REsp n. 1.821.182/RS, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 23/6/2022, DJe de 29/6/2022.)
[Grifei.]
Nessa ordem de ideias, nas ações revisionais bancárias em geral, além do dever de instruir a petição inicial com os documentos indispensáveis à propositura da ação, compete à parte demandante discriminar as obrigações controvertidas e o valor incontroverso do débito (artigos 320 e 330, § 2º, do Código de Processo Civil).
Em uma interpretação sistemática dos artigos 320 e 330, § 2º, do Código de Processo Civil, ainda que a incidência do Código de Defesa do Consumidor possa suscitar a inversão do ônus probatório, é ônus da parte demandante da ação revisional explicitar as obrigações controvertidas, exibir os contratos ou requerer sua exibição incidental justificadamente, demonstrando a recusa a requerimento administrativo idôneo, e, ainda, indicar o valor incontroverso, realizando cálculos de que constem os montantes devidos segundo o contrato e a pretendida alteração contratual e a diferença resultante.
Nesse contexto, não basta alegar, genericamente, que o juro remuneratório supera a taxa média do mercado financeiro (ou seu dobro, seu triplo, seu quádruplo, etc.), é preciso demonstrar, cabalmente, o lucro excessivo do mutuante ou o desequilíbrio contratual superveniente, densidade que a imensa maioria das pretensões não alcança, dado o alto grau de abstração característico.
Assim, a existência de abuso no juro remuneratório do contrato de crédito bancário deixa de limitar-se pela taxa média de mercado ou de avaliar-se por percentual acima dela, percentual esse que decorre de arbitramento subjetivo, em confronto com os precedentes vinculantes e consolidados do Superior Tribunal de Justiça.
Com base no artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil, redimensiono os ônus sucumbenciais condenando a parte demandante ao pagamento da integralidade das custas processuais e honorários advocatícios sucumbenciais em 10% sobre o valor da causa. Suspensa a exigibilidade em razão da gratuidade judiciária concedida.
Ante o exposto, em decisão monocrática, com fundamento no artigo 206, inciso XXXVI, do RITJRS, combinado com o artigo 932, inciso VIII, do Código de Processo Civil, dou provimento à apelação da instituição financeira demandada e julgo improcedente a pretensão revisional.
Intimem-se.
Com o trânsito, baixe-se.
1. https://portaldocomercio.org.br/economia/endividamento-das-familias-recua-pelo-segundo-mes-consecutivo/
2. https://www.serasa.com.br/imprensa/milhoes-de-brasileiros-nao-sabem-que-estao-endividados-alerta-serasa/
3. https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2024/09/25/beneficiarios-do-bolsa-familia-enviaram-r-3-bi-para-bets-em-agosto-segundo-o-bc#:~:text=Apostas-, Banco%20Central%20diz%20que%20 benefici%C3%A1rios%20do%20Bolsa%20Fam%C3%ADlia%20gastaram%20R,%2C%20as%20chamadas%20%E2%80%9Cbets%E2%80%9D. . https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2025/06/12/cpi-das-bets-rejeita-relatorio-final
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear