Processo nº 1001451-19.2021.8.11.0004
ID: 277856182
Tribunal: TJMT
Órgão: 2ª VARA CRIMINAL DE BARRA DO GARÇAS
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 1001451-19.2021.8.11.0004
Data de Disponibilização:
23/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ELLERY JADAI SOUZA DE CAMPOS
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 2ª VARA CRIMINAL DE BARRA DO GARÇAS SENTENÇA Processo: 1001451-19.2021.8.11.0004. Vistos, etc. Cuida-se de ação penal em que o Ministério Público imputa a NASSE…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 2ª VARA CRIMINAL DE BARRA DO GARÇAS SENTENÇA Processo: 1001451-19.2021.8.11.0004. Vistos, etc. Cuida-se de ação penal em que o Ministério Público imputa a NASSERI DAVI NASSER a prática de crime previsto no art. 129, §1º, I e II, do CP. A denúncia foi recebida em 23/2/2021 (p. 82-83). O réu foi citado e apresentou resposta à acusação. Instrução realizada. O Ministério Público, em memoriais, requer a procedência da denúncia, para condenação do réu (p. 166-176). A defesa, por seu turno, alegando a intempestividade dos memoriais apresentados pelo Ministério Público, requer o chamamento do feito à ordem para desentranhamento da peça do Parquet. No mérito, alega que o réu agiu em legítima defesa, requerendo a absolvição (p. 178-184). Vieram-me conclusos. Fundamento e decido. 1 – Da nulidade suscitada pela defesa. Aduz a defesa, in verbis: Nobre julgador, no dia 18 de novembro de 2024 às 16h:30min ocorreu a audiência de instrução e julgamento do Réu. Após todos serem ouvidos em audiência, Vossa Excelência determinou que os memoriais fossem apresentados por escrito no prazo sucessivo de 05 dias, como podemos observar no despacho de ID: 175874610. A citação eletrônica do Ministério Público ocorreu no dia 18/11/2024, tendo como prazo fatal do dia 25/11/2024. A defesa em respeito a ordem processual de se manifestar sempre após a acusação, aguardou até o dia 18/12/2024, data esta que a defesa protocolizou os memoriais por escrito. E no dia 30/01/2025 o Ministério Público apresentou os memoriais APÓS A DEFESA JÁ TER APRESENTADO OS MEMORIAIS. O Ministério Público Apresentou memoriais fora do prazo legal, devendo assim este ser desentranhado dos autos. Pois além de estarem fora do prazo legal, foi apresentado após a defesa. Contrariando totalmente a ordem processual, ferindo de morde o princípio da ampla defesa e do contraditório. É uma garantia legal que a defesa sempre será a última a se manifestar no processo criminal, para que a defesa seja feita sobre todos os termos das acusações e argumentações trazidos pelo Ministério Público, qualquer coisa diferente disso, estará eivada de nulidade absoluta. A defesa já se manifestou no dia 18/12/2024, logo o ministério público não poderia mais se manifestar em sede de memoriais. O acolhimento de qualquer dos termos do Ministério Público em uma sentença futura, acarretará nulidade absoluta da sentença. Ante o exposto, requer seja desentranhada os Memoriais apresentados pelo ministério Público de ID: 18235600. Mesmo a defesa sabendo da ilegalidade dos memoriais apresentados são ilegais, por amor ao debate, a defesa irá rechaçar os argumentos dos memoriais extemporâneos. A observância, ou não, do prazo previsto no art. 403, §3º, do CPP pelo Ministério Público constitui mera irregularidade, por se tratar de prazo impróprio, cujo descumprimento não implica maiores consequências, maiormente quando não demonstrado o prejuízo. Precedentes: APELAÇÕES CÍVEIS. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. BENS IMÓVEIS. AÇÃO DE COBRANÇA DE MULTA E INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAIS. PRELIMINAR DESACOLHIDA. MEMORIAIS INTEMPESTIVOS. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. BOA-FÉ OBJETIVA. IMPLEMENTADA A CONDIÇÃO SUSPENSIVA, INDEVIDO O PAGAMENTO DA CLAUSULA PENAL. IMPROCEDÊNCIA. Memoriais intempestivos. Não há que se falar em desentranhamento dos memoriais juntados a destempo, pois não verificada violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa. O prazo para apresentação de memoriais é impróprio e seu descumprimento não implica nulidade processual, eis que se destinam, precipuamente, ao exame do julgador. Mérito. Condição contratual suspensiva implementada. Realização do negócio que estava condicionada à aprovação do financiamento habitacional junto à instituição bancária no valor integral do contrato. Liberação parcial. Não há que se falar em desistência voluntária do negócio pelos réus, mas sim na não implementação da causa suspensiva prevista no contrato, situação que exclui a incidência da cláusula penal. DESACOLHERAM A PRELIMINAR, NEGARAM PROVIMENTO AO APELO DOS AUTORES E DERAM PROVIMENTO AO APELO DOS RÉUS. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70074993007, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Giovanni Conti, Julgado em... 19/10/2017). (TJ-RS - AC: 70074993007 RS, Relator: Giovanni Conti, Data de Julgamento: 19/10/2017, Décima Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 01/11/2017) EMENTA: APELAÇÕES CRIMINAIS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO AO TRÁFICO. INTEMPESTIVIDADE DAS ALEGAÇÕES FINAIS APRESENTADAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. MERA IRREGULARIDADE. ART. 403, § 3º, DO CPP. PRAZO IMPRÓPRIO. INFRINGÊNCIA AO PRINCÍPIO DA PARIDADE DE ARMAS. INOCORRÊNCIA. PRELIMINARES REJEITADAS. ESPELHAMENTO DE MENSAGENS POR MEIO DO APLICATIVO WHATSAPP WEB. NULIDADE VERIFICADA. PROVA ILÍCITA EMERGENTE DO MONITORAMENTO TELEMÁTICO OBTIDO DE FORMA IRREGULAR. PRECEDENTES DO STJ. - Há de ser rejeitada a preliminar atinente à intempestividade das alegações finais apresentadas pelo MP, constituindo mera irregularidade o oferecimento tardio dos memoriais, estando a prever o art. 403, § 3º, prazo impróprio para exposição das derradeiras alegações - Franqueando-se às partes, em instrução criminal, oportunidade para se manifestarem acerca do conteúdo dos laudos toxicológicos instrutórios do feito, não se há falar em infringência ao principio da paridade de armas - Há de se decretar a nulidade do ato sentencial, afigurando-se ilícito o espelhamento de mensagens por meio do aplicativo whatsapp web, impondo-se o desentranhamento dos autos da prova emergente do monitoramento telemático obtido por meio irregular. (TJ-MG - APR: 10521180094174001 Ponte Nova, Relator: Matheus Chaves Jardim, Data de Julgamento: 16/09/2021, Câmaras Criminais / 2ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 24/09/2021) PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. RECONHECIMENTO DE NULIDADE. IRRESIGNAÇÃO CONTRA INTEMPESTIVA APRESENTAÇÃO DAS ALEGAÇÕES FINAIS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. DESENTRANHAMENTO DA PEÇA PROCESSUAL. MEMORIAIS DA DEFESA QUE ANTECEDERAM AOS DA ACUSAÇÃO. SUSPENSÃO DO PRAZO PARA APRESENTAR NOVAS ALEGAÇÕES FINAIS E PROLAÇÃO DE SENTENÇA. AFRONTA A PRINCÍPIOS QUE INFLUENCIARIAM EM DECISÃO FUTURA. 1. Impossibilidade do reconhecimento de nulidade por se tratar a apresentação de memoriais de prazo impróprio, aliada à ausência de comprovação de efetivo prejuízo., a teor do art. 563 do CPP, não sendo necessário o almejado desentranhamento. 2. Inocorrência de afronta aos princípios apontados pela Defesa, haja vista que garantida a ampla defesa, oportunizada com a apresentação de novas alegações finais, após o julgamento do presente "writ", suspenso, portanto, o prazo anteriormente estabelecido, assim como adiada a prolação de sentença, prejudicada, nestes pontos a pretensão. 3. Intempestividade na apresentação das alegações finais que não resulta, como alegado, na incompatibilidade ao princípio constitucional da plenitude de defesa, em virtude do princípio do livre convencimento motivado previsto no art. 371 do Código de Processo Civil, que preceitua que o juiz tem liberdade para apreciar e avaliar as provas produzidas nos autos e, a partir daí, formar seu convencimento, com a devida fundamentação nos elementos de prova coligidos aos autos, não se verificando, portanto, afronta ao princípio invocado. Ordem parcialmente conhecida e, nessa parte denegada. (TJ-SP - Habeas Corpus Criminal: 0008142-90.2023.8.26.0000 São Paulo, Relator: Camilo Léllis, Data de Julgamento: 18/04/2023, 4ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 19/04/2023) Além do mais, vê-se que a defesa é quem se antecipou ao Ministério Público, deixando observar a ordem sucessiva para a apresentação de memoriais, observância que, inevitavelmente, redundaria num maior prazo para a apresentação se sua peça defensiva. Portanto, evidente que a argumentação empreendida não deve prosperar. Afasto a nulidade fomentada. 2 – Do mérito. Ocupa-se, como dito, de ação penal em que é imputada a NASSERI DAVI NASSER a prática de crime previsto no art. 129, §1º, I e II, do CP. Lesão corporal Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano. Lesão corporal de natureza grave § 1º Se resulta: I - Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias; II - perigo de vida; Narra a denúncia, em síntese, que no dia 13/3/2019, por volta das 10h40min, no interior do estabelecimento denominado Oficina Arte Car, localizado na Rua Francisco Albuquerque, n. 31, Bairro Jardim Pitaluga, nesta cidade, o denunciado, mediante emprego de força física, intencionalmente, com o propósito de ferir, ofendeu a integridade física da vítima WENDERSON CARDOZO, provocando-lhe as lesões de natureza gravíssima descritas no laudo de exame de corpo de delito, mapa topográfico e laudos complementares. LUCIENE FERREIRA DOS ANJOS, ex-companheira da vítima, informante, disse que foi informada por telefone de que ele havia sofrido um acidente e estava internado. WENDERSON teria se envolvido em uma briga com um colega de trabalho, o que resultou em um soco que, segundo ela foi informada, causou um AVC. Após o episódio, WENDERSON sofreu diversas sequelas: paralisia no lado direito do corpo, dificuldades severas de fala e confusão mental. Luciene o acompanhou durante o tratamento, inclusive em Goiânia, mas relata que, mesmo com certa melhora, ele não recuperou totalmente a fala nem a firmeza física. Ela afirma que ele não voltou a trabalhar e acredita que atualmente vive com a mãe e recebe algum tipo de benefício. Ela explicou que ele vive com a mãe e os filhos, e que os custos do tratamento foram pagos pela família, com pouca ajuda externa — apenas um valor simbólico enviado pelo acusado, que demonstrou arrependimento. Reforçou que não presenciou o fato, e que os relatos que repassou foram confusos e parciais, tanto por ela não estar presente quanto pelas limitações de fala e memória de WENDERSON após o AVC. No final, a defesa destacou a falta de clareza nas declarações sobre quem iniciou a agressão, e Luciene reafirmou que WENDERSON era uma pessoa alegre e trabalhadora antes do ocorrido. MÁRCIO ROBERTO KROTH, testemunha, disse que presenciou uma discussão entre WENDERSON (a vítima) e NASSER (o réu), iniciada por desentendimentos sobre o trabalho. A discussão escalou após WENDERSON ofender a mãe de NASSER, o que levou ambos a trocarem socos. MÁRCIO interveio, separou os dois, mas posteriormente WENDERSON pegou uma barra de ferro e voltou a atacar NASSER, que se defendeu e revidou com mais socos. Após essa segunda briga, WENDERSON passou mal e foi levado por MÁRCIO à UPA, onde mais tarde foi diagnosticado com um inchaço na cabeça e, posteriormente, com uma veia rompida, possivelmente devido ao impacto. Afirmou que ambos eram pessoas tranquilas e não tinham histórico de agressividade, e mencionou que WENDERSON ficou com sequelas motoras após o incidente. Relata que os custos do tratamento foram cobertos em parte por familiares e amigos, com uma pequena ajuda financeira do próprio NASSER, que também teria demonstrado arrependimento. VANDERLEY RODRIGUES ARAÚJO, testemunha, relatou um conflito entre os colegas de trabalho NASSER e WENDERSON, iniciado por brincadeiras que evoluíram para agressões físicas. Segundo ele, após uma discussão, WENDERSON atacou NASSER com socos e posteriormente com uma barra de ferro, atingindo-o no braço e na cabeça. Ambos os envolvidos foram dispensados da oficina após o incidente, mas receberam suporte médico e jurídico. Alegou que as agressões verbais partiram inicialmente de WENDERSON contra NASSER. Ele relatou que, após uma primeira briga com trocas de socos, ambos foram separados e afastados, acreditando que o conflito havia terminado. No entanto, WENDERSON retornou com uma barra de ferro e atacou NASSER, que conseguiu se defender parcialmente, sofrendo uma lesão no braço. ALISON RODRIGUES DOS SANTOS, testemunha, disse que estava presente no local dos fatos e presenciou uma discussão inicial entre NASSER e WENDERSON por motivos de trabalho. Segundo ele, a discussão começou de forma leve e sem gravidade, evoluindo quando WENDERSON iniciou agressões físicas contra NASSER. Afirmou que WENDERSON, após a troca de socos, pegou uma barra de ferro para atacar NASSER, que apenas se defendeu. NASSER sofreu hematomas, enquanto WENDERSON precisou ser levado ao hospital por conta das lesões. Também relatou que WENDERSON parecia alterado e fora de si após o conflito. ANTONIO BENEDITO BORGES NETO, testemunha, disse que no dia do incidente havia um clima normal na oficina até que uma discussão entre NASSER e WENDERSON escalou para uma briga física. Após a primeira troca de socos, ambos foram separados, mas WENDERSON voltou a atacar, dessa vez com uma barra de ferro, atingindo NASSER, que se defendeu e revidou com alguns socos, fazendo WENDERSON cair. Afirma que, após a queda, WENDERSON ficou mal, foi socorrido e levado à UPA. Reconhece que havia brincadeiras pesadas na oficina e que, apesar de discussões anteriores com NASSER, nunca tinham chegado às vias de fato. Apesar de reconhecer ter assinado o termo de depoimento anterior, insiste que sua versão atual reflete a verdade. NASSERI DAVI NASSER, réu, alegou que o incidente ocorreu durante uma brincadeira na oficina Arte Car, onde ele e WENDERSON estavam discutindo sobre um serviço realizado. A briga começou após WENDERSON xingar a sua mãe, o que o fez se exaltar. Alegou que a discussão foi separada brevemente, mas quando ele foi lavar as mãos, WENDERSON o atacou com uma barra de ferro. Se defendeu, trocando socos e, após a intervenção de outras pessoas, WENDERSON caiu no chão. Afirmou que não continuou a agressão e expressou arrependimento pelo ocorrido, mencionando que poderia ter evitado a briga. Pois bem. Antes de tudo, parafraseando Renato Brasileiro de Lima, esclareço que no âmbito processual penal, hodiernamente, admite-se que é impossível que se atinja uma verdade absoluta. A prova produzida em juízo, por mais robusta e contundente que seja, é incapaz de dar ao magistrado um juízo de certeza absoluta. O que vai haver é uma aproximação, maior ou menor, da certeza dos fatos. “Há de se buscar, por conseguinte, a maior exatidão possível na reconstituição do fato controverso, mas jamais com a pretensão de que possa atingir uma verdade real, mas sim uma aproximação da realidade, que tenda a refletir ao máximo a verdade. Enfim, a verdade absoluta, coincidente com os fatos ocorridos, é um ideal, porém inatingível.” [Manual de processo penal: volume único / Renato Brasileiro de Lima – 8. ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2020] Sendo assim, evidentemente, o Juízo observará cada caso concreto com acuidade e prudência, valendo-se de todo o conjunto probatório, forte no princípio processual penal da busca da verdade, almejando uma aproximação da realidade, que tenda a refletir ao máximo a verdade; sem prejuízo do princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade, do qual deriva a regra do in dubio pro reo. Afinal, a condenação só pode ocorrer mediante um juízo de certeza, sob pena de que um inocente seja condenado injustamente. Dito isso, nos termos do art. 25 do CP, entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atua ou iminente, a direito seu ou de outrem. Mencionado instituto tem aplicação na proteção de qualquer bem juridicamente tutelado pela lei, como, no caso, a vida ou a integridade corporal. Como leciona Rogério Greco, “para que se possa falar em legítima defesa, que não pode jamais ser confundida com vingança privada, é preciso que o agente se veja diante de uma situação de total impossibilidade de recorrer ao Estado, responsável constitucionalmente por nossa segurança pública, e, só assim, uma vez presentes os requisitos legais de ordem objetiva e subjetiva, agir em sua defesa ou na defesa de terceiros.” Doutrinariamente, entende-se por agressão a ameaça humana de lesão de um interesse juridicamente protegido (bens jurídicos). Para ser reputada como injusta, tal agressão, não pode, de qualquer modo, ser amparada pelo nosso ordenamento jurídico. Por meios necessários entendem-se todos aqueles eficazes e suficientes à repulsa da agressão que está sendo praticada ou que está prestes a acontecer. Os princípios reitores, destinados à aferição da necessidade dos meios empregados pelo agente, são o da proporcionalidade e o da razoabilidade. A reação deve ser proporcional ao ataque, bem como deve ser razoável. Caso contrário, devemos descartar a necessidade do meio utilizado e, como consequência lógica, afastar a causa de exclusão da ilicitude. É preciso, ainda, que, ao agir, o agente o faça com moderação, sob pena de incorrer no chamado excesso. No entanto, na lição de Mirabete, “a legítima defesa é uma reação humana e não se pode medi-la com um transferidor, milimetricamente, quanto à proporcionalidade de defesa ao ataque sofrido pelo sujeito.” “Não é o número de golpes ou disparos, por exemplo, que caracteriza a imoderação, levando o agente a atuar em excesso. Pode acontecer que, para fazer cessar a agressão que estava sendo praticada contra a sua pessoa, o agente tenha de efetuar, v.g. mais de cinco disparos, sem que isso possa conceituar-se como uso imoderado de um meio necessário. [...] Para que possamos verificar se o uso do meio necessário foi moderado ou não, é preciso que tenhamos um marco, qual seja, o momento que o agente consegue fazer cessar a agressão que contra ele era praticada. Tudo o que fizer após esse marco será considerado excesso.” [Curso de direito penal: volume 1: parte geral: arts. 1º a 120 do Código Penal / Rogério Greco. – 24. ed. – Barueri [SP]: Atlas, 2022.] No caso em apreço, consoante o descrito pelas testemunhas MÁRCIO ROBERTO KROTH, VANDERLEY RODRIGUES ARAÚJO, ALISON RODRIGUES DOS SANTOS e ANTONIO BENEDITO BORGES NETO em Juízo, que presenciaram o fato, após suposta discussão que teria resultado em vias de fato, vítima e réu foram separados, voltando a digladiar depois de a vítima avançar contra o réu em posse de uma barra de ferro, o qual teria se defendido e revidado apenas com socos. A testemunha MÁRCIO ROBERTO KROTH descreve ter separado os dois, e que, após a separação, a vítima pegou uma barra de ferro e voltou a atacar o réu, que se defendeu e revidou com socos. VANDERLEY RODRIGUES ARAÚJO relata que após uma primeira briga com trocas de socos, ambos foram separados e afastados, acreditando que o conflito havia terminado. No entanto, a vítima retornou com uma barra de ferro e atacou o réu, que conseguiu se defender parcialmente, sofrendo uma lesão no braço. O mesmo é dito por ALISON RODRIGUES DOS SANTOS e ANTONIO BENEDITO BORGES NETO, que descrevem que a discussão começou de forma leve e sem gravidade, evoluindo quando a vítima iniciou agressões físicas contra o réu. Após a troca de socos a vítima pegou uma barra de ferro para atacar o réu, que apenas se defendeu. A vítima teria atingido o acusado, que revidou com alguns socos, a derrubando no chão. O réu, por sua vez, alega ter sido atacado pela vítima com uma barra de ferro e que se defendeu com socos. Após a intervenção de outras pessoas, a vítima teria caído, momento em que cessou a agressão. Nesse ponto, há de ser registrada a semelhança entre os depoimentos e declarações prestados em ambas as fases, o que ratificaria a dinâmica do fato, dando a entender que o réu revidou com socos injusta agressão da vítima, que portava uma barra de ferro. Como dito, não se desconhece que se mesmo depois de ter feito cessar a agressão que estava sendo praticada contra a sua pessoa, se o agente não interrompe seus atos e continua com a repulsa, a partir desse momento já estará incorrendo em excesso. Afinal, geralmente, o excesso tem início depois de um marco fundamental, qual seja, o momento em que o agente, com a sua repulsa, fez cessar a agressão que contra ele era praticada. Na hipótese, contudo, não se pode aferir eventual excesso na conduta do réu, uma vez que as testemunhas, que presenciaram o fato, nas duas fases, dão a entender que as agressões cessaram após a intervenção. Diante da inexistência de provas conclusivas quanto ao ponto, basear o decreto condenatório em suposições e conjecturas afrontaria o princípio constitucional da presunção de inocência e do in dubio pro reo. RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL – TRÁFICO DE DROGAS – SENTENÇA ABSOLUTÓRIA – IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL – PRETENDIDA CONDENAÇÃO – ALEGADA SUFICIÊNCIA DE PROVAS DA MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS – INOCORRÊNCIA – AUSÊNCIA DE RATIFICAÇÃO EM JUÍZO DOS ELEMENTOS INDICIÁRIOS – ACERVO PROBATÓRIO INAPTO A IMPUTAR A AUTORIA DO DELITO ESTREME DE DÚVIDAS – APLICAÇÃO DO BROCARDO JURÍDICO IN DUBIO PRO REO – APELO MINISTERIAL CONHECIDO E DESPROVIDO. Se a prova existente nos autos não evidencia de forma segura a autoria do delito de tráfico de drogas imputado à apelada, não há falar em decreto condenatório, à míngua de provas cabais nesse sentido, não bastando para tanto meras suposições e conjecturas, sendo a mantença da absolvição medida impositiva, em observância ao aforismo in dubio pro reo. (TJMT - N.U 0013745-16.2015.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, NÃO INFORMADO, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 06/03/2024, Publicado no DJE 10/03/2024) APELAÇÃO CRIMINAL – USO DE DOCUMENTO FALSO E FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO – PLEITO DE CONDENAÇÃO – INVIABILIDADE – AUTORIA NÃO COMPROVADA – INSUFICIÊNCIA DE PROVAS – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO – ABSOLVIÇÃO MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. Não havendo provas suficientes para evidenciar certeza da autoria do delito, a qual orbita em torno de suposições, deve ser mantida a sentença de absolvição, em atenção ao princípio constitucional da presunção de inocência e do in dubio pro reo. (TJMT - N.U 0003085-82.2012.8.11.0004, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, NÃO INFORMADO, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 27/02/2024, Publicado no DJE 06/03/2024) Assim, não havendo nos autos elemento de prova que, estreme de dúvidas, comprove o animus laedendi do acusado, tampouco eventual excesso, ante a versão de que o réu apenas se defendeu com socos e que as agressões cessaram após a intervenção de terceiros, persistente incerteza quanto à existência de causa excludente da ilicitude ou da culpabilidade, o que, nos termos do art. 386, VI, do CPP, implica absolvição do réu, pois, como leciona Renato Brasileiro de Lima, “havendo certeza (ou mesmo fundada dúvida) sobre a existência de causa excludente da ilicitude ou da culpabilidade, incumbe ao juiz absolver o acusado.” Nesse sentido: RECURSOS DE APELAÇÃO CRIMINAL – CRIMES DE ROUBO CIRCUNSTANCIADO E TORTURA – CONDENAÇÃO – RECURSO DA DEFESA DE LEOVANIO – PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO – ALEGAÇÃO DE HAVER ATUADO PREMIDO POR COAÇÃO MORAL IRRESISTÍVEL – PROCEDÊNCIA – PROVAS SUFICIENTES A ASSINALAR QUE PRATICOU O INJUSTO PORQUE AMEAÇADO PELOS OUTROS CORRÉUS – DÚVIDA RAZOÁVEL SOBRE A POSSIBILIDADE DE RESISTIR À COAÇÃO – ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE – DEMAIS APELANTES – ALEGADA INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA – IMPROCEDÊNCIA – MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS DEVIDAMENTE DEMONSTRADAS – DEPOIMENTOS DE VÍTIMAS E TESTEMUNHAS – AUTORES MEDIATOS QUE COAGIRAM OUTREM À PRÁTICA DELITIVA – DE OFÍCIO – IMPOSITIVO O RECONHECIMENTO DO CONCURSO FORMAL PRÓPRIO ENTRE OS CRIMES DE ROUBO E TORTURA – RECURSO DE LEOVANIO PROVIDO E RECURSOS DE GESLEY KENNED RODRIGUES E GUILHERME DOS SANTOS DA SILVA DESPROVIDOS – PENAS DE GUILHERME E GESLEY READEQUADAS DE OFÍCIO. Para que se decrete a absolvição nos moldes do artigo 386, inciso VI, do Código de Processo Penal faz-se suficiente a existência de fundada dúvida sobre a existência de circunstância que exclua o crime ou isente o réu de pena, como vem de ser a coação irresistível [art. 22, CP]. Descabe excogitar de absolvição do crime de roubo quando restar devidamente comprovado que os agentes, mediante coação irresistível de terceiro, subtraíram coisa alheia móvel, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência à pessoa. Ao praticar, mediante uma só ameaça, os crimes de roubo com autoria mediata e de tortura do ameaçado que praticou o injusto, o agente responde por ambos os delitos em concurso formal próprio. (TJMT - N.U 0000256-68.2016.8.11.0011, ALBERTO FERREIRA DE SOUZA, SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL, Julgado em 06/09/2017, Publicado no DJE 14/09/2017). APELAÇÃO CRIMINAL – SENTENÇA CONDENATÓRIA – ART. 129, § 9º DO CP – IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA – PRETENDIDA A ABSOLVIÇÃO – AUSÊNCIA DE PROVAS CONCRETAS DA VOLUNTARIEDADE DA LESÃO – POSSIBILIDADE – FRAGILIDADES DAS PROVAS AMEALHADAS – COERÊNCIA NA NARRATIVA DO APELANTE COMO OS DEPOIMENTOS DA VÍTIMA E DA TESTEMUNHA – ANIMUS LAEDENDI – PROVA – FATO QUE SE APROXIMA DA CULPA STRICTO SENSU – RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA – NULLUM CRIMEN SINE CULPA – PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO – OBSERVÂNCIA DO ART. 386, INC. VII, DO CPP – CASO DE ABSOLVIÇÃO – RECURSO PROVIDO. A reforma da sentença condenatória torna-se imperiosa quando, do conjunto probatório existente nos autos, remanescerem dúvidas acerca do cometimento, pelo acusado, do crime que lhe foi imputado, devendo ser aplicado em seu favor o disposto no art. 386, VI, da Lei Adjetiva Penal e o brocardo jurídico in dubio pro reo. (TJMT - N.U 0005719-92.2019.8.11.0008, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RUI RAMOS RIBEIRO, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 28/02/2023, Publicado no DJE 07/03/2023). RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL – TENTATIVA DE LESÃO CORPORAL CONTRA A MULHER POR RAZÕES DA CONDIÇÃO DO SEXO FEMININO (ART 129, §13 DO CÓDIGO PENAL) – SENTENÇA CONDENATÓRIA – IRRESIGNAÇÃO DA DEFESA – 1. PRETENDIDA A ABSOLVIÇÃO – 1.1. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO ACUSATÓRIO – INOCORRÊNCIA – SISTEMA PROCESSUAL PENAL MISTO – LITERALIDADE DO ART. 385 DO CPP – 1.2. ALEGADA CONFIGURAÇÃO DE LEGÍTIMA DEFESA – PROCEDÊNCIA – RÉU QUE SE ARMOU COM UMA FACA A FIM DE FREAR AGRESSÕES POR PARTE DA VÍTIMA – NENHUM GOLPE DESFERIDO – USO MODERADO DOS MEIOS NECESSÁRIOS – LITERALIDADE DO ART. 386, VI, DO CPP – PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO – ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE – APELO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Nos termos do art. 385 do Código de Processo Penal, nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer circunstâncias agravantes de pena, embora nenhuma tenha sido alegada. 2. Presente nos autos dúvida razoável acerca da ocorrência de legítima defesa in casu, sob cujo manto o recorrente afirma ter agido, em alegação amparada pela prova oral produzida em juízo, revela-se imperiosa a absolvição do réu, nos termos do art. 386, VI, do Código de Processo Penal, em conformidade com o brocardo jurídico in dubio pro reo. 3. Apelo conhecido e provido. (TJMT - N.U 1002774-25.2022.8.11.0004, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, GILBERTO GIRALDELLI, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 05/10/2022, Publicado no DJE 07/10/2022). Logo, havendo dúvida razoável acerca da ocorrência da excludente de ilicitude prevista no art. 23, II, c/c art. 25 do CP – legítima defesa -, de rigor a absolvição, forte no princípio in dubio pro reo, nos termos do art. 386, VI, do CPP DISPOSITIVO. Pelo exposto, por haver fundada dúvida sobre a existência de circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena, na forma do art. 386, VI, do CPP, ABSOLVO o réu NASSERI DAVI NASSER, qualificado nos autos. Eventual fiança recolhida deverá ser restituída, sem desconto, ao réu ou a seus sucessores, nos termos do art. 337 do CPP e art. 458, §1º, do CNGC. Efetivada a intimação do afiançado ou de seu advogado e decorrido o prazo de 30 (trinta) dias sem manifestação, o valor será destinado ao Fundo Penitenciário do Estado de Mato Grosso – Funpen/MT, na forma do art. 458, §3º do CNGC. Transitada em julgado, arquive-se com as baixas e anotações necessárias. Providencie-se e expeça-se o necessário. Intime-se. Cumpra-se. Barra do Garças, na data da assinatura. Marcelo Sousa Melo Bento de Resende Juiz de Direito
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