Resultados para "1036795-76.2023.8.26.0100" – Página 101 de 101

Processo nº 1003254-10.2025.8.11.0000

ID: 261657646

Tribunal: TJMT Órgão: Terceira Câmara de Direito Privado Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº Processo: 1003254-10.2025.8.11.0000

Data de Disponibilização: 28/04/2025

Polo Ativo:

BANCO DAYCOVAL S/A

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1003254-10.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Defeito, nulidade ou anulação, Superend… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1003254-10.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Defeito, nulidade ou anulação, Superendividamento] Relator: Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA Turma Julgadora: [DES(A). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, DES(A). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, DES(A). DIRCEU DOS SANTOS] Parte(s): [DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA - CPF: 568.962.041-68 (ADVOGADO), BANCO DAYCOVAL S/A - CNPJ: 62.232.889/0001-90 (AGRAVANTE), MARIA PEREIRA DA SILVA - CPF: 161.526.201-63 (AGRAVADO), DANIELLE NUNES DE OLIVEIRA - CPF: 042.764.457-79 (ADVOGADO), BANCO DO BRASIL SA - CNPJ: 00.000.000/0001-91 (TERCEIRO INTERESSADO), BANCO MASTER S/A - CNPJ: 33.923.798/0002-83 (TERCEIRO INTERESSADO), BANCO BMG SA - CNPJ: 61.186.680/0001-74 (TERCEIRO INTERESSADO), BANCO AGIBANK S.A - CNPJ: 10.664.513/0001-50 (TERCEIRO INTERESSADO), BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL SA - CNPJ: 92.702.067/0001-96 (TERCEIRO INTERESSADO), JBCRED S.A. SOCIEDADE DE CREDITO AO MICROEMPREENDEDOR - CNPJ: 04.230.630/0001-03 (TERCEIRO INTERESSADO), PARANA BANCO S/A - CNPJ: 14.388.334/0001-99 (TERCEIRO INTERESSADO), FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO - CNPJ: 15.581.638/0001-30 (TERCEIRO INTERESSADO), BANCO MERCANTIL DO BRASIL SA - CNPJ: 17.184.037/0001-10 (TERCEIRO INTERESSADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. SUPERVENDIVAMENTO. HOMOLOGAÇÃO DE PLANO JUDICIAL COMPULSÓRIO. PROCEDIMENTO LEGAL REGULAR. INOCORRÊNCIA DE DECISÃO SURPRESA. DESNECESSIDADE DE ADMINISTRADOR JUDICIAL NA HIPÓTESE. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame Agravo de instrumento interposto contra decisão que, em ação de repactuação de dívidas fundada na Lei nº 14.181/2021, deferiu a homologação de plano judicial compulsório, diante da frustração da audiência conciliatória e da ausência de contraproposta dos credores, consolidando os débitos da autora e resguardando-lhe o mínimo existencial. II. Questão em discussão A questão em discussão consiste em verificar: (i) se houve violação ao contraditório e à vedação à decisão surpresa, por ausência de intimação prévia à homologação do plano; (ii) se o plano judicial atende aos requisitos legais do art. 104-B, § 4º, do CDC; (iii) se seria obrigatória a nomeação de administrador judicial para aferição da real capacidade financeira da consumidora. III. Razões de decidir Não se configura decisão surpresa, pois a homologação do plano judicial compulsório é prevista expressamente no procedimento bifásico estabelecido na Lei nº 14.181/2021, após a frustração da audiência de conciliação e a ausência de contraproposta dos credores. O plano judicial foi regularmente apresentado e instruído com os dados financeiros necessários, sendo certo que o banco agravante deixou de impugná-lo oportunamente, o que afasta a alegação de nulidade por ausência de contraditório. A nomeação de administrador judicial não se justifica na hipótese concreta, dada à suficiência da documentação apresentada e a ausência de controvérsia relevante sobre os dados constantes no plano. A atuação do juízo a quo observa as garantias legais e os princípios constitucionais aplicáveis, preservando a dignidade da parte devedora e o equilíbrio contratual dentro dos parâmetros da Lei de Superendividamento. IV. Dispositivo e tese Recurso conhecido e desprovido. Tese de julgamento: “1. A homologação do plano judicial compulsório, prevista no art. 104-B do CDC, não configura decisão surpresa quando resultante da frustração da audiência conciliatória e da ausência de proposta dos credores. 2. A nomeação de administrador judicial não se impõe quando o plano é apresentado com documentação adequada e não impugnado tempestivamente pela parte adversa.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, LIV e LV; CDC, arts. 54, §1º; 104-A e 104-B; CPC/2015, art. 10. Jurisprudência relevante citada: TJSP, ApCiv 1039820-76.2023.8.26.0100, Rel. Des. Carlos Henrique Abrão, j. 15.02.2024. R E L A T Ó R I O Trata-se de recurso de agravo de instrumento interposto por Banco do Brasil S.A. em face da decisão proferida pelo MM. Juíza de Direito da 3ª Vara Especializada em Direito Bancário da Capital, que nos autos da ação de repactuação de dívidas manejada por Maria Pereira da Silva, deferiu a instauração e homologação do plano judicial, determinando o parcelamento consolidado de todas as dívidas dos credores réus no plano de pagamento, estipulando os valores mensais, correção monetária, bem como o prazo e pagamento, proibindo a autora de contrair novos empréstimos ou qualquer operação de crédito, sob pena de configuração de má-fé, além da rescisão do plano. Inconformado, defende o banco o desacerto da decisão, alegando que a homologação do plano de pagamento ocorreu sem a devida manifestação dos credores, configurando decisão surpresa. Sustenta que o plano homologado impõe um parcelamento compulsório sem a devida correção monetária adequada, contrariando o disposto no artigo 104-B, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Sustenta que a homologação do plano deveria ser precedida por avaliação técnica imparcial, para garantir que o devedor efetivamente preencha os requisitos do superendividamento e que os credores não sejam prejudicados. Afirma que a imposição do plano compromete o direito da instituição financeira de receber os valores contratados nos termos pactuados, configurando intervenção judicial indevida nas relações privadas. Diante disso, requer a reforma integral da decisão agravada, determinando-se a suspensão do plano de pagamento imposto e a reabertura da fase de instrução para análise da real situação financeira da agravada, com eventual nomeação de administrador judicial. O pleito de antecipação recursal foi indeferido (id. 269060796). A agravada apresentou contraminuta formulando pelo desprovimento do recurso (id. 273489386). É o relatório. Inclua-se na pauta. Cuiabá, 23 de abril de 2025. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA Relator V O T O R E L A T O R Cinge-se dos autos que Maria Pereira da Silva ajuizou ação de repactuação de dívidas em desfavor do banco agravante e outros, sustentando se encontrar em situação de superendividamento, não sendo mais capaz de arcar com a totalidade de suas obrigações financeiras sem comprometer o seu mínimo existencial. Alega comprometimento de 153,55% de sua renda bruta mensal, atualmente no valor de R$ 10.204,70, com dívidas totalizando R$ 155.867,00. Requereu, com base nesse quadro, a aplicação das disposições do art. 104-A e seguintes do CDC, a repactuação judicial das dívidas e a concessão de tutela provisória para limitação dos descontos em folha e suspensão da exigibilidade dos demais débitos. Designada audiência de conciliação, não houve acordo entre as partes, deixando as financeiras de oferecer proposta, tampouco aceitar o plano de pagamento apresentado pela autora (id. 126757198 - autos de origem). Diante disso, o d. magistrado deferiu a instauração e homologação do plano judicial, determinando o parcelamento consolidado de todas as dívidas dos credores réus no plano de pagamento, estipulando os valores mensais, correção monetária, bem como o prazo e pagamento, proibindo a autora de contrair novos empréstimos ou qualquer operação de crédito, sob pena de configuração de má-fé, além da rescisão do plano (id. 152364072 – autos de origem). Em face dessa decisão, recorre o banco defendendo o desacerto da decisão, alegando que a homologação do plano de pagamento ocorreu sem a devida manifestação dos credores, configurando decisão surpresa. Sustenta que o plano homologado impõe um parcelamento compulsório sem a devida correção monetária adequada, contrariando o disposto no artigo 104-B, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Sustenta que a homologação do plano deveria ser precedida por avaliação técnica imparcial, para garantir que o devedor efetivamente preencha os requisitos do superendividamento e que os credores não sejam prejudicados. Afirma que a imposição do plano compromete o direito da instituição financeira de receber os valores contratados nos termos pactuados, configurando intervenção judicial indevida nas relações privadas. Diante disso, requer a reforma integral da decisão agravada, determinando-se a suspensão do plano de pagamento imposto e a reabertura da fase de instrução para análise da real situação financeira da agravada, com eventual nomeação de administrador judicial. Pois bem. Após detida análise dos autos, verifico que a questão não é de difícil elucidação. Conforme visto, cuida-se na origem de ação de repactuação de dívida, cujo procedimento foi disciplinado pela Lei n.º 14.181/2021, que impôs importantes alterações no Código de Defesa do Consumidor, introduzindo um verdadeiro microssistema de crédito, com o objetivo de prevenir e tratar o fenômeno do superendividamento. Deste modo, com o advento da referida Lei n.º 14.181/2021, surgiram novas oportunidades para solucionar o superendividamento, assegurando o cumprimento da obrigação pelo consumidor/devedor, mas garantindo, todavia, a sua dignidade e inclusão social com a conservação do mínimo existencial. Aliás, um dos pilares da lei é justamente resguardar o mínimo existencial, ou seja, um valor que deve ser colocado a salvo dos credores para garantir o sustento do devedor. A propósito, o §1º do art. 54, do CDC traz o conceito de superendividamento, veja: “Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação.” Como se observa, a lei trouxe conceito vago e não especificou o valor do mínimo existencial, deixando a tarefa para regulamentação complementar. Ocorre que no dia 26 de julho de 2022, foi expedido o Decreto n.º 11.150/2022, que regulamentou a referida lei e instituiu o valor do mínimo existencial, sendo utilizado como fundamento da prolação da r. sentença ora discutida. Dito isso, nos termos do art. 3º do referido Decreto, o mínimo existencial correspondia a 25% do salário mínimo vigente na data da publicação do decreto, veja: “Art. 2º Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial. Parágrafo único. Para fins do disposto neste Decreto, consideram-se dívidas de consumo os compromissos financeiros assumidos pelo consumidor pessoa natural para a aquisição ou a utilização de produto ou serviço como destinatário final. Art. 3º No âmbito da prevenção, do tratamento e da conciliação administrativa ou judicial das situações de superendividamento, considera-se mínimo existencial a renda mensal do consumidor pessoa natural equivalente a vinte e cinco por cento do salário mínimo vigente na data de publicação deste Decreto. § 1º A apuração da preservação ou do não comprometimento do mínimo existencial de que trata o caput será realizada considerando a base mensal, por meio da contraposição entre a renda total mensal do consumidor e as parcelas das suas dívidas vencidas e a vencer no mesmo mês.” (destaquei). Posteriormente, o Decreto nº 11.567, de 2023, atualizou esse valor e passou a prever o montante de R$ 600,00 (seiscentos reais), confira: “Art. 3º No âmbito da prevenção, do tratamento e da conciliação administrativa ou judicial das situações de superendividamento, considera-se mínimo existencial a renda mensal do consumidor pessoa natural equivalente a R$ 600,00 (seiscentos reais). Como se vê, o superendividamento é caracterizado pela impossibilidade de o consumidor pagar suas dívidas sem comprometer seu mínimo existencial, o qual corresponde à renda mensal equivalente a R$ 600,00. Por sua vez, a Lei n° 14.181/2021 também estabeleceu um rito especial, bifásico, que tem início com a reunião dos credores e apresentação do plano de pagamento pelo devedor em audiência de conciliação (art. 104-A, do CDC). A segunda etapa, que terá início caso reste infrutífera a conciliação, consiste na instauração do processo por superendividamento, destinado justamente a repactuar as dívidas mediante plano judicial compulsório, in verbis: “Art. 104-A. A requerimento do consumidor superendividado pessoa natural, o juiz poderá instaurar processo de repactuação de dívidas, com vistas à realização de audiência conciliatória, presidida por ele ou por conciliador credenciado no juízo, com a presença de todos os credores de dívidas previstas no art. 54-A deste Código, na qual o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos, preservados o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, e as garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas. Art. 104-B. Se não houver êxito na conciliação em relação a quaisquer credores, o juiz, a pedido do consumidor, instaurará processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes mediante plano judicial compulsório e procederá à citação de todos os credores cujos créditos não tenham integrado o acordo porventura celebrado.” E, conforme se depreende dos autos, a audiência de conciliação restou infrutífera, ao passo que a agravada apresentou o plano de pagamento no id. 126744802, que além de não aceito pelo banco agravante, deixou de formular proposta de acordo, agindo com acerto o d. magistrado ao determinar o plano judicial compulsório, consolidando as dívidas da agravada e limitando as parcelas mensais. Ora, não há falar em violação da decisão surpresa ao passo que possuindo um procedimento próprio a ser seguido, tendo resultado infrutífera a conciliação e diante da não aceitação do plano ofertado pelo agravado, o processo deve prosseguir nos termos da Lei de Superendividamento, com a instauração do processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação de dívidas remanescentes mediante plano judicial compulsório, conforme determinou o d. magistrado, não merecendo qualquer reforma a decisão neste ponto. E, delineado nas mesmas razões, nem há falar na necessidade de nomeação de administrador, pois, além de não aceito o plano apresentado, reitera-se que o agravado deixou de oferecer acordo, resultando na homologação judicial compulsória. Importa destacar que o tratamento conferido ao superendividamento pela legislação consumerista visa não apenas assegurar o pagamento das dívidas pelo devedor, reduzindo a inadimplência, mas também resguardar a sua subsistência, garantindo-lhe o mínimo existencial, em detrimento das obrigações financeiras assumidas. Cumpre esclarecer, contudo, que a lei exige a demonstração de uma impossibilidade manifesta, por parte do consumidor pessoa natural, de quitar integralmente suas dívidas de consumo sem comprometer o mínimo existencial. Ressalte-se que não é imprescindível a existência de mora ou inadimplemento absoluto, bastando à demonstração da impossibilidade de adimplir com as obrigações assumidas. Em outras palavras, na hipótese de agravamento contínuo da capacidade de cumprimento das obrigações financeiras, o consumidor poderá buscar a tutela jurisdicional com vistas à repactuação das dívidas de consumo previstas na legislação. Para tanto, deverá comprovar, de forma efetiva, todas as suas despesas ordinárias — tais como água, energia elétrica, telefone, internet, entre outras —, bem como as dívidas que pretende repactuar, sejam oriundas de operações de crédito, compras a prazo ou prestação de serviços contínuos. Além disso, deve apresentar as despesas que, embora não se qualifiquem como dívidas de consumo passíveis de repactuação, impactam diretamente em seu orçamento, como aluguel, alimentação, pensão alimentícia, prestações de financiamento imobiliário e de veículo com alienação fiduciária, entre outras. Na hipótese dos autos, verifica-se que a autora assumiu dívidas muito superiores aos seus ganhos mensais, ao passo que os empréstimos assumidos consomem 80,60% de seu salário líquido, restando 19,40% para o custeio de suas despesas ordinárias, conforme se infere do plano de pagamento no qual foram detalhados os contratos existentes e os valores de cada um (id. 121438846 – autos de origem). Outrossim, as dívidas referentes a cartão de crédito, empréstimo pessoal e cheque especial, podem ser qualificadas como "dívidas de consumo" e não excluídas da ação de conciliação e repactuação de dívidas, na forma do § 1º do artigo 104-A do CDC, in verbis: "Excluem-se do processo de repactuação as dívidas, ainda que decorrentes de relações de consumo, oriundas de contratos celebrados dolosamente sem o propósito de realizar pagamento, bem como as dívidas provenientes de contratos de crédito com garantia real, de financiamentos imobiliários e de crédito rural." Conforme já reiterado em outras ocasiões, nesse momento inicial de adaptação dos operadores do Direito à vigência da nova legislação que trata do superendividamento e da repactuação de dívidas, a atuação judicial com vistas à preservação do mínimo existencial, indispensável à dignidade e à sobrevivência do consumidor e de sua família, deve ser objeto de ponderação específica, conforme as peculiaridades e circunstâncias de cada caso concreto, reputando-se, desta forma, uma análise rasa sobre o assunto. Ressalte-se que a aplicação da Lei nº 14.181/2021, mesmo a contratos celebrados anteriormente à sua vigência, não viola o princípio da irretroatividade da lei, eis que não se pretende rediscutir cláusulas contratuais pretéritas, mas tão somente disciplinar os efeitos futuros da execução dos contratos, diante de superveniente situação de desequilíbrio financeiro da parte consumidora. Portanto, por estes termos e estribado nessas razões, tenho que o decisum objurgado está em consonância com a legislação pátria e jurisprudência, devendo permanecer por seus próprios fundamentos. Posto isso, conheço do recurso e lhe NEGO PROVIMENTO. Cuiabá, 23 de abril de 2025. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA Relator Data da sessão: Cuiabá-MT, 23/04/2025

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Processo nº 1004228-47.2025.8.11.0000

ID: 261657648

Tribunal: TJMT Órgão: Terceira Câmara de Direito Privado Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº Processo: 1004228-47.2025.8.11.0000

Data de Disponibilização: 28/04/2025

Polo Ativo:

BANCO MERCANTIL DO BRASIL SA

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

LUIZ GASTAO DE OLIVEIRA ROCHA

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

ALEXANDRE BORGES LEITE

OAB/SP XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1004228-47.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Contratos Bancários, Superendividamento… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1004228-47.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Contratos Bancários, Superendividamento] Relator: Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA Turma Julgadora: [DES(A). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, DES(A). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, DES(A). DIRCEU DOS SANTOS] Parte(s): [LUIZ GASTAO DE OLIVEIRA ROCHA - CPF: 051.294.868-20 (ADVOGADO), BANCO MERCANTIL DO BRASIL SA - CNPJ: 17.184.037/0001-10 (AGRAVANTE), MARIA PEREIRA DA SILVA - CPF: 161.526.201-63 (AGRAVADO), DANIELLE NUNES DE OLIVEIRA - CPF: 042.764.457-79 (ADVOGADO), ALEXANDRE BORGES LEITE - CPF: 828.643.736-53 (ADVOGADO), BANCO DAYCOVAL S/A - CNPJ: 62.232.889/0001-90 (TERCEIRO INTERESSADO), BANCO DO BRASIL SA - CNPJ: 00.000.000/0001-91 (TERCEIRO INTERESSADO), BANCO MASTER S/A - CNPJ: 33.923.798/0002-83 (TERCEIRO INTERESSADO), BANCO AGIBANK S.A - CNPJ: 10.664.513/0001-50 (TERCEIRO INTERESSADO), BANCO BMG SA - CNPJ: 61.186.680/0001-74 (TERCEIRO INTERESSADO), BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL SA - CNPJ: 92.702.067/0001-96 (TERCEIRO INTERESSADO), JBCRED S.A. SOCIEDADE DE CREDITO AO MICROEMPREENDEDOR - CNPJ: 04.230.630/0001-03 (TERCEIRO INTERESSADO), PARANA BANCO S/A - CNPJ: 14.388.334/0001-99 (TERCEIRO INTERESSADO), FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO - CNPJ: 15.581.638/0001-30 (TERCEIRO INTERESSADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. SUPERVENDIVAMENTO. HOMOLOGAÇÃO DE PLANO JUDICIAL COMPULSÓRIO. PROCEDIMENTO LEGAL REGULAR. INOCORRÊNCIA DE DECISÃO SURPRESA. DESNECESSIDADE DE ADMINISTRADOR JUDICIAL NA HIPÓTESE. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame Agravo de instrumento interposto contra decisão que, em ação de repactuação de dívidas fundada na Lei nº 14.181/2021, deferiu a homologação de plano judicial compulsório, diante da frustração da audiência conciliatória e da ausência de contraproposta dos credores, consolidando os débitos da autora e resguardando-lhe o mínimo existencial. II. Questão em discussão A questão em discussão consiste em verificar: (i) se houve violação ao contraditório e à vedação à decisão surpresa, por ausência de intimação prévia à homologação do plano; (ii) se o plano judicial atende aos requisitos legais do art. 104-B, § 4º, do CDC; (iii) se seria obrigatória a nomeação de administrador judicial para aferição da real capacidade financeira da consumidora. III. Razões de decidir Não se configura decisão surpresa, pois a homologação do plano judicial compulsório é prevista expressamente no procedimento bifásico estabelecido na Lei nº 14.181/2021, após a frustração da audiência de conciliação e a ausência de contraproposta dos credores. O plano judicial foi regularmente apresentado e instruído com os dados financeiros necessários, sendo certo que o banco agravante deixou de impugná-lo oportunamente, o que afasta a alegação de nulidade por ausência de contraditório. A nomeação de administrador judicial não se justifica na hipótese concreta, dada à suficiência da documentação apresentada e a ausência de controvérsia relevante sobre os dados constantes no plano. A atuação do juízo a quo observa as garantias legais e os princípios constitucionais aplicáveis, preservando a dignidade da parte devedora e o equilíbrio contratual dentro dos parâmetros da Lei de Superendividamento. IV. Dispositivo e tese Recurso conhecido e desprovido. Tese de julgamento: “1. A homologação do plano judicial compulsório, prevista no art. 104-B do CDC, não configura decisão surpresa quando resultante da frustração da audiência conciliatória e da ausência de proposta dos credores. 2. A nomeação de administrador judicial não se impõe quando o plano é apresentado com documentação adequada e não impugnado tempestivamente pela parte adversa.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, LIV e LV; CDC, arts. 54, §1º; 104-A e 104-B; CPC/2015, art. 10. Jurisprudência relevante citada: TJSP, ApCiv 1039820-76.2023.8.26.0100, Rel. Des. Carlos Henrique Abrão, j. 15.02.2024. R E L A T Ó R I O Trata-se de recurso de agravo de instrumento interposto por Banco do Brasil S.A. em face da decisão proferida pelo MM. Juíza de Direito da 3ª Vara Especializada em Direito Bancário da Capital, que nos autos da ação de repactuação de dívidas manejada por Maria Pereira da Silva, deferiu a instauração e homologação do plano judicial, determinando o parcelamento consolidado de todas as dívidas dos credores réus no plano de pagamento, estipulando os valores mensais, correção monetária, bem como o prazo e pagamento, proibindo a autora de contrair novos empréstimos ou qualquer operação de crédito, sob pena de configuração de má-fé, além da rescisão do plano. Em suas razões recursais, o agravante sustenta, em síntese a nulidade da decisão agravada, sob o argumento de que os requisitos legais para a homologação compulsória do plano judicial não foram observados. Suscita a violação ao princípio da autonomia contratual (art. 421 do Código Civil), pois a imposição de um plano de pagamento compulsório interfere na liberdade das partes de pactuar as condições contratuais. Requer a inaplicabilidade da Lei 14.181/21 (Lei do Superendividamento) ao caso, uma vez que a agravada celebrou contratos de empréstimo consignado, os quais possuem garantias e não poderiam ser abrangidos pelo processo de repactuação compulsória. Defende a ausência de comprovação do superendividamento e da necessidade de repactuação das dívidas nos moldes impostos pela decisão recorrida, bem como o prejuízo ao credor, pois a decisão impede a instituição financeira de cobrar os valores originalmente pactuados, resultando em inadimplemento contratual e ônus indevido ao banco agravante. Diante disso, postula a reforma integral da decisão, afastando a imposição do plano de pagamento homologado. O pleito de antecipação recursal foi indeferido (id. 271022372). A agravada apresentou contraminuta formulando pelo desprovimento do recurso (id. 275184395). É o relatório. Inclua-se na pauta. Cuiabá, 23 de abril de 2025. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA Relator V O T O R E L A T O R Cinge-se dos autos que Maria Pereira da Silva ajuizou ação de repactuação de dívidas em desfavor do banco agravante e outros, sustentando se encontrar em situação de superendividamento, não sendo mais capaz de arcar com a totalidade de suas obrigações financeiras sem comprometer o seu mínimo existencial. Alega comprometimento de 153,55% de sua renda bruta mensal, atualmente no valor de R$ 10.204,70, com dívidas totalizando R$ 155.867,00. Requereu, com base nesse quadro, a aplicação das disposições do art. 104-A e seguintes do CDC, a repactuação judicial das dívidas e a concessão de tutela provisória para limitação dos descontos em folha e suspensão da exigibilidade dos demais débitos. Designada audiência de conciliação, não houve acordo entre as partes, deixando as financeiras de oferecer proposta, tampouco aceitar o plano de pagamento apresentado pela autora (id. 126757198 - autos de origem). Diante disso, o d. magistrado deferiu a instauração e homologação do plano judicial, determinando o parcelamento consolidado de todas as dívidas dos credores réus no plano de pagamento, estipulando os valores mensais, correção monetária, bem como o prazo e pagamento, proibindo a autora de contrair novos empréstimos ou qualquer operação de crédito, sob pena de configuração de má-fé, além da rescisão do plano (id. 152364072 – autos de origem). Em suas razões recursais, o agravante sustenta, em síntese a nulidade da decisão agravada, sob o argumento de que os requisitos legais para a homologação compulsória do plano judicial não foram observados. Suscita a violação ao princípio da autonomia contratual (art. 421 do Código Civil), pois a imposição de um plano de pagamento compulsório interfere na liberdade das partes de pactuar as condições contratuais. Requer a inaplicabilidade da Lei 14.181/21 (Lei do Superendividamento) ao caso, uma vez que a agravada celebrou contratos de empréstimo consignado, os quais possuem garantias e não poderiam ser abrangidos pelo processo de repactuação compulsória. Defende a ausência de comprovação do superendividamento e da necessidade de repactuação das dívidas nos moldes impostos pela decisão recorrida, bem como o prejuízo ao credor, pois a decisão impede a instituição financeira de cobrar os valores originalmente pactuados, resultando em inadimplemento contratual e ônus indevido ao banco agravante. Diante disso, postula a reforma integral da decisão, afastando a imposição do plano de pagamento homologado. Pois bem. Após detida análise dos autos, verifico que a questão não é de difícil elucidação. Conforme visto, cuida-se na origem de ação de repactuação de dívida, cujo procedimento foi disciplinado pela Lei n.º 14.181/2021, que impôs importantes alterações no Código de Defesa do Consumidor, introduzindo um verdadeiro microssistema de crédito, com o objetivo de prevenir e tratar o fenômeno do superendividamento. Deste modo, com o advento da referida Lei n.º 14.181/2021, surgiram novas oportunidades para solucionar o superendividamento, assegurando o cumprimento da obrigação pelo consumidor/devedor, mas garantindo, todavia, a sua dignidade e inclusão social com a conservação do mínimo existencial. Aliás, um dos pilares da lei é justamente resguardar o mínimo existencial, ou seja, um valor que deve ser colocado a salvo dos credores para garantir o sustento do devedor. A propósito, o §1º do art. 54, do CDC traz o conceito de superendividamento, veja: “Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação.” Como se observa, a lei trouxe conceito vago e não especificou o valor do mínimo existencial, deixando a tarefa para regulamentação complementar. Ocorre que no dia 26 de julho de 2022, foi expedido o Decreto n.º 11.150/2022, que regulamentou a referida lei e instituiu o valor do mínimo existencial, sendo utilizado como fundamento da prolação da r. sentença ora discutida. Dito isso, nos termos do art. 3º do referido Decreto, o mínimo existencial correspondia a 25% do salário mínimo vigente na data da publicação do decreto, veja: “Art. 2º Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial. Parágrafo único. Para fins do disposto neste Decreto, consideram-se dívidas de consumo os compromissos financeiros assumidos pelo consumidor pessoa natural para a aquisição ou a utilização de produto ou serviço como destinatário final. Art. 3º No âmbito da prevenção, do tratamento e da conciliação administrativa ou judicial das situações de superendividamento, considera-se mínimo existencial a renda mensal do consumidor pessoa natural equivalente a vinte e cinco por cento do salário mínimo vigente na data de publicação deste Decreto. § 1º A apuração da preservação ou do não comprometimento do mínimo existencial de que trata o caput será realizada considerando a base mensal, por meio da contraposição entre a renda total mensal do consumidor e as parcelas das suas dívidas vencidas e a vencer no mesmo mês.” (destaquei). Posteriormente, o Decreto nº 11.567, de 2023, atualizou esse valor e passou a prever o montante de R$ 600,00 (seiscentos reais), confira: “Art. 3º No âmbito da prevenção, do tratamento e da conciliação administrativa ou judicial das situações de superendividamento, considera-se mínimo existencial a renda mensal do consumidor pessoa natural equivalente a R$ 600,00 (seiscentos reais). Como se vê, o superendividamento é caracterizado pela impossibilidade de o consumidor pagar suas dívidas sem comprometer seu mínimo existencial, o qual corresponde à renda mensal equivalente a R$ 600,00. Por sua vez, a Lei n° 14.181/2021 também estabeleceu um rito especial, bifásico, que tem início com a reunião dos credores e apresentação do plano de pagamento pelo devedor em audiência de conciliação (art. 104-A, do CDC). A segunda etapa, que terá início caso reste infrutífera a conciliação, consiste na instauração do processo por superendividamento, destinado justamente a repactuar as dívidas mediante plano judicial compulsório, in verbis: “Art. 104-A. A requerimento do consumidor superendividado pessoa natural, o juiz poderá instaurar processo de repactuação de dívidas, com vistas à realização de audiência conciliatória, presidida por ele ou por conciliador credenciado no juízo, com a presença de todos os credores de dívidas previstas no art. 54-A deste Código, na qual o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos, preservados o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, e as garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas. Art. 104-B. Se não houver êxito na conciliação em relação a quaisquer credores, o juiz, a pedido do consumidor, instaurará processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes mediante plano judicial compulsório e procederá à citação de todos os credores cujos créditos não tenham integrado o acordo porventura celebrado.” E, conforme se depreende dos autos, a audiência de conciliação restou infrutífera, ao passo que a agravada apresentou o plano de pagamento no id. 126744802, que além de não aceito pelo banco agravante, deixou de formular proposta de acordo, agindo com acerto o d. magistrado ao determinar o plano judicial compulsório, consolidando as dívidas da agravada e limitando as parcelas mensais. Ora, não há falar em violação da decisão surpresa ao passo que possuindo um procedimento próprio a ser seguido, tendo resultado infrutífera a conciliação e diante da não aceitação do plano ofertado pelo agravado, o processo deve prosseguir nos termos da Lei de Superendividamento, com a instauração do processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação de dívidas remanescentes mediante plano judicial compulsório, conforme determinou o d. magistrado, não merecendo qualquer reforma a decisão neste ponto. E, delineado nas mesmas razões, nem há falar na necessidade de nomeação de administrador, pois, além de não aceito o plano apresentado, reitera-se que o agravado deixou de oferecer acordo, resultando na homologação judicial compulsória. Importa destacar que o tratamento conferido ao superendividamento pela legislação consumerista visa não apenas assegurar o pagamento das dívidas pelo devedor, reduzindo a inadimplência, mas também resguardar a sua subsistência, garantindo-lhe o mínimo existencial, em detrimento das obrigações financeiras assumidas. Cumpre esclarecer, contudo, que a lei exige a demonstração de uma impossibilidade manifesta, por parte do consumidor pessoa natural, de quitar integralmente suas dívidas de consumo sem comprometer o mínimo existencial. Ressalte-se que não é imprescindível a existência de mora ou inadimplemento absoluto, bastando à demonstração da impossibilidade de adimplir com as obrigações assumidas. Em outras palavras, na hipótese de agravamento contínuo da capacidade de cumprimento das obrigações financeiras, o consumidor poderá buscar a tutela jurisdicional com vistas à repactuação das dívidas de consumo previstas na legislação. Para tanto, deverá comprovar, de forma efetiva, todas as suas despesas ordinárias — tais como água, energia elétrica, telefone, internet, entre outras —, bem como as dívidas que pretende repactuar, sejam oriundas de operações de crédito, compras a prazo ou prestação de serviços contínuos. Além disso, deve apresentar as despesas que, embora não se qualifiquem como dívidas de consumo passíveis de repactuação, impactam diretamente em seu orçamento, como aluguel, alimentação, pensão alimentícia, prestações de financiamento imobiliário e de veículo com alienação fiduciária, entre outras. Na hipótese dos autos, verifica-se que a autora assumiu dívidas muito superiores aos seus ganhos mensais, ao passo que os empréstimos assumidos consomem 80,60% de seu salário líquido, restando 19,40% para o custeio de suas despesas ordinárias, conforme se infere do plano de pagamento no qual foram detalhados os contratos existentes e os valores de cada um (id. 121438846 – autos de origem). Outrossim, as dívidas referentes a cartão de crédito, empréstimo pessoal e cheque especial, podem ser qualificadas como "dívidas de consumo" e não excluídas da ação de conciliação e repactuação de dívidas, na forma do § 1º do artigo 104-A do CDC, in verbis: "Excluem-se do processo de repactuação as dívidas, ainda que decorrentes de relações de consumo, oriundas de contratos celebrados dolosamente sem o propósito de realizar pagamento, bem como as dívidas provenientes de contratos de crédito com garantia real, de financiamentos imobiliários e de crédito rural." Conforme já reiterado em outras ocasiões, nesse momento inicial de adaptação dos operadores do Direito à vigência da nova legislação que trata do superendividamento e da repactuação de dívidas, a atuação judicial com vistas à preservação do mínimo existencial, indispensável à dignidade e à sobrevivência do consumidor e de sua família, deve ser objeto de ponderação específica, conforme as peculiaridades e circunstâncias de cada caso concreto, reputando-se, desta forma, uma análise rasa sobre o assunto. Ressalte-se que a aplicação da Lei nº 14.181/2021, mesmo a contratos celebrados anteriormente à sua vigência, não viola o princípio da irretroatividade da lei, eis que não se pretende rediscutir cláusulas contratuais pretéritas, mas tão somente disciplinar os efeitos futuros da execução dos contratos, diante de superveniente situação de desequilíbrio financeiro da parte consumidora. Portanto, por estes termos e estribado nessas razões, tenho que o decisum objurgado está em consonância com a legislação pátria e jurisprudência, devendo permanecer por seus próprios fundamentos. Posto isso, conheço do recurso e lhe NEGO PROVIMENTO. Cuiabá, 23 de abril de 2025. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA Relator Data da sessão: Cuiabá-MT, 23/04/2025

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Encontrou o que procurava? Faça login para ver mais resultados e detalhes completos.

Fazer Login para Ver Mais

Processo nº 1004228-47.2025.8.11.0000

ID: 261657649

Tribunal: TJMT Órgão: Terceira Câmara de Direito Privado Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº Processo: 1004228-47.2025.8.11.0000

Data de Disponibilização: 28/04/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

MARIA PEREIRA DA SILVA

Acórdão

Advogados:

DANIELLE NUNES DE OLIVEIRA

OAB/RJ XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1004228-47.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Contratos Bancários, Superendividamento… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1004228-47.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Contratos Bancários, Superendividamento] Relator: Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA Turma Julgadora: [DES(A). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, DES(A). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, DES(A). DIRCEU DOS SANTOS] Parte(s): [LUIZ GASTAO DE OLIVEIRA ROCHA - CPF: 051.294.868-20 (ADVOGADO), BANCO MERCANTIL DO BRASIL SA - CNPJ: 17.184.037/0001-10 (AGRAVANTE), MARIA PEREIRA DA SILVA - CPF: 161.526.201-63 (AGRAVADO), DANIELLE NUNES DE OLIVEIRA - CPF: 042.764.457-79 (ADVOGADO), ALEXANDRE BORGES LEITE - CPF: 828.643.736-53 (ADVOGADO), BANCO DAYCOVAL S/A - CNPJ: 62.232.889/0001-90 (TERCEIRO INTERESSADO), BANCO DO BRASIL SA - CNPJ: 00.000.000/0001-91 (TERCEIRO INTERESSADO), BANCO MASTER S/A - CNPJ: 33.923.798/0002-83 (TERCEIRO INTERESSADO), BANCO AGIBANK S.A - CNPJ: 10.664.513/0001-50 (TERCEIRO INTERESSADO), BANCO BMG SA - CNPJ: 61.186.680/0001-74 (TERCEIRO INTERESSADO), BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL SA - CNPJ: 92.702.067/0001-96 (TERCEIRO INTERESSADO), JBCRED S.A. SOCIEDADE DE CREDITO AO MICROEMPREENDEDOR - CNPJ: 04.230.630/0001-03 (TERCEIRO INTERESSADO), PARANA BANCO S/A - CNPJ: 14.388.334/0001-99 (TERCEIRO INTERESSADO), FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO - CNPJ: 15.581.638/0001-30 (TERCEIRO INTERESSADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. SUPERVENDIVAMENTO. HOMOLOGAÇÃO DE PLANO JUDICIAL COMPULSÓRIO. PROCEDIMENTO LEGAL REGULAR. INOCORRÊNCIA DE DECISÃO SURPRESA. DESNECESSIDADE DE ADMINISTRADOR JUDICIAL NA HIPÓTESE. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame Agravo de instrumento interposto contra decisão que, em ação de repactuação de dívidas fundada na Lei nº 14.181/2021, deferiu a homologação de plano judicial compulsório, diante da frustração da audiência conciliatória e da ausência de contraproposta dos credores, consolidando os débitos da autora e resguardando-lhe o mínimo existencial. II. Questão em discussão A questão em discussão consiste em verificar: (i) se houve violação ao contraditório e à vedação à decisão surpresa, por ausência de intimação prévia à homologação do plano; (ii) se o plano judicial atende aos requisitos legais do art. 104-B, § 4º, do CDC; (iii) se seria obrigatória a nomeação de administrador judicial para aferição da real capacidade financeira da consumidora. III. Razões de decidir Não se configura decisão surpresa, pois a homologação do plano judicial compulsório é prevista expressamente no procedimento bifásico estabelecido na Lei nº 14.181/2021, após a frustração da audiência de conciliação e a ausência de contraproposta dos credores. O plano judicial foi regularmente apresentado e instruído com os dados financeiros necessários, sendo certo que o banco agravante deixou de impugná-lo oportunamente, o que afasta a alegação de nulidade por ausência de contraditório. A nomeação de administrador judicial não se justifica na hipótese concreta, dada à suficiência da documentação apresentada e a ausência de controvérsia relevante sobre os dados constantes no plano. A atuação do juízo a quo observa as garantias legais e os princípios constitucionais aplicáveis, preservando a dignidade da parte devedora e o equilíbrio contratual dentro dos parâmetros da Lei de Superendividamento. IV. Dispositivo e tese Recurso conhecido e desprovido. Tese de julgamento: “1. A homologação do plano judicial compulsório, prevista no art. 104-B do CDC, não configura decisão surpresa quando resultante da frustração da audiência conciliatória e da ausência de proposta dos credores. 2. A nomeação de administrador judicial não se impõe quando o plano é apresentado com documentação adequada e não impugnado tempestivamente pela parte adversa.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, LIV e LV; CDC, arts. 54, §1º; 104-A e 104-B; CPC/2015, art. 10. Jurisprudência relevante citada: TJSP, ApCiv 1039820-76.2023.8.26.0100, Rel. Des. Carlos Henrique Abrão, j. 15.02.2024. R E L A T Ó R I O Trata-se de recurso de agravo de instrumento interposto por Banco do Brasil S.A. em face da decisão proferida pelo MM. Juíza de Direito da 3ª Vara Especializada em Direito Bancário da Capital, que nos autos da ação de repactuação de dívidas manejada por Maria Pereira da Silva, deferiu a instauração e homologação do plano judicial, determinando o parcelamento consolidado de todas as dívidas dos credores réus no plano de pagamento, estipulando os valores mensais, correção monetária, bem como o prazo e pagamento, proibindo a autora de contrair novos empréstimos ou qualquer operação de crédito, sob pena de configuração de má-fé, além da rescisão do plano. Em suas razões recursais, o agravante sustenta, em síntese a nulidade da decisão agravada, sob o argumento de que os requisitos legais para a homologação compulsória do plano judicial não foram observados. Suscita a violação ao princípio da autonomia contratual (art. 421 do Código Civil), pois a imposição de um plano de pagamento compulsório interfere na liberdade das partes de pactuar as condições contratuais. Requer a inaplicabilidade da Lei 14.181/21 (Lei do Superendividamento) ao caso, uma vez que a agravada celebrou contratos de empréstimo consignado, os quais possuem garantias e não poderiam ser abrangidos pelo processo de repactuação compulsória. Defende a ausência de comprovação do superendividamento e da necessidade de repactuação das dívidas nos moldes impostos pela decisão recorrida, bem como o prejuízo ao credor, pois a decisão impede a instituição financeira de cobrar os valores originalmente pactuados, resultando em inadimplemento contratual e ônus indevido ao banco agravante. Diante disso, postula a reforma integral da decisão, afastando a imposição do plano de pagamento homologado. O pleito de antecipação recursal foi indeferido (id. 271022372). A agravada apresentou contraminuta formulando pelo desprovimento do recurso (id. 275184395). É o relatório. Inclua-se na pauta. Cuiabá, 23 de abril de 2025. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA Relator V O T O R E L A T O R Cinge-se dos autos que Maria Pereira da Silva ajuizou ação de repactuação de dívidas em desfavor do banco agravante e outros, sustentando se encontrar em situação de superendividamento, não sendo mais capaz de arcar com a totalidade de suas obrigações financeiras sem comprometer o seu mínimo existencial. Alega comprometimento de 153,55% de sua renda bruta mensal, atualmente no valor de R$ 10.204,70, com dívidas totalizando R$ 155.867,00. Requereu, com base nesse quadro, a aplicação das disposições do art. 104-A e seguintes do CDC, a repactuação judicial das dívidas e a concessão de tutela provisória para limitação dos descontos em folha e suspensão da exigibilidade dos demais débitos. Designada audiência de conciliação, não houve acordo entre as partes, deixando as financeiras de oferecer proposta, tampouco aceitar o plano de pagamento apresentado pela autora (id. 126757198 - autos de origem). Diante disso, o d. magistrado deferiu a instauração e homologação do plano judicial, determinando o parcelamento consolidado de todas as dívidas dos credores réus no plano de pagamento, estipulando os valores mensais, correção monetária, bem como o prazo e pagamento, proibindo a autora de contrair novos empréstimos ou qualquer operação de crédito, sob pena de configuração de má-fé, além da rescisão do plano (id. 152364072 – autos de origem). Em suas razões recursais, o agravante sustenta, em síntese a nulidade da decisão agravada, sob o argumento de que os requisitos legais para a homologação compulsória do plano judicial não foram observados. Suscita a violação ao princípio da autonomia contratual (art. 421 do Código Civil), pois a imposição de um plano de pagamento compulsório interfere na liberdade das partes de pactuar as condições contratuais. Requer a inaplicabilidade da Lei 14.181/21 (Lei do Superendividamento) ao caso, uma vez que a agravada celebrou contratos de empréstimo consignado, os quais possuem garantias e não poderiam ser abrangidos pelo processo de repactuação compulsória. Defende a ausência de comprovação do superendividamento e da necessidade de repactuação das dívidas nos moldes impostos pela decisão recorrida, bem como o prejuízo ao credor, pois a decisão impede a instituição financeira de cobrar os valores originalmente pactuados, resultando em inadimplemento contratual e ônus indevido ao banco agravante. Diante disso, postula a reforma integral da decisão, afastando a imposição do plano de pagamento homologado. Pois bem. Após detida análise dos autos, verifico que a questão não é de difícil elucidação. Conforme visto, cuida-se na origem de ação de repactuação de dívida, cujo procedimento foi disciplinado pela Lei n.º 14.181/2021, que impôs importantes alterações no Código de Defesa do Consumidor, introduzindo um verdadeiro microssistema de crédito, com o objetivo de prevenir e tratar o fenômeno do superendividamento. Deste modo, com o advento da referida Lei n.º 14.181/2021, surgiram novas oportunidades para solucionar o superendividamento, assegurando o cumprimento da obrigação pelo consumidor/devedor, mas garantindo, todavia, a sua dignidade e inclusão social com a conservação do mínimo existencial. Aliás, um dos pilares da lei é justamente resguardar o mínimo existencial, ou seja, um valor que deve ser colocado a salvo dos credores para garantir o sustento do devedor. A propósito, o §1º do art. 54, do CDC traz o conceito de superendividamento, veja: “Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação.” Como se observa, a lei trouxe conceito vago e não especificou o valor do mínimo existencial, deixando a tarefa para regulamentação complementar. Ocorre que no dia 26 de julho de 2022, foi expedido o Decreto n.º 11.150/2022, que regulamentou a referida lei e instituiu o valor do mínimo existencial, sendo utilizado como fundamento da prolação da r. sentença ora discutida. Dito isso, nos termos do art. 3º do referido Decreto, o mínimo existencial correspondia a 25% do salário mínimo vigente na data da publicação do decreto, veja: “Art. 2º Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial. Parágrafo único. Para fins do disposto neste Decreto, consideram-se dívidas de consumo os compromissos financeiros assumidos pelo consumidor pessoa natural para a aquisição ou a utilização de produto ou serviço como destinatário final. Art. 3º No âmbito da prevenção, do tratamento e da conciliação administrativa ou judicial das situações de superendividamento, considera-se mínimo existencial a renda mensal do consumidor pessoa natural equivalente a vinte e cinco por cento do salário mínimo vigente na data de publicação deste Decreto. § 1º A apuração da preservação ou do não comprometimento do mínimo existencial de que trata o caput será realizada considerando a base mensal, por meio da contraposição entre a renda total mensal do consumidor e as parcelas das suas dívidas vencidas e a vencer no mesmo mês.” (destaquei). Posteriormente, o Decreto nº 11.567, de 2023, atualizou esse valor e passou a prever o montante de R$ 600,00 (seiscentos reais), confira: “Art. 3º No âmbito da prevenção, do tratamento e da conciliação administrativa ou judicial das situações de superendividamento, considera-se mínimo existencial a renda mensal do consumidor pessoa natural equivalente a R$ 600,00 (seiscentos reais). Como se vê, o superendividamento é caracterizado pela impossibilidade de o consumidor pagar suas dívidas sem comprometer seu mínimo existencial, o qual corresponde à renda mensal equivalente a R$ 600,00. Por sua vez, a Lei n° 14.181/2021 também estabeleceu um rito especial, bifásico, que tem início com a reunião dos credores e apresentação do plano de pagamento pelo devedor em audiência de conciliação (art. 104-A, do CDC). A segunda etapa, que terá início caso reste infrutífera a conciliação, consiste na instauração do processo por superendividamento, destinado justamente a repactuar as dívidas mediante plano judicial compulsório, in verbis: “Art. 104-A. A requerimento do consumidor superendividado pessoa natural, o juiz poderá instaurar processo de repactuação de dívidas, com vistas à realização de audiência conciliatória, presidida por ele ou por conciliador credenciado no juízo, com a presença de todos os credores de dívidas previstas no art. 54-A deste Código, na qual o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos, preservados o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, e as garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas. Art. 104-B. Se não houver êxito na conciliação em relação a quaisquer credores, o juiz, a pedido do consumidor, instaurará processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes mediante plano judicial compulsório e procederá à citação de todos os credores cujos créditos não tenham integrado o acordo porventura celebrado.” E, conforme se depreende dos autos, a audiência de conciliação restou infrutífera, ao passo que a agravada apresentou o plano de pagamento no id. 126744802, que além de não aceito pelo banco agravante, deixou de formular proposta de acordo, agindo com acerto o d. magistrado ao determinar o plano judicial compulsório, consolidando as dívidas da agravada e limitando as parcelas mensais. Ora, não há falar em violação da decisão surpresa ao passo que possuindo um procedimento próprio a ser seguido, tendo resultado infrutífera a conciliação e diante da não aceitação do plano ofertado pelo agravado, o processo deve prosseguir nos termos da Lei de Superendividamento, com a instauração do processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação de dívidas remanescentes mediante plano judicial compulsório, conforme determinou o d. magistrado, não merecendo qualquer reforma a decisão neste ponto. E, delineado nas mesmas razões, nem há falar na necessidade de nomeação de administrador, pois, além de não aceito o plano apresentado, reitera-se que o agravado deixou de oferecer acordo, resultando na homologação judicial compulsória. Importa destacar que o tratamento conferido ao superendividamento pela legislação consumerista visa não apenas assegurar o pagamento das dívidas pelo devedor, reduzindo a inadimplência, mas também resguardar a sua subsistência, garantindo-lhe o mínimo existencial, em detrimento das obrigações financeiras assumidas. Cumpre esclarecer, contudo, que a lei exige a demonstração de uma impossibilidade manifesta, por parte do consumidor pessoa natural, de quitar integralmente suas dívidas de consumo sem comprometer o mínimo existencial. Ressalte-se que não é imprescindível a existência de mora ou inadimplemento absoluto, bastando à demonstração da impossibilidade de adimplir com as obrigações assumidas. Em outras palavras, na hipótese de agravamento contínuo da capacidade de cumprimento das obrigações financeiras, o consumidor poderá buscar a tutela jurisdicional com vistas à repactuação das dívidas de consumo previstas na legislação. Para tanto, deverá comprovar, de forma efetiva, todas as suas despesas ordinárias — tais como água, energia elétrica, telefone, internet, entre outras —, bem como as dívidas que pretende repactuar, sejam oriundas de operações de crédito, compras a prazo ou prestação de serviços contínuos. Além disso, deve apresentar as despesas que, embora não se qualifiquem como dívidas de consumo passíveis de repactuação, impactam diretamente em seu orçamento, como aluguel, alimentação, pensão alimentícia, prestações de financiamento imobiliário e de veículo com alienação fiduciária, entre outras. Na hipótese dos autos, verifica-se que a autora assumiu dívidas muito superiores aos seus ganhos mensais, ao passo que os empréstimos assumidos consomem 80,60% de seu salário líquido, restando 19,40% para o custeio de suas despesas ordinárias, conforme se infere do plano de pagamento no qual foram detalhados os contratos existentes e os valores de cada um (id. 121438846 – autos de origem). Outrossim, as dívidas referentes a cartão de crédito, empréstimo pessoal e cheque especial, podem ser qualificadas como "dívidas de consumo" e não excluídas da ação de conciliação e repactuação de dívidas, na forma do § 1º do artigo 104-A do CDC, in verbis: "Excluem-se do processo de repactuação as dívidas, ainda que decorrentes de relações de consumo, oriundas de contratos celebrados dolosamente sem o propósito de realizar pagamento, bem como as dívidas provenientes de contratos de crédito com garantia real, de financiamentos imobiliários e de crédito rural." Conforme já reiterado em outras ocasiões, nesse momento inicial de adaptação dos operadores do Direito à vigência da nova legislação que trata do superendividamento e da repactuação de dívidas, a atuação judicial com vistas à preservação do mínimo existencial, indispensável à dignidade e à sobrevivência do consumidor e de sua família, deve ser objeto de ponderação específica, conforme as peculiaridades e circunstâncias de cada caso concreto, reputando-se, desta forma, uma análise rasa sobre o assunto. Ressalte-se que a aplicação da Lei nº 14.181/2021, mesmo a contratos celebrados anteriormente à sua vigência, não viola o princípio da irretroatividade da lei, eis que não se pretende rediscutir cláusulas contratuais pretéritas, mas tão somente disciplinar os efeitos futuros da execução dos contratos, diante de superveniente situação de desequilíbrio financeiro da parte consumidora. Portanto, por estes termos e estribado nessas razões, tenho que o decisum objurgado está em consonância com a legislação pátria e jurisprudência, devendo permanecer por seus próprios fundamentos. Posto isso, conheço do recurso e lhe NEGO PROVIMENTO. Cuiabá, 23 de abril de 2025. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA Relator Data da sessão: Cuiabá-MT, 23/04/2025

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Processo nº 1037597-66.2024.8.11.0000

ID: 261657640

Tribunal: TJMT Órgão: Terceira Câmara de Direito Privado Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº Processo: 1037597-66.2024.8.11.0000

Data de Disponibilização: 28/04/2025

Polo Ativo:

BANCO DO BRASIL SA

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

EDUARDO JANZON AVALLONE NOGUEIRA

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1037597-66.2024.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Contratos Bancários, Superendividamento… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1037597-66.2024.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Contratos Bancários, Superendividamento] Relator: Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA Turma Julgadora: [DES(A). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, DES(A). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, DES(A). DIRCEU DOS SANTOS] Parte(s): [EDUARDO JANZON AVALLONE NOGUEIRA - CPF: 135.207.888-02 (ADVOGADO), BANCO DO BRASIL SA - CNPJ: 00.000.000/0001-91 (AGRAVANTE), MARIA PEREIRA DA SILVA - CPF: 161.526.201-63 (AGRAVADO), DANIELLE NUNES DE OLIVEIRA - CPF: 042.764.457-79 (ADVOGADO), BANCO MASTER S/A - CNPJ: 33.923.798/0002-83 (TERCEIRO INTERESSADO), BANCO BMG SA - CNPJ: 61.186.680/0001-74 (TERCEIRO INTERESSADO), BANCO AGIBANK S.A - CNPJ: 10.664.513/0001-50 (TERCEIRO INTERESSADO), BANCO DAYCOVAL S/A - CNPJ: 62.232.889/0001-90 (TERCEIRO INTERESSADO), BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL SA - CNPJ: 92.702.067/0001-96 (TERCEIRO INTERESSADO), JBCRED S.A. SOCIEDADE DE CREDITO AO MICROEMPREENDEDOR - CNPJ: 04.230.630/0001-03 (TERCEIRO INTERESSADO), PARANA BANCO S/A - CNPJ: 14.388.334/0001-99 (TERCEIRO INTERESSADO), FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO - CNPJ: 15.581.638/0001-30 (TERCEIRO INTERESSADO), BANCO MERCANTIL DO BRASIL SA - CNPJ: 17.184.037/0001-10 (TERCEIRO INTERESSADO), BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. - CNPJ: 90.400.888/0001-42 (TERCEIRO INTERESSADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. SUPERVENDIVAMENTO. HOMOLOGAÇÃO DE PLANO JUDICIAL COMPULSÓRIO. DECRETO Nº 11.567/2023. MÍNIMO EXISTENCIAL PRESERVADO. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame Agravo de instrumento interposto por instituição financeira contra decisão que deferiu, em ação de repactuação de dívidas com fundamento na Lei nº 14.181/2021, a homologação de plano judicial compulsório, após frustração de audiência conciliatória, em razão da caracterização de situação de superendividamento da consumidora, com comprometimento superior a 80% de sua renda líquida mensal com dívidas de consumo. II. Questão em discussão A questão em discussão consiste em verificar: (i) se a decisão que instaurou o processo por superendividamento e homologou o plano judicial compulsório está em conformidade com a Lei nº 14.181/2021; (ii) se há comprovação suficiente da condição de superendividamento da agravada, à luz dos critérios legais e regulamentares do mínimo existencial. III. Razões de decidir A Lei nº 14.181/2021 introduziu microssistema normativo no CDC, conferindo ao consumidor de boa-fé o direito à repactuação judicial das dívidas, desde que preservado o mínimo existencial, atualmente regulamentado pelo Decreto nº 11.567/2023. Restou comprovado nos autos que a autora compromete mais de 80% de sua renda líquida com obrigações financeiras, preenchendo os requisitos legais para a instauração do processo por superendividamento. A audiência conciliatória foi infrutífera, não tendo o banco agravante apresentado proposta nem aderido ao plano sugerido, legitimando a adoção do plano judicial compulsório nos moldes do art. 104-B do CDC. Não há violação ao princípio da autonomia da vontade contratual ou à segurança jurídica, por se tratar de disciplinamento dos efeitos futuros de contratos desequilibrados por fato superveniente, visando resguardar a dignidade do consumidor. IV. Dispositivo e tese Recurso conhecido e desprovido. Tese de julgamento: “1. A caracterização do superendividamento, nos termos da Lei nº 14.181/2021 e do Decreto nº 11.567/2023, autoriza a homologação de plano judicial compulsório após a frustração da audiência conciliatória. 2. O procedimento de repactuação de dívidas não afronta a autonomia contratual quando busca compatibilizar o adimplemento das obrigações com a preservação do mínimo existencial do devedor.” Dispositivos relevantes citados: CDC, arts. 54, §1º, 104-A e 104-B; Decreto nº 11.567/2023, art. 3º. Jurisprudência relevante citada: TJSP, ApCiv 1039820-76.2023.8.26.0100, Rel. Des. Carlos Henrique Abrão, j. 15.02.2024. R E L A T Ó R I O Trata-se de recurso de agravo de instrumento interposto por Banco do Brasil S.A. em face da decisão proferida pelo MM. Juíza de Direito da 3ª Vara Especializada em Direito Bancário da Capital, que nos autos da ação de repactuação de dívidas manejada por Maria Pereira da Silva, deferiu a instauração e homologação do plano judicial, determinando o parcelamento consolidado de todas as dívidas dos credores réus no plano de pagamento, estipulando os valores mensais, correção monetária, bem como o prazo e pagamento, proibindo a autora de contrair novos empréstimos ou qualquer operação de crédito, sob pena de configuração de má-fé, além da rescisão do plano. Inconformado, defende o banco o desacerto da decisão sustentando a violação ao princípio da autonomia contratual e ao pacto firmado, além da não comprovação do superendividamento por parte da agravada, padecendo dos pressupostos autorizadores ao deferimento do plano. Argui afronta aos dispositivos da Lei nº 14.181/2021, que regula situações de superendividamento, defendendo que o caso não se enquadra nos parâmetros legais, causando-lhe prejuízo ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato e à livre iniciativa. Por fim, alega que a decisão causa grave lesão à instituição financeira, desrespeitando a segurança jurídica e impactando a estabilidade do mercado de crédito, formulando pela reforma da decisão. O pleito de antecipação recursal foi indeferido (id. 263020263). A agravada apresentou contraminuta formulando pelo desprovimento do recurso (id. 266636771). É o relatório. Inclua-se na pauta. Cuiabá, 23 de abril de 2025. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA Relator V O T O R E L A T O R Cinge-se dos autos que Maria Pereira da Silva ajuizou ação de repactuação de dívidas em desfavor do banco agravante e outros, sustentando se encontrar em situação de superendividamento, não sendo mais capaz de arcar com a totalidade de suas obrigações financeiras sem comprometer o seu mínimo existencial. Alega comprometimento de 153,55% de sua renda bruta mensal, atualmente no valor de R$ 10.204,70, com dívidas totalizando R$ 155.867,00. Requereu, com base nesse quadro, a aplicação das disposições do art. 104-A e seguintes do CDC, a repactuação judicial das dívidas e a concessão de tutela provisória para limitação dos descontos em folha e suspensão da exigibilidade dos demais débitos. Designada audiência de conciliação, não houve acordo entre as partes, deixando as financeiras de oferecer proposta, tampouco aceitar o plano de pagamento apresentado pela autora (id. 126757198 - autos de origem). Diante disso, o d. magistrado deferiu a instauração e homologação do plano judicial, determinando o parcelamento consolidado de todas as dívidas dos credores réus no plano de pagamento, estipulando os valores mensais, correção monetária, bem como o prazo e pagamento, proibindo a autora de contrair novos empréstimos ou qualquer operação de crédito, sob pena de configuração de má-fé, além da rescisão do plano (id. 152364072 – autos de origem). Em face dessa decisão, recorre o banco defendendo o desacerto da decisão sustentando a violação ao princípio da autonomia contratual e ao pacto firmado, além da não comprovação do superendividamento por parte da agravada, padecendo dos pressupostos autorizadores ao deferimento do plano. Argui afronta aos dispositivos da Lei nº 14.181/2021, que regula situações de superendividamento, defendendo que o caso não se enquadra nos parâmetros legais, causando-lhe prejuízo ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato e à livre iniciativa. Ao final, sustenta que a decisão causa grave lesão à instituição financeira, desrespeitando a segurança jurídica e impactando a estabilidade do mercado de crédito. Pois bem. Após detida análise dos autos, verifico que a questão não é de difícil elucidação. Conforme visto, cuida-se na origem de ação de repactuação de dívida, cujo procedimento foi disciplinado pela Lei n.º 14.181/2021, que impôs importantes alterações no Código de Defesa do Consumidor, introduzindo um verdadeiro microssistema de crédito, com o objetivo de prevenir e tratar o fenômeno do superendividamento. Deste modo, com o advento da referida Lei n.º 14.181/2021, surgiram novas oportunidades para solucionar o superendividamento, assegurando o cumprimento da obrigação pelo consumidor/devedor, mas garantindo, todavia, a sua dignidade e inclusão social com a conservação do mínimo existencial. Aliás, um dos pilares da lei é justamente resguardar o mínimo existencial, ou seja, um valor que deve ser colocado a salvo dos credores para garantir o sustento do devedor. A propósito, o §1º do art. 54, do CDC traz o conceito de superendividamento, veja: “Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação.” Como se observa, a lei trouxe conceito vago e não especificou o valor do mínimo existencial, deixando a tarefa para regulamentação complementar. Ocorre que no dia 26 de julho de 2022, foi expedido o Decreto n.º 11.150/2022, que regulamentou a referida lei e instituiu o valor do mínimo existencial, sendo utilizado como fundamento da prolação da r. sentença ora discutida. Dito isso, nos termos do art. 3º do referido Decreto, o mínimo existencial correspondia a 25% do salário mínimo vigente na data da publicação do decreto, veja: “Art. 2º Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial. Parágrafo único. Para fins do disposto neste Decreto, consideram-se dívidas de consumo os compromissos financeiros assumidos pelo consumidor pessoa natural para a aquisição ou a utilização de produto ou serviço como destinatário final. Art. 3º No âmbito da prevenção, do tratamento e da conciliação administrativa ou judicial das situações de superendividamento, considera-se mínimo existencial a renda mensal do consumidor pessoa natural equivalente a vinte e cinco por cento do salário mínimo vigente na data de publicação deste Decreto. § 1º A apuração da preservação ou do não comprometimento do mínimo existencial de que trata o caput será realizada considerando a base mensal, por meio da contraposição entre a renda total mensal do consumidor e as parcelas das suas dívidas vencidas e a vencer no mesmo mês.” (destaquei). Posteriormente, o Decreto nº 11.567, de 2023, atualizou esse valor e passou a prever o montante de R$ 600,00 (seiscentos reais), confira: “Art. 3º No âmbito da prevenção, do tratamento e da conciliação administrativa ou judicial das situações de superendividamento, considera-se mínimo existencial a renda mensal do consumidor pessoa natural equivalente a R$ 600,00 (seiscentos reais). Como se vê, o superendividamento é caracterizado pela impossibilidade de o consumidor pagar suas dívidas sem comprometer seu mínimo existencial, o qual corresponde à renda mensal equivalente a R$ 600,00. Por sua vez, a Lei n° 14.181/2021 também estabeleceu um rito especial, bifásico, que tem início com a reunião dos credores e apresentação do plano de pagamento pelo devedor em audiência de conciliação (art. 104-A, do CDC). A segunda etapa, que terá início caso reste infrutífera a conciliação, consiste na instauração do processo por superendividamento, destinado justamente a repactuar as dívidas mediante plano judicial compulsório, in verbis: “Art. 104-A. A requerimento do consumidor superendividado pessoa natural, o juiz poderá instaurar processo de repactuação de dívidas, com vistas à realização de audiência conciliatória, presidida por ele ou por conciliador credenciado no juízo, com a presença de todos os credores de dívidas previstas no art. 54-A deste Código, na qual o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos, preservados o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, e as garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas. Art. 104-B. Se não houver êxito na conciliação em relação a quaisquer credores, o juiz, a pedido do consumidor, instaurará processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes mediante plano judicial compulsório e procederá à citação de todos os credores cujos créditos não tenham integrado o acordo porventura celebrado.” E, conforme se depreende dos autos, a audiência de conciliação restou infrutífera, ao passo que a agravada apresentou o plano de pagamento no id. 126744802, que além de não aceito pelo banco agravante, deixou de formular proposta de acordo, agindo com acerto o d. magistrado ao determinar o plano judicial compulsório, consolidando as dívidas da agravada e limitando as parcelas mensais. Sendo assim, possuindo um procedimento próprio a ser seguido, tendo resultado infrutífera a conciliação e diante da não aceitação do plano ofertado pelo agravado, o processo deve prosseguir nos termos da Lei de Superendividamento, com a instauração do processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação de dívidas remanescentes mediante plano judicial compulsório, conforme determinou o d. magistrado, não merecendo qualquer reforma a decisão neste ponto. No tocante à alegação de ausência de caracterização da parte agravada como superendividada, nos termos definidos pela Lei nº 14.181/2021, observa-se que o d. Magistrado foi claro em sua deliberação ao consignar que o quadro fático descrito encontra respaldo na referida norma, que trata do superendividamento. Importa destacar que o tratamento conferido ao superendividamento pela legislação consumerista visa não apenas assegurar o pagamento das dívidas pelo devedor, reduzindo a inadimplência, mas também resguardar a sua subsistência, garantindo-lhe o mínimo existencial, em detrimento das obrigações financeiras assumidas. Cumpre esclarecer, contudo, que a lei exige a demonstração de uma impossibilidade manifesta, por parte do consumidor pessoa natural, de quitar integralmente suas dívidas de consumo sem comprometer o mínimo existencial. Ressalte-se que não é imprescindível a existência de mora ou inadimplemento absoluto, bastando à demonstração da impossibilidade de adimplir com as obrigações assumidas. Em outras palavras, na hipótese de agravamento contínuo da capacidade de cumprimento das obrigações financeiras, o consumidor poderá buscar a tutela jurisdicional com vistas à repactuação das dívidas de consumo previstas na legislação. Para tanto, deverá comprovar, de forma efetiva, todas as suas despesas ordinárias — tais como água, energia elétrica, telefone, internet, entre outras —, bem como as dívidas que pretende repactuar, sejam oriundas de operações de crédito, compras a prazo ou prestação de serviços contínuos. Além disso, deve apresentar as despesas que, embora não se qualifiquem como dívidas de consumo passíveis de repactuação, impactam diretamente em seu orçamento, como aluguel, alimentação, pensão alimentícia, prestações de financiamento imobiliário e de veículo com alienação fiduciária, entre outras. Na hipótese dos autos, verifica-se que a autora assumiu dívidas muito superiores aos seus ganhos mensais, ao passo que os empréstimos assumidos consomem 80,60% de seu salário líquido, restando 19,40% para o custeio de suas despesas ordinárias, conforme se infere do plano de pagamento no qual foram detalhados os contratos existentes e os valores de cada um (id. 121438846 – autos de origem). Outrossim, as dívidas referentes a cartão de crédito, empréstimo pessoal e cheque especial, podem ser qualificadas como "dívidas de consumo" e não excluídas da ação de conciliação e repactuação de dívidas, na forma do § 1º do artigo 104-A do CDC, in verbis: "Excluem-se do processo de repactuação as dívidas, ainda que decorrentes de relações de consumo, oriundas de contratos celebrados dolosamente sem o propósito de realizar pagamento, bem como as dívidas provenientes de contratos de crédito com garantia real, de financiamentos imobiliários e de crédito rural." Conforme já reiterado em outras ocasiões, nesse momento inicial de adaptação dos operadores do Direito à vigência da nova legislação que trata do superendividamento e da repactuação de dívidas, a atuação judicial com vistas à preservação do mínimo existencial, indispensável à dignidade e à sobrevivência do consumidor e de sua família, deve ser objeto de ponderação específica, conforme as peculiaridades e circunstâncias de cada caso concreto, reputando-se, desta forma, uma análise rasa sobre o assunto. Ressalte-se que a aplicação da Lei nº 14.181/2021, mesmo a contratos celebrados anteriormente à sua vigência, não viola o princípio da irretroatividade da lei, eis que não se pretende rediscutir cláusulas contratuais pretéritas, mas tão somente disciplinar os efeitos futuros da execução dos contratos, diante de superveniente situação de desequilíbrio financeiro da parte consumidora. Portanto, por estes termos e estribado nessas razões, tenho que o decisum objurgado está em consonância com a legislação pátria e jurisprudência, devendo permanecer por seus próprios fundamentos. Posto isso, conheço do recurso e lhe NEGO PROVIMENTO. Cuiabá, 23 de abril de 2025. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA Relator Data da sessão: Cuiabá-MT, 23/04/2025

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Processo nº 1037597-66.2024.8.11.0000

ID: 261657641

Tribunal: TJMT Órgão: Terceira Câmara de Direito Privado Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº Processo: 1037597-66.2024.8.11.0000

Data de Disponibilização: 28/04/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

MARIA PEREIRA DA SILVA

Acórdão

Advogados:

DANIELLE NUNES DE OLIVEIRA

OAB/RJ XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1037597-66.2024.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Contratos Bancários, Superendividamento… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1037597-66.2024.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Contratos Bancários, Superendividamento] Relator: Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA Turma Julgadora: [DES(A). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, DES(A). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, DES(A). DIRCEU DOS SANTOS] Parte(s): [EDUARDO JANZON AVALLONE NOGUEIRA - CPF: 135.207.888-02 (ADVOGADO), BANCO DO BRASIL SA - CNPJ: 00.000.000/0001-91 (AGRAVANTE), MARIA PEREIRA DA SILVA - CPF: 161.526.201-63 (AGRAVADO), DANIELLE NUNES DE OLIVEIRA - CPF: 042.764.457-79 (ADVOGADO), BANCO MASTER S/A - CNPJ: 33.923.798/0002-83 (TERCEIRO INTERESSADO), BANCO BMG SA - CNPJ: 61.186.680/0001-74 (TERCEIRO INTERESSADO), BANCO AGIBANK S.A - CNPJ: 10.664.513/0001-50 (TERCEIRO INTERESSADO), BANCO DAYCOVAL S/A - CNPJ: 62.232.889/0001-90 (TERCEIRO INTERESSADO), BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL SA - CNPJ: 92.702.067/0001-96 (TERCEIRO INTERESSADO), JBCRED S.A. SOCIEDADE DE CREDITO AO MICROEMPREENDEDOR - CNPJ: 04.230.630/0001-03 (TERCEIRO INTERESSADO), PARANA BANCO S/A - CNPJ: 14.388.334/0001-99 (TERCEIRO INTERESSADO), FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO - CNPJ: 15.581.638/0001-30 (TERCEIRO INTERESSADO), BANCO MERCANTIL DO BRASIL SA - CNPJ: 17.184.037/0001-10 (TERCEIRO INTERESSADO), BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. - CNPJ: 90.400.888/0001-42 (TERCEIRO INTERESSADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. SUPERVENDIVAMENTO. HOMOLOGAÇÃO DE PLANO JUDICIAL COMPULSÓRIO. DECRETO Nº 11.567/2023. MÍNIMO EXISTENCIAL PRESERVADO. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame Agravo de instrumento interposto por instituição financeira contra decisão que deferiu, em ação de repactuação de dívidas com fundamento na Lei nº 14.181/2021, a homologação de plano judicial compulsório, após frustração de audiência conciliatória, em razão da caracterização de situação de superendividamento da consumidora, com comprometimento superior a 80% de sua renda líquida mensal com dívidas de consumo. II. Questão em discussão A questão em discussão consiste em verificar: (i) se a decisão que instaurou o processo por superendividamento e homologou o plano judicial compulsório está em conformidade com a Lei nº 14.181/2021; (ii) se há comprovação suficiente da condição de superendividamento da agravada, à luz dos critérios legais e regulamentares do mínimo existencial. III. Razões de decidir A Lei nº 14.181/2021 introduziu microssistema normativo no CDC, conferindo ao consumidor de boa-fé o direito à repactuação judicial das dívidas, desde que preservado o mínimo existencial, atualmente regulamentado pelo Decreto nº 11.567/2023. Restou comprovado nos autos que a autora compromete mais de 80% de sua renda líquida com obrigações financeiras, preenchendo os requisitos legais para a instauração do processo por superendividamento. A audiência conciliatória foi infrutífera, não tendo o banco agravante apresentado proposta nem aderido ao plano sugerido, legitimando a adoção do plano judicial compulsório nos moldes do art. 104-B do CDC. Não há violação ao princípio da autonomia da vontade contratual ou à segurança jurídica, por se tratar de disciplinamento dos efeitos futuros de contratos desequilibrados por fato superveniente, visando resguardar a dignidade do consumidor. IV. Dispositivo e tese Recurso conhecido e desprovido. Tese de julgamento: “1. A caracterização do superendividamento, nos termos da Lei nº 14.181/2021 e do Decreto nº 11.567/2023, autoriza a homologação de plano judicial compulsório após a frustração da audiência conciliatória. 2. O procedimento de repactuação de dívidas não afronta a autonomia contratual quando busca compatibilizar o adimplemento das obrigações com a preservação do mínimo existencial do devedor.” Dispositivos relevantes citados: CDC, arts. 54, §1º, 104-A e 104-B; Decreto nº 11.567/2023, art. 3º. Jurisprudência relevante citada: TJSP, ApCiv 1039820-76.2023.8.26.0100, Rel. Des. Carlos Henrique Abrão, j. 15.02.2024. R E L A T Ó R I O Trata-se de recurso de agravo de instrumento interposto por Banco do Brasil S.A. em face da decisão proferida pelo MM. Juíza de Direito da 3ª Vara Especializada em Direito Bancário da Capital, que nos autos da ação de repactuação de dívidas manejada por Maria Pereira da Silva, deferiu a instauração e homologação do plano judicial, determinando o parcelamento consolidado de todas as dívidas dos credores réus no plano de pagamento, estipulando os valores mensais, correção monetária, bem como o prazo e pagamento, proibindo a autora de contrair novos empréstimos ou qualquer operação de crédito, sob pena de configuração de má-fé, além da rescisão do plano. Inconformado, defende o banco o desacerto da decisão sustentando a violação ao princípio da autonomia contratual e ao pacto firmado, além da não comprovação do superendividamento por parte da agravada, padecendo dos pressupostos autorizadores ao deferimento do plano. Argui afronta aos dispositivos da Lei nº 14.181/2021, que regula situações de superendividamento, defendendo que o caso não se enquadra nos parâmetros legais, causando-lhe prejuízo ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato e à livre iniciativa. Por fim, alega que a decisão causa grave lesão à instituição financeira, desrespeitando a segurança jurídica e impactando a estabilidade do mercado de crédito, formulando pela reforma da decisão. O pleito de antecipação recursal foi indeferido (id. 263020263). A agravada apresentou contraminuta formulando pelo desprovimento do recurso (id. 266636771). É o relatório. Inclua-se na pauta. Cuiabá, 23 de abril de 2025. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA Relator V O T O R E L A T O R Cinge-se dos autos que Maria Pereira da Silva ajuizou ação de repactuação de dívidas em desfavor do banco agravante e outros, sustentando se encontrar em situação de superendividamento, não sendo mais capaz de arcar com a totalidade de suas obrigações financeiras sem comprometer o seu mínimo existencial. Alega comprometimento de 153,55% de sua renda bruta mensal, atualmente no valor de R$ 10.204,70, com dívidas totalizando R$ 155.867,00. Requereu, com base nesse quadro, a aplicação das disposições do art. 104-A e seguintes do CDC, a repactuação judicial das dívidas e a concessão de tutela provisória para limitação dos descontos em folha e suspensão da exigibilidade dos demais débitos. Designada audiência de conciliação, não houve acordo entre as partes, deixando as financeiras de oferecer proposta, tampouco aceitar o plano de pagamento apresentado pela autora (id. 126757198 - autos de origem). Diante disso, o d. magistrado deferiu a instauração e homologação do plano judicial, determinando o parcelamento consolidado de todas as dívidas dos credores réus no plano de pagamento, estipulando os valores mensais, correção monetária, bem como o prazo e pagamento, proibindo a autora de contrair novos empréstimos ou qualquer operação de crédito, sob pena de configuração de má-fé, além da rescisão do plano (id. 152364072 – autos de origem). Em face dessa decisão, recorre o banco defendendo o desacerto da decisão sustentando a violação ao princípio da autonomia contratual e ao pacto firmado, além da não comprovação do superendividamento por parte da agravada, padecendo dos pressupostos autorizadores ao deferimento do plano. Argui afronta aos dispositivos da Lei nº 14.181/2021, que regula situações de superendividamento, defendendo que o caso não se enquadra nos parâmetros legais, causando-lhe prejuízo ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato e à livre iniciativa. Ao final, sustenta que a decisão causa grave lesão à instituição financeira, desrespeitando a segurança jurídica e impactando a estabilidade do mercado de crédito. Pois bem. Após detida análise dos autos, verifico que a questão não é de difícil elucidação. Conforme visto, cuida-se na origem de ação de repactuação de dívida, cujo procedimento foi disciplinado pela Lei n.º 14.181/2021, que impôs importantes alterações no Código de Defesa do Consumidor, introduzindo um verdadeiro microssistema de crédito, com o objetivo de prevenir e tratar o fenômeno do superendividamento. Deste modo, com o advento da referida Lei n.º 14.181/2021, surgiram novas oportunidades para solucionar o superendividamento, assegurando o cumprimento da obrigação pelo consumidor/devedor, mas garantindo, todavia, a sua dignidade e inclusão social com a conservação do mínimo existencial. Aliás, um dos pilares da lei é justamente resguardar o mínimo existencial, ou seja, um valor que deve ser colocado a salvo dos credores para garantir o sustento do devedor. A propósito, o §1º do art. 54, do CDC traz o conceito de superendividamento, veja: “Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação.” Como se observa, a lei trouxe conceito vago e não especificou o valor do mínimo existencial, deixando a tarefa para regulamentação complementar. Ocorre que no dia 26 de julho de 2022, foi expedido o Decreto n.º 11.150/2022, que regulamentou a referida lei e instituiu o valor do mínimo existencial, sendo utilizado como fundamento da prolação da r. sentença ora discutida. Dito isso, nos termos do art. 3º do referido Decreto, o mínimo existencial correspondia a 25% do salário mínimo vigente na data da publicação do decreto, veja: “Art. 2º Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial. Parágrafo único. Para fins do disposto neste Decreto, consideram-se dívidas de consumo os compromissos financeiros assumidos pelo consumidor pessoa natural para a aquisição ou a utilização de produto ou serviço como destinatário final. Art. 3º No âmbito da prevenção, do tratamento e da conciliação administrativa ou judicial das situações de superendividamento, considera-se mínimo existencial a renda mensal do consumidor pessoa natural equivalente a vinte e cinco por cento do salário mínimo vigente na data de publicação deste Decreto. § 1º A apuração da preservação ou do não comprometimento do mínimo existencial de que trata o caput será realizada considerando a base mensal, por meio da contraposição entre a renda total mensal do consumidor e as parcelas das suas dívidas vencidas e a vencer no mesmo mês.” (destaquei). Posteriormente, o Decreto nº 11.567, de 2023, atualizou esse valor e passou a prever o montante de R$ 600,00 (seiscentos reais), confira: “Art. 3º No âmbito da prevenção, do tratamento e da conciliação administrativa ou judicial das situações de superendividamento, considera-se mínimo existencial a renda mensal do consumidor pessoa natural equivalente a R$ 600,00 (seiscentos reais). Como se vê, o superendividamento é caracterizado pela impossibilidade de o consumidor pagar suas dívidas sem comprometer seu mínimo existencial, o qual corresponde à renda mensal equivalente a R$ 600,00. Por sua vez, a Lei n° 14.181/2021 também estabeleceu um rito especial, bifásico, que tem início com a reunião dos credores e apresentação do plano de pagamento pelo devedor em audiência de conciliação (art. 104-A, do CDC). A segunda etapa, que terá início caso reste infrutífera a conciliação, consiste na instauração do processo por superendividamento, destinado justamente a repactuar as dívidas mediante plano judicial compulsório, in verbis: “Art. 104-A. A requerimento do consumidor superendividado pessoa natural, o juiz poderá instaurar processo de repactuação de dívidas, com vistas à realização de audiência conciliatória, presidida por ele ou por conciliador credenciado no juízo, com a presença de todos os credores de dívidas previstas no art. 54-A deste Código, na qual o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos, preservados o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, e as garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas. Art. 104-B. Se não houver êxito na conciliação em relação a quaisquer credores, o juiz, a pedido do consumidor, instaurará processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes mediante plano judicial compulsório e procederá à citação de todos os credores cujos créditos não tenham integrado o acordo porventura celebrado.” E, conforme se depreende dos autos, a audiência de conciliação restou infrutífera, ao passo que a agravada apresentou o plano de pagamento no id. 126744802, que além de não aceito pelo banco agravante, deixou de formular proposta de acordo, agindo com acerto o d. magistrado ao determinar o plano judicial compulsório, consolidando as dívidas da agravada e limitando as parcelas mensais. Sendo assim, possuindo um procedimento próprio a ser seguido, tendo resultado infrutífera a conciliação e diante da não aceitação do plano ofertado pelo agravado, o processo deve prosseguir nos termos da Lei de Superendividamento, com a instauração do processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos e repactuação de dívidas remanescentes mediante plano judicial compulsório, conforme determinou o d. magistrado, não merecendo qualquer reforma a decisão neste ponto. No tocante à alegação de ausência de caracterização da parte agravada como superendividada, nos termos definidos pela Lei nº 14.181/2021, observa-se que o d. Magistrado foi claro em sua deliberação ao consignar que o quadro fático descrito encontra respaldo na referida norma, que trata do superendividamento. Importa destacar que o tratamento conferido ao superendividamento pela legislação consumerista visa não apenas assegurar o pagamento das dívidas pelo devedor, reduzindo a inadimplência, mas também resguardar a sua subsistência, garantindo-lhe o mínimo existencial, em detrimento das obrigações financeiras assumidas. Cumpre esclarecer, contudo, que a lei exige a demonstração de uma impossibilidade manifesta, por parte do consumidor pessoa natural, de quitar integralmente suas dívidas de consumo sem comprometer o mínimo existencial. Ressalte-se que não é imprescindível a existência de mora ou inadimplemento absoluto, bastando à demonstração da impossibilidade de adimplir com as obrigações assumidas. Em outras palavras, na hipótese de agravamento contínuo da capacidade de cumprimento das obrigações financeiras, o consumidor poderá buscar a tutela jurisdicional com vistas à repactuação das dívidas de consumo previstas na legislação. Para tanto, deverá comprovar, de forma efetiva, todas as suas despesas ordinárias — tais como água, energia elétrica, telefone, internet, entre outras —, bem como as dívidas que pretende repactuar, sejam oriundas de operações de crédito, compras a prazo ou prestação de serviços contínuos. Além disso, deve apresentar as despesas que, embora não se qualifiquem como dívidas de consumo passíveis de repactuação, impactam diretamente em seu orçamento, como aluguel, alimentação, pensão alimentícia, prestações de financiamento imobiliário e de veículo com alienação fiduciária, entre outras. Na hipótese dos autos, verifica-se que a autora assumiu dívidas muito superiores aos seus ganhos mensais, ao passo que os empréstimos assumidos consomem 80,60% de seu salário líquido, restando 19,40% para o custeio de suas despesas ordinárias, conforme se infere do plano de pagamento no qual foram detalhados os contratos existentes e os valores de cada um (id. 121438846 – autos de origem). Outrossim, as dívidas referentes a cartão de crédito, empréstimo pessoal e cheque especial, podem ser qualificadas como "dívidas de consumo" e não excluídas da ação de conciliação e repactuação de dívidas, na forma do § 1º do artigo 104-A do CDC, in verbis: "Excluem-se do processo de repactuação as dívidas, ainda que decorrentes de relações de consumo, oriundas de contratos celebrados dolosamente sem o propósito de realizar pagamento, bem como as dívidas provenientes de contratos de crédito com garantia real, de financiamentos imobiliários e de crédito rural." Conforme já reiterado em outras ocasiões, nesse momento inicial de adaptação dos operadores do Direito à vigência da nova legislação que trata do superendividamento e da repactuação de dívidas, a atuação judicial com vistas à preservação do mínimo existencial, indispensável à dignidade e à sobrevivência do consumidor e de sua família, deve ser objeto de ponderação específica, conforme as peculiaridades e circunstâncias de cada caso concreto, reputando-se, desta forma, uma análise rasa sobre o assunto. Ressalte-se que a aplicação da Lei nº 14.181/2021, mesmo a contratos celebrados anteriormente à sua vigência, não viola o princípio da irretroatividade da lei, eis que não se pretende rediscutir cláusulas contratuais pretéritas, mas tão somente disciplinar os efeitos futuros da execução dos contratos, diante de superveniente situação de desequilíbrio financeiro da parte consumidora. Portanto, por estes termos e estribado nessas razões, tenho que o decisum objurgado está em consonância com a legislação pátria e jurisprudência, devendo permanecer por seus próprios fundamentos. Posto isso, conheço do recurso e lhe NEGO PROVIMENTO. Cuiabá, 23 de abril de 2025. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA Relator Data da sessão: Cuiabá-MT, 23/04/2025

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Processo nº 1000867-30.2024.8.11.0041

ID: 315998600

Tribunal: TJMT Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1000867-30.2024.8.11.0041

Data de Disponibilização: 04/07/2025

Polo Ativo:

UNIMED CUIABA COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO

Polo Passivo:

Acórdão

Advogados:

JORGE LUIZ MIRAGLIA JAUDY

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000867-30.2024.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Obrigação de Fazer / Não Fazer, Eletiva] Relator… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000867-30.2024.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Obrigação de Fazer / Não Fazer, Eletiva] Relator: Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA Turma Julgadora: [DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). SEBASTIAO BARBOSA FARIAS] Parte(s): [NEUZA MARIA LEITE DE CAMPOS - CPF: 998.878.001-04 (APELADO), ELIANA CRISTINA DOS SANTOS - CPF: 009.603.181-60 (ADVOGADO), UNIMED CUIABA COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO - CNPJ: 03.533.726/0001-88 (APELANTE), JORGE LUIZ MIRAGLIA JAUDY - CPF: 794.524.851-91 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO. E M E N T A APELANTE(S): UNIMED CUIABA COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO. APELADO(S): NEUZA MARIA LEITE DE CAMPOS. EMENTA: DIREITO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. CONTRATO ANTERIOR À LEI Nº 9.656/98. NEGATIVA DE COBERTURA DE PROCEDIMENTO CARDIOLÓGICO EMERGENCIAL. ABUSIVIDADE CONFIGURADA. DANO MORAL. ADEQUAÇÃO DOS ENCARGOS MORATÓRIOS À LEI Nº 14.905/2024. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. I. CASO EM EXAME Apelação interposta por Unimed Cuiabá Cooperativa de Trabalho Médico contra sentença que, nos autos de Ação de Obrigação de Fazer cumulada com Indenização por Danos Morais ajuizada por Neuza Maria Leite de Campos, julgou parcialmente procedentes os pedidos para (i) determinar que a ré custeasse procedimento de cateterismo cardíaco, prescrito em caráter emergencial, e (ii) condená-la ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00, além de custas e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há quatro questões em discussão: (i) definir se é ilícita a negativa de cobertura do procedimento médico, considerando que o contrato é anterior à Lei nº 9.656/98; (ii) estabelecer se a recusa caracteriza exercício regular de direito; (iii) avaliar a necessidade de revisão do valor fixado a título de indenização por danos morais; e (iv) adequar os critérios de juros e correção monetária aos parâmetros da Lei nº 14.905/2024. III. RAZÕES DE DECIDIR O contrato, embora firmado antes da vigência da Lei nº 9.656/98, submete-se às normas do Código de Defesa do Consumidor, conforme Súmula nº 608 do STJ, sendo abusiva a negativa de cobertura de procedimento emergencial indispensável à preservação da vida da beneficiária. A cláusula contratual que exclui cobertura para procedimentos essenciais, quando há previsão de cobertura para a especialidade médica (cardiologia), afronta os princípios da boa-fé objetiva, da função social do contrato e da dignidade da pessoa humana, não podendo ser considerada exercício regular de direito. O valor fixado a título de indenização por danos morais (R$ 10.000,00) observa os critérios de proporcionalidade, razoabilidade, gravidade da conduta e caráter pedagógico, não comportando redução. Assiste razão à apelante quanto à revisão dos encargos moratórios, que devem observar a nova sistemática introduzida pela Lei nº 14.905/2024, aplicando-se correção monetária pelo IPCA e juros moratórios pela taxa SELIC, deduzindo-se o IPCA, de modo a evitar bis in idem. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso parcialmente provido, apenas para adequar os encargos moratórios aos termos da Lei nº 14.905/2024, mantendo-se, no mais, integralmente a sentença recorrida. Tese de julgamento: Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde celebrados antes da vigência da Lei nº 9.656/98, salvo os administrados por entidades de autogestão (Súmula nº 608 do STJ). É abusiva a cláusula que exclui cobertura de procedimento médico emergencial, quando há previsão contratual para a respectiva especialidade, especialmente quando o procedimento é essencial à preservação da vida. A recusa indevida de cobertura, em contexto de urgência e risco à saúde, configura ato ilícito e enseja indenização por dano moral. A fixação de juros moratórios e correção monetária deve observar os parâmetros estabelecidos pela Lei nº 14.905/2024, vedada a cumulação do IPCA com a taxa SELIC. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 1º, III; CDC, arts. 4º, III, 6º, IV e V, 47 e 51, IV; CC, arts. 389, parágrafo único, e 406, §1º; CPC, arts. 85, §§ 2º e 11, e 300; Lei nº 9.656/98; Lei nº 14.905/2024. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula nº 608; STJ, AgInt no REsp 1.977.914/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 02.05.2022, DJe 04.05.2022; STJ, AgInt no REsp 1977914/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 02.05.2022, DJe 04.05.2022; TJMT, N.U. 1001608-71.2021.8.11.0010, Rel. Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, j. 27.07.2022; TJMT, N.U. 1044777-44.2023.8.11.0041, Rel. Des. Antonia Siqueira Gonçalves, j. 29.06.2025. R E L A T Ó R I O RELATÓRIO EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO DE ARRUDA ALMEIDA Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de Apelação, interposto por UNIMED CUIABA COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO, tirado contra sentença (ID 292479861) proferida pelo Juízo da 10ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá que, em Ação de Obrigação de Fazer c/c Danos Morais nº 1000867-30.2024.8.11.0041, proposta por NEUZA MARIA LEITE DE CAMPOS, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial, nestes termos: [...]Constata-se que a parte autora necessitou realizar procedimento de cateterismo cardíaco em caráter emergencial, conforme atestado pelo profissional médico que a acompanha em id. 138325313. No entanto, a parte requerida recusou-se a fornecer cobertura para tal procedimento, fundamentando sua negativa em restrições contratuais, uma vez que o plano de saúde da autora não está submetido às regulamentações da Lei n.º 9.656/98, nem foi objeto de adaptação às novas regras conforme possibilidade legal, sendo esta uma escolha da própria beneficiária, que optou por manter o contrato original, o qual contempla certas restrições quanto a procedimentos médicos e benefícios. Entretanto, apesar do contrato existente entre demandante e demandada não estar subordinado às disposições da Lei n.º 9.656/98, este se encontra necessariamente submetido às normativas protetivas estabelecidas pelo Código de Defesa do Consumidor, principalmente devido à previsão expressa no instrumento contratual quanto à cobertura para especialidade cardiológica (cláusula 5.3), ainda que existam eventuais limitações ou restrições relacionadas a procedimentos médicos e hospitalares. [...] O procedimento solicitado pelo especialista responsável pelo atendimento da requerente encontra-se devidamente fundamentado e apresenta-se como essencial para preservação da sua vida. É suficiente, para fins de reparação por dano moral, a ocorrência do fato descrito, sendo desnecessária a demonstração da dor experimentada, pois o dano opera-se in re ipsa. [...] Posto isso, com fundamento no artigo 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial para confirmar a liminar concedida nos autos nº 1000941-84.2024.8.11.0041 e condenar a requerida a autorizar/custear o procedimento solicitado pelo médico assistente em id. 138325313. Condeno a requerida ao pagamento da quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a título de indenização por danos morais, sendo que juros de mora se darão pela aplicação da SELIC (art. 406, §1º, do CC), a partir da citação, e correção monetária pelo IPCA (art. 389, § único, do CC), a partir do arbitramento (sentença). Condeno a requerida ainda ao pagamento integral das custas processuais e dos honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2º c/c parágrafo único do artigo 86, do Código de Processo Civil. [...] [grifo original] Em suas razões recursais (ID 292479866), a apelante invoca os seguintes questionamentos fático-jurídicos: 1. Inexistência de ilicitude e de danos morais, argumentando que o contrato de plano de saúde da autora, firmado em 1997, não está submetido à Lei nº 9.656/98 e não abrange o procedimento solicitado, razão pela qual não houve prática de ato ilícito; 2. Exercício regular de direito, haja vista que a negativa de cobertura se ampara nas cláusulas contratuais vigentes; 3. Alternativamente, requer a redução do quantum indenizatório. 4. Revisão dos critérios de juros e correção monetária, especialmente no tocante à aplicação cumulativa da taxa SELIC e do IPCA. As apeladas, por sua vez, apresentaram contrarrazões nas quais rebate integralmente as alegações do recorrente, defendendo a manutenção da sentença, sob o argumento de que a recusa de cobertura foi abusiva, configurando dano moral presumido, conforme entendimento consolidado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Dispensado o Parecer Ministerial, em razão da natureza da matéria e da inexistência de parte incapaz. Recurso tempestivo, conforme expedientes dos autos de origem e preparo recolhido, conforme certidão de ID 293380898. É o relatório. Sebastião de Arruda Almeida Desembargador Relator V O T O R E L A T O R APELANTE(S): UNIMED CUIABA COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO. APELADO(S): NEUZA MARIA LEITE DE CAMPOS. VOTO Egrégia Câmara: Inicialmente, verifico a presença dos requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade recursal. Reitero que se trata de recurso de Apelação Cível, interposto contra sentença proferida pelo Juízo da 10ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá-MT, que, na Ação de Obrigação de Fazer cumulada com Indenização por Danos Morais, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados, para determinar que a requerida autorizasse e custeasse procedimento cirúrgico prescrito, bem como condenou-a ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00, além de custas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação. Em síntese, o Juízo a quo concluiu que, embora o contrato firmado entre as partes seja anterior à vigência da Lei nº 9.656/98, submete-se às normas do Código de Defesa do Consumidor, reconhecendo que a cláusula limitativa de cobertura, especialmente em situações de emergência, reveste-se de caráter abusivo; entendeu, ainda, que a recusa injustificada da operadora do plano de saúde em autorizar procedimento cardiológico indispensável à preservação da vida da autora configura ilícito civil, apto a ensejar reparação por danos morais, razão pela qual fixou a indenização no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), determinando a incidência de juros de mora pela taxa SELIC, cumulada com correção monetária pelo IPCA; a seguir, passo ao exame das teses suscitadas pelos apelantes. Passo ao exame das teses recursais. 1. Inexistência de ilicitude e de danos morais, argumentando que o contrato de plano de saúde da autora, firmado em 1997, não está submetido à Lei nº 9.656/98 e não abrange o procedimento solicitado, razão pela qual não houve prática de ato ilícito. A apelante sustenta que o contrato celebrado com a parte autora data de 1997, ou seja, anterior à vigência da Lei nº 9.656/98, motivo pelo qual não estaria obrigada à cobertura do procedimento solicitado. Alega, ainda, que não há prática de ato ilícito a justificar a indenização por danos morais. Sem razão. Embora o contrato firmado entre as partes não esteja submetido às disposições da Lei nº 9.656/98, é certo que se trata de contrato de trato sucessivo, o qual se submete às regras do Código de Defesa do Consumidor, conforme expressamente consagrado na Súmula nº 608 do Superior Tribunal de Justiça, que estabelece: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.” Nesse sentido: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE ANTERIOR À LEI 9656/98. RECUSA DE COBERTURA. ROL DE PROCEDIMENTOS E EVENTOS EM SAÚDE DA ANS. NATUREZA EXEMPLIFICATIVA. CONTRATO ANTIGO E NÃO ADAPTADO. LEI 9.656/1998. IRRETROATIVIDADE. APLICAÇÃO DO CDC. ABUSIVIDADE. RECUSA INDEVIDA. 1. A natureza do rol da ANS é meramente exemplificativa, reputando, no particular, abusiva a recusa de cobertura de tratamento prescrito para doença coberta pelo plano de saúde. 2. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que embora não se aplique as disposições da Lei 9.656/98 aos contratos celebrados antes de sua vigência e não adaptados, a análise de eventual abusividade pode ser aferida à luz do Código de Defesa do Consumidor. Precedentes. 3. Agravo interno não provido”. (STJ, AgInt no REsp. 1977914 RS 2021/0400658-1, julgamento em 2-5-2022, Terceira Turma, DJe de 4-5-2022). Além disso, a negativa de cobertura, sobretudo em situação de urgência, configura conduta abusiva, violadora dos deveres anexos da boa-fé objetiva e da função social do contrato, fundamentos estes consagrados tanto na legislação consumerista (arts. 4º, III, e 6º, IV e V, do CDC). Ademais, o próprio contrato, mesmo anterior à Lei nº 9.656/98, prevê cobertura para especialidade cardiológica, sendo, portanto, abusiva qualquer cláusula que exclua procedimentos essenciais à preservação da vida e à recuperação da saúde. À proposito: DIREITO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PLANO DE SAÚDE. PROCEDIMENTOS MÉDICOS DE URGÊNCIA. NEGATIVA DE COBERTURA. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RECURSO DESPROVIDO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO. I. Caso em exame Trata-se de agravo de instrumento interposto pela UNIMED NORTE MATO GROSSO COOPERATIVA TRABALHO MÉDICO em face de decisão que deferiu tutela de urgência em favor do beneficiário, determinando o custeio de procedimentos médicos realizados em caráter de urgência (angioplastia percutânea), sob pena de multa diária. O agravado, idoso (84 anos) e portador de doenças graves, realizou os procedimentos devido ao risco iminente de amputação de membro inferior. II. Questão em discussão 2. A controvérsia reside em saber se o plano de saúde, cujo contrato é anterior à Lei 9.656/98, está obrigado a custear os procedimentos médicos indicados, diante da negativa fundamentada na ausência de regulamentação contratual e na exclusão de cobertura para o tratamento. III. Razões de decidir 3. Embora o contrato seja anterior à Lei 9.656/98, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor, conforme Súmula 608 do STJ, interpretando-se as cláusulas de forma mais favorável ao consumidor (art. 47, CDC), especialmente em casos que envolvem risco à vida e à saúde. 4. Os procedimentos médicos em questão estão previstos contratualmente e, mesmo diante da negativa da operadora, a urgência do tratamento, somada à hipossuficiência do agravado, justifica a concessão da tutela de urgência, visando à proteção da saúde e da dignidade da pessoa humana. 5. A jurisprudência é pacífica no sentido de que, mesmo em contratos antigos, a abusividade da negativa de cobertura pode ser aferida à luz do CDC, sendo irrelevante a ausência de adaptação à Lei 9.656/98. IV. Dispositivo e tese 6. Recurso desprovido. Decisão de 1º grau mantida. Tese de julgamento: "1. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde firmados antes da Lei 9.656/98, salvo os administrados por autogestão (Súmula 608 do STJ)." "2. A negativa de cobertura para tratamento essencial à saúde do consumidor, em caráter de urgência e prescrito por médico, configura prática abusiva, ainda que prevista contratualmente." Dispositivos relevantes citados: CDC, art. 47; CPC, art. 300; Lei 9.656/98; Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003); Súmula 608 do STJ. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp n. 2.132.206/SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 27/3/2023, DJe de 31/3/2023. TJ-DF 0722634-71.2023.8.07.0001, Rel. Vera Andrighi, 6ª Turma Cível, julgado em 25/10/2023. TJ-SP, Apelação Cível 1025737-76.2023.8.26.0100, Rel. Enio Zuliani, julgado em 25/04/2024. (N.U 1005250-43.2025.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARCOS REGENOLD FERNANDES, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 29/05/2025, Publicado no DJE 29/05/2025) Portanto, corretamente decidiu o juízo de origem ao reconhecer a ilicitude da negativa de cobertura e a consequente obrigação de indenizar. 2. Exercício regular de direito, haja vista que a negativa de cobertura se ampara nas cláusulas contratuais vigentes. Sustenta, ainda, a apelante, que a recusa no fornecimento do procedimento encontra respaldo nas cláusulas contratuais e, portanto, não haveria ilicitude, tratando-se de exercício regular de direito. Tal tese não merece acolhimento. Ainda que existam cláusulas limitativas no contrato firmado entre as partes, tais cláusulas não podem prevalecer sobre normas de ordem pública de proteção ao consumidor, especialmente quando estão em jogo direitos fundamentais, como o direito à vida e à saúde, além dos princípios da dignidade da pessoa humana e da boa-fé objetiva. O exercício regular de direito pressupõe que o ato esteja estritamente amparado na ordem jurídica, o que não se verifica quando a conduta se mostra abusiva e contrária aos princípios consumeristas. APELAÇÃO. PLANO DE SAÚDE ANTERIOR À LEI 9.656/98. COBERTURA DE EXAMES PRESCRITOS. ABUSIVIDADE CONTRATUAL. DANO MORAL CONFIGURADO. RECURSO DA OPERADORA NÃO PROVIDO E PARCIAL PROVIMENTO AO DA AUTORA. I. CASO EM EXAME Apelações interpostas contra sentença que julgou procedente Ação de Obrigação de Fazer c/c Indenização por Danos Morais proposta por beneficiária de plano de saúde, determinando à operadora a realização de exames de angiotomografia coronariana, arterial de pescoço, aorta torácica, abdominal e arterial de pelve, além da continuidade do tratamento cardiológico, bem como condenando-a ao pagamento de R$ 4.000,00 por danos morais. A operadora (Unimed Cuiabá) alega que o contrato é anterior à Lei 9.656/98 e não adaptado, sendo a negativa de cobertura lícita. A autora, por sua vez, pleiteia majoração da indenização moral para R$ 30.000,00. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (i) definir se é abusiva a negativa de cobertura, por plano de saúde não adaptado à Lei 9.656/98, de exames indispensáveis ao tratamento de doença coberta; (ii) estabelecer se está configurado o dano moral e, em caso afirmativo, se o valor da indenização fixado em primeira instância deve ser majorado. III. RAZÕES DE DECIDIR A jurisprudência do STJ admite a aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde firmados antes da Lei 9.656/98 e não adaptados. Cláusula contratual que limita os meios de tratamento de doença coberta é abusiva à luz do art. 51, IV, do CDC, especialmente quando o exame foi expressamente indicado por médico especialista. O rol da ANS tem natureza exemplificativa, sendo indevida a negativa de cobertura de exame essencial ao diagnóstico e tratamento de cardiopatia grave. A negativa indevida de cobertura, em contexto de fragilidade e urgência médica, configura ato ilícito gerador de dano moral, por extrapolar meros aborrecimentos. O valor da indenização deve ser fixado em montante que atenda aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e à função compensatória e pedagógica da reparação civil. No caso, justifica-se a majoração para R$ 10.000,00. Não se aplica a majoração dos honorários recursais, por já terem sido arbitrados no limite legal de 20%. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso da ré não provido. Recurso da autora parcialmente provido. Tese de julgamento: Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde celebrados antes da vigência da Lei 9.656/98 e não adaptados, por se tratarem de relações de trato sucessivo. É abusiva a cláusula contratual que exclui a cobertura de exames indispensáveis ao tratamento de doença coberta, especialmente quando prescritos por profissional médico habilitado. A recusa indevida de cobertura por plano de saúde, em contexto de urgência e necessidade clínica, configura dano moral indenizável. O valor da indenização por dano moral deve refletir a gravidade do sofrimento causado, a reiteração da conduta lesiva e a função pedagógica da medida, observando-se os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Dispositivos relevantes citados: CDC, arts. 6º, III; 14; 51, IV; CPC, art. 85, §§ 2º e 11. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no REsp 1.977.914/RS, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 02.05.2022; TJMT, N.U 1001608-71.2021.8.11.0010, Rel. Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, j. 27.07.2022. Portanto, a tese não merece prosperar. 3. Alternativamente, requer a redução do quantum indenizatório. Na remota hipótese de manutenção da condenação por danos morais, a apelante postula pela redução do quantum indenizatório, sob o argumento de que o valor fixado (R$ 10.000,00) é excessivo e ensejaria enriquecimento sem causa. Sem razão. O valor arbitrado pelo juízo de origem observa critérios de proporcionalidade e razoabilidade, levando em conta: a gravidade da conduta da requerida; a situação de risco à vida da autora; a capacidade econômica da operadora de plano de saúde; e o caráter pedagógico da indenização. O valor de R$ 10.000,00, além de estar em consonância com os parâmetros adotados por esta Câmara em casos análogos, não revela excesso a ensejar sua redução. Portanto, mantém-se inalterado o valor fixado a título de indenização por danos morais. 4. Revisão dos critérios de juros e correção monetária. Aqui, assiste razão à apelante. De fato, com a superveniência da Lei nº 14.905/2024, os critérios para apuração de juros de mora e correção monetária foram alterados. Nos termos da novel legislação, restou definido que: a correção monetária incidirá pelo IPCA, salvo estipulação contratual diversa ou disposição legal específica e os juros de mora serão calculados pela taxa SELIC, deduzido o IPCA, impedindo, portanto, a sua incidência cumulativa. Vejamos: APELAÇÕES CÍVEIS – AÇÃO DE ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS – PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA REJEITADA – MÉRITO – CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS JURÍDICOS – RESCISÃO UNILATERAL E IMOTIVADA – TERMO DE QUITAÇÃO GENÉRICO – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS INCONTROVERSA – ARBITRAMENTO JUDICIAL – POSSIBILIDADE – FIXAÇÃO DOS HONORÁRIOS DE ACORDO COM O TRABALHO DESEMPENHADO PELO CAUSÍDICO – MANUTENÇÃO – ADEQUAÇÃO DOS CONSECTÁRIOS LEGAIS À LEI Nº 14.905/2024 - RECURSO DO AUTOR DESPROVIDO E DO BANCO PARCIALMENTE PROVIDO. Havendo elementos suficientes para a formação da convicção do julgador e solução do litígio, o magistrado pode julgar antecipadamente a lide, não havendo que se falar em cerceamento do direito de defesa. Conforme entendimento consolidado do STJ, nos contratos de prestação de serviços advocatícios com cláusula de remuneração exclusivamente por verbas sucumbências, a rescisão unilateral do contrato pelo contratante justifica o arbitramento judicial dos honorários advocatícios ao advogado, pelo serviço proporcionalmente prestado. O ajuste de quitação apresentado nos autos, embora expresso, não é claro na estipulação dos critérios para estabelecer a contraprestação financeira pelos serviços jurídicos realizados pela parte autora em favor da instituição financeira, de modo que não é possível afirmar que houve a liquidação do débito de forma administrativa. Em observância ao disposto no artigo 22, § 2º, da Lei nº. 8.906/94 c/c artigo 85, § 8º, do CPC, considerando a atuação do profissional no feito, as peculiaridades do caso, o período de atuação, as fases processuais percorridas, o valor da causa e o momento em que foi rompido o contrato, tenho que o quantum fixado na sentença se mostra adequado, devendo ser mantido pois atende os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Os consectários legais incidentes sobre o valor da condenação devem observar as regras dos artigos 389, parágrafo único, e 406, §1º, do Código Civil, com a redação conferida pela Lei nº 14.905/2024, aplicando-se correção monetária pelo IPCA e juros moratórios pela taxa SELIC, com a devida dedução do índice de atualização monetária já utilizado, a fim de evitar duplicidade. (N.U 1044777-44.2023.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 29/06/2025, Publicado no DJE 29/06/2025). Logo, a sentença merece reforma parcial, tão somente para adequar os encargos moratórios aos critérios legais vigentes, nos termos da Lei nº 14.905/2024. Conclusão Diante do exposto, conheço do recurso e DOU-LHE PROVIMENTO PARCIAL, apenas para adequar os encargos moratórios aos parâmetros fixados pela Lei nº 14.905/2024, aplicando-se correção monetária pelo IPCA e juros moratórios pela taxa SELIC, com a devida dedução do índice de atualização monetária já utilizado, a fim de evitar duplicidade, mantendo-se, no mais, integralmente a sentença recorrida. Por fim, deixo de majorar os honorários advocatícios, nos termos do art. 85, §11, do CPC, por se tratar de provimento parcial. É como voto. Sebastião de Arruda Almeida Desembargador Relator Data da sessão: Cuiabá-MT, 01/07/2025

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Processo nº 1000867-30.2024.8.11.0041

ID: 315998607

Tribunal: TJMT Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado Classe: APELAçãO CíVEL Nº Processo: 1000867-30.2024.8.11.0041

Data de Disponibilização: 04/07/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

NEUZA MARIA LEITE DE CAMPOS

Acórdão

Advogados:

ELIANA CRISTINA DOS SANTOS

OAB/MT XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000867-30.2024.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Obrigação de Fazer / Não Fazer, Eletiva] Relator… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000867-30.2024.8.11.0041 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Obrigação de Fazer / Não Fazer, Eletiva] Relator: Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA Turma Julgadora: [DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). SEBASTIAO BARBOSA FARIAS] Parte(s): [NEUZA MARIA LEITE DE CAMPOS - CPF: 998.878.001-04 (APELADO), ELIANA CRISTINA DOS SANTOS - CPF: 009.603.181-60 (ADVOGADO), UNIMED CUIABA COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO - CNPJ: 03.533.726/0001-88 (APELANTE), JORGE LUIZ MIRAGLIA JAUDY - CPF: 794.524.851-91 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO. E M E N T A APELANTE(S): UNIMED CUIABA COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO. APELADO(S): NEUZA MARIA LEITE DE CAMPOS. EMENTA: DIREITO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. CONTRATO ANTERIOR À LEI Nº 9.656/98. NEGATIVA DE COBERTURA DE PROCEDIMENTO CARDIOLÓGICO EMERGENCIAL. ABUSIVIDADE CONFIGURADA. DANO MORAL. ADEQUAÇÃO DOS ENCARGOS MORATÓRIOS À LEI Nº 14.905/2024. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. I. CASO EM EXAME Apelação interposta por Unimed Cuiabá Cooperativa de Trabalho Médico contra sentença que, nos autos de Ação de Obrigação de Fazer cumulada com Indenização por Danos Morais ajuizada por Neuza Maria Leite de Campos, julgou parcialmente procedentes os pedidos para (i) determinar que a ré custeasse procedimento de cateterismo cardíaco, prescrito em caráter emergencial, e (ii) condená-la ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00, além de custas e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há quatro questões em discussão: (i) definir se é ilícita a negativa de cobertura do procedimento médico, considerando que o contrato é anterior à Lei nº 9.656/98; (ii) estabelecer se a recusa caracteriza exercício regular de direito; (iii) avaliar a necessidade de revisão do valor fixado a título de indenização por danos morais; e (iv) adequar os critérios de juros e correção monetária aos parâmetros da Lei nº 14.905/2024. III. RAZÕES DE DECIDIR O contrato, embora firmado antes da vigência da Lei nº 9.656/98, submete-se às normas do Código de Defesa do Consumidor, conforme Súmula nº 608 do STJ, sendo abusiva a negativa de cobertura de procedimento emergencial indispensável à preservação da vida da beneficiária. A cláusula contratual que exclui cobertura para procedimentos essenciais, quando há previsão de cobertura para a especialidade médica (cardiologia), afronta os princípios da boa-fé objetiva, da função social do contrato e da dignidade da pessoa humana, não podendo ser considerada exercício regular de direito. O valor fixado a título de indenização por danos morais (R$ 10.000,00) observa os critérios de proporcionalidade, razoabilidade, gravidade da conduta e caráter pedagógico, não comportando redução. Assiste razão à apelante quanto à revisão dos encargos moratórios, que devem observar a nova sistemática introduzida pela Lei nº 14.905/2024, aplicando-se correção monetária pelo IPCA e juros moratórios pela taxa SELIC, deduzindo-se o IPCA, de modo a evitar bis in idem. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso parcialmente provido, apenas para adequar os encargos moratórios aos termos da Lei nº 14.905/2024, mantendo-se, no mais, integralmente a sentença recorrida. Tese de julgamento: Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde celebrados antes da vigência da Lei nº 9.656/98, salvo os administrados por entidades de autogestão (Súmula nº 608 do STJ). É abusiva a cláusula que exclui cobertura de procedimento médico emergencial, quando há previsão contratual para a respectiva especialidade, especialmente quando o procedimento é essencial à preservação da vida. A recusa indevida de cobertura, em contexto de urgência e risco à saúde, configura ato ilícito e enseja indenização por dano moral. A fixação de juros moratórios e correção monetária deve observar os parâmetros estabelecidos pela Lei nº 14.905/2024, vedada a cumulação do IPCA com a taxa SELIC. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 1º, III; CDC, arts. 4º, III, 6º, IV e V, 47 e 51, IV; CC, arts. 389, parágrafo único, e 406, §1º; CPC, arts. 85, §§ 2º e 11, e 300; Lei nº 9.656/98; Lei nº 14.905/2024. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula nº 608; STJ, AgInt no REsp 1.977.914/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 02.05.2022, DJe 04.05.2022; STJ, AgInt no REsp 1977914/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 02.05.2022, DJe 04.05.2022; TJMT, N.U. 1001608-71.2021.8.11.0010, Rel. Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, j. 27.07.2022; TJMT, N.U. 1044777-44.2023.8.11.0041, Rel. Des. Antonia Siqueira Gonçalves, j. 29.06.2025. R E L A T Ó R I O RELATÓRIO EXMO. SR. DES. SEBASTIÃO DE ARRUDA ALMEIDA Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de Apelação, interposto por UNIMED CUIABA COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO, tirado contra sentença (ID 292479861) proferida pelo Juízo da 10ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá que, em Ação de Obrigação de Fazer c/c Danos Morais nº 1000867-30.2024.8.11.0041, proposta por NEUZA MARIA LEITE DE CAMPOS, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial, nestes termos: [...]Constata-se que a parte autora necessitou realizar procedimento de cateterismo cardíaco em caráter emergencial, conforme atestado pelo profissional médico que a acompanha em id. 138325313. No entanto, a parte requerida recusou-se a fornecer cobertura para tal procedimento, fundamentando sua negativa em restrições contratuais, uma vez que o plano de saúde da autora não está submetido às regulamentações da Lei n.º 9.656/98, nem foi objeto de adaptação às novas regras conforme possibilidade legal, sendo esta uma escolha da própria beneficiária, que optou por manter o contrato original, o qual contempla certas restrições quanto a procedimentos médicos e benefícios. Entretanto, apesar do contrato existente entre demandante e demandada não estar subordinado às disposições da Lei n.º 9.656/98, este se encontra necessariamente submetido às normativas protetivas estabelecidas pelo Código de Defesa do Consumidor, principalmente devido à previsão expressa no instrumento contratual quanto à cobertura para especialidade cardiológica (cláusula 5.3), ainda que existam eventuais limitações ou restrições relacionadas a procedimentos médicos e hospitalares. [...] O procedimento solicitado pelo especialista responsável pelo atendimento da requerente encontra-se devidamente fundamentado e apresenta-se como essencial para preservação da sua vida. É suficiente, para fins de reparação por dano moral, a ocorrência do fato descrito, sendo desnecessária a demonstração da dor experimentada, pois o dano opera-se in re ipsa. [...] Posto isso, com fundamento no artigo 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial para confirmar a liminar concedida nos autos nº 1000941-84.2024.8.11.0041 e condenar a requerida a autorizar/custear o procedimento solicitado pelo médico assistente em id. 138325313. Condeno a requerida ao pagamento da quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a título de indenização por danos morais, sendo que juros de mora se darão pela aplicação da SELIC (art. 406, §1º, do CC), a partir da citação, e correção monetária pelo IPCA (art. 389, § único, do CC), a partir do arbitramento (sentença). Condeno a requerida ainda ao pagamento integral das custas processuais e dos honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2º c/c parágrafo único do artigo 86, do Código de Processo Civil. [...] [grifo original] Em suas razões recursais (ID 292479866), a apelante invoca os seguintes questionamentos fático-jurídicos: 1. Inexistência de ilicitude e de danos morais, argumentando que o contrato de plano de saúde da autora, firmado em 1997, não está submetido à Lei nº 9.656/98 e não abrange o procedimento solicitado, razão pela qual não houve prática de ato ilícito; 2. Exercício regular de direito, haja vista que a negativa de cobertura se ampara nas cláusulas contratuais vigentes; 3. Alternativamente, requer a redução do quantum indenizatório. 4. Revisão dos critérios de juros e correção monetária, especialmente no tocante à aplicação cumulativa da taxa SELIC e do IPCA. As apeladas, por sua vez, apresentaram contrarrazões nas quais rebate integralmente as alegações do recorrente, defendendo a manutenção da sentença, sob o argumento de que a recusa de cobertura foi abusiva, configurando dano moral presumido, conforme entendimento consolidado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Dispensado o Parecer Ministerial, em razão da natureza da matéria e da inexistência de parte incapaz. Recurso tempestivo, conforme expedientes dos autos de origem e preparo recolhido, conforme certidão de ID 293380898. É o relatório. Sebastião de Arruda Almeida Desembargador Relator V O T O R E L A T O R APELANTE(S): UNIMED CUIABA COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO. APELADO(S): NEUZA MARIA LEITE DE CAMPOS. VOTO Egrégia Câmara: Inicialmente, verifico a presença dos requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade recursal. Reitero que se trata de recurso de Apelação Cível, interposto contra sentença proferida pelo Juízo da 10ª Vara Cível da Comarca de Cuiabá-MT, que, na Ação de Obrigação de Fazer cumulada com Indenização por Danos Morais, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados, para determinar que a requerida autorizasse e custeasse procedimento cirúrgico prescrito, bem como condenou-a ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00, além de custas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação. Em síntese, o Juízo a quo concluiu que, embora o contrato firmado entre as partes seja anterior à vigência da Lei nº 9.656/98, submete-se às normas do Código de Defesa do Consumidor, reconhecendo que a cláusula limitativa de cobertura, especialmente em situações de emergência, reveste-se de caráter abusivo; entendeu, ainda, que a recusa injustificada da operadora do plano de saúde em autorizar procedimento cardiológico indispensável à preservação da vida da autora configura ilícito civil, apto a ensejar reparação por danos morais, razão pela qual fixou a indenização no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), determinando a incidência de juros de mora pela taxa SELIC, cumulada com correção monetária pelo IPCA; a seguir, passo ao exame das teses suscitadas pelos apelantes. Passo ao exame das teses recursais. 1. Inexistência de ilicitude e de danos morais, argumentando que o contrato de plano de saúde da autora, firmado em 1997, não está submetido à Lei nº 9.656/98 e não abrange o procedimento solicitado, razão pela qual não houve prática de ato ilícito. A apelante sustenta que o contrato celebrado com a parte autora data de 1997, ou seja, anterior à vigência da Lei nº 9.656/98, motivo pelo qual não estaria obrigada à cobertura do procedimento solicitado. Alega, ainda, que não há prática de ato ilícito a justificar a indenização por danos morais. Sem razão. Embora o contrato firmado entre as partes não esteja submetido às disposições da Lei nº 9.656/98, é certo que se trata de contrato de trato sucessivo, o qual se submete às regras do Código de Defesa do Consumidor, conforme expressamente consagrado na Súmula nº 608 do Superior Tribunal de Justiça, que estabelece: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.” Nesse sentido: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE ANTERIOR À LEI 9656/98. RECUSA DE COBERTURA. ROL DE PROCEDIMENTOS E EVENTOS EM SAÚDE DA ANS. NATUREZA EXEMPLIFICATIVA. CONTRATO ANTIGO E NÃO ADAPTADO. LEI 9.656/1998. IRRETROATIVIDADE. APLICAÇÃO DO CDC. ABUSIVIDADE. RECUSA INDEVIDA. 1. A natureza do rol da ANS é meramente exemplificativa, reputando, no particular, abusiva a recusa de cobertura de tratamento prescrito para doença coberta pelo plano de saúde. 2. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que embora não se aplique as disposições da Lei 9.656/98 aos contratos celebrados antes de sua vigência e não adaptados, a análise de eventual abusividade pode ser aferida à luz do Código de Defesa do Consumidor. Precedentes. 3. Agravo interno não provido”. (STJ, AgInt no REsp. 1977914 RS 2021/0400658-1, julgamento em 2-5-2022, Terceira Turma, DJe de 4-5-2022). Além disso, a negativa de cobertura, sobretudo em situação de urgência, configura conduta abusiva, violadora dos deveres anexos da boa-fé objetiva e da função social do contrato, fundamentos estes consagrados tanto na legislação consumerista (arts. 4º, III, e 6º, IV e V, do CDC). Ademais, o próprio contrato, mesmo anterior à Lei nº 9.656/98, prevê cobertura para especialidade cardiológica, sendo, portanto, abusiva qualquer cláusula que exclua procedimentos essenciais à preservação da vida e à recuperação da saúde. À proposito: DIREITO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PLANO DE SAÚDE. PROCEDIMENTOS MÉDICOS DE URGÊNCIA. NEGATIVA DE COBERTURA. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RECURSO DESPROVIDO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO. I. Caso em exame Trata-se de agravo de instrumento interposto pela UNIMED NORTE MATO GROSSO COOPERATIVA TRABALHO MÉDICO em face de decisão que deferiu tutela de urgência em favor do beneficiário, determinando o custeio de procedimentos médicos realizados em caráter de urgência (angioplastia percutânea), sob pena de multa diária. O agravado, idoso (84 anos) e portador de doenças graves, realizou os procedimentos devido ao risco iminente de amputação de membro inferior. II. Questão em discussão 2. A controvérsia reside em saber se o plano de saúde, cujo contrato é anterior à Lei 9.656/98, está obrigado a custear os procedimentos médicos indicados, diante da negativa fundamentada na ausência de regulamentação contratual e na exclusão de cobertura para o tratamento. III. Razões de decidir 3. Embora o contrato seja anterior à Lei 9.656/98, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor, conforme Súmula 608 do STJ, interpretando-se as cláusulas de forma mais favorável ao consumidor (art. 47, CDC), especialmente em casos que envolvem risco à vida e à saúde. 4. Os procedimentos médicos em questão estão previstos contratualmente e, mesmo diante da negativa da operadora, a urgência do tratamento, somada à hipossuficiência do agravado, justifica a concessão da tutela de urgência, visando à proteção da saúde e da dignidade da pessoa humana. 5. A jurisprudência é pacífica no sentido de que, mesmo em contratos antigos, a abusividade da negativa de cobertura pode ser aferida à luz do CDC, sendo irrelevante a ausência de adaptação à Lei 9.656/98. IV. Dispositivo e tese 6. Recurso desprovido. Decisão de 1º grau mantida. Tese de julgamento: "1. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde firmados antes da Lei 9.656/98, salvo os administrados por autogestão (Súmula 608 do STJ)." "2. A negativa de cobertura para tratamento essencial à saúde do consumidor, em caráter de urgência e prescrito por médico, configura prática abusiva, ainda que prevista contratualmente." Dispositivos relevantes citados: CDC, art. 47; CPC, art. 300; Lei 9.656/98; Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003); Súmula 608 do STJ. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp n. 2.132.206/SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 27/3/2023, DJe de 31/3/2023. TJ-DF 0722634-71.2023.8.07.0001, Rel. Vera Andrighi, 6ª Turma Cível, julgado em 25/10/2023. TJ-SP, Apelação Cível 1025737-76.2023.8.26.0100, Rel. Enio Zuliani, julgado em 25/04/2024. (N.U 1005250-43.2025.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARCOS REGENOLD FERNANDES, Quinta Câmara de Direito Privado, Julgado em 29/05/2025, Publicado no DJE 29/05/2025) Portanto, corretamente decidiu o juízo de origem ao reconhecer a ilicitude da negativa de cobertura e a consequente obrigação de indenizar. 2. Exercício regular de direito, haja vista que a negativa de cobertura se ampara nas cláusulas contratuais vigentes. Sustenta, ainda, a apelante, que a recusa no fornecimento do procedimento encontra respaldo nas cláusulas contratuais e, portanto, não haveria ilicitude, tratando-se de exercício regular de direito. Tal tese não merece acolhimento. Ainda que existam cláusulas limitativas no contrato firmado entre as partes, tais cláusulas não podem prevalecer sobre normas de ordem pública de proteção ao consumidor, especialmente quando estão em jogo direitos fundamentais, como o direito à vida e à saúde, além dos princípios da dignidade da pessoa humana e da boa-fé objetiva. O exercício regular de direito pressupõe que o ato esteja estritamente amparado na ordem jurídica, o que não se verifica quando a conduta se mostra abusiva e contrária aos princípios consumeristas. APELAÇÃO. PLANO DE SAÚDE ANTERIOR À LEI 9.656/98. COBERTURA DE EXAMES PRESCRITOS. ABUSIVIDADE CONTRATUAL. DANO MORAL CONFIGURADO. RECURSO DA OPERADORA NÃO PROVIDO E PARCIAL PROVIMENTO AO DA AUTORA. I. CASO EM EXAME Apelações interpostas contra sentença que julgou procedente Ação de Obrigação de Fazer c/c Indenização por Danos Morais proposta por beneficiária de plano de saúde, determinando à operadora a realização de exames de angiotomografia coronariana, arterial de pescoço, aorta torácica, abdominal e arterial de pelve, além da continuidade do tratamento cardiológico, bem como condenando-a ao pagamento de R$ 4.000,00 por danos morais. A operadora (Unimed Cuiabá) alega que o contrato é anterior à Lei 9.656/98 e não adaptado, sendo a negativa de cobertura lícita. A autora, por sua vez, pleiteia majoração da indenização moral para R$ 30.000,00. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (i) definir se é abusiva a negativa de cobertura, por plano de saúde não adaptado à Lei 9.656/98, de exames indispensáveis ao tratamento de doença coberta; (ii) estabelecer se está configurado o dano moral e, em caso afirmativo, se o valor da indenização fixado em primeira instância deve ser majorado. III. RAZÕES DE DECIDIR A jurisprudência do STJ admite a aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde firmados antes da Lei 9.656/98 e não adaptados. Cláusula contratual que limita os meios de tratamento de doença coberta é abusiva à luz do art. 51, IV, do CDC, especialmente quando o exame foi expressamente indicado por médico especialista. O rol da ANS tem natureza exemplificativa, sendo indevida a negativa de cobertura de exame essencial ao diagnóstico e tratamento de cardiopatia grave. A negativa indevida de cobertura, em contexto de fragilidade e urgência médica, configura ato ilícito gerador de dano moral, por extrapolar meros aborrecimentos. O valor da indenização deve ser fixado em montante que atenda aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e à função compensatória e pedagógica da reparação civil. No caso, justifica-se a majoração para R$ 10.000,00. Não se aplica a majoração dos honorários recursais, por já terem sido arbitrados no limite legal de 20%. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso da ré não provido. Recurso da autora parcialmente provido. Tese de julgamento: Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde celebrados antes da vigência da Lei 9.656/98 e não adaptados, por se tratarem de relações de trato sucessivo. É abusiva a cláusula contratual que exclui a cobertura de exames indispensáveis ao tratamento de doença coberta, especialmente quando prescritos por profissional médico habilitado. A recusa indevida de cobertura por plano de saúde, em contexto de urgência e necessidade clínica, configura dano moral indenizável. O valor da indenização por dano moral deve refletir a gravidade do sofrimento causado, a reiteração da conduta lesiva e a função pedagógica da medida, observando-se os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Dispositivos relevantes citados: CDC, arts. 6º, III; 14; 51, IV; CPC, art. 85, §§ 2º e 11. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no REsp 1.977.914/RS, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 02.05.2022; TJMT, N.U 1001608-71.2021.8.11.0010, Rel. Des. Carlos Alberto Alves da Rocha, j. 27.07.2022. Portanto, a tese não merece prosperar. 3. Alternativamente, requer a redução do quantum indenizatório. Na remota hipótese de manutenção da condenação por danos morais, a apelante postula pela redução do quantum indenizatório, sob o argumento de que o valor fixado (R$ 10.000,00) é excessivo e ensejaria enriquecimento sem causa. Sem razão. O valor arbitrado pelo juízo de origem observa critérios de proporcionalidade e razoabilidade, levando em conta: a gravidade da conduta da requerida; a situação de risco à vida da autora; a capacidade econômica da operadora de plano de saúde; e o caráter pedagógico da indenização. O valor de R$ 10.000,00, além de estar em consonância com os parâmetros adotados por esta Câmara em casos análogos, não revela excesso a ensejar sua redução. Portanto, mantém-se inalterado o valor fixado a título de indenização por danos morais. 4. Revisão dos critérios de juros e correção monetária. Aqui, assiste razão à apelante. De fato, com a superveniência da Lei nº 14.905/2024, os critérios para apuração de juros de mora e correção monetária foram alterados. Nos termos da novel legislação, restou definido que: a correção monetária incidirá pelo IPCA, salvo estipulação contratual diversa ou disposição legal específica e os juros de mora serão calculados pela taxa SELIC, deduzido o IPCA, impedindo, portanto, a sua incidência cumulativa. Vejamos: APELAÇÕES CÍVEIS – AÇÃO DE ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS – PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA REJEITADA – MÉRITO – CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS JURÍDICOS – RESCISÃO UNILATERAL E IMOTIVADA – TERMO DE QUITAÇÃO GENÉRICO – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS INCONTROVERSA – ARBITRAMENTO JUDICIAL – POSSIBILIDADE – FIXAÇÃO DOS HONORÁRIOS DE ACORDO COM O TRABALHO DESEMPENHADO PELO CAUSÍDICO – MANUTENÇÃO – ADEQUAÇÃO DOS CONSECTÁRIOS LEGAIS À LEI Nº 14.905/2024 - RECURSO DO AUTOR DESPROVIDO E DO BANCO PARCIALMENTE PROVIDO. Havendo elementos suficientes para a formação da convicção do julgador e solução do litígio, o magistrado pode julgar antecipadamente a lide, não havendo que se falar em cerceamento do direito de defesa. Conforme entendimento consolidado do STJ, nos contratos de prestação de serviços advocatícios com cláusula de remuneração exclusivamente por verbas sucumbências, a rescisão unilateral do contrato pelo contratante justifica o arbitramento judicial dos honorários advocatícios ao advogado, pelo serviço proporcionalmente prestado. O ajuste de quitação apresentado nos autos, embora expresso, não é claro na estipulação dos critérios para estabelecer a contraprestação financeira pelos serviços jurídicos realizados pela parte autora em favor da instituição financeira, de modo que não é possível afirmar que houve a liquidação do débito de forma administrativa. Em observância ao disposto no artigo 22, § 2º, da Lei nº. 8.906/94 c/c artigo 85, § 8º, do CPC, considerando a atuação do profissional no feito, as peculiaridades do caso, o período de atuação, as fases processuais percorridas, o valor da causa e o momento em que foi rompido o contrato, tenho que o quantum fixado na sentença se mostra adequado, devendo ser mantido pois atende os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Os consectários legais incidentes sobre o valor da condenação devem observar as regras dos artigos 389, parágrafo único, e 406, §1º, do Código Civil, com a redação conferida pela Lei nº 14.905/2024, aplicando-se correção monetária pelo IPCA e juros moratórios pela taxa SELIC, com a devida dedução do índice de atualização monetária já utilizado, a fim de evitar duplicidade. (N.U 1044777-44.2023.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 29/06/2025, Publicado no DJE 29/06/2025). Logo, a sentença merece reforma parcial, tão somente para adequar os encargos moratórios aos critérios legais vigentes, nos termos da Lei nº 14.905/2024. Conclusão Diante do exposto, conheço do recurso e DOU-LHE PROVIMENTO PARCIAL, apenas para adequar os encargos moratórios aos parâmetros fixados pela Lei nº 14.905/2024, aplicando-se correção monetária pelo IPCA e juros moratórios pela taxa SELIC, com a devida dedução do índice de atualização monetária já utilizado, a fim de evitar duplicidade, mantendo-se, no mais, integralmente a sentença recorrida. Por fim, deixo de majorar os honorários advocatícios, nos termos do art. 85, §11, do CPC, por se tratar de provimento parcial. É como voto. Sebastião de Arruda Almeida Desembargador Relator Data da sessão: Cuiabá-MT, 01/07/2025

Conteúdo completo bloqueado

Desbloquear

Encontrou 1007 resultados. Faça login para ver detalhes completos e mais informações.

Fazer Login para Ver Detalhes