Processo nº 1001875-03.2019.8.11.0046
ID: 260338607
Tribunal: TJMT
Órgão: 2ª VARA DE COMODORO
Classe: AçãO CIVIL PúBLICA CíVEL
Nº Processo: 1001875-03.2019.8.11.0046
Data de Disponibilização:
25/04/2025
Polo Ativo:
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 2ª VARA DE COMODORO SENTENÇA Processo: 1001875-03.2019.8.11.0046. AUTOR(A): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO REU: BETT SABAH MARINHO DA SILVA, JOEL R…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 2ª VARA DE COMODORO SENTENÇA Processo: 1001875-03.2019.8.11.0046. AUTOR(A): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO REU: BETT SABAH MARINHO DA SILVA, JOEL RAIMUNDO DOS SANTOS, S. R. DISTRIBUIDORA E TRANSPORTADORA EIRELI - ME Vistos etc. Trata-se de AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO em face de BETT SABAH MARINHO DA SILVA, J. R. DISTRIBUIDORA & TRANSPORTADORA – EIRELI – ME e JOEL RAIMUNDO DOS SANTOS, todos qualificados nos autos. Narra a exordial, em suma, que foi instaurado de Inquérito Civil a partir de representação ofertada pelo senhor Rogério Lopes Sangi, o qual noticiou a suposta prática de improbidade administrativa pelos requeridos, sendo que estes fraudaram os seguintes procedimentos licitatórios: a) Pregão presencial nº 006/2015 (cujo objeto era a contratação de empresa para prestar serviço e aquisição de materiais elétricos); b) Pregão presencial nº 010/2015 (objeto: aquisição de materiais diversos de informática e permanente); e c) Pregão presencial 040/2015 (objeto: locação de caminhões-pipa, máquinas pesadas, ônibus, vans, camionete e caminhão prancha), de modo a direcionar/facilitar o vencimento da empresa J. R. Distribuidora & Transportadora –ME Outrossim, dispõe que que a empresa requerida sagrou vencedora nos procedimentos licitatórios acima supramencionados, além de não possuir estrutura adequada para a prestação de determinados serviços, pois, em tese, não gozava de profissionais habilitados para tanto, não detinha ela know-how ou patrimônio suficiente para garantir a entrega de determinados produtos, sobremaneira pelo fato dela ter participado e ganho, de forma quase que concomitante, de procedimentos licitatórios que contemplam objetos absolutamente distintos. Por fim, requereu liminarmente, a indisponibilidade de bens de propriedade dos requeridos, a procedência da ação, para condenar os requeridos pela prática de atos de improbidade administrativa descritos nos artigos 9º, 10º e 11 da Lei nº. 8.429/92, aplicando-lhe as sanções do artigo 12 da Lei nº 8.429/92. A tutela provisória de urgência foi indeferida e determinada à notificação da parte demandada (ID: 25345379). Bett Sabah Marinho da Silva compareceu espontaneamente nos autos e apresentou Defesa Preliminar requerendo, em suma, a extinção do feito, alegando o descumprimento dos prazos para ingresso da ação, previstos no 23, §2º, da Lei nº 14.230/2021 (ID: 71251377)). Consta, em seguida, manifestação do Ministério Público (ID: 79199977). Realizada audiência de conciliação (ID: 97359596), as partes não pactuaram acordo acerca da demanda. Os requeridos Joel Raimundo dos Santos e S. R. Distribuidora e Transportadora Eirelli-ME foram devidamente citados (ID: 127496839), contudo, deixaram o prazo transcorrer in albis para apresentar Defesa Preliminar (ID: 141393608). A requerida Bett Sabah Marinho da Silva foi citada por edital (ID: 183722236), no entanto, compareceu aos autos e contestou a presente demanda (ID: 184228929). Com vista dos autos, o Ministério Público impugnou a contestação (ID: 85783230). Após, vieram-me os autos conclusos. É o relato do necessário. Passo a decidir. Considerações Iniciais. De início, na análise de Ações de Improbidade Administrativa devem ser observadas as recentes e substanciais alterações trazidas à Lei de Improbidade Administrativa - Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992 - pela Lei n.º 14.230, de 25 de outubro de 2021, que modificaram toda a estrutura e sistemática anteriormente vigente no ordenamento jurídico. A despeito do curto lapso de vigência das alterações legislativas, o Supremo Tribunal Federal já foi instado a manifestar-se sobre a (in)constitucionalidade de alguns dispositivos alterados pela Lei n.º 14.230/2021, e julgando o Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) n.º 843989, representativo do Tema 1199 de Repercussão Geral, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, fixou a seguinte tese: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei. Cabe destacar que a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal foi em regime de Repercussão Geral, de maneira que deve ser observada de maneira vinculante pelas instâncias ordinárias aplicando-se a tese fixada acima em casos semelhantes. Aplicabilidade das alterações promovidas pela Lei n.º 14.230/2021 na Lei de Improbidade Administrativa - Lei n.º 8.429/92. De início, deve ser esclarecido que no Tema 1199 de Repercussão Geral, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela aplicabilidade imediata das disposições trazidas pela novel legislação à Lei de Improbidade Administrativa no tocante aos processos em andamento, só não alcançando os casos acobertados pela coisa julgada ou em fase de cumprimento de sentença, reforçando que para a tipificação de qualquer ato ímprobo descrito nos artigos 9º, 10 e 11 exige-se a presença do elemento subjetivo, do dolo, afastando-se o reconhecimento de atos de improbidade culposos. Nesse ponto, assim consta a redação da Lei n.º 8.429/92: Art. 1º O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta Lei. § 1º Consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais. § 2º Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente. § 3º O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa. (...) Art. 10 (...) § 2º A mera perda patrimonial decorrente da atividade econômica não acarretará improbidade administrativa, salvo se comprovado ato doloso praticado com essa finalidade. (...) Art. 11 (...) § 1º Nos termos da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006, somente haverá improbidade administrativa, na aplicação deste artigo, quando for comprovado na conduta funcional do agente público o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade. § 2º Aplica-se o disposto no § 1º deste artigo a quaisquer atos de improbidade administrativa tipificados nesta Lei e em leis especiais e a quaisquer outros tipos especiais de improbidade administrativa instituídos por lei. (destaquei) Assim, além da exclusão de qualquer modalidade culposa, o dolo do agente para toda e qualquer conduta tipificada na Lei de Improbidade Administrativa passou a ser específico, exigindo a consciência, vontade e ainda a finalidade de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade. Por outro lado, segundo o § 8º do artigo 1º, não configura improbidade a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em Jurisprudência, ainda que não pacificada, mesmo que não venha a ser posteriormente prevalecente nas decisões dos órgãos de controle ou dos tribunais do Poder Judiciário. Outro ponto tangente ao caso em exame e que merece ser ressaltado concerne ao fato que houve um verdadeiro replanejamento do conteúdo do artigo 11, que trata dos atos ímprobos ofensivos aos princípios da Administração Pública, que deixou de ter a característica de "norma penal em branco", outrora complementada pela interpretação do Operador do Direito mediante a aplicação dos conceitos jurídicos indeterminados, como a moralidade, por exemplo. Em outras palavras, o ato de improbidade passou a contemplar a desobediência a princípios tão somente quando verificadas as hipóteses previstas no rol exaustivo constante dos incisos do artigo 11. Não se trata mais de relação exemplificativa. Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: (destaquei) Ainda como novidade, as condutas de “Praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência” e “retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício”, que tratavam dos incisos I e II do artigo 11, da LIA, deixaram de configurar improbidade administrativa. (destaquei) Essas foram algumas de tantas outras modificações implementadas na Lei n.º 8.429/92 e se relacionam com o ato ímprobo ofensivo aos princípios da Administração Pública, passando-se a análise do mérito propriamente dito. Da preliminar de prescrição Inicialmente, consigno que consoante julgamento, pelo egrégio Supremo Tribunal Federal, do recurso extraordinário nº 852.475/SP (Tema 897), são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa. A análise acerca da conduta praticada se incorreu em dolo ou não demanda dilação probatória, razão pela qual rejeito a prejudicial em questão. Como destinatário das provas, impõe-se o dever de indeferir as diligências inúteis ou protelatórias (parágrafo único do art. 370 do CPC). Por isso, quando for o caso, o julgamento antecipado não é faculdade, mas dever que a lei impõe ao Julgador, em homenagem ao princípio da duração razoável do processo. Conforme já decidiu o Excelso Supremo Tribunal Federal: “A necessidade de produção de prova há de ficar evidenciada para que o julgamento antecipado da lide implique em cerceamento de defesa. A antecipação é legítima se os aspectos decisivos estão suficientemente líquidos para embasar o convencimento do Magistrado (RE 101.171-8-SP)”. Daí porque o cabimento, no caso e pelo teor da decisão que se segue, do julgamento antecipado da lide, sem que se possa falar em cerceamento do direito de defesa. Diferente do que alega o Parquet, a exordial foi devidamente recebida e, nesta ocasião, afastada as preliminares (ID: 75968695), para além disso, foi oportunizada as partes trazer para os autos as provas que entenderam necessárias e pertinentes. E, no caso dos autos, é indiscutível que a questão debatida é unicamente de direito, mostrando-se suficientes os documentos acostados aos autos para a verificação dos fatos narrados. Diante desse cenário, não há que se alegar eventual nulidade, mormente porque a Lei n. 14.230/2021, que alterou o texto da Lei n. 8.429/9 e o artigo 17 § 10-B da Lei 14.230/2021 prevê expressamente: “Oferecida a contestação e, se for o caso, ouvido o autor, o juiz: I - procederá ao julgamento conforme o estado do processo, observada a eventual inexistência manifesta do ato de improbidade”. Portanto, com fulcro na permissão legal do artigo 370 do CPC, passo a sentenciar o feito, na forma do inciso I do artigo 355 do Código de Processo Civil. Todos os pressupostos processuais de desenvolvimento válido e regular do processo se fazem presentes, assim como as condições da ação, estando o feito apto a receber um julgamento com resolução de mérito. Deste modo, passo a exercer juízo de valor sobre a causa. A fim de solucionar a controvérsia em tela, se faz imprescindível delimitar a exata dimensão da lide. O Ministério Público Estadual ajuizou a presente demanda em desfavor dos requeridos, ante a suposta prática de atos de improbidade administrativa que geraram enriquecimento ilícito. Ademais, aduz o Parquet que a contratação foi realizada com desvio de finalidade e ao arrepio da legislação pertinente, visto que, o procedimento por completo foi realizado em poucos dias, em clara incompatibilidade lógica e procedimental, demonstrando incontestável direcionamento do objeto da licitação em favor da empresa demandada e de seus sócios. No mais, postulou pela condenação dos requeridos a ressarcir o erário no valor de R$ 220.821,53 (duzentos e vinte mil, oitocentos e vinte e um reais e cinquenta e três centavos) e ao pagamento de dano moral coletivo em valor não inferior a R$ 100.000,00 [cem mil reais], para cada um dos demandados. Por fim, o Ministério Público imputa aos requeridos atos de improbidade contra os princípios da administração pública, dano ao erário e enriquecimento ilícito, pugnando ainda pela aplicação cumulativa das sanções previstas no artigo 12 da Le 8.429/92. Por sua vez, a defesa afirma veementemente que sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa. Pois bem. A questão controvertida reside na ocorrência, ou não, de ato de improbidade administrativa praticado pelos requeridos, pelo suposto direcionamento no processo de licitação a empresa que não detinha estrutura necessária para tanto, dado que, à época dos fatos, em tese, não possuía capacidade para estrutura física e de pessoal para o cumprimento das tarefas e a empresa sequer tinha sede no local da contratação. Ao analisar os autos, verifica-se que a presente ação deve ser julgada IMPROCEDENTE, pelas razões em que passo a expor. De elementar conhecimento que a Lei nº 8.429/92 prevê a responsabilização do agente público quando da prática de atos que importem: a) enriquecimento ilícito do gestor (art. 9º); b) prejuízo ao erário (art. 10) e c) lesão aos princípios da Administração Pública (art. 11). No caso dos autos, tem-se a imputação de conduta descrita nos artigos 9º, inciso I; 10, incisos I, VI, VII e XII, e 11,todos da Lei de improbidade administrativa, dispositivo este que tem a finalidade de punir atos de improbidade que causem lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres. Assim, para que se enquadre o agente público na lei de improbidade, no presente caso, é necessário que haja o dolo e, principalmente, causar danos ao erário. Portanto, necessário se faz que o agente exerça volição em praticar ato vedado pelo ordenamento jurídico. Improbidade administrativa não se confunde com inabilidade do administrador, a qual é passível de responsabilização civil pelas vias ordinárias, pois a improbidade não está ligada à competência ou não do administrador público, mas sim à sua honestidade, de forma que condenar alguém por improbidade administrativa é responsabilizar alguém administrativamente pelos atos de desonestidade praticados. Consoante entendimento do Superior Tribunal de Justiça (Resp 980706/RS, Rel. MIN. LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/02/2011, DJE 23/02/2011), a “má-fé, consoante cediço, é premissa do ato ilegal e ímprobo e a ilegalidade só adquire o status de improbidade administrativa quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela má-intenção do administrador.” Assim, no presente caso, as referidas circunstâncias fáticas comprovadas nos autos não são suficientes, por si só, para consubstanciarem ato de improbidade administrativa. Nesse ínterim, anoto que as provas contidas nos autos deixam incontroverso a irregularidade no processo de licitação, inclusive, tal fato foi reconhecido pela requerida Bett Sabah Marinho da Silva ao apresentar sua contestação, todavia, não é possível afirmar que os réus, de maneira deliberada, atuaram com dolo visando um direcionamento do procedimento em tela. Aliás, importante ressaltar que consta da inicial alegações genéricas que advém do suposto direcionamento da licitação para empresa inapta, o conjunto probatório não demonstra que não ocorreu entrega dos equipamentos, tampouco o valor do dano causado ao erário. No presente caso, ao apreciar toda documentação que se encontra carreado na inicial não se pode verificar qualquer irregularidade que levasse a caracterizar a prática de ato ímprobo. Com efeito, é cediço que o propósito da lei de improbidade é punir o administrador desonesto, sendo, pois a má-fé premissa do ato ilegal e ímprobo, consequentemente, a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela má-fé do administrador. É pacifico o entendimento que da ilegalidade ou irregularidade em si não decorre a improbidade. Para caracterização do ato de improbidade administrativa exige-se a presença do elemento subjetivo na conduta do agente público. A hipótese dos autos pode no máximo configurar irregularidade ou desorganização administrativa, mas não é apta para consubstanciar ato de improbidade administrativa. Vejamos a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Mato Grosso: “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – LICITAÇÃO PARA COMPRA DE COMBUSTÍVEL – OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E PUBLICIDADE – ELEMENTO SUBJETIVO NÃO CARACTERIZADO – ATO ÍMPROBO NÃO DEMONSTRADO – RECURSO DESPROVIDO. A Lei de Improbidade deve ser aplicada quando configurada a má-fé, propósitos maldosos ou a desonestidade funcional por parte do agente público, haja vista que não é qualquer irregularidade praticada pelo agente público que dará lugar às punições previstas citada lei. Não demonstrada a ocorrência de tal elemento subjetivo, a manutenção da sentença de improcedência dos pedidos é medida que se impõe. (TJMT – N.U 0002416-68.2010.8.11.0046, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, ANTONIO VELOSO PELEJA JUNIOR, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 30/08/2022, Publicado no DJE 09/09/2022) grifos nosso”. Dessa forma, a partir das alterações promovidas pela Lei 14.230/2021, o dano ao patrimônio público causado por conduta culposa deve ser reparado no âmbito da responsabilidade estritamente civil (art. 37, § 6º, CF/1988; arts. 186 e 927 do CC/2022) e sancionada na seara administrativo-disciplinar (Lei n. 8.112/1990) e política (art. 85 da CF/1988). Logo, para que seja reconhecida a tipificação da conduta como incursa nas previsões da Lei de Improbidade Administrativa, é necessária a demonstração do elemento subjetivo consubstanciado pelo dolo direto e específico, notadamente após as alterações legislativas promovidas pela Lei nº 14.230/2021, de forma que só ocorre ato ímprobo quando se verifica os elementos: consciência + vontade + finalidade de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade. Portanto, para efetiva caracterização da conduta ímproba, faz-se indispensável à demonstração da conduta dos agentes públicos de se aproveitarem da sua condição de servidores e dos particulares no favorecimento em detrimento à máquina pública. Assim, não constam dos autos quaisquer provas idôneas de que tenha havido dano ou qualquer outra lesão ao erário, em decorrência de suposta irregularidade do processo licitatório. Em suma, não se extrai do conjunto probatório que os requeridos tenham agido com dolo específico de alcançar qualquer das condutas atualmente proibidas pela LIA após as alterações promovidas pela Lei n.º 14.230/2021. Nesse ínterim, faz-se notório que os réus da presente ação não praticaram conduta com o fito de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade. Nesse sentido, é certo que, após as alterações decorrentes da vigência da Lei nº 14.230/2021, a norma exige dolo direto e específico para a configuração de todos os atos de improbidade administrativa, o que não restou demonstrado in casu. Ainda, importa acrescentar que, em razão das alterações supracitadas, não há que se falar atualmente em condenação embasada em dolo genérico, sendo exigido, em todas as condutas, o dolo específico para a caracterização do ato de improbidade administrativa, nos termos do que dispõe o art. 1º, § 2º e § 3º, e o art. 17-C, § 1º, ambos da Lei 8.429/92. Nesta intelecção, seguem ementas da lavra do Tribunal de Justiça de Mato Grosso: “RECURSO DE APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI Nº 8.429/1992 COM ALTERAÇÃO DA LEI Nº 14.230/2021. TEMA 1.199/STF. OBSERVÂNCIA. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO E MÁ-FÉ DO AGENTE. 1. Segundo os novos ditames da Lei de Improbidade Administrativa, para a tipificação das condutas previstas em seus artigos 9º, 10 e 11, além da prova do efetivo prejuízo ao erário, é imprescindível a presença do dolo, sendo insuficiente, para tanto, a prática de meros atos voluntários de expediente ou o desempenho de competências públicas. 2. A tese 1.199/STF firmada em sede de repercussão geral deixou assentado que, além de exigível a prova de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos dessa natureza, a Lei nº 14.230/2021 aplica-se àqueles praticados na vigência da Lei anterior (de nº 8.429/1992), desde que sem condenação transitada em julgado. 3. Se a prova dos autos não aponta de maneira segura a presença do dolo/má-fé, inviável manter-se condenação nas sanções da Lei nº 8.429/1992, por dolo genérico ou culpa do agente, ante as alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021, o que enseja o provimento do recurso. 4. Recurso Provido. Sentença reformada.” (TJMT; AC 0010004-84.2017.8.11.0013; Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo; Relª Desª Graciema Ribeiro de Caravellas; Julg 07/02/2023; DJMT 16/02/2023) grifos nosso. “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – USO DE BENS E SERVIÇOS PÚBLICOS EM PROVEITO PRÓPRIO – ENRIQUECIMENTO ILÍCITO E DANO AO ERÁRIO – DOLO – NÃO VERIFICADO – ATO ÍMPROBO NÃO DEMONSTRADO – RECURSO DESPROVIDO. 1. A Lei de Improbidade deve ser aplicada quando configurada a má-fé, propósitos dolosos ou a desonestidade funcional por parte do agente público, haja vista que não é qualquer irregularidade praticada pelo agente público que dará lugar às punições previstas citada lei.2. Não demonstrada a ocorrência de tal elemento subjetivo, a manutenção da sentença de improcedência dos pedidos é medida que se impõe.3. Recurso conhecido e não provido.” (TJMT, N.U 0001427-78.2004.8.11.0044, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, ANTONIO VELOSO PELEJA JUNIOR, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 27/09/2022, publicado no DJE 30/09/2022) grifos nosso. Assim, pela inexistência de traço de dolo, consubstanciado na prática da conduta de forma livre e consciente com o objetivo de agredir à norma para a obtenção de benefício próprio ou alheio, afasta-se a caracterização da prática de ato de improbidade administrativa pelos requeridos. Válido salientar que a atitude dos réus pode caracterizar uma conduta eivada de irregularidade formal, mas, jamais, pode ser enquadrada como ato ímprobo porque ausente o dolo, não havendo que se confundir os conceitos de ilegalidade com o de improbidade administrativa. Destarte, faz-se impossível o enquadramento dos réus como agentes ímprobos, como pleiteou o Ministério Público, pois ausente à demonstração do elemento subjetivo ao praticar os ilícitos a eles imputados. Assim sendo, não pode o Judiciário reconhecer tipos de improbidade à revelia do que dispõe a Lei, sob pena de ofensa à separação de Poderes (art. 2º, da CF/88), mesmo porque o regime de combate à improbidade é informado pelos princípios do Direito Administrativo Sancionador (art. 1º, § 4º, da LIA), dentre os quais destaca-se o da reserva legal. Partindo-se, pois, desse pressuposto, a demanda deve ser julgada improcedente, na medida em que o conjunto probatório não reúne elementos aptos a demonstrar conduta que caracterize ato de improbidade por ofensa aos artigos da Lei n.º 8.429/92, que foram imputados aos requeridos. Diante de tais considerações, na ausência de prova robusta e de elementos de convicção aptos a demonstrarem a conduta ímproba dos requeridos, a sentença de improcedência é medida que se impõe. Por fim, ressalto que a condenação na restituição do valor objeto da lesão só é possível se restar demonstrado a extensão dos prejuízos causados ao erário, assim, no presente caso, impossível se revela a imposição do pagamento de danos aos requeridos, mesmo porque não comprovado a contento a repercussão social negativa dos atos tidos como ímprobos, não havendo que se falar em forte abalo moral sofrido pela coletividade no caso concreto. Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE a presente demanda, por consequência, JULGO EXTINTO O PRESENTE FEITO COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, com base no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Havendo bens e valores bloqueados, promova-se, imediatamente, a sua restituição. Sem condenação em custas e honorários (art. 23-B, §2º, da Lei nº 8.429/1992). Ademais, ficam as partes advertidas, desde logo, que a oposição de embargos de declaração fora das hipóteses legais e/ou com postulação meramente infringente lhes sujeitará a imposição da multa prevista pelo artigo 1026, § 2º, do Código de Processo Civil. Na hipótese de interposição de recurso de apelação, por não haver mais juízo de admissibilidade a ser exercido pelo Juízo "a quo" (art. 1.010, CPC), sem nova conclusão, INTIME-SE a parte contrária para oferecer resposta, no prazo legal. Em havendo recurso adesivo, também deve ser intimada a parte contrária para oferecer contrarrazões. Após, REMETAM-SE os autos à Superior Instância, para apreciação do recurso de apelação. Preclusa a via recursal, ARQUIVEM-SE os autos e dê-se baixa, observadas as formalidades legais. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se, COM URGÊNCIA Comodoro, datado e assinado digitalmente. RICARDO GARCIA MAZIERO Juiz de Direito Substituto
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear