Ministério Público Do Trabalho e outros x Uber Do Brasil Tecnologia Ltda. e outros
ID: 255994556
Tribunal: TRT2
Órgão: 4ª Turma
Classe: RECURSO ORDINáRIO TRABALHISTA
Nº Processo: 1001520-92.2021.5.02.0023
Data de Disponibilização:
14/04/2025
Advogados:
RENATA PEREIRA ZANARDI
OAB/RS XXXXXX
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JANAINA MAIA CARDOSO
OAB/SP XXXXXX
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RAFAEL ALFREDI DE MATOS
OAB/SP XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO 4ª TURMA Relatora: IVANI CONTINI BRAMANTE 1001520-92.2021.5.02.0023 : WAGNER PIRES DA COSTA E OUTROS (3) : UBER…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO 4ª TURMA Relatora: IVANI CONTINI BRAMANTE 1001520-92.2021.5.02.0023 : WAGNER PIRES DA COSTA E OUTROS (3) : UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. E OUTROS (3) PROCESSO nº 1001520-92.2021.5.02.0023 - 4ª Turma ORIGEM: 23ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO RECURSO ORDINÁRIO RECORRENTES: WAGNER PIRES DA COSTA, UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA, UBER INTERNATIONAL B.V. e UBER INTERNATIONAL HOLDING B.V. RECORRIDOS: OS MESMOS RELATORA: IVANI CONTINI BRAMANTE EMENTA UBER. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. SUBORDINAÇÃO ALGORÍTMICA. PRINCÍPIO DAS NOVAS TECNOLOGIAS "PRO HOMINEM". ARTIGOS 6º, 7º, 8º, 9º, 10, E 201 E SEGUINTES CF/88. RELATÓRIO DA OIT DO ANO 2017, SOBRE O FUTURO DO TRABALHO. As mudanças produtivas e a incorporação das novas tecnologias reabriram o antigo debate sobre a concepção da subordinação jurídica, como critério jurídico unitário de identificação e de qualificação da relação de emprego e de tutela da legislação do trabalho. Muitos são os impactos das novas tecnologias no mundo do trabalho: novos setores de atividades, novas formas de organização empresarial, de gerenciamento produtivo, de trabalho, de retribuição, de subordinação, de elevação do nível de qualificação, bem como os novos riscos empresariais tecnológicos. Issosem contaro grau de dependência tecnológica do trabalhador, surgindo os cybertravailleurs, teletrabalhadores, trabalhadores em plataformas digitais. A propósito dos cybertravailleurs veja-se Soshana Zuboff na sua obra acerca do capitalismo na era do algoritmo "The Age of Surveillance Capilalism". Cedric Durand, economista de Sorbonne, autor da recente obra "Tecnofeudalismo" trata da "dominação digital, eafirma que não há como escapar do"mundo tecnofeudal". Isto porque, pois as redes e as plataformas digitais se transformam em feudos e tiram seu sustentam e lucram com seus vasto "território digital" povoado de dados informacionais, Ainda, e ao mesmo tempo assumem o controle total dos espaços de observação, captura de dados, gerenciamento da vida social, de prestação de serviços e passam a ser consideradas "indispensáveis". Demonstra Cedric Duram que a concentração da "gleba digital" lucram com a exploração pesada dos trabalhadores na "gig economy" denominada de economia dos bicos. William Blake e Bourroughs aponta que a única saída é a desorganização do "controle digital" a ponto do jornalista e correspondente internacional Pepe Scobar (www.brasil247.com) professar que " esse é o novo futuro: ou "hachers ou escravos.". Daí, a noção clássica da subordinação jurídica, como epicentro da relação de emprego, não é mais suficiente para englobar as atividades multifacetadas de trabalho na era cibernética, sendo falsa a noção da ampla margem de liberdade. Advirta-se, não é possível deduzir, a priori, que o trabalho com novas tecnologias telemáticas seja sinal de uma autonomia absoluta do trabalhador. Há que ser levado em conta o seguinte paradoxo: as novas tecnologias da telemática são, a um só tempo, instrumentos de seleção, arregimentação, contratação e de controle da prestação de trabalho e serviços. Há, por assim dizer, modernamente, uma alteração na morfologia e ou modo de exercício do poder diretivo e da subordinação, diante das novas tecnologias da era digital e dos algoritmos. O trabalho mediante o usos do "maquinismo telemático algoritmo" para muitos, apresenta certas características que provocam a rarefação da subordinação jurídica, tais como: a externalização do trabalho; a flexibilidade de jornada e horário; a não presencialidade do empregado e, consequente ausência física do empregador ou seu representante na ação de fiscalização do trabalho; a preponderância da atividade intelectual-informática; certa dose de auto-organização, de autonomia e de independência tecnológica e; em regra, a não integração na atividade principal da empresa. Qualquer observador nota que a estrutura produtiva e de gestão, cada vez mais, dá lugar a uma relação sócio institucional caracterizada por uma relação de fidúcia-colaboração, fundada na integração do trabalhador na empresa, na sua participação no resultado produtivo, no clima de confidencialidade, na relação pessoal com a gerência. Essas características tornam a relação de trabalho por meio das parafernálias telemáticas, algorítmicas, digitais personalísticas, com o consequente controle total. Melhadoe Beltran, de há muito, apontam que diante das novas tecnologias, foi cunhado um neologismo para explicar os paradigmas da relação de emprego: o termo parassubordinação, queserve de elemento identificador das situações que estão na zona cinzenta entre o trabalho subordinado e a autonomia. Não se olvida que a crise terminal do velho Direito do Trabalho arrastará consigo a subordinação jurídica direta e dará lugar a subordinação jurídica indireta, digital e algorítmica. Nesse sentido, Tarso Genro afirma que o vetusto Direito do Trabalho não atende mais a realidade do capitalismo pós-fordista. Isto porque: "O seu caráter protecionista surgiu para envolver relações com uma certa estabilidade (princípio da continuidade) e subordinação fiscalizada (que informa o seu caráter tutelar), categorias que tendem a ser desagregadas por outras formas de exploração e subordinação. Estas, ao mesmo tempo incentivarão a autonomia e apertarão o cerco sobre a qualidade do trabalho, em função da possibilidade de controles mais rigorosos do resultado, sem o exercício da subordinação direta, conformadora do contrato de trabalho típico". Os extremados, diante das novas tecnologias que criam ambientes de trabalho que demandam novas capacidades, autonomias, polivalências e multifuncionalidades, anunciam a morte da subordinação jurídica e a consequente passagem do trabalhador para o status de colaborador. Há os que afirmam que a introdução das novas tecnologias, que engendram novas formas de trabalho, não adelgaça o poder diretivo. Ao contrário, torna-o mais penetrante, em cotejo com os outros tipos de trabalho, porque agora vem potenciado pelo auxílio do maquinismo telemático. Esse fenômeno ensancha a análise dos fundamentos do poder e o reconhecimento do surgimento de um novo poder diretivo, dada as alterações na sua morfologia, obrigando o jurista à uma reconstrução do sistema de indícios utilizados para desvendá-la: a telearregimentação, a telecontratação, o teletrablho, a teledireção, a teleadministração, o telegerenciamento, a telefiscalização etc., que tem no outro pólo a telessubordinação, também conhecida por subordinação virtual, telemática, algorítmica etc. Rosário Gallardo Moya, diz que o computador em rede, como instrumento de trabalho e de controle, altera a relação normal de subordinação, pois o poder diretivo resulta expandido, potenciado, e muito mais penetrante, porque possibilita as novas formas de controle da atividade laboral: preterintencional, ostensivo e o controle oculto. Vários são os suportes informáticos-telemáticos de controle são utilizados pelo empregador ou tomador de serviços: o computador em rede, os programas, o software e suas parafernálias aplicativas, a rede comunicacional eletrônica, as telecâmeras, etc. Assim, a relação de mando ou subordinação e direção não é mais vertical-descendente mas coordenada ao centro da rede e propiciada pelo algoritmo. O meios telemáticos que são o instrumento de trabalho se convertem em mecanismo de controle em grau muito mais amplo, rígido e penetrante com redução substancial da autonomia. Isto porque permite o controle da presença, da imagem, da voz, da atividade, da conduta, da jornada, do tempo, das pausas, dos erros, da navegação virtual, da comunicação eletrônica, dos resultados da prestação de serviços e, ainda dos dados sensíveis das pessoas. Há meios de controle dos espaços para respirar, o chamado controle total, o Big Brother na relação de trabalho. Referidas questões imbricam aqueloutras a respeito dos limites do poder diretivo informático, da legitimidade e ilegitimidade do controle, bem como, da proteção dos direitos de personalidade, da vida privada e intimidade do trabalhador. Enfim, tudo dependerá da conjugação das variáveis relativas a: onde, quando e como se dá a prestação de serviços; da qualidade do maquinismo telemáticoe o tipo comunicacional utilizados. Há casos em que não há predeterminação temporal da prestação da atividade, o trabalhador adere a uma plataforma, na hora eleita por sua conveniência, tipo trabalho avulso, por adesão e por demanda. Mas uma vez feita a adesão, o empresário que exerce a dominação digital-algorítmica equivale ao tomador dos serviços, porque fixa a clientela, a cadência temporal e ou o prazo de entrega do resultado do trabalho e ou outras condicionantes.Uma assídua atividade do poder diretivo, de comando, controle, vigilância e fiscalização sobre o desenvolvimento da atividade laboral é elemento imprescindível para avaliação da subsistência do estado de subordinação jurídica do trabalhador. Entretanto, o lugar em que se realiza o trabalho não é nota característica do vínculo de subordinação. Logo, no sentido de que esta seria mais debilitada. Com efeito, a distância a distância não tem qualquer incidência negativa sobre a nota de subordinação (Javier Thibault Aranda, El teletrabajo. Análisis jurídico-laboral, p. 44). O uso prevalente do maquinismo telemático, à primeira vista, confere ao trabalhador uma certa autonomia e independência técnica, mas não anula, por completo, a subordinação jurídica, agora na modalidade telessubordinação ou subordinação virtual ou digital. RELATÓRIO Inconformados com a r. sentença de fls. 1536/1546 (Id. 08b5c8e) que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados por WAGNER PIRES DA COSTA em face de UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA, UBER INTERNATIONAL B.V. e UBER INTERNATIONAL HOLDING B.V., o reclamante interpõe Recurso Ordinário às fls. 1597/1606 (Id. 3c2c56b), bem como as reclamadas, às fls. 1610/1622 (Id. ab8c89c). Objeto recursal voluntário do reclamante: 1) Multa do art. 477 da CLT; 2) Danos morais. Objeto recursal voluntário das reclamadas: 1) Incompetência da Justiça do Trabalho; 2) Ilegitimidade passiva da 2ª e 3ª reclamadas; 3) Vínculo empregatício; 4) Jornada de trabalho; 5) Rescisão por justa causa; 6) Aferição da média remuneratória; 7) Honorários sucumbenciais. Depósito recursal e comprovante às fls. 1625/1626 (Ids. 043f05e e 4f46d9c). Custas e comprovante de recolhimento às fls. 1624 e 1627 (Id. 99fb4da e b47f745). Contrarrazões da reclamada às fls. 1630/1635 (Id. 9d3807d). Parecer do Ministério Público do Trabalho, favorável à manutenção da sentença, às fls. 1638/1644 (Id. 8194922). É o relatório. CONHECIMENTO Conheço dos recursos, pois presentes os pressupostos de admissibilidade. PRELIMINARES 1. Incompetência da Justiça do Trabalho. As reclamadas alegam que a Justiça do Trabalho não possui competência para apreciar o feito, em razão da decisão proferida na ADC 48, pelo C. STF. Sem razão. Nos termos do inciso I, do artigo 114, da CF/88, compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho, cabendo a ela, portanto, decidir quanto a existência de vínculo empregatício em determinada atividade prestada, sendo certo que a ADC 48 se refere ao transportador autônomo de cargas, o que não se confunde com a atividade desempenhada pelo reclamante, não havendo, portanto, estrita aderência do caso ao julgado pelo C. STF. Rejeito. 2. Ilegitimidade passiva da 2ª e 3ª reclamadas. As reclamadas alegam também serem ilegítimas para figurar no polo passivo da lide. Sem razão. Dos fatos narrados pelo autor, decorrem logicamente os pedidos, com absoluta pertinência subjetiva passiva in statu assertionis, pelo que afasto a alegação de ilegitimidade passiva. A argumentação das recorrentes diz respeito ao mérito, que será examinado adiante. Rejeito. MÉRITO Recurso ordinário das reclamadas 1. Vínculo empregatício. Decisão recorrida: A sentença reconheceu a relação empregatícia. Tese decisória: a) Fundamento recursal. Fatos e direito: Afirmam que a relação jurídica entre as partes não é empregatícia, pois as reclamadas não contratam a prestação de serviços, mas apenas atuam na intermediação da atividade e que não há subordinação jurídica, onerosidade, pessoalidade e habitualidade. b) Conclusão Vivemos chamado "mundo digital", denominada por Klaus Schwab de "quarta revolução industrial" ou mundo 4.0. Arevolução tecnológica-econômica-social-cultural-política-jurídica, decorrente da era da computação, da cibernética-digital-algorítmica, enseja uma profunda mudança em toda Sociedade a ordem produtiva e de trabalho. Dentre as características mais significativas das mudanças tecnológicas Klaus Schwab cita: o big data ou megadados; a inteligência artificial - software, a impressão em 3-D, a internet das coisas, internet of things, ou plataformas digitais. No contexto da era digital, fala-se que, em razão do trabalho em plataformas digitais, o emprego clássico e a indústria correm o risco de se tornarem obsoletos. Tom Goodwin lembra que: "O Uber, a maior empresa de táxis do mundo, não possui sequer um veículo. O Facebook, o proprietário de mídia mais popular do mundo, não cria nenhum conteúdo. Alibaba, o varejista mais valioso, não possui estoques. E o Airbnb, o maior provedor de hospedagem do mundo, não possui sequer um imóvel" ( GOODWIN, Tom. "In the Age of Disintermediation the Battle is all for the Consumer Interface", TechCruncb, mar. 2015. Disponivel em: http://techcrunch.com/2015/03/03/in-the-age-of- disintermediation-the- battle-is-all-for-the-customer-interface/) De um lado, os avanços da era digital se tornaram um imperativo corporativo para maximizar a competitividade, incrementar e potencializam a produtividade e alavancar a riqueza dos "dominantes das tecnologias". De outro, a realidade mostra a intervenção humana no trabalho e o excedente de força de trabalho disponível, diante do desemprego massivo estrutural, em razão da substituição homem-maquinismo telemático. Ainda, aliada à crescente flexibilização da legislação protetora do trabalho, pretextando a criação de postos de trabalho. Ricardo Antunes afirma que: "Foi nesse contexto que as plataformas digitais deslancharam. Lépidas no trato com o mundo digital, dotadas de (insustentável) leveza, desbancaram as corporações tradicionais e hoje se encontram no topo do tabuleiro do capital. Conseguiram essa proeza combinando alta tecnologia digital e absorção ampliada de força de trabalho sobrante." Ricardo Antunes questiona o que explica, em pleno século XXI o aparente paradoxo que estamos vivenciando? De um lado temos explosão dos algoritmos, inteligência artificial, big data, 5G, internet das coisas, indústria 4.0 etc. De outro, uma massa crescente de trabalhadores e trabalhadoras, por conta da desigual divisão sociossexual do trabalho, trabalhando jornadas exaustivas 12, 14 ou 16 horas por dia, durante todos os dias da semana, sem qual quer proteção de: descanso, férias, salários rebaixados, condições degradantes e sem proteção de trabalho e da seguridade social. Entre nós, ao abrir os jornais nos deparamos com várias notícias sobre as precárias condições de trabalho via plataforma digital, dentre elas: "Entregadores de aplicativos carregam comida de centenas de reais e comem marmita fria. Sombra de árvore é disputada na hora da refeição Guilherme Carvalho dos Santos, 30, come sentado na calçada ao lado de uma lanchonete em uma das esquinas da avenida Rebouças; arroz, feijão e frango; tudo frio. Ele pedala da Raposo Tavares até ali todos os dias. Ao seu lado, Gabriel Santana, 25, espera a fome bater para comer sua marmita também fria (...) Salgadinhos e bolachas são opções na falta de alternativas mais nutritivas..." (Folhapress/Karime Xavier) Novas nomenclaturas suavizadas são utilizadas para se referir ao trabalhador na era digital: colaborador, parceiro, resiliência, sinergia etc., Não se olvide que o chamado "trabalho uberizado" por meio da plataformas digitais transforma o trabalhador, da noite para o dia, em "falsos empreendedores" pois, refém do algoritmo. Na realidade o custo dessa "falsa autonomia" representa enfrentar péssimas condições de trabalho, arcar com os custos dos instrumentos de trabalho (carros, motos, bicicletas, mochilas, celulares), sem salário fixo ou mínimo, sem seguro-saúde ou cobertura previdenciária e outros direitos. Na newsletter da Mit Technology Review[1], sobre ouso da inteligência artificial monitoramento do trabalho e pontuação de produtividade, há um alerta quea automação do processo de decisão está tomando espaços cada vez maiores, em que direitos básicos são negados. O Hubstaff é um software que registra as teclas digitadas nos teclados dos usuários, o movimento do mouse, e os sites visitados. O Time Doctor grava vídeos das telas dos usuários, e, ainda tira fotos através da webcam a cada 10 minutos para checar a presencialidade dos funcionários em seus computadores. A empresa britânica, Status Today utiliza a ferramenta "Isaak" para monitor as interações entre os funcionários e identificar o melhor colaborador. Ainda, está desenvolvendo um "software de machine learning" para medir a velocidade da tarefa executada pelo funcionário, atribuir a pontuação de produtividade e sugerir formas de aceleração das tarefas. Tommy Weir, fundador da Enaible, afirma que o monitoramento tecnológico do ambiente de trabalho é uma realidade irreversível e se tornará tão difundido que será onipresente. A startup Enaible, sediada em Boston, oferece um software de vigilância conhecido como AI Productivity Platform que propicia: (i) o rastreamento de e-mail, Slack, Zoom e buscas na internet; (ii) o monitorando por rastro de dados e o padrão típico de comportamento do empregado, com uso do algoritmo chamado "Trigger-Task-Time"; (iii) prende o fluxo de trabalho típico para diferentes trabalhadores, as tarefas empreendidas, os respectivo tempo de conclusão, e confere uma "pontuação de produtividade" entre 0 e 100; (iv) inclui um algoritmo chamado Leadership Recommendation, que identifica pontos específicos de estrangulamento no fluxo de trabalho de um funcionário e os pontos que poderiam ser mais eficientes. O trabalho em plataformas digitais é denominado de digital platform worker ou crowdworking, pela qual as empresas oferecem trabalhos simples ou complexos e, que podem ser aceitos pelas pessoas cadastradas no sistema, denominados crowdworkers. Admite-se, portanto, a atividade de tradução, pesquisa, desenvolvimento ou mesmo criação de sistemas e produtos. Na Alemanha, estima-se que a empresa Clickworker possua mais de um milhão de crowdworkers (https://www.deutschland.de/pt-br/topic/economia/crowdworking-na-alemanha-o-mundo-do-trabalho-no-futuro, acesso em 30/11/2020). Na plataforma Amazon Mechanical Turk, em 2019, havia 250.810 MTurk workers, sendo 226.500 nos Estados Unidos da América (https://www.cloudresearch.com/resources/blog/how-many-amazon-mturk-workers-are-there/. Acesso em 30/11/2020.) Uma análise superficial do trabalho em plataformas digitais pode induzir a erro, no sentido de considerar o trabalho como autônomo. Entretanto, não se olvide que o computador em rede e demais parafernálias telemáticas digitais são simultaneamente, instrumento de contratação, de trabalho e meio de controle da atividade do trabalhador, que permitem a intensificação do poder diretivo sobre a atividade e a conduta do trabalhador. Assim, dá origem ao chamado moderno taylorismo cibernético assistido, porque presentes todos os elementos da subordinação, ora na modalidade digital-algorítmica. Posto isso, não há lógica no tratamento diferenciado dos trabalhadores em plataforma digital, em cotejo com os trabalhadores subordinados, ou a menos equiparados aos avulsos ou aos intermitentes, que gozam de proteção mínima constitucional, sob pena de condução ao futuro sem futuro e, chancela do lado negro do capitalismo, denominado por Klaus Schwab de mundo do precariado. Bem anota Klaus Schwab que: "A quarta revolução industrial ira gerar grandes benefícios e, em igual medida, grandes desafios. Uma preocupação particular e a desigualdade exacerbada. Os desafios colocados pelo aumento da desigualdade são difíceis de quantificar, pois, em grande maioria, somos consumidores e produtores; dessa forma, a inovação e a ruptura afetarão nossos padrões de vida e bem-estar tanto de forma positiva quanto negativa." (op. cit. p. 23) Procede, pois o alerta dado por Valerio De Stefano, segundo o qual: "Almost no human contact happens in most crowdwork transactions: this contributes to the creation of a new group of "invisible workers", yet another phenomenon that is by no means limited within the boundaries of the gig-economy but is shared with other sectors, such as domestic work and home-work" (https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_protect/---protrav/--travail/documents/publication/wcms_443267.pdf, acesso em 30/11/2020) Esperanza Macarena Sierra Benítez, mostra o único pilar possível para o desenvolvimento sustentável, na era do algoritmo será a proteção e a inclusão social: "para asegurar la efectiva aplicación del pilar europeo de derechos sociales, es necesario dotarlo de instrumentos normativos suficientes que garanticen su cumplimiento" (Sostenibilidad Social en la Industria 4.0.Desafío para la UE-2030, Social Sustainability in Industry 4.0. Challenge for the EU-2030, a autora Esperanza Macarena Sierra Benítez, Profesora Contratada Doctora de Derecho del Trabajo y de la Seguridad SocialUniversidad de Sevilla (DOI: https://doi.org/10.20318/cdt.2020.5195) Ricardo Antunes aponta que a era algoritmospropicia, com mais requinte, as técnicas do fordismo taylorismo da exploração do trabalho humano: as novas tecnologias são ferramentas de: contratação, de trabalho e de exercício do poder diretivo, controle e fiscalização. O autor sustenta que condição de trabalho na modalidade plataforma digitais merece acurada analise: "Sua condição "autônoma", então, é um tanto curiosa: quem define a admissão? Quem determina atividade, preço e tempo das entregas? Quem pressiona, através de incentivos, para a ampliação do tempo de trabalho? Quem pode bloquear e dispensar sumariamente, sem nenhuma explicação? Por certo, não é o "autônomo". Assim, essa condição se desvanece, aflorando a subordinação e o assalariamento. E exigir direitos é princípio basilar da dignidade mínima do trabalho. As plataformas dirão: mas são os entregadores que as procuram. É verdade, mas seria bom acrescentar que essa é a única alternativa hoje contra o desemprego. Aqui reside a base do regozijo das plataformas. Será, então, que a culpa de todo esse vilipêndio é dos algoritmos?" (ANTUNES, Ricardo. Uberização, trabalho digital e Indústria 4.0 (Mundo do trabalho)Formato: eBook Kindle.) Deste modo, no contexto da revolução e "plus valia" das novas tecnologias digitais, mister se faz uma releitura do sistema indiciário doutrinário e jurisprudencial na caracterização da nova subordinação jurídica, levando em consideração uma acumulação de indícios reveladores da integração do trabalhador no âmbito organizativo empresarial-telemática-informacional-algorítmica. Ao novos indícios devem ser agregados ao velhos indícios e analisados prospectivamente, por aproximação e semelhanças, de acordo com o caso concreto e, em confronto com as diferentes modalidades de trabalho com o uso das novas tecnologias. Mauricio Godinho Delgado sinaliza que a subordinação jurídica pode ser analisada sob os prismas subjetivo, objetivo e estrutural, a saber: "(...) a subordinação e encarada sob um prisma objetivo: ela atua sobre o modo de realização da prestação e não sobre a pessoa do trabalhador. E, portanto, incorreta, do ponto de vista jurídico, a visão subjetiva do fenômeno, isto e, que se compreenda a subordinação como atuante sobre a pessoa do trabalhador, criando-lhe certo estado de sujeição (status subjectiones). Não obstante essa situação de sujeição possa concretamente ocorrer, inclusive com inaceitável frequência, ela não explica, do ponto de vista sociojuridico, o conceito e a dinâmica essencial da relação de subordinação. Observe-se que a visão subjetiva, por exemplo, e incapaz de captar a presença de subordinação na hipótese de trabalhadores intelectuais e altos empregados. (Curso de Direito do Trabalho. 18ª edição. São Paulo: LTr. 2019. P. 349/350) Em relação à subordinação estrutural, ensina o citado autor: "Essa moderna e renovada compreensão do fenômeno da subordinação, que efetivamente possui nítido caráter multidimensional, tem sido percebida não só pela doutrina e jurisprudência mais atentas e atualizadas, como também pelo próprio legislador. Nesta linha despontou a Lei n. 12.551, de 15.12.2011, conferindo nova redação ao caput do art. 6º da CLT e lhe agregando novo parágrafo único, de modo a incorporar, implicitamente, os conceitos de subordinação objetiva e de subordinação estrutural, equiparando-os, para os fins de reconhecimento da relação de emprego, a subordinação tradicional (clássica), que se realiza por meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio. Desse modo, o novo preceito da CLT permite considerar subordinados profissionais que realizem trabalho a distância, submetidos a meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão. Esclarece a regra que os "...meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio". Ora, essa equiparação se da em face das dimensões objetiva e também estrutural que caracterizam a subordinação, ja que a dimensão tradicional (ou clássica) usualmente não comparece nessas relações de trabalho a distância. (Op. cit. p. 353) Enfim, os novos elementos que devem ser tomados em consideração, no sistema de indícios da nova subordinação jurídica por algoritmos são: o software aplicativo, a dependência tecnológica, o tipo de conexão telemático, a inserção do trabalhador no sistema informático- telemático-algoritmo da empresa e, outros indícios decorrentes do software aplicativo (Ibidem, p.50-59, passim) As mudanças produtivas e a incorporação das novas tecnologias reabriram o antigo debate sobre a concepção da subordinação jurídica, como critério jurídico unitário de identificação e de qualificação da relação de emprego e de tutela da legislação do trabalho. Muitos são os impactos das novas tecnologias no mundo do trabalho: novos setores de atividades, novas formas de organização empresarial, de gerenciamento produtivo, de trabalho, de retribuição, de subordinação, de elevação do nível de qualificação, bem como os novos riscos empresariais tecnológicos. Isso sem contar o grau de dependência tecnológica do trabalhador, surgindo os cybertravailleurs, teletrabalhadores, trabalhadores em plataformas digitais. A propósito dos cybertravailleurs veja-seSoshana Zuboff na sua obra acerca do capitalismo na era do algoritmo "The Age of Surveillance Capilalism". Cedric Durand, economista de Sorbonne, autor da recente obra "Tecnofeudalismo" trata da "dominação digital, eafirma que não há como escapar do"mundo tecnofeudal". Isto porque, pois as redes e as plataformas digitais se transformam em feudos e tiram seu sustentam e lucram com seus vasto "território digital" povoado de dados informacionais, Ainda, e ao mesmo tempo assumem o controle total dos espaços de observação, captura de dados, gerenciamento da vida social, de prestação de serviços e passam a ser consideradas "indispensáveis". Demonstra Cedric Duram que a concentração da "gleba digital" lucram com a exploração pesada dos trabalhadores na "gig economy" denominada de economia dos bicos. William Blake e Bourroughs aponta que a única saída é a desorganização do "controle digital" a ponto do jornalista e correspondente internacional Pepe Scobar (www.brasil247.com) professar que " esse é o novo futuro: ou "hachers ou escravos." Daí, a noção clássica da subordinação jurídica, como epicentro da relação de emprego, não é mais suficiente para englobar as atividades multifacetadas de trabalho na era cibernética, sendo falsa a noção da ampla margem de liberdade. Advirta-se, não é possível deduzir, a priori, que o trabalho com novas tecnologias telemáticas seja sinal de uma autonomia absoluta do trabalhador. Há que ser levado em conta o seguinte paradoxo: as novas tecnologias da telemática são, a um só tempo, instrumentos de seleção, arregimentação, contratação e de controle da prestação de trabalho e serviços. Há, por assim dizer, modernamente, uma alteração na morfologia e ou modo de exercício do poder diretivo e da subordinação, diante das novas tecnologias da era digital e dos algoritmos. O trabalho mediante o usos do "maquinismo telemático algoritmo" para muitos, apresenta certas características que provocam a rarefação da subordinação jurídica, tais como: a externalização do trabalho; a flexibilidade de jornada e horário; a não presencialidade do empregado e, consequente ausência física do empregador ou seu representante na ação de fiscalização do trabalho; a preponderância da atividade intelectual-informática; certa dose de auto-organização, de autonomia e de independência tecnológica e; em regra, a não integração na atividade principal da empresa. Qualquer observador nota que a estrutura produtiva e de gestão, cada vez mais, dá lugar a uma relação sócio institucional caracterizada por uma relação de fidúcia-colaboração, fundada na integração do trabalhador na empresa, na sua participação no resultado produtivo, no clima de confidencialidade, na relação pessoal com a gerência. Essas características tornam a relação de trabalho por meio das parafernálias telemáticas, algorítmicas, digitais personalísticas, com o consequente controle total. Melhadoe Beltran, de há muito, apontam que diante das novas tecnologias, foi cunhado um neologismo para explicar os paradigmas da relação de emprego: o termo parassubordinação, que serve de elemento identificador das situações que estão na zona cinzenta entre o trabalho subordinado e a autonomia (MELHADO, Reginaldo. Mundialização, neoliberalismo e novos marcos conceituais da subordinação, p. 85-86 e BELTRAN, Ari Possidonio. Flexibilização, globalização, terceirização e seus impactos nas relações de trabalho, p. 491. Para quem a parassubordinação é critério que tenta explicar as "situações que estão entre o trabalho subordinado e a autonomia, via de regra relacionados com os trabalhadores detentores de qualificação muito elevada, com grande poder contratual, à ponto de imprimir à própria prestação de serviços algumas características típicas do trabalho autônomo"). Não se olvida que a crise terminal do velho Direito do Trabalho arrastará consigo a subordinação jurídica direta e dará lugar a subordinação jurídica indireta, digital e algorítmica. Nesse sentido, Genro Tarso[2] afirma que o vetusto Direito do Trabalho não atende mais a realidade do capitalismo pós-fordista. Os extremados, diante das novas tecnologias que criam ambientes de trabalho que demandam novas capacidades, autonomias, polivalências e multifuncionalidades, anunciam a morte da subordinação jurídica e a consequente passagem do trabalhador para o status de colaborador. Há os que afirmam que a introdução das novas tecnologias, que engendram novas formas de trabalho, não adelgaça o poder diretivo. Ao contrário, torna-o mais penetrante, em cotejo com os outros tipos de trabalho, porque agora vem potenciado pelo auxílio do maquinismo telemático. Esse fenômeno ensancha a análise dos fundamentos do poder e o reconhecimento do surgimento de um novo poder diretivo, dada as alterações na sua morfologia, obrigando o jurista à uma reconstrução do sistema de indícios utilizados para desvendá-la: a telearregimentação, a telecontratação, o teletrablho, a teledireção, a teleadministração, o telegerenciamento, a telefiscalização etc., (GENRO, Tarso Fernando. A crise terminal do velho direito do trabalho, homepage da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho na Internet, 1997) que tem no outro pólo a telessubordinação, também conhecida por subordinação virtual, telemática, algorítmica etc. Rosário Gallardo Moya (op. cit., p. 36-37.), diz que o computador em rede, como instrumento de trabalho e de controle, altera a relação normal de subordinação, pois o poder diretivo resulta expandido, potenciado, e muito mais penetrante, porque possibilita as novas formas de controle da atividade laboral: preterintencional, ostensivo e o controle oculto (PIZZI, Paolo. Il telelavoro nella contrattazione collettiva, p.240-242. Ver, ainda, Alessandro Bellavista, Il controllo sui lavoratori,1995) Vários são os suportes informáticos-telemáticos de controle são utilizados pelo empregador ou tomador de serviços: o computador em rede, os programas, o software e suas parafernálias aplicativas, a rede comunicacional eletrônica, as tele câmeras, etc. Assim, a relação de mando ou subordinação e direção não é mais vertical-descendente mas coordenada ao centro da rede e propiciada pelo algoritmo. Os meios telemáticos que são o instrumento de trabalho se convertem em mecanismo de controle em grau muito mais amplo, rígido e penetrante com redução substancial da autonomia. Isto porque permite o controle da presença, da imagem, da voz, da atividade, da conduta, da jornada, do tempo, das pausas, dos erros, da navegação virtual, da comunicação eletrônica, dos resultados da prestação de serviços e, ainda dos dados sensíveis das pessoas. Há meios de controle dos espaços para respirar, o chamado controle total, o Big Brother na relação de trabalho. Referidas questões imbricam aqueloutras a respeito dos limites do poder diretivo informático, da legitimidade e ilegitimidade do controle, bem como, da proteção dos direitos de personalidade, da vida privada e intimidade do trabalhador. Enfim, tudo dependerá da conjugação das variáveis relativas a: onde, quando e como se dá a prestação de serviços; da qualidade do maquinismo telemático e o tipo comunicacional utilizados. Há casos em que não há predeterminação temporal da prestação da atividade, o trabalhador adere a uma plataforma, na hora eleita por sua conveniência, tipo trabalho avulso, por adesão e por demanda. Mas uma vez feita a adesão, o empresário que exerce a dominação digital-algorítmica equivale ao tomador dos serviços, porque fixa a clientela, a cadência temporal e ou o prazo de entrega do resultado do trabalho e ou outras condicionantes. Uma assídua atividade do poder diretivo, de comando, controle, vigilância e fiscalização sobre o desenvolvimento da atividade laboral é elemento imprescindível para avaliação da subsistência do estado de subordinação jurídica do trabalhador. Entretanto, o lugar em que se realiza o trabalho não é nota característica do vínculo de subordinação. Logo, no sentido de que esta seria mais debilitada. Com efeito, a distância a distância não tem qualquer incidência negativa sobre a nota de subordinação. O uso prevalente do maquinismo telemático, à primeira vista, confere ao trabalhador uma certa autonomia e independência técnica, mas não anula, por completo, a subordinação jurídica, agora na modalidade telessubordinação ou subordinação virtual ou digital. A Consolidação das Lei do Trabalho, no art. 2º, estabelece que considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. O poder diretivo empresarial, nas dimensões comando, fiscalização e disciplinar, consiste em um conjunto de faculdades vocacionadas à direção da prestação dos serviços, e encontra explicação em três teorias distintas: contratualista, da propriedade privada, institucionalista. A teoria contratualista se funda no contrato de trabalho e na submissão ao poder de comando do empresário. A teoria da propriedade privada esteia na propriedade dos bens de produção que confere o poder de controle. A teoria da instituição vê na empresa uma comunidade de homens e, por isso, exerce uma função social. Cada uma das teorias analisa o poder direito possuem enfoques diferentes, mas ambas se completam, pois: "a contratualista indica a procedência do poder (contrato); a institucionalista identifica os motivos justificadores do poder (necessidade); e a da propriedade revela o exercente do poder (detentor dos meios de produção)" (Sandra Lia Simon, A tutela constitucional da intimidade e da vida privada do empregado, p. 81.) Quanto a natureza jurídica do poder diretivo do empregador é um direito potestativo e um direito-função, limitado pelos direitos humanos fundamentais. E por isso, um dever-poder atribuído ao empresário para cumprimento de um dever de função social da empresa. Arnaldo Sussekind, em sua obra Instituições de Direito do Trabalho (2005:245), define a subordinação pelo prisma finalístico como: "uma via de mão dupla: de um lado temos a faculdade do empregador de utilizar-se da força de trabalho do empregado, como um dos fatores de produção, sempre no interesse do empreendimento cujo risco assumiu e, de outro, a obrigação do empregado de sujeitar-se à direção do empregador, dentro dos fins a que este se propõe a alcançar." Melhado (op. cit. p. 90-92) aponta o equívoco da ideia da subordinação jurídica aplacada da era digital pois a realidade mostra uma relação de poder e de domínio das tecnologias. Assim, aponta a necessidade de revisitar os novos fundamentos do poder empresarial, a saber: (i) fundamentos intrínsecos, próprios da relação mercantil de compra e venda da força de trabalho, que inclui: a) o domínio da técnica e da tecnologia como poder, e o controle por máquinas que permite o controle dos movimentos do trabalhador pela máquina e nunca o controle dos movimentos da máquina pelo trabalhador; b) a divisão social do trabalho e os processos de interação dela decorrente e; c) a discricionariedade sobre as condições contratuais e; (ii) fundamentos heteronímicos, que são: a) a oferta de mão de obra e a superpopulação relativa, assim o desemprego crescente elimina a perspectiva de vida e a subjetividade coletiva do trabalhador; b) a mobilidade do capital frente a imobilidade do trabalho e o chamado princípio da inversão; c) a crise dos paradigmas do sindicalismo. Há um expansionismo do poder do capital-informacional pois: (i) somente o capital é proprietário dos direitos econômicos das descobertas científicas, no seio da relação de emprego; (ii) somente o capital é capaz de investir em pesquisa e desenvolvimento científico e, de dar unidade de ação e de coordenação à pluralidade de conhecimentos necessária a cada nova mercadoria, podendo "dar-se o luxo de prescindir da reunião física dessa pluralidade comandando à distancia a atuação de inúmeras pessoas que atuam em lugares distintos" (Ibidem, p. 89-90); (iii) somente o capital é capaz de concentrar o conhecimento, de dominar a técnica, de controlar o maquinismo, de promover a divisão do trabalho; somente o capital é capaz de "coarctação do espaço da autonomia individual mediante imposição de determinadas condições contratuais" (Ibidem, p. 91) (iv) somente o capital controla as formas salariais, movimentação na carreira, a qualidade e quantidade, as técnicas gerenciais, a management by objectives, baseada na fixação de metas, objetivos e prioridades em todos os escalões. Deste modo, "cada setor, unidade ou indivíduo é permanentemente avalizado em função dos resultados alcançados e das metas estabelecidas, a empresa é vista como um todo orgânico, mas cada uma das suas unidades deve 'render' o suficiente, como se fora uma empresa dentro da empresa" (ibidem, p. 88-90). A Carta Federal de 1988 agasalha a teoria institucionalista, pois adotado entre nós o regime capitalista produtivo, inserido na Ordem Econômica e os ditames de compatibilização da com a Ordem Social. A diretriz constitucional vem haurida do princípio da função sócio-econômica-ambiental-consumerista-tecnológica-informacional da empresa, ao dispor que: a propriedade atenderá a sua função social, nela incluída a propriedade dos fatores de produção, natureza, trabalho, capital e tecnologia, bem como, o respeito ao meio ambiente e aos direitos do consumidor, consoante ditames do artigo 5º, XXII e XXIII e artigo 170, caput e incisos III, IV, V e VI; e artigo 218 e seguintes, da Constituição. Assim, forçosa é a demarcação das novas fronteiras do poder diretivo a partir do seu caráter finalístico e buscar os novos marcos conceituais idôneos para caracterizar o trabalho por conta alheia: um novo poder diretivo, agora potenciada pelas novas tecnologias e, que deve ser limitado pelos direitos humanos fundamentais. Por outras palavras, é factível, diante das situação de vulnerabilidade do homem trabalhador, a busca da proteção da pessoa humana em todas as normas do ordenamento jurídico à vista do princípio da unidade-funcionalidade do Direito e da supremacia da Constituição, que ensancha o constante apelo às normas (princípios e regras) constitucionais, por conta não só do fenômeno da constitucionalização do Direito do Trabalho. Desta feita, é possível traçar os limites dos poderes contratuais e do poder diretivo patronal, fundados nos princípios da dignidade da pessoa humana e valor social do trabalho, incluídos os direitos à vida, saúde, de personalidade, de intimidade e vida privada, não discriminação, que se apresentam como limites dos limites, e que demarcam a função econômica-sócio-ambiental-consumerista-tecnológica-informacional da empresa e a função social do contrato (artigos 1º, III e IV; 5º, caput e inciso X, incisos XXII e XXIII; 170, caput e incisos III, IV, V, VI; 218 e seguintes da Constituição. Ainda, registre-se que o novo Código Civil brasileiro adotou a teoria da empresa (arts.966 a 980), alargou o espectro da responsabilidade empresarial (arts. 927 a 954 e 1228, § 1º); demarcou os direitos de personalidade (arts. 11 a 21) como intangíveis e; ainda, traçou o princípio e o regime da função social do contrato (arts. 421 a 426), tudo de modo fixar os limites dos poderes contratuais. Os artigos 2º e 3º combinado com artigo 6º da CLT trazem as notas características da relação de empregado: o poder diretivo e a subordinação jurídica. "Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. Parágrafo único - Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual." "Art. 6º Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio." Vários fatores concorrem como elementos indiciários da autonomia e contribuem para as dúvidas sobre a qualificação jurídica: o lugar de trabalho, a distância, a presencialidade, o instrumento e o modo de trabalho. As novas tecnologias da telemática e o trabalho em rede interno ou externo comporta multifacetados tipos de trabalho: o trabalho altamente qualificado, tecnicamente independente, com independência das estruturas, prevalentemente intelectual, dotado de autonomia, com acentuado perfil de colaboração; o trabalho menos qualificados e com a presença da dependência tecnológica e subordinação jurídica telemática. Uma análise superficial do trabalho em plataformas digitais pode induzir a erro, no sentido de considerar o trabalho como autônomo. Entretanto, não se olvide que o computador em rede é, simultaneamente, instrumento de arregimentação, de contratação, trabalho e meio de controle da atividade do trabalhador, que permite a intensificação do poder diretivo sobre a atividade e a conduta do trabalhador e, que dá origem ao chamado taylorismo assistido mediante o software aplicativo. No que pertine ao software aplicativo, a nota da subordinação vem retratada na sujeição às diretrizes e controle empresarial e deve ser analisada a partir do programa informático e do software aplicativo que determina e controla a prestação de trabalho. A partir do login, da conexão informática, a subordinação se manifesta em cada fase das instruções do programa, máxime quando há heterodireção em que ao empresário é facultado eleger ou substituir, unilateralmente, o programa operativo específico de software. O Tribunal Supremo em Espanha, em decisão de 22 de abril de 1996, deixou claro o entendimento de que para a qualificação de um teletrabalhador como trabalho dependente, por conta alheia, entre outros indícios, é preciso considerar uma estrita direção verificada através de um programa informático confeccionado pela empresa. (ARANDA, Javier Thibault, El teletrabajo. Análisis jurídico-laboral, p. 51) Outro critério da subordinação que se renova é a dependência técnica, agora considerada dependência tecnológica. De sorte que, se o knowhow pertence à empresa resta fixada a presunção, por indícios, de que a qualificação jurídica do trabalho é subordinado, salvo prova em contrário. Se o trabalhador desempenha o trabalho submetido ao poder de organização e direção da empresa, que impõe o programa informático a ser utilizado para materialização dos serviços, tal indício é de telessubordinação ou subordinação algorítmica ao maquinismo telemático e à infraestrutura material e técnica ou manancial de informações e dados tratados, tudo pertencente ao tomador de serviços. Não se olvide que o controle é imediato e, em tempo real, e permite o controle de onde, quando e como a tarefa é realizada e, se o trabalhador está cumprindo o seu dever. O poder diretivo, assim, apresenta-se sob novas formas: controle ostensivo prévio; controle ostensivo concomitante; controle preterintencional; controle ostensivo a posteriori, controle oculto intencional em qualquer fase da execução do trabalho. De acordo com a Sentença do TSJ, Baleares, de 30.05.1995, Ar. 1790, que analisa a relação trabalhista de trabalhador especialista em informação, no sentido de que a autonomia do trabalhador é muito relativa se a empresa "fijar a la mecanica operativa a seguir, y, a tal efecto, habia facilitado a los actores un programa informático normalizado, que estos habian incorporado a sus ordenadores personales y en cuyo manejo fueron debidamente instruidos mediante los correspondientes cursilhos, programa que tenían que utilizar para a materialización". No mesmo sentido STS, de 22.04.1006, Ar. 3334. Ver Moya, ob.cit., p. 72, nota 93) O software aplicativo permite controlar a atividade laboral, minuto a minuto; se o terminal do trabalhador está conectado; qual é o tempo transcorrido desde a última atividade executada; qual é o tempo de pulso de uma tecla; a comunicação com o cliente e o tempo de espera da resposta e; registrar o tempo do trabalho efetivo; as pausas obrigatórias; o número de operações realizadas; a reconstituição das tarefas; os erros; a cadência do trabalho. Por vezes, o trabalhador deve obedecer as instruções do empresário, que já vem incorporadas no próprio instrumento de trabalho e, a partir do login abre-se na tela do computador todas as ordens de serviço. Ainda, por vezes, o trabalhador deve respeitar uma série de procedimentos codificados e senhas, vinculados para a realização da tarefa, cujo descumprimento impede a continuidade do trabalho, pelo bloqueio do programa, por ausência ou erro na operação ou no procedimento predeterminado. Acresça-se que o empresário pode conceder ao trabalhador maior autonomia no emprego do tempo, mas, à contrapartida, exigir maiores resultados no trabalho contratado por metas, resultados e objetivos. Destarte, ainda que presente a independência funcional, o elemento subordinação, ainda que diferenciado, pode subsistir quando o trabalhador está inserido no sistema informático-comunicacional, e que deve substituir o vetusto critério da inserção material na unidade produtiva. Assim, abstraídas as dimensões espaço-tempo, a hierarquia e a presencialidade, o trabalhador não é estranho e aos escopos aos interesses vitais da empresa, de organização produtiva e da clientela, que se vale dos instrumentos telemáticos para otimizar o alcance das metas e produtividade. Logo, elemento "inserção do trabalhador no ciclo produtivo ou na organização telemática, digital-algorítmica da empresa" (PASSARELLI, Guiseppe Santoro, Il lavoro parasubordinato, 1979) que arregimenta, contrata, intermedia, determina, canaliza e controla a atividade laboral, é critério que assume importância vital caracterizante da fattispecie social típica do trabalho subordinado algoritmo. Entre nós, Maurício Godinho Delgado, de há muito, anota que a subordinação tradicional foi desenhada para a realidade da produção fordista e taylorista, fortemente hierarquizada e segmentada, na qual prevalecia o binômio ordem-subordinação: "A readequação conceitual da subordinação - sem perda de consistência das noções já sedimentadas, é claro - de modo a melhor adaptar este tipo jurídico às características contemporâneas do mercado de trabalho, atenua o enfoque sobre o comando empresarial direto, acentuando, como ponto de destaque, a inserção estrutural do obreiro na dinâmica do tomador de seus serviços. Estrutural é, pois, a subordinação que se manifesta pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento." (DELGADO, Maurício Godinho. Direitos Fundamentais na relação de trabalho. Revista do Ministério Público do Trabalho, Brasília: Procuradoria Geral do Trabalho, mar/2006, n.31, pp. 20-46 (pp. 45-46). Na era tecnológica digital, de gestão flexível, prevalece o binômio colaboração/dependência, mais compatível com uma concepção estruturalista em que predomina a denominada subordinação estrutural ou integrativa, característica do trabalho pós-industrial, retratada pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de serviços, independentemente de receber ordens diretas do real beneficiário do proveito econômico prestação de serviços. Outros indicadores autorizam a qualificar o caráter de subordinação algorítmica do trabalho no contexto do trabalho em plataformas digitais:(i) o controle posterior e direto da atividade mediante os dados registrados no suporte telemático computador; (ii) o controle posterior indireto, incidente sobre determinados aspectos da prestação; (iii) a indicação de clientela e de zonas geográficas para desenvolvimento do trabalho, (iv) controle das visitas aos clientes; (v) o controle do fator tempo, porque, em regra, o trabalhador deve ativar algum dispositivos para iniciar ou concluir o trabalho. Na França, em 2016, o Conseil de Prud'hommes decidiu pelo vínculo em relação aos motoristas do Le cab.[3] Em 2017, a Cour d'appel de Paris decidiu que entregadores não eram empregados, decisão reformada em 2018, pela Cour de Cassation, o mesmo ocorrendo em relação a uma motorista da plataforma Uber (https://www.lemonde.fr/emploi/article/2019/01/11/le-lien-unissant-un-chauffeur-et-uber-reconnu-contrat-de-travail_5407507_1698637.html). Em 2019, a Justiça espanhola reconheceu que os prestadores de serviços da plataforma Glovo eram empregados para todos os efeitos (https://exame.abril.com.br/carreira/tribunal-de-madri-decide-que-entregadores-sao-funcionarios-do-app/) No Informativo 43/20 o Bundesarbeitsgericht - Tribunal Federal do Trabalho da Alemanha, considerou vínculo de emprego do "Status de funcionário de "crowdworkers", conforme razões do julgado, em tradução livre: "A execução efetiva de pequenas encomendas ("micro jobs") por usuários de uma plataforma online ("crowdworker") com base em um acordo-quadro firmado com sua operadora ("crowdsource") pode resultar na qualificação da relação jurídica como relação de emprego. A ré controla a apresentação de produtos de marca no varejo e em postos de gasolina em nome de seus clientes. Ela tem as próprias atividades de controle realizadas por crowdworkers. A sua tarefa consiste, em particular, em tirar fotos da apresentação do produto e responder a perguntas sobre a publicidade dos produtos. Com base num "contrato básico" e termos e condições gerais, a demandada oferece os "micro empregos" através de uma plataforma online. Cada usuário da plataforma online pode aceitar pedidos relativos a pontos de venda específicos por meio de uma conta configurada pessoalmente, sem estar contratualmente obrigado a fazê-lo. Se o crowdsourcer aceita um pedido, ele deve fazê-lo regularmente em duas horas, de acordo com as especificações detalhadas do crowdsourcer. Os pontos de experiência são creditados em sua conta de usuário por trabalhos concluídos. O sistema aumenta o nível com o número de trabalhos concluídos e permite que vários trabalhos sejam aceitos ao mesmo tempo. O reclamante executou 2.978 ordens para o réu pela última vez em um período de onze meses, antes de anunciar, em fevereiro de 2018, que não iria mais oferecer-lhe ordens para evitar futuras discrepâncias. Em sua ação, ele primeiro pediu para estabelecer que as partes tinham uma relação de trabalho por tempo indeterminado. No curso da disputa judicial, o réu rescindiu qualquer vínculo empregatício existente por precaução em 24 de junho de 2019. Em seguida, o autor interpôs sua ação, com a qual também inter alia. Reivindicações de remuneração perseguidas, expandidas para incluir um pedido de proteção de demissão. Os tribunais rejeitaram a reclamação. Você negou a existência de uma relação de trabalho entre as partes. O recurso do reclamante foi parcialmente bem-sucedido. O Nono Senado da Justiça Federal do Trabalho reconheceu que a autora mantinha vínculo empregatício com a ré na época da rescisão cautelar em 24 de junho de 2019. De acordo com a Seção 611a do Código Civil Alemão (BGB), o status de um funcionário depende do funcionário que executa um trabalho que está sujeito a instruções e depende pessoalmente de terceiros. Se a efetiva implementação de uma relação contratual mostrar que se trata de uma relação de trabalho, a designação no contrato é irrelevante. A avaliação geral de todas as circunstâncias exigidas pela lei pode mostrar que os crowdworkers devem ser considerados funcionários. Trata-se de uma relação de trabalho se o cliente controla a cooperação através da plataforma online por ele operada de tal forma que o contratante não pode desenhar livremente suas atividades em termos de localização, tempo e conteúdo. Este é o caso. O queixoso executou o trabalho de uma forma que estava ligada a instruções e controlada por terceiros e era pessoalmente dependente. Ele não estava contratualmente obrigado a aceitar ofertas do réu. A estrutura organizacional da plataforma online operada pela demandada, no entanto, foi orientada para o fato de os usuários cadastrados e treinados por meio de uma conta aceitarem continuamente pacotes de pequenas encomendas simples, passo a passo, especificadas contratualmente, a fim de concluí-los pessoalmente. Apenas um nível no sistema de classificação que aumenta com o número de empregos realizados permite que os usuários da plataforma online aceitem vários empregos ao mesmo tempo, a fim de concluí-los em uma rota e, assim, alcançar um salário por hora mais alto. Este sistema de incentivos induziu o demandante a exercer continuamente atividades de fiscalização no distrito de sua residência habitual. O Nono Senado do Tribunal Federal do Trabalho, no entanto, rejeitou amplamente o recurso do reclamante, pois a rescisão declarada como medida cautelar encerrou efetivamente a relação de trabalho entre as partes. No que diz respeito às ações indenizatórias apresentadas pela autora, a discussão judicial foi remetida ao Tribunal Regional do Trabalho. O demandante não pode simplesmente exigir o pagamento de uma remuneração de acordo com os honorários que recebeu como supostamente freelancer. Se uma relação de trabalho supostamente livre acabar sendo uma relação de trabalho em retrospecto, geralmente não se pode presumir que o valor da remuneração acordado para o funcionário autônomo também seja acordado para o emprego como funcionário. A remuneração usual no sentido de Seção 612 (2) BGB, cujo valor o tribunal regional do trabalho deve esclarecer."(http://juris.bundesarbeitsgericht.de/cgi-bin/rechtsprechung/document.py?Gericht=bag&Art=pm&nr=24710, acesso em 07/12/2020, trad. livre.) O C. TST, em recentres julgados, concluiu pela existência de relação empregatícia entre os motoristas e a empresa Uber: "A UBER, EMPRESA AMERICANA QUE ORIGINALMENTE SE CHAMAVA UBERTAXI, NÃO É EMPRESA DE APLICATIVOS PORQUE NÃO VIVE DE VENDER TECNOLOGIA DIGITAL PARA TERCEIROS. O QUE ELA VENDE É TRANSPORTE, EM TROCA DE PERCENTUAL SOBRE AS CORRIDAS E POR MEIO DE APLICATIVO DESENVOLVIDO PARA ELA PRÓPRIA. CABELEIREIROS E MANICURES, QUANDO MUDAM DE SALÃO, A CLIENTELA VAI ATRÁS. OS MOTORISTAS DE TÁXI BUSCAM PASSAGEIROS E FORMAM CLIENTELA. MOTORISTAS DE UBER TÊM SEUS VEÍCULOS POR ELA CLASSIFICADOS, SEGUEM REGRAS RÍGIDAS, NÃO FORMAM CLIENTELA, NÃO FIXAM PREÇO, TÊM SUA LOCALIZAÇÃO, TRAJETOS E COMPORTAMENTO CONTROLADOS E , QUANDO SÃO EXCLUÍDOS DO APLICATIVO SOBRE O QUAL NÃO TÊM QUALQUER INGERÊNCIA, FICAM SEM TRABALHO. O PODER DE LOGAR, DESLOGAR, CLASSIFICAR, PONTUAR, ESCOLHER O MAIS PONTUADO (O MAIS PRODUTIVO PARA A EMPRESA) É EXCLUSIVAMENTE DA UBER. A SUBORDINAÇÃO CLÁSSICA, HISTÓRICA OU ADMINISTRATIVA A QUE SE REFERE A CLT NO ART. 3º É A DEPENDÊNCIA ECONÔMICA DERIVADA DA IMPOSSIBILIDADE OBREIRA DE CONTROLE DOS MEIOS PRODUTIVOS. A SUBORDINAÇÃO A QUE ALUDE O ART. 2º É A SUBORDINAÇÃO EXECUTIVA, QUE CONFERE MAIOR OU MENOR AUTONOMIA AO TRABALHADOR CONFORME A ATIVIDADE DESENVOLVIDA OU AS CARACTERÍSTICAS DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. NOS TERMOS DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 6º, DA CLT "OS MEIOS TELEMÁTICOS E INFORMATIZADOS DE COMANDO, CONTROLE E SUPERVISÃO SE EQUIPARAM, PARA FINS DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA, AOS MEIOS PESSOAIS E DIRETOS DE COMANDO, CONTROLE E SUPERVISÃO DO TRABALHO ALHEIO" E O FATO DO TRABALHADOR NÃO TER HORÁRIO DE TRABALHO CONSTA DA CLT EM RELAÇÃO AO TELETRABALHADOR EMPREGADO, EXATAMENTE QUANDO REMUNERADO POR PRODUÇÃO. I - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA RÉ. LEI 13.467/17. NULIDADE PROCESSUAL POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. TRANSCENDÊNCIA AUSENTE. Não se verifica a alegada violação dos arts. 832 da CLT, 489, I, III e IV, do CPC e 93, IX, da Constituição Federal, uma vez que o Tribunal Regional fundamentou corretamente a sua decisão, tendo a prestação jurisdicional sido entregue de forma completa, embora desfavorável à pretensão da ré. Extrai-se do v. acórdão recorrido que a Corte Regional, com base no robusto conjunto probatório dos autos, de acordo inclusive com a interpretação extraída das cláusulas do contrato de adesão de prestação de serviços, que é disponibilizado para os usuários da plataforma digital, expôs de forma minudente as razões pelas quais decidiu pela existência de vínculo empregatício entre a autora e a ré. Agravo de instrumento conhecido e desprovido, por ausência de transcendência do recurso de revista. ACORDO JUDICIAL. NÃO HOMOLOGAÇÃO. LEGITIMIDADE DE PARTE. INTERESSE PROCESSUAL. LITIGÂNCIA MANIPULATIVA DA JURISPRUDÊNCIA. TRANSCENDÊNCIA AUSENTE. 1. Embora possa ser exercido de forma ampla, o direito de ação submete o autor da demanda ao cumprimento das regras processuais estabelecidas no CPC. A instauração regular do processo e a obtenção integral da prestação jurisdicional demandam a observância de requisitos processuais mínimos, até que se obtenha uma sentença de mérito, a saber, as condições da ação: interesse processual, legitimidade e possibilidade jurídica do pedido. " O interesse processual nasce, portanto, da necessidade da tutela jurisdicional do Estado, invocada pelo meio adequado, que determinará o resultado útil pretendido, do ponto de vista processual. É importante esclarecer que a presença do interesse recursal não determina a procedência do pedido, mas viabiliza a apreciação do mérito, permitindo que o resultado seja útil, tanto nesse sentido quanto no sentido oposto, de improcedência. A utilidade do resultado se afere diante do tipo de providência requerida ". Por outro lado, "Autor e réu devem ser partes legítimas. Isso quer dizer que, quanto ao primeiro, deve haver ligação entre ele e o objeto do direito afirmado em juízo. O autor, para que detenha legitimidade, em princípio deve ser o titular da situação jurídica afirmada em juízo (art. 6º do CPC). Quanto ao réu, é preciso que exista relação de sujeição diante da pretensão do autor. Para que se compreenda a legitimidade das partes, é preciso estabelecer-se um vínculo entre o autor da ação, a pretensão trazida a juízo e o réu. (...) Note-se que, para a aferição da legitimidade, não importa saber se procede ou não a pretensão do autor, não importa saber se é verdadeira ou não a descrição do conflito por ele apresenta" (Luiz Wanbier, Flavio Renato Correia de Almeida e Eduardo Talamini, in Curso Avançado de Processo Civil, vol. 1, págs. 139-141, 7ª ed. Revista e atualizada). 2. Lado outro, o novo CPC adotou em seu art. 6º o modelo de processo cooperativo, que parte do ideal de que todos devem cooperar para a solução mais rápida da lide. Consubstancia-se na divisão equilibrada do trabalho processual entre todos os envolvidos - partes e juiz. " Pelo princípio da cooperação, depreende-se que o processo é produto de uma atividade cooperativa triangular, composta pelo juiz e pelas partes, que exige uma postura ativa, de boa fé e isonômica de todos os atores processuais, e, especificamente do juiz, a atuação como agente colaborador do processo, e não mero fiscal de regras, visando à tutela jurisdicional específica, célere e adequada. Traduz, portanto, em diálogo entre partes e juiz que encontra, porém, limites na natureza da atuação de cada um dos atores processuais ." 3 . É dever daqueles que participam do processo agir com lealdade e boa fé, sob pena de comprometimento da efetividade dos direitos materiais discutidos em juízo. José Olympio de Castro Filho vaticina que o abuso do direito processual se materializa " toda vez que, na ordem jurídica, o indivíduo no exercício do seu direito subjetivo excede os limites impostos pelo direito positivo, aí compreendidos não só o texto legal, mas também as normas éticas que coexistem em todo sistema jurídico, ou toda vez que o indivíduo no exercício do seu direito subjetivo o realiza de forma contrária à finalidade social (CASTRO FILHO, 1955, p. 17)". Humberto Theodoro Júnior, por sua vez, apregoa: " consiste o abuso do direito processual nos atos de má-fé praticados por quem tenha uma faculdade de agir no curso do processo, mas que dela se utiliza não para seus fins normais, mas para protelar a solução do litígio ou para desviá-la da correta apreciação judicial, embaraçando, assim, o resultado justo da prestação jurisdicional (THEODORO JUNIOR in MOREIRA, 2000, p. 113)." 4. O Poder Judiciário, de outra sorte, atua como intérprete do ordenamento jurídico. Tem o Poder-Dever de dirimir todo e qualquer conflito que se apresente (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal). Fala-se no papel interpretativo-criativo da atividade judicial. O juiz reproduz as leis, mas também supre lacunas existentes na aplicação e na conciliação da legislação. " A criatividade judicial tem, na verdade, duas dimensões: quando decide, o juiz cria a norma jurídica individualizada do caso (contida no dispositivo da decisão) como também cria a norma jurídica geral do caso (contida na fundamentação da decisão). É preciso diferenciá-las. A norma jurídica individual não é apenas a aplicação da norma abstrata ao caso concreto. É necessário que haja uma postura mais ativa do juiz, que deve interpretar (criar) a norma a partir de uma perspectiva constitucional, observando as particularidades do caso concreto. Mas o magistrado não cria apenas a norma individual no caso concreto. Como já se disse, quando exerce jurisdição, o órgão julgador também cria uma norma jurídica geral do caso. É exatamente por isso que podemos usar uma decisão proferida num processo em outro, distinto, porém semelhante. Em suma, o juiz deve produzir um discurso que atinge duas plateias: as partes e a comunidade. Quando atingida a comunidade, temos a decisão como precedente (ratio decidendi). Trata-se de norma jurídica geral construída a partir de raciocínio dedutivo que pode servir como diretriz para demandas semelhantes ." 5 . No caso dos autos, eis a realidade fática enfrentada, posta aqui em ordem cronológica, para melhor compreensão da controvérsia, assim consubstanciada: a) Na r. sentença, foram julgados improcedentes os pedidos de: reconhecimento do vínculo empregatício e anotação da CTPS, condenação ao pagamento de verbas decorrentes da rescisão do contrato de trabalho, horas extras excedentes da oitava hora diária, ressarcimento de despesas de manutenção e depreciação do veículo utilizado e indenização por dano moral; b) Inconformada a autora interpôs recurso ordinário; c) autora e ré juntaram as r. petições das págs. 434 e 435-438, a fim de dar ciência ao juízo da formalização de acordo, bem como da desistência do recurso ordinário interposto pela autora; d) a Sra. Relatora converteu o feito em diligência para a realização de audiência de conciliação, conforme a ata das págs. 477-478, em que foi noticiado aos litigantes que a proposta de acordo seria encaminhada para a eg. Turma Julgadora, em sessão de julgamento da qual seriam regularmente intimados, para fins de sua homologação e/ou proposta de julgamento, caso não concordassem os demais integrantes da Turma com seus termos; e) as partes juntaram nova petição, informando ao juízo da complementação do acordo primitivo (págs. 508-509); f) o órgão especial rejeitou a arguição de exceção de suspeição suscitada pela Uber e determinou o seu arquivamento para o regular prosseguimento do feito; g) o Tribunal Regional julgou o recurso ordinário da autora e, naquela oportunidade, deixou de homologar o acordo extrajudicial formalizado pelas partes, sob o fundamento de que a ré se utiliza da técnica de conciliação estratégica por julgador, para obter como resultado a manipulação da jurisprudência trabalhista acerca do tema tratado no processo. 6. De todo o exposto, a primeira questão que se coloca é verificar se é cabível recurso apenas por uma das partes litigantes, em se tratando de procedimento de jurisdição voluntária de homologação de acordo extrajudicial. Da dicção do art. 855-B da CLT outra conclusão não se extrai se não a de que os requisitos como a apresentação de petição inicial conjunta, a representação por advogados distintos, bem como a faculdade de o trabalhador ser assistido pelo sindicato de sua categoria são exigíveis especificamente para a homologação de acordo extrajudicial, não se estendendo para os casos de recursos. A assinatura em conjunto da petição demonstra, pelo menos num primeiro momento, que as partes tinham a nítida intenção de firmarem o acordo extrajudicial submetido à homologação pelo Tribunal Regional. A segunda questão que se apresenta é de que o art. 896 da CLT garante o recurso de revista como meio de impugnar a decisão desfavorável do Tribunal Regional. Ora, o acordo extrajudicial firmado entre a autora e a Uber, submetido à análise pela Corte Regional, não foi homologado e a r. sentença foi reformada, reconhecendo-se o vínculo empregatício, circunstâncias, portanto, prejudiciais, em certa medida, a cada uma das partes. Daí a legitimidade de ambas as partes de recorrer e o interesse processual na interposição do recurso de revista, com vistas a impugnar a parte da decisão que lhes foi desfavorável, conduta adotada apenas pela ré. Logo, preclusa a oportunidade de insurgência da autora contra a não homologação do acordo extrajudicial. 7. Some-se a isso o fato de que, no caso, a Corte Regional declarou que a ré se utiliza da técnica de conciliação estratégica por julgador, para obter como resultado a manipulação da jurisprudência trabalhista acerca do tema tratado no processo. De se concluir, portanto, que a finalidade do acordo proposto pela ré não foi a conciliação em si, como meio alternativo de solução de conflitos, mas um agir deliberado, para impedir a existência, formação e consolidação da jurisprudência reconhecedora de direitos trabalhistas aos seus motoristas. Evidenciada, pois, a má-fé processual, com o notório intuito de obter vantagem desproporcional e, portanto, em prejuízo à parte hipossuficiente da relação jurídica. Assim, a conduta processual da ré configura abuso processual de direito, atenta contra o poder judicial criativo do juiz, esvazia o conteúdo da jurisdição, por ausência deliberada de pretensão resistida, causa tumulto processual, viola os princípios da boa-fé, da lealdade processual e da cooperação, além de inviabilizar a manifestação pública da jurisprudência dos Tribunais e impedir que se assegure linha de entendimento mais coesa e, portanto, a segurança jurídica. Incólumes, portanto, os arts. 855-B a 855-E da CLT. Os arestos colacionados são oriundos de Turma do c. TST, não se prestando para o fim a que se destinam, conforme disposto no art. 896, "a", da CLT. 8. Ademais, para se adotar entendimento em sentido contrário ao esposado pela Corte Regional, que concluiu pela litigância manipulativa da jurisprudência com base em estatísticas, seria necessário o exame de fatos e provas, procedimento vedado pela Súmula 126/TST. Por fim, a Súmula nº 418 desta Corte expressamente prevê que "A homologação de acordo constitui faculdade do juiz, inexistindo direito líquido e certo tutelável pela via do mandado de segurança" , aplicando-se também ao caso dos autos. Não se vislumbra a presença da transcendência, no particular. Agravo de instrumento conhecido e desprovido, por ausência de transcendência do recurso de revista. JULGAMENTO EXTRA PETITA. HORAS EXTRAS. DANO EXTRAPATRIMONIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. TRANSCENDÊNCIA AUSENTE. Ocorre julgamento extra petita se o juízo examina pedido ou causa de pedir diversos daqueles deduzidos na petição inicial ou quando concede provimento judicial não vindicado ou no qual não se fundamentou o pedido, nos termos dos artigos 141 e 492 do CPC, devendo ser extirpado o que sobejar. Na hipótese dos autos, verifica-se da transcrição dos pedidos formulados na petição inicial que a autora efetivamente postulou a condenação da ré ao pagamento de horas extras, indenização por danos extrapatrimoniais e honorários advocatícios. Ademais, em sede de recurso ordinário asseverou que, " diante da presença de todos os elementos constantes no artigo 3º da CLT, resta clara a relação empregatícia havida entre as partes, motivo pelo qual pugna pela reforma do julgado para se reconhecer o vínculo empregatício e consequentemente as demais matérias objeto da ação que não foram apreciadas face o entendimento do magistrado ." Logo, o reconhecimento do direito da autora às horas extras, à indenização por danos extrapatrimoniais e aos honorários advocatícios conforma-se com a petição inicial, razão pela qual não há que se falar em decisão que extrapola os limites da lide. Ilesos, pois, os arts. 141, 492 e 1.013, §3º, II, do CPC. No contexto em que solucionada a lide, não se verifica a transcendência da causa, em nenhum dos critérios descritos pelo art. 896-A, §1º, da CLT. Agravo de instrumento conhecido e desprovido, por ausência de transcendência jurídica do recurso de revista. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE EXTERNA. HORAS EXTRAS. CONTROLE DE JORNADA. INDENIZAÇÃO POR DANOS EXTRAPATRIMONIAIS. MERO DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES TRABALHISTAS. Dado o caráter de prejudicialidade das matérias em epígrafe, afetas ao tema " UBER. MOTORISTA. VÍNCULO DE EMPREGO. SUBORDINAÇÃO ALGORÍTMICA" , relega-se o exame para o momento da análise do recurso de revista. II - RECURSO DE REVISTA DA RÉ. LEI 13.467/17. MOTORISTA. VÍNCULO DE EMPREGO. SUBORDINAÇÃO ALGORÍTMICA. TRANSCENDÊNCIA SOCIAL E JURÍDICA RECONHECIDA. 1 . Cinge-se a controvérsia em se determinar a existência, ou não, de vínculo de emprego entre motorista que utiliza plataforma digital de transporte de pessoas e a empresa criadora e administradora do aplicativo (UBER). 2 . A causa oferece transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza social e jurídica, na forma do art. 896-A, §1º, III e IV, da CLT. É questão nova e socialmente relevante, decorrente da utilização das tecnologias contemporâneas. 3 . O atual ambiente de trabalho difere bastante daquele que propiciou o surgimento das normas trabalhistas, idealizadas para pacificar as questões jurídicas decorrentes de sociedades agrária e fabril por meio de contratos por tempo indeterminado, com prestação presencial e processo produtivo centralizado numa só empresa organizadora da atividade e controladora da mão de obra. Naquele tempo, a proteção à dependência do trabalhador em relação ao organizador da atividade empresarial decorria do fato de não possuir acesso, ingerência ou controle dos meios produtivos, daí resultando a sua fragilidade na relação jurídica e a necessidade de proteção compensatória por meio de direitos mínimos e instrumentos garantidores de reivindicação coletiva. O emprego da palavra "dependência" no artigo 3º da CLT, de 1943, é claro nesse sentido. A essa dependência econômica, resultante da impossibilidade de controle obreiro da produção, adere complementarmente a subordinação jurídica ao poder de direção revelado no art. 2º, da qual resulta a aderência contratual do empregado às condições de trabalho às quais se submete. Assim, a subordinação clássica, histórica ou administrativa a que se refere a CLT no art. 3º é a dependência econômica derivada da impossibilidade obreira de controle dos meios produtivos. A subordinação a que alude o art. 2º é a subordinação executiva, que confere maior ou menor autonomia ao trabalhador conforme a atividade desenvolvida ou as características da prestação de serviços. 4. Com o passar do tempo, os estudos abandonaram a ideia da fragilidade fundada na dependência econômica pela impossibilidade de controle da produção, para centrar a proteção trabalhista unicamente na subordinação, que de subjetiva a centrada na pessoa do trabalhador, adquiriu caráter objetivo voltado à prestação de serviços. Uma vertente dessa teoria desenvolveu a ideia da proteção fundada na dinâmica do processo produtivo (subordinação estrutural), cuja característica mais visível é presumir a existência da relação de emprego. 5. Vieram a Terceira e Quarta Revoluções Industriais ou Tecnológicas, alterando gradativamente o processo produtivo. Hoje, o trabalho é comumente realizado num ambiente descentralizado, automatizado, informatizado, globalizado e cada vez mais flexível, trazendo para o ambiente empresarial novos modelos de negócios e, consequentemente, novas formas e modos de prestação de serviços e de relacionamento. Em tal contexto, conceitos que balizam a relação de emprego demandam uma necessária releitura, à luz das novas perspectivas de direção laboral, controle da atividade econômica ou meios produtivos e caracterização do tipo de vínculo de trabalho. 6 . Com os avanços tecnológicos, nasce na década de 90, já na era do conhecimento e do pleno domínio da informática, da rede e dos aplicativos móveis, a " economia compartilhada ", compreendida como um novo modelo econômico organizado, baseado no consumo colaborativo e em atividades que permitem que bens e serviços sejam compartilhados mediante troca de dados pela rede, principalmente on line , em tempo real. A criação de Smartphones , a disponibilização de redes móveis de internet, wi-fi público em diversos locais e pacotes de dados acessíveis são aliados na expansão dessa nova tendência que vem reorganizando o mercado. Nesse cenário, surgem as plataformas digitais, que revelam uma nova forma de prestação de serviços, organizada por meio de aplicativos que conectam o usuário à empresa prestadora, que pode, à distância e de forma automática, prestar o serviço ou se servir de um intermediário para, na ponta, fisicamente executar o trabalho que constitui o objeto da atividade proposta pela empresa de aplicativo. A título meramente exemplificativo são empresas como Netlix, Rappi, Loggi, Enjoei, OLX, Peguei Bode, Desapego, Mercado Livre, Breshop, Uber Eats, IFOOD, Exponenciais, Google Maps e Wase, Airbn, Pethub, Um 99, Buser, GetNinjas, Wikipédia, Amazon Mechanical Turk (MTurk) e Blablacar, expoentes a partir desse perfil de mercado. 7 . Nos deparamos então com um fenômeno mundial, que faz parte de novo modelo de negócios, do qual resulta uma nova organização do trabalho decorrente de inovações tecnológicas ainda não abarcada por muitas legislações, inclusive a nossa, que provoca uma ruptura nos padrões até então estabelecidos no mercado. São as denominadas " tecnologias disruptivas " ou "inovações disruptivas", próprias de revoluções industriais, no caso, a quarta. A disrupção do mercado em si, do inglês " disrupt " (interromper, desmoronar ou interrupção do curso normal de um processo), não necessariamente é causada pela nova tecnologia, mas sim pelo modo como ela é aplicada. É nesse cenário que nasce a empresa ora recorrente (UBER), com sede nos EUA e braços espalhados pelo mundo, que fornece, mediante um aplicativo para smartphones , a contratação de serviço de motorista. Trata-se, na verdade, de uma TNC ( Transportation Network Company ), ou seja, uma companhia que, por meio de uma plataforma digital on line, conecta passageiros a motoristas ditos "parceiros", que utilizam seus automóveis particulares para o transporte contratado. Por meio do aplicativo da UBER, essa conexão "passageiro-motorista" ocorre de forma rápida e segura, quer quanto ao valor do pagamento da corrida, quer no tocante à qualidade e à confiabilidade da viagem. No entanto, como já referido, essa inovação disruptiva afeta as estruturas sociais e econômicas existentes. Ao difundir o seu modelo de negócios no Brasil, a UBER, inevitavelmente, alterou o status quo do mercado de transporte privado individual urbano, acarretando consequências à modalidade pública do transporte de passageiros. Estamos falando dos táxis espalhados pelo País, com os quais diretamente concorre. Só que em vez do taxista procurar o cliente, o cliente procura pelo aplicativo da UBER um motorista. Essa nova modalidade de prestação de serviços de transporte privado individual urbano introduzido pela UBER no Brasil, mediante uma "economia compartilhada" ( shared economy ), resultou no alavancamento de uma massa considerável de trabalhadores até então parcial ou totalmente ociosos. Em consequência (aí o que nos interessa), a UBER fez surgir um acalorado debate no meio jurídico sobre questões como: a) A UBER é uma empresa de tecnologia ou de transporte? b ) os motoristas da UBER necessitam de proteção jurídica diferenciada? c) A relação da UBER com seus empreendedores individuais denominados de "parceiros" caracteriza subordinação clássica? e d) como os automóveis utilizados no transporte são dos próprios motoristas "parceiros", que podem estar logados ou não ao sistema da UBER conforme a sua conveniência, eles são empregados ou autônomos? 8. Nos autos do processo TST-, oriundo da eg. Terceira Turma, da qual sou egresso, manifestei naquela oportunidade o entendimento (cf. publicação no DEJT em 17/11/21) de que a Uber efetivamente organiza atividade de transporte por meio de plataforma digital e oferece o serviço público de transporte por meio de motoristas cadastrados em seu aplicativo . A Uber não fabrica tecnologia e aplicativo não é atividade. A atividade dessa empresa é, exclusivamente, propiciar o transporte, cujo aplicativo tecnológico de que se serve é o meio de conexão entre ela, o motorista "parceiro" e o usuário para efetivá-lo. É, enfim, uma transportadora que utiliza veículos de motoristas contratados para realizar o transporte de passageiros. Considerar a UBER (que no país de onde se origina é classificada como empresa de transporte por aplicativo e que inicialmente se autodenominava UBERTAXI) como empresa de tecnologia ou de aplicativo, uma vez que não produz nenhum dos dois, corresponderia a fazer do quadrado redondo e isentá-la de qualquer responsabilidade no trânsito quanto à sua efetiva atividade, o transporte que organiza e oferece , e para o qual o motorista é apenas o longa manus ou prestador contratado. Se fosse apenas uma plataforma digital não estipularia preço de corridas; não receberia valores e os repassaria aos motoristas; não classificaria o tipo de transporte fornecido e o preço correspondente; não estabeleceria padrões; não receberia reclamações sobre os motoristas e não os pontuaria. Enfim, como empresa de aplicativo e não como empresa de transporte que é, estaria atuando no mercado em desvio de finalidade. 9. Não se olvida que o fenômeno "Uberização" compreende novo modelo de inserção no mercado de trabalho e que deve ser incentivado não apenas porque é inovador, mas também porque permite concorrer com outros modelos de prestação de serviço de transporte para a mesma finalidade. No Brasil, quiçá mundialmente, o cenário de alto e crescente índice de desemprego e exclusão em decorrência do avanço da tecnologia, da automação e da incapacidade de geração de novas oportunidades no mesmo ritmo, atinge todos os níveis de instrução da força de trabalho e, portanto, de privação e precariedade econômica. Tal se potencializou com a recente pandemia do COVID 19, pelo que, além de outros fatores como alternativa flexível para gerar renda extra; necessidade de renda para ajudar na sobrevivência ou custear os estudos; espera pela realocação no mercado em emprego formal; não exigência de qualificação técnica ou formação acadêmica mínima, a migração de uma considerável camada da sociedade para essa nova modalidade de trabalho tornou-se uma realidade. Contudo, não passa despercebido que essa nova forma de prestação de serviços é caracterizada pela precariedade de condições de trabalho dos motoristas cadastrados. Entre outras intempéries, marcadas por jornadas extenuantes, remuneração incerta, submissão direta do próprio prestador aos riscos do trânsito. Doenças e acidentes do trabalho são capazes de eliminar toda a pontuação obtida na classificação do motorista perante o usuário e perante a distribuição do serviço feita automaticamente pelo algorítmo. A falta de regulamentação específica para o setor e, portanto, a inércia do Poder Público, se por um lado propicia aos motoristas que sequer precisam conhecer os trajetos, porque guiados pelo Waze, maior possibilidade de inclusão sem os custos e as limitações numéricas das autonomias municipais dos taxis, por outro propicia às empresas do ramo estratosféricos ganhos pelo retorno lucrativo com mínimo de investimento e o vilipêndio de direitos básicos oriundos da exploração do trabalho. Dois polos da relação jurídica, em balanças desiguais. Isso porque a baixa remuneração impõe aos motoristas parceiros, sem alternativa, diante do contexto já retratado, o cumprimento de jornadas excessivas de trabalho, a fim de assegurar-lhes ao menos ganhos mínimos para garantir a própria subsistência e/ou de sua família, aniquilando assim o lazer e a convivência social e familiar, em menoscabo inclusive às normas de saúde e segurança do trabalho, além da cobrança ostensiva por produtividade e cumprimento de tarefas no menor tempo possível, que de modo insofismável lhes gera danos físicos e psicológicos. 10 . Impende salientar que recentemente foi editada a Lei 14.297/22, publicada em 6/1/22, cuja mens legislatoris não foi colocar pá de cal na cizânia acerca do vínculo empregatício entre as plataformas digitais e seus prestadores de serviço, mas tão somente assegurar medidas de proteção especificamente ao trabalhador (entregador) que presta serviço de retirada e entrega de produtos e serviços contratados por meio da plataforma eletrônica de aplicativo de entrega, durante a vigência, no território nacional, da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus responsável pela covid-19, donde se destaca o art. 10 da referida lei, in verbis: " Art. 10. Os benefícios e as conceituações previstos nesta Lei não servirão de base para caracterização da natureza jurídica da relação entre os entregadores e as empresas de aplicativo de entrega ." Da análise da lei fica clara a fragilidade dos entregadores por afastamento do trabalho por doenças, o risco de acidentes no trânsito, a dependência do trabalhador à inserção e à manutenção no aplicativo e a necessidade de proteção para além do coronavírus. Comparativamente, os motoristas de plataformas digitais, ao menos em relação a esses itens, necessitariam, por aplicação analógica, de igual proteção. 11. Tem-se por outro lado que o conceito de subordinação é novamente colocado em confronto com a atual realidade das relações de trabalho, assim como ocorreu no desenvolvimento das teorias subjetiva, objetiva e estrutural. Surge assim a chamada "subordinação jurídica algorítmica", que, conforme a compreensão da Corte Regional, que aqui se reproduz, dá-se pela codificação do "comportamento dos motoristas, por meio da programação do seu algoritmo, no qual insere suas estratégias de gestão, sendo que referida programação fica armazenada em seu código-fonte. Em outros termos, realiza, portanto, controle, fiscalização e comando por programação neo-fordista". (pág. 628). Nessa toada, os algoritmos atuariam como verdadeiros "supervisores", de forma que os requisitos que caracterizam o vínculo empregatício não mais comportariam a análise da forma tradicional. Mas é lógico que subordinação algorítmica é licença poética. O trabalhador não estabelece relações de trabalho com fórmulas matemáticas ou mecanismos empresariais utilizados na prestação do trabalho e sim com pessoas físicas ou jurídicas detentoras dos meios produtivos e que podem ou não se servir de algoritmos no controle da prestação de serviços. Atenta a esse aspecto, em adequação às novas conformações do mercado, há mais de 10 (dez) anos a CLT estabelece, no parágrafo único do art. 6º, com redação dada pela Lei 12.551/11, que os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio. Assim, o fato do trabalhador não ter horário de trabalho consta da CLT em relação ao teletrabalhador empregado, exatamente quando remunerado por produção. 12. Feitas essas considerações, da análise detida do v. acórdão recorrido é possível concluir, para o exame dessa terceira indagação, que: 1) quem organiza a atividade e controla o meio produtivo de sua realização com regras, diretrizes e dinâmica próprias é a UBER; 2 ) Quem fixa o preço da corrida, cadastra e fideliza o cliente é a UBER, sem nenhuma ingerência do motorista prestador; 3 ) Quem aceita/defere o cadastramento e o descredenciamento do motorista é a UBER, após uma análise dos dados e documentos enviados, sendo que há exigência de carteira de motorista profissional, e veículos a partir de determinado ano de fabricação; 4 ) O motorista não tem nenhum controle sobre o preço da corrida, não podendo fixar outro. Quem estabelece o valor de cada corrida, a porcentagem devida, a concessão de descontos aos clientes é a UBER, tudo sem a interferência do motorista dito parceiro, ou seja, de forma unilateral, por meio da plataforma digital; 5 ) A autonomia do motorista restringe-se a definir seus horários e se aceita ou não a corrida; 6 ) A UBER opera unilateralmente o desligamento de motoristas quando descumprem alguma norma interna ou reiteradamente cancelam corridas; 7 ) O credenciamento do motorista é feito on line (site ou aplicativo) ou presencialmente em agências / lojas da UBER; 8) a classificação do veículo utilizado e o preço cobrado conforme essa classificação é definida pela empresa; 9 ) O motorista não escolhe o cliente e sim as corridas. 13. O mundo dá voltas e a história termina se repetindo, com outros contornos. E nessa repetição verifica-se que estamos diante de situação que nos traz de volta ao nascedouro do Direito do Trabalho, ou seja, da razão de ser da proteção trabalhista: a impossibilidade do trabalhador ter acesso ou controle dos meios produtivos. Em outras palavras, frente à UBER, estamos diante da dependência econômica clássica que remete aos primórdios do Direito do Trabalho e que propiciou o seu nascedouro. O trabalhador da UBER não controla os meios de produção porque não tem nenhuma ingerência sobre a dinâmica da atividade, a formação própria de clientela, o preço da corrida, a forma de prestação do trabalho, o percentual do repasse, a classificação do seu automóvel em relação ao preço a ser cobrado, o próprio credenciamento ou descredenciamento na plataforma digital. Diferentemente dos taxis, em que o vínculo é estabelecido com os passageiros, o vínculo tanto dos passageiros, como dos motoristas credenciados, é com a UBER. Os motoristas "logados" atendem aos chamados endereçados pelos passageiros à UBER. E diferentemente das cooperativas dos antigos táxis especiais, os preços das corridas eram previamente acertados em assembleia dos associados e as cooperativas não controlavam os trajetos e nem recebiam parte do lucro e sim contribuição fixa. Nessa toada, o argumento empresarial contestatório é desimportante, porque para a UBER pouco importa que o motorista tenha "autonomia" para estar logado e deslogado, ou recusar corridas. As corridas recusadas são de interesse da própria UBER, delas economicamente participantes por dizerem respeito, evidentemente, a trajetos não compensatórios em horários de muita demanda. E quanto ao fato de ter autonomia para se logar ou deslogar do sistema, isso não traz para a UBER qualquer impacto (e por isso não é procedimento vedado) diante do número de motoristas na praça e do fato de que o próprio motorista sofre do próprio remédio, a partir do momento em que fora do sistema não pontua. 14 . Sobreleva notar, ademais, que, de acordo com os arts. 818, I e II, da CLT e 373, I e II, do CPC, incumbe ao autor o ônus da prova quanto a fato constitutivo de seu direito e ao réu quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Para a hipótese de prova dividida, o Juízo não decide sob o enfoque de melhor prova, uma vez que ambas se equivalem, impondo-lhe julgar contra aquela parte a quem a lei atribui o encargo probatório. 15. Soma-se a isso o fato de que jurisprudência e doutrina modernas se alinham no sentido de que a mera prestação de serviços gera presunção relativa de vínculo empregatício. Desse modo, quando o empregador admite a prestação de serviços, negando, contudo, o vínculo empregatício, atrai para si o ônus da prova de que aquela ostenta natureza jurídica diversa da trabalhista, fato impeditivo do direito vindicado. Precedentes. 16 . Cabe também citar outros países como Inglaterra (case n. 2202550/2015), Suíça, França, dentre outros, e cidades como Nova York e Seatle, que também vêm reconhecendo vínculo empregatício entre os motoristas ditos parceiros da Uber enquadrando-os como empregados. A regência trabalhista das plataformas digitais já deveria ter sido objeto de apreciação pelo Parlamento. A ele cabe decidir, auscultando a sociedade como um todo, pela melhor opção para a regulação dos motoristas de aplicativos, ou seja, decretando o vínculo total de emprego; ou a concessão apenas parcial de direitos, na condição de trabalhadores economicamente dependentes, mas semiautônomos. Na falta de regulação pelo Congresso, cabe ao Poder Judiciário decidir a questão de fato, de acordo com a situação jurídica apresentada e ela, como apresentada, remete, nos termos dos artigos 2º e 3º da CLT, ao reconhecimento do vínculo empregatício, tal como vem sendo decidido no direito comparado. 17. In casu, a controvérsia foi dirimida com lastro no robusto acervo probatório dos autos, em que a Corte Regional, traçando um paralelo com o conceito de "fordismo" e apresentando ainda a subordinação em suas várias dimensões, foi enfática em asseverar que identificou na relação jurídica mantida entre a autora e a ré a presença dos elementos que caracterizam o vínculo empregatício, na forma dos arts. 2º e 3º da CLT. a) No tocante à pessoalidade, ficou evidenciado o caráter " intuitu personae " da relação jurídica entre as litigantes. b) Na esteira do princípio da primazia da realidade, concluiu-se pela onerosidade, sob a dimensão objetiva . Diante da conclusão de evidência de que a Uber é que estabelece o valor das corridas, bem como a porcentagem devida, de acordo com o trajeto percorrido e da maneira que lhe convier, e concede descontos aos clientes, tudo sem a interferência do motorista parceiro, ou seja, de forma unilateral, por meio da plataforma digital, intermediando o processo, uma vez que recebe do cliente final em seu nome, retira sua comissão em percentual predefinido e repassa a ele (motorista parceiro) o que sobra, decidiu-se que, da forma como procede, efetivamente remunera seus ditos motoristas parceiros e, portanto, a autora pelos serviços prestados, pelo que manifesta a onerosidade . c) Quanto à não eventualidade, em resposta à argumentação da Uber de que não havia habitualidade na prestação de serviços, a Corte Regional declarou que " não existem dias e horários obrigatórios para a realização das atividades do Motorista Parceiro" e que " a flexibilidade de horários não é elemento, em si, descaracterizador da "não eventualidade" e tampouco incompatível com a regulação da atividade pelo Direito do Trabalho ", além de registrar o labor semanal pela autora, conforme se extrai do seguinte excerto: " O número de horas trabalhadas pela autora semanalmente era acompanhado pela ré, vez que todos os dados ficam armazenados no aplicativo, assim como o número de viagens concluídas, a taxa de aceitação e de cancelamento ". Assim, reconheceu-se o caráter habitual da prestação de serviços. d) Verificou-se, finalmente, a subordinação. A Corte Regional consignou que a Uber exerce controle, por meio de programação neo-fordista e, portanto, pela presença da subordinação jurídica algorítmica. Para tanto, adotou o conceito de " subordinação jurídica disruptiva ", desenvolvido pelo Exmo. Sr. Desembargador do TRT/17ª Região, Fausto Siqueira Gaia, em sua tese de doutorado. Como dito antes, subordinação algorítmica é, ao nosso ver, licença poética. Trabalhador, quando subordinado, é a pessoa física ou jurídica, ainda que ela se sirva do controle por meio do algoritmo, do GPS e de outros meios tecnológicos, como a internet e o smartphone. Como o mundo dá voltas e a história se repete com outros contornos, verifica-se que estamos aqui diante de situação que remete ao nascedouro do Direito do Trabalho, ou seja, da razão de ser da proteção trabalhista: a impossibilidade do trabalhador de acesso ou controle por meios produtivos. Em outras palavras, frente à UBER, estamos diante da subordinação clássica ou subjetiva, também chamada de dependência. O trabalhador é empregado porque não tem nenhum controle sobre o preço da corrida, o percentual do repasse, a apresentação e a forma da prestação do trabalho. Até a classificação do veículo utilizado é definida pela empresa, que pode, a seu exclusivo talante, baixar, remunerar, aumentar, parcelar ou não repassar o valor destinado ao motorista pela corrida. Numa situação como essa, pouco importa se o trabalhador pode recusar corrida ou se deslogar. A recusa ou o deslogamento se refletem na pontuação e na preferência, pelo que penalizam o motorista. Diante do denso quadro fático apresentado pela Corte Regional e, considerando-se, portanto, que a ré admitiu a prestação de serviços, mas não logrou, contudo, desvencilhar-se do ônus da prova quanto à inexistência de vínculo empregatício com a autora, bem como presentes todos os requisitos do vínculo de emprego, tal como fartamente demonstrado acima, a conclusão da existência do vínculo entre a autora e a Uber não afronta os arts. 2º e 3º da CLT. Ileso ainda o art. 170, " caput " e IV, da Constituição Federal, na medida em que os princípios da livre iniciativa e da ampla concorrência não podem se traduzir em salvo-conduto nem tampouco em autorização para a sonegação deliberada de direitos trabalhistas. Recurso de revista não conhecido. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE EXTERNA. HORAS EXTRAS. CONTROLE DE JORNADA. TRANSCENDÊNCIA AUSENTE. O Tribunal Regional afastou o enquadramento da autora na excludente do art. 62, I, da CLT, ante o vasto conjunto probatório dos autos, que demonstrou o exercício de atividade externa pela autora, no entanto, com controle de jornada por parte do empregador. Declarou a Corte Regional que " Não há qualquer dúvida de que a UBER não só poderia monitorar os horários como efetivamente o fez, inexistindo a incompatibilidade alegada por ela entre a natureza do serviço e o controle do horário de trabalho. " Assim, para se concluir em sentido contrário ao entendimento esposado pela Corte Regional e afastar a condenação da ré ao pagamento das horas extras reconhecidas à autora, seria necessária a incursão no conjunto probatório dos autos, procedimento obstado pela Súmula 126/TST. Logo, a aplicação desse enunciado impede a análise da violação suscitada, e, por conseguinte, da própria controvérsia, o que afasta os reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica, na forma do art. 896-A da CLT. Recurso de revista não conhecido, por ausência de transcendência do recurso de revista. INDENIZAÇÃO POR DANOS EXTRAPATRIMONIAIS. MERO DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES TRABALHISTAS. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. 1. A causa oferece transcendência política, nos termos do art. 896-A, §1º, II, da CLT. 2. A atual, notória e iterativa jurisprudência do c. TST caminha no sentido de que o mero inadimplemento das obrigações trabalhistas não acarreta, por si só, a configuração do dano moral, devendo haver prova robusta dos danos causados, em especial, a violação dos direitos da personalidade, notadamente da honra, da integridade ou da imagem. Precedentes. Na hipótese dos autos, a Corte Regional condenou a ré ao pagamento de indenização por danos extrapatrimonias, sem a demonstração inequívoca da prática de ato ilícito que resultou em lesão aos direitos da personalidade da autora, em afronta ao art. 5º, X, da Constituição Federal. Recurso de revista conhecido por afronta ao art. 5º, X, da Constituição Federal e provido. CONCLUSÃO: Agravo de instrumento da ré conhecido e desprovido; recurso de revista da ré conhecido e parcialmente provido" (TST, RRAg-100853-94.2019.5.01.0067, 8ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 03/02/2023). "RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017 . U. B. T. L. NATUREZA JURÍDICA DA RELAÇÃO MANTIDA ENTRE OS TRABALHADORES PRESTADORES DE SERVIÇOS E EMPRESAS QUE ORGANIZAM, OFERTAM E EFETIVAM A GESTÃO DE PLATAFORMAS DIGITAIS DE DISPONIBILIZAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE AO PÚBLICO, NO CASO, O TRANSPORTE DE PESSOAS E MERCADORIAS. NOVAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO E GESTÃO DA FORÇA DE TRABALHO HUMANA NO SISTEMA CAPITALISTA E NA LÓGICA DO MERCADO ECONÔMICO. ESSENCIALIDADE DO LABOR DA PESSOA HUMANA PARA A CONCRETIZAÇÃO DOS OBJETIVOS DA EMPRESA. PROJEÇÃO DAS REGRAS CIVILIZATÓRIAS DO DIREITO DO TRABALHO SOBRE O LABOR DAS PESSOAS NATURAIS. INCIDÊNCIA DAS NORMAS QUE REGULAM O TRABALHO SUBORDINADO DESDE QUE NÃO DEMONSTRADA A REAL AUTONOMIA NA OFERTA E UTILIZAÇÃO DA MÃO DE OBRA DO TRABALHADOR (ART. 818, II, DA CLT). CONFLUÊNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS HUMANISTAS E SOCIAIS QUE ORIENTAM A MATÉRIA (PREÂMBULO DA CF/88; ART. 1º, III E IV; ART. 3º, I, II, III E IV; ART. 5º, CAPUT ; ART. 6º; ART. 7º, CAPUT E SEUS INCISOS E PARÁGRAFO ÚNICO; ARTS. 8º ATÉ 11; ART. 170, CAPUT E INCISOS III, VII E VIII; ART. 193, TODOS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988). VÍNCULO DE EMPREGO. DADOS FÁTICOS CONSTANTES DO ACÓRDÃO REGIONAL REFERINDO-SE A RELAÇÃO SOCIOECONÔMICA ABRANGENTE DE PERÍODO DE QUASE DOIS MESES. PRESENÇA DOS ELEMENTOS INTEGRANTES DA RELAÇÃO EMPREGATÍCIA. INCIDÊNCIA, ENTRE OUTROS PRECEITOS, TAMBÉM DA REGRA DISPOSTA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 6º DA CLT (INSERIDA PELA LEI n. 12.551/2011), A QUAL ESTABELECE QUE " OS MEIOS TELEMÁTICOS E INFORMATIZADOS DE COMANDO, CONTROLE E SUPERVISÃO SE EQUIPARAM, PARA FINS DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA, AOS MEIOS PESSOAIS E DIRETOS DE COMANDO, CONTROLE E SUPERVISÃO DO TRABALHO ALHEIO ". PRESENÇA, POIS, DOS CINCO ELEMENTOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO, OU SEJA: PESSOA HUMANA PRESTANDO TRABALHO; COM PESSOALIDADE; COM ONEROSIDADE; COM NÃO EVENTUALIDADE; COM SUBORDINAÇÃO. ÔNUS DA PROVA DO TRABALHO AUTÔNOMO NÃO CUMPRIDO, PROCESSUALMENTE (ART 818, CLT), PELA EMPRESA DE PLATAFORMA DIGITAL QUE ARREGIMENTA, ORGANIZA, DIRIGE E FISCALIZA A PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS ESPECIALIZADOS DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE. Cinge-se a controvérsia do presente processo em definir se a relação jurídica havida entre o Reclamante e a Reclamada - U. B. T. L. - configurou-se como vínculo de emprego (ou não). A solução da demanda exige o exame e a reflexão sobre as novas e complexas fórmulas de contratação da prestação laborativa, algo distintas do tradicional sistema de pactuação e controle empregatícios, e que ora se desenvolvem por meio da utilização de plataformas e aplicativos digitais, softwares e mecanismos informatizados semelhantes, todos cuidadosamente instituídos, preservados e geridos por sofisticadas (e, às vezes, gigantescas) empresas multinacionais e, até mesmo, nacionais. É importante perceber que tais sistemas e ferramentas computadorizados surgem no contexto do aprofundamento da revolução tecnológica despontada na segunda metade do século XX (ou, um pouco à frente, no início do século XXI), a partir da informática e da internet , propiciando a geração de um sistema empresarial de plataformas digitais, de amplo acesso ao público, as quais permitem um novo meio de arregimentação de mão de obra, diretamente por intermédio desses aplicativos digitais, que têm o condão de organizar, direcionar, fiscalizar e zelar pela hígida prestação de serviços realizada ao cliente final. A modificação tecnológica e organizacional ocorrida nas duas últimas décadas tem sido tão intensa que há, inclusive, autores e correntes de pensamento que falam na existência de uma quarta revolução tecnológica no sistema capitalista. Evidentemente que essa nova estrutura de organização empresarial e de prestação de serviços facilita a aproximação e a comunicação na sociedade e no âmbito da prestação de serviços ao público alvo, seja este formado por pessoas físicas ou por instituições. Porém a lógica de sua estruturação e funcionamento também tem sido apreendida por grandes corporações empresariais como oportunidade ímpar para reduzirem suas estruturas produtivas e, especialmente, o custo do trabalho utilizado e imprescindível para o bom funcionamento econômico da entidade empresarial. De nenhuma valia econômica teria este sistema organizacional e tecnológico, conforme se percebe, se não houvesse, é claro, a prestação laborativa por ele propiciada ao público alvo objetivado - neste caso, se não existissem motoristas e carros organizadamente postos à disposição das pessoas físicas e jurídicas. Realmente, os impactos dessa nova modalidade empresarial e de organização do trabalho têm sido diversos: de um lado, potenciam, fortemente, a um custo mais baixo do que o precedente, a oferta do trabalho de transporte de pessoas e coisas no âmbito da sociedade; de outro lado, propiciam a possibilidade de realização de trabalho por pessoas desempregadas, no contexto de um desemprego agudo criado pelas políticas públicas e por outros fatores inerentes à dinâmica da economia; mas, em terceiro lugar, pela desregulamentação amplamente praticada por este sistema, gerando uma inegável deterioração do trabalho humano, uma lancinante desigualdade no poder de negociação entre as partes, uma ausência de regras de higiene e saúde do trabalho, uma clara falta de proteção contra acidentes ou doenças profissionais, uma impressionante inexistência de quaisquer direitos individuais e sociais trabalhistas, a significativa ausência de proteções sindicais e, se não bastasse, a grave e recorrente exclusão previdenciária. O argumento empresarial, em tal quadro, segue no sentido de ser o novo sistema organizacional e tecnológico tão disruptivo perante a sistemática de contratação anterior que não se fazem presentes, em sua estrutura e dinâmica, os elementos da relação empregatícia. E, efetivamente, é o que cabe examinar, afinal, no presente processo. Passa-se, dessa maneira, ao exame da relação socioeconômica e jurídica entre as partes do presente processo, respeitados os aspectos fáticos lançados pelo próprio acórdão regional, como determina a Súmula 126 do TST . Nesse exame, sem negligenciar a complexidade das questões que envolvem a discussão dos autos, o eventual enquadramento como vínculo empregatício da relação jurídica entre o prestador de serviços e as plataformas digitais, pelo Poder Judiciário Trabalhista no Brasil, vai depender das situações fáticas efetivamente demonstradas, as quais, por sua própria complexidade, podem abarcar inúmeras e múltiplas hipóteses. A propósito, no Direito brasileiro existe sedimentada presunção de ser empregatício o vínculo jurídico formado - regido pela Constituição da República (art. 7º) e pela CLT, portanto - , desde que seja incontroversa a prestação de serviços por uma pessoa natural a alguém (Súmula 212, TST). Essa presunção jurídica relativa (não absoluta, esclareça-se) é clássica ao Direito do Trabalho, em geral, resultando de dois fatores historicamente incontestáveis: a circunstância de ser a relação de emprego a regra geral de conexão dos trabalhadores ao sistema socioeconômico capitalista; a circunstância de a relação de emprego, desde o surgimento do Direito do Trabalho, ter se tornado a fórmula mais favorável e protegida de inserção da pessoa humana trabalhadora na competitiva e excludente economia contemporânea. No Brasil, desponta a singularidade de esta antiga presunção jurídica ter sido incorporada, de certo modo, até mesmo pela Constituição da República de 1988, ao reconhecer, no vínculo empregatício, um dos principais e mais eficazes instrumentos de realização de notável bloco de seus princípios cardeais, tais como o da dignidade do ser humano, o da centralidade da pessoa humana na ordem jurídica e na vida socioeconômica, o da valorização do trabalho e do emprego, o da inviolabilidade física e psíquica da pessoa humana, o da igualdade em sentido substancial, o da justiça social, o do bem-estar individual e social, o da segurança e o da subordinação da propriedade à sua função socioambiental. Com sabedoria, a Constituição percebeu que não se criou, na História do Capitalismo, nessa direção inclusiva, fórmula tão eficaz, larga, abrangente e democrática quanto a estruturada na relação de emprego. Convergindo inúmeros preceitos constitucionais para o estímulo, proteção e elogio à relação de emprego (ilustrativamente: Preâmbulo da CF/88; art. 1º, III e IV; art. 3º, I, II, III e IV; art. 5º, caput ; art. 6º; art. 7º, caput e seus incisos e parágrafo único; arts. 8º até 11; art. 170, caput e incisos III, VII e VIII; art. 193, todos do Texto Máximo de 1988), emerge clara a presunção também constitucional em favor do vínculo empregatício no contexto de existência de incontroversa prestação de trabalho na vida social e econômica. De par com isso, a ordem jurídica não permite a contratação do trabalho por pessoa natural, com os intensos elementos da relação de emprego, sem a incidência do manto mínimo assecuratório da dignidade básica do ser humano nessa seara da vida individual e socioeconômica. Em consequência, possuem caráter manifestamente excetivo fórmulas alternativas de prestação de serviços a alguém, por pessoas naturais, como, ilustrativamente, contratos de estágio, vínculos autônomos ou eventuais, relações cooperativadas e as fórmulas intituladas de "pejotização" e, mais recentemente, o trabalho de transporte de pessoas e coisas via arregimentação e organização realizadas por empresas de plataformas digitais. Em qualquer desses casos, estando presentes os elementos da relação de emprego, esta prepondera e deve ser reconhecida, uma vez que a verificação desses pressupostos, muitas vezes, demonstra que a adoção de tais práticas se dá, essencialmente, como meio de precarizar as relações empregatícias (art. 9º, da CLT). Nesse aspecto, cumpre enfatizar que o fenômeno sóciojurídico da relação empregatícia emerge quando reunidos os seus cinco elementos fático-jurídicos constitutivos: prestação de trabalho por pessoa física a outrem, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e sob subordinação. Observe-se que, no âmbito processual, uma vez admitida a prestação de serviços pelo suposto empregador/tomador de serviços, a ele compete demonstrar que o labor se desenvolveu sob modalidade diversa da relação de emprego, considerando a presunção (relativa) do vínculo empregatício sedimentada há várias décadas no Direito do Trabalho, conforme exaustivamente exposto. A análise casual das hipóteses discutidas em Juízo, portanto, deve sempre se pautar no critério do ônus da prova - definido no art. 818 da CLT -, competindo ao obreiro demonstrar a prestação de serviços (inciso I do art. 818 da CLT); e à Reclamada, provar eventual autonomia na relação jurídica (inciso II do art. 818 da CLT ). No caso dos autos , a prova coligida no processo e referenciada pelo acórdão recorrido demonstrou que a Reclamada administra um empreendimento relacionado ao transporte de pessoas - e não mera interligação entre usuários do serviço e os motoristas cadastrados no aplicativo - e que o Reclamante lhe prestou serviços como motorista do aplicativo digital. Assim, ficaram firmemente demonstrados os elementos integrantes da relação de emprego, conforme descrito imediatamente a seguir. Em primeiro lugar, é inegável (e fato incontroverso) de que o trabalho de dirigir o veículo e prestar o serviço de transporte, em conformidade com as regras estabelecidas pela empresa de plataforma digital, foi realizado, sim, por uma pessoa humana - no caso, o Reclamante. Em segundo lugar, a pessoalidade também está comprovada, pois o Obreiro precisou efetivar um cadastro individual na Reclamada, fornecendo dados pessoais e bancários, bem como, no decorrer da execução do trabalho, foi submetido a um sistema de avaliação individualizada, a partir de notas atribuídas pelos clientes e pelo qual a Reclamada controlava a qualidade dos serviços prestados. É também incontroverso de que todas as inúmeras e incessantes avaliações feitas pela clientela final referem-se à pessoa física do motorista uberizado, emergindo, assim, a presença óbvia do elemento fático e jurídico da pessoalidade. O caráter oneroso do trabalho executado é também incontroverso, pois a clientela faz o pagamento ao sistema virtual da empresa, em geral por meio de cartão de crédito (podendo haver também, mais raramente, pagamento em dinheiro) e, posteriormente, a empresa gestora do sistema informatizado credita parte do valor apurado na conta corrente do motorista. Ora, o trabalhador somente adere a esse sistema empresarial e de prestação laborativa porque ele lhe assegura retribuição financeira em decorrência de sua prestação de trabalho e em conformidade com um determinado percentual dos valores apurados no exercício desse trabalho. Sobre a não eventualidade , o labor do Reclamante estava inserido na dinâmica intrínseca da atividade econômica da Reclamada e inexistia qualquer traço de transitoriedade na prestação do serviço. Não era eventual, também, sob a perspectiva da teoria do evento, na medida em que não se tratava de labor desempenhado para certa obra ou serviço, decorrente de algum acontecimento fortuito ou casual. De todo modo, é também incontroverso de que se trata de labor inerente à rotina fundamental da empresa digital de transporte de pessoas humanas, sem o qual tal empresa sequer existiria. Por fim, a subordinação jurídica foi efetivamente demonstrada, destacando-se as seguintes premissas que se extraem do acórdão regional, incompatíveis com a suposta autonomia do trabalhador na execução do trabalho: 1) a Reclamada organizava unilateralmente as chamadas dos seus clientes/passageiros e indicava o motorista para prestar o serviço; 2) a empresa exigia a permanência do Reclamante conectado à plataforma digital para prestar os serviços, sob risco de descredenciamento da plataforma digital (perda do trabalho); 3) a empresa avaliava continuamente a performance dos motoristas, por meio de um controle telemático e pulverizado da qualidade dos serviços, a partir da tecnologia da plataforma digital e das notas atribuídas pelos clientes/passageiros ao trabalhador. Tal sistemática servia, inclusive, de parâmetro para o descredenciamento do motorista em face da plataforma digital - perda do trabalho -, caso o obreiro não alcançasse uma média mínima; 4) a prestação de serviços se desenvolvia diariamente, durante o período da relação de trabalho - ou, pelo menos, com significativa intensidade durante os dias das semanas -, com minucioso e telemático controle da Reclamada sobre o trabalho e relativamente à estrita observância de suas diretrizes organizacionais pelo trabalhador, tudo efetivado, aliás, com muita eficiência, por intermédio da plataforma digital (meio telemático) e mediante a ativa e intensa, embora difusa, participação dos seus clientes/passageiros. Saliente-se ser fato notório (art. 337, I, do CPC/15) que a Reclamada é quem estabelece unilateralmente os parâmetros mais essenciais da forma de prestação dos serviços e da dinâmica de funcionamento da atividade econômica, como, por exemplo, a definição do preço da corrida e do quilômetro rodado no âmbito de sua plataforma digital. Desse quadro, se percebe a configuração da subordinação jurídica nas diversas dimensões: a) clássica , em face da existência de incessantes ordens diretas da Reclamada promovidas por meios remotos e digitais (art. 6º, parágrafo primeiro, da CLT), demonstrando a existência da assimetria poder de direção/subordinação e, ainda, os aspectos diretivo, regulamentar, fiscalizatório e disciplinar do poder empregatício; b) objetiva , tendo em vista o trabalho executado estritamente alinhado aos objetivos empresariais; c) estrutural , mediante a inteira inserção do profissional contratado na organização da atividade econômica desempenhada pela Reclamada, em sua dinâmica de funcionamento e na cultura jurídica e organizacional nela preponderante; d) por fim, a subordinação algorítima , que consiste naquela efetivada por intermédio de aferições, acompanhamentos, comandos, diretrizes e avaliações concretizadas pelo computador empresarial, no denominado algoritmo digital típico de tais empresas da Tecnologia 4.0. Saliente-se, por oportuno, que a suposta liberdade do profissional para definir seus horários de trabalho e de folgas, para manter-se ligado, ou não, à plataforma digital, bem como o fato de o Reclamante ser detentor e mantenedor de uma ferramenta de trabalho - no caso, o automóvel utilizado para o transporte de pessoas - são circunstâncias que não têm o condão de definir o trabalho como autônomo e afastar a configuração do vínculo de emprego. Reitere-se: a prestação de serviços ocorria diariamente, com sujeição do Autor às ordens emanadas da Reclamada por meio remoto e telemático (art. 6º, parágrafo único, da CLT); havia risco de sanção disciplinar (exclusão da plataforma) em face da falta de assiduidade na conexão à plataforma e das notas atribuídas pelos clientes/passageiros da Reclamada; inexistia liberdade ou autonomia do Reclamante para definir os preços das corridas e dos seus serviços prestados, bem como escolher os seus passageiros (ou até mesmo criar uma carteira própria de clientes); não se verificou o mínimo de domínio do trabalhador sobre a organização da atividade empresarial, que era centralizada, metodicamente, no algoritmo da empresa digital; ficou incontroversa a incidência das manifestações fiscalizatórias, regulamentares e disciplinares do poder empregatício na relação de trabalho analisada . Enfim, o trabalho foi prestado pelo Reclamante à Reclamada, mediante remuneração, com subordinação, e de forma não eventual. Cabe reiterar que, embora, neste caso concreto, tenham sido comprovados os elementos da relação empregatícia, deve ser considerado que o ônus da prova da autonomia recai sobre a defesa, ou seja, o ente empresarial , já que inequívoca a prestação de trabalho (art. 818, II, da CLT), sendo forçoso reconhecer, também, que a Reclamada não se desvencilhou satisfatoriamente de seu encargo probatório . Dessa forma, deve ser reformado o acórdão regional para se declarar a existência do vínculo de emprego entre as Partes, nos termos da fundamentação. Recurso de revista conhecido e provido" (TST, RR-100353-02.2017.5.01.0066, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 11/04/2022). A OIT vem sistematicamente professando o uso das novas tecnologias "pro homine", em favor do ser humano em sua dignidade. O Informe da OIT: The Higt Road To Teleworking publicado do ano de 2001, já apontava para o aproveitamento máximo das possibilidades das novas tecnologias sob uma perspectiva humanística, de modo que "el capital humano, la nueva tecnología y las nuevas formas de organización del trabajo puedan combinarse para generar crecimiento, empleo y unas mejores condiciones laborales." O relatório da OIT do ano 2017, sobre o futuro do trabalho fixou a "necessidade de efetivação do trabalho online decente com direito à liberdade sindical e negociação coletiva, salário mínimo em vigor na região, ser o trabalhador indenizado por trabalho perdido em caso de problemas técnicos ligados à tarefa ou plataforma". No centenário da OIT do ano de 2018, a Comissão Mundial sobre o Futuro do trabalho - Trabalhar para um futuro melhor informa que: 200 milhões de pessoas baseiam seu sustento em emprego informal; 190 milhões de pessoas estão desempregadas, 64,8 milhões são jovens; 300 milhões de pessoas vivem em pobreza extrema com menos de U$ 1,90/dia; 53.6% dos lares possuem acesso à internet. Nos países emergentes, 15% dos lares possuem acesso à internet. Entre 1980 e 2016, a parcela dos 1% mais ricos da população mundial viu o seu rendimento global aumentar 27%, enquanto os 50% mais pobres receberam apenas mais 12%; e 36,1% da força de trabalho global trabalha um número excessivo de horas, mais de 48 horas por semana (https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---europe/---ro-geneva/---ilo-lisbon/documents/publication/wcms_677383.pdf, acesso em 30/11/2020.) Assim, traçou que "existem condições de trabalho que implicam para grande parte das pessoas, a injustiça, a miséria e as privações, o que gera um descontentamento tal que a paz e a harmonia universais são postas em risco; e (...) e urgente melhorar essas condições. Hoje como então, a paz e a estabilidade duradouras dependem da justiça social"(https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---europe/---ro-geneva/ ilolisbon/documents/publication/wcms_677383.pdf, acesso em 30/11/2020). Hannah Arendt, na sua obra Origens do Totalitarismo (1989, p. 332,) assevera que o conceito de cidadania significa "direito a ter direitos", e que comporta dois sentidos: o termo "direito" significa que "deve-se tratar a todos os seres humanos como pessoas pertencentes a algum grupo humano ao qual corresponde uma proteção" e; o termo "direitos" condiz com um prévio pertencimento a uma comunidade política e gozo dos direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais. A humanidade, para Ana Arendt significa pluralidade humana pois "os homens, e não o Homem, vivem na Terra e habitam o mundo". Deste modo deve-se considerar a pluralidade do ponto de vista de uma comunidade global, capaz de amparar e proteger os indivíduos resguardando-os enquanto sujeitos de direitos e deveres, dentro de uma ordem jurídica que lhes permita viver em segurança e compartilhar o mundo. E factível concluir que somente é possível ter "direito a ter direitos" quando se é membro de uma comunidade, inserido no aparato legal, que garanta o pertencimento e o natural convívio em uma comunidade política, que resguarda a aquisição e manutenção dos direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais. O mote de qualquer Sociedade é pois, abolir a exclusão social, caminhar na senda da construção da inclusão e da igualdade na era digital. Celso Lafer anota que o sentido Arendtiano conferido à cidadania é um princípio e um meio de construção público/privado da igualdade: "A reflexão arendtiana, no entanto, vai mais além. O que ela afirma é que os direitos humanos pressupõem a cidadania não apenas como um fato e meio, mas sim como um princípio, pois a privação da cidadania afeta substantivamente a condição humana, uma vez que o ser humano privado de suas qualidade acidentais - seu estatuto político- vê-se privado de sua substância, vale dizer: tornado pura substancia, perde a qualidade substancial, que é de ser tratado pelo outros como um semelhante. Hannah Arendt fundamenta o seu ponto de vista sobre os direitos humanos como invenção que exige a cidadania através de uma distinção ontológica que diferencia a esfera do privado da espera do público. Para ela, a condição básica da ação e do discurso, em contraste com o labor e trabalho, é o mundo comum da pluralidade humana. Esta tem uma caraterística ontológica dupla: a igualdade e a diferença. Se os homens não fossem iguais, não poderiam entender-se. Por outro lado, se não fossem diferentes não precisariam nem da palavra, nem da ação para se fazerem entender. (...) É com base nesta dupla caraterística da pluralidade que ela insere a diferença na esfera do privado e a igualdade na esfera do público" (LAFER, Celso. "A Reconstrução dos Direitos Humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt", Companhia das Letras, São Paulo, 1988, p. 150 usque 151.) Destarte, para Celso Lafer (op. cit. p. 166), a expressão "direito a ter direitos" significa "acesso pleno à ordem jurídica que somente a cidadania oferece". E factível concluir, que qualquer trabalhado merece a proteção e a retribuição mínima prevista na Constituição Federal, que traz uma pauta do direitos ao trabalhador, independente do regime jurídico de contratação. Nesse diapasão, na dúvida sobre a presença das notas de laboralidade protegida exsurge no campo das novas tecnologias o princípio "pro homine" (art. 218 usque 219, CF/88) o que atrai a pauta de valores constitucionais e de direitos do trabalho e de seguridade social, mínimos irredutíveis, pela amalgama dos artigos, 1º, IV, 3º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10,11, e 201 da Carta cidadã de 1988. Ainda, não se olvide que a legislação infraconstitucional (art. 6º e § único, CLT) não distingue o trabalho comum com aquele exercido "pela" ou "para" as parafernálias telemáticas-digitais-algorítimicas, pois, só assim, será possível afirmar e reafirmar uma sociedade, justa fraterna e solidária e comprometida com os direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais. Em Portugal, o artigo 10, número 10, da Lei 45/2018, determina a aplicação do artigo 12º, do Código de Trabalho, aos motoristas de plataformas, ou seja, impõe a presunção de laboralidade de tais empregados: "10 - Ao vínculo jurídico estabelecido entre o operador de TVDE e o motorista afeto à atividade, titulado por contrato escrito assinado pelas partes, e independentemente da denominação que as partes tenham adotado no contrato, é aplicável o disposto no artigo 12.º do Código do Trabalho." A sua vez, o artigo 12º, do Código de Trabalho português prevê: "Artigo 12.º - Presunção de contrato de trabalho 1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características: a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa. 2 - Constitui contra-ordenação muito grave imputável ao empregador a prestação de actividade, por forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado. 3 - Em caso de reincidência, é aplicada a sanção acessória de privação do direito a subsídio ou benefício outorgado por entidade ou serviço público, por período até dois anos. 4 - Pelo pagamento da coima, são solidariamente responsáveis o empregador, as sociedades que com este se encontrem em relações de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, bem como o gerente, administrador ou director, nas condições a que se referem o artigo 334.º e o n.º 2 do artigo 335.º" No Brasil, a Lei Maior determinou de forma clara e expressa, no inciso XXVII, do artigo 7º, que o trabalho deve ter "proteção em face da automação, na forma da lei". A Emenda Constitucional 85/15 sinaliza a exploração das novas tecnologias "pro homine". Isso não significa que as novas tecnologias não devem ser barradas, mas que a sua evolução deve ser compatível com a dimensão social, econômica e cultural, criadas, desenvolvidas e utilizadas para o bem comum dos seres humanos em suas inter-relações e, não como mecanismo criador de maiores disparidades sociais e exclusão social, sob pena de violação frontal à ratio da Constituição. A Emenda Constitucional 85/15, traça claramente a compatibilização ente ordem econômica e social, e fixa a função sócio-econômico-tecnológico da empresa. De modo que a "plus valia" das novas tecnologias deve reverter em prol da sociedade, mediante: a) proteção do mercado interno tecnológicos que integra o patrimônio nacional; b) incentivo de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e socioeconômico, o bem-estar da população; c)viabilização da formação e aperfeiçoamento de seus recursos humanos e que pratiquem sistemas de remuneração que assegurem ao empregado, desvinculada do salário, participação nos ganhos econômicos resultantes da produtividade de seu trabalho. O art. 218, da Carta Federal estabelece que o Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação e que a pesquisa científica básica e tecnológica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso da ciência, tecnologia e inovação, voltada preponderantemente para a solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional. No parágrafo 3º, do artigo 218, estabelece que o Estado apoiará a formação de recursos humanos nas áreas de ciência, pesquisa, tecnologia e inovação, inclusive por meio do apoio às atividades de extensão tecnológica, e concederá aos que delas se ocupem meios e condições especiais de trabalho. E, especificamente, no que se refere ao trabalho humano, o artigo 218, § 4º, da Carta Federal estabelece que a lei apoiará e estimulará as empresas que invistam em pesquisa, criação de tecnologia adequada ao País, formação e aperfeiçoamento de seus recursos humanos e que pratiquem sistemas de remuneração que assegurem ao empregado, desvinculada do salário, participação nos ganhos econômicos resultantes da produtividade de seu trabalho. Há uma clara sinalização de proteção ao mercado interno tecnológico, no sentido que o mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal. Muito bem andou o legislador constituinte pátria ao assegurar uma sociedade justa, fraterna e solidaria, sem discriminação ou desigualdades (art. 3º, CF/88), bem como assegurar os direitos sociais dos trabalhadores em geral, independente do regime jurídico de contratação privada (art. 6º, 7º, 8º, 9º, 10, e 201 e seguintes CF/88) pátrio. Ainda, andou bem o legislador ordinário ao inovar, no parágrafo único artigo 6º, da CLT, ao estatuir que: "Parágrafo único "os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio". Enfim, o debate sobre as novas tecnologias e o trabalho humano apenas começou. A preocupação volta-se com a construção de uma Sociedade justa e solidária: (i) a igualdade de tratamento do trabalho digital platform worker em cotejo com o trabalhador comum; (ii) as garantias de direitos trabalhistas e sociais; (iii) os direitos de personalidade, nas vertentes do direito à intimidade e a vida privada do trabalhador. Posto isso, mantenho pois, a sentença de origem tal como lançada, que reconhece o vínculo empregatício entre reclamante e a Uber (inclusive, 2ª e 3ª rés, responsáveis solidariamente, posto que integram o mesmo grupo econômico), no período de 20/06/2016 a 03/07/2020, na função de motorista, e respectiva anotação da CPTS e pagamento das respectivas verbas rescisórias. Não há falar-se em reconhecimento de contrato intermitente, pois não observada a forma escrita e os requisitos do artigos 452-A, da CLT. [1] https://mittechreview.com.br/esta-startup-esta-usando-inteligencia-artificial-para-dar-aos-trabalhadores-uma-pontuacao-de-produtividade/, acesso em 16/12/2020. [3] http://www.rfi.fr/br/franca/20180208-justica-francesa-nega-direitos-trabalhistas-para-motorista-do-uber 2. Rescisão. Justa causa. Decisão recorrida: A sentença reconheceu a dispensa sem justa causa. Tese decisória: a) Fundamento recursal. Fatos e direito: As reclamadas alegam que o reclamante foi dispensado por justa causa, em razão da inobservância dos "Termos e Políticas de Uso". b) Conclusão Segundo definição de Evaristo de Moraes Filho, a justa causa "é todo ato doloso ou culposamente grave, que faça desaparecer a confiança e a boa-fé existentes entre as partes, inviabilizando, assim, o prosseguimento da relação" (A Justa Causa na Rescisão do Contrato de Trabalho, pág. 56, 1946), o que deve ser cabalmente provado por quem alega o justo motivo para a rescisão do contrato, nos termos dos artigos 818, da CLT e 373, II, do CPC. No presente caso, não há provas nos autos de que o reclamante tenha praticado qualquer conduta ilícita. As reclamadas limitam-se a afirmar que a conta do reclamante foi descadastrada após a constatação de não cumprimento de requisitos legais para a manutenção do contrato, sem, no entanto, especificar quais seriam esses requisitos. Diante disso, não se pode considerar suficientemente comprovada a falta grave que justificaria a rescisão por justa causa. Nego provimento. 3. Média remuneratória. Decisão recorrida: A sentença determinou que o salário será apurado de acordo com a média constante nos relatórios de viagens. Tese decisória: a) Fundamento recursal. Fatos e direito: Sustentam que deve ser considerado, para apuração da média remuneratória, os histórico de viagens do reclamante, com desconto da taxa de serviço de 25%. b) Conclusão Com efeito, considerando que os relatórios de viagens apresentados pelas reclamadas contêm a totalidade dos valores recebidos pelo reclamante, tais documentos são adequados para a apuração precisa da média remuneratória do obreiro, devendo ser descontada a taxa de 25%, correspondente à cota parte devida ao empregador. Reformo. 4. Honorários advocatícios. Decisão recorrida: A sentença condenou a reclamada ao pagamento de honorários advocatícios. Tese decisória: a) Fundamento recursal. Fatos e direito: As reclamadas pedem a condenação do reclamante ao pagamento de honorários advocatícios. c) Conclusão Entende esta Relatora que, pelo princípio da sucumbência estrita, atípica, mitigada, ou creditícia, adotado pela Lei 13.467/17, e incidência apenas sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa. Conclui-se que: não são devidos os honorários advocatícios, na Justiça do Trabalho, nas hipóteses de improcedência, desistência, renúncia, extinção sem mérito e arquivamento da ação. Inteligência literal do artigo 791-A, CLT, combinado com a interpretação histórica e sistemática com os artigos 14 e 16 da Lei 5584/70 e 11 da Lei 1060/50. Isto porque, que não se aplicam de forma subsidiária ou supletiva, as regras sobre honorários advocatícios do CPC, diante da regulamentação própria e da incompatibilidade normativa e principiológica com o processo do trabalho. Em razão da complexidade da demanda e demais requisitos do artigo 791-A, da CLT, nego provimento e reputo adequada a fixação de honorários advocatícios em 10%. Recurso ordinário do reclamante 1. Danos morais. Decisão recorrida: A sentença rejeitou o pedido em razão da improcedência do pedido de reconhecimento da relação empregatícia. Tese decisória: a) Fundamento recursal. Fatos e direito: Requer a condenação da reclamada ao pagamento de indenização por danos morais em razão da solicitação de comprovação de antecedentes criminais, exposição a violência física, dumping social, baixo valor das corridas e falta de registro em CTPS. b) Conclusão De acordo com o entendimento do C. TST, tais fatores, não caracterizam, por si só, dano moral. Nesse sentido os julgados: EMBARGOS REGIDOS PELA LEI Nº 13.015/2014. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. AUSÊNCIA DE ANOTAÇÃO NA CARTEIRA DE TRABALHO. NÃO CONFIGURAÇÃO. O entendimento desta Corte é de que a ausência da anotação na carteira de trabalho não acarreta, por si só, o pagamento de indenização por dano moral. Precedentes. Extrai-se ainda, da decisão proferida pela Turma, que, na hipótese, não há notícia de eventual constrangimento sofrido pelo reclamante em razão da ausência da anotação da carteira de trabalho, de modo a justificar a indenização por danos morais. Dessa forma, observa-se que a Turma, ao concluir que a falta de anotação do contrato de trabalho na CTPS não enseja, por si só, o deferimento da indenização por danos morais, decidiu em consonância com a jurisprudência notória, atual e reiterada do Tribunal Superior do Trabalho, o que afasta a possibilidade de provimento do recurso de embargos. Embargos conhecidos e desprovidos. (TST-E-RR-1040-90.2012.5.08.0117, Ac. Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro José Roberto Freire Pimenta, in DEJT 6.10.2017). "(...)3. DANO EXISTENCIAL. JORNADA EXCESSIVA. Em face da possível violação do artigo 5º, X, da CF, dá-se provimento ao agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e provido. B) RECURSO DE REVISTA. DANO EXISTENCIAL. JORNADA EXCESSIVA. O mero descumprimento de obrigações trabalhistas, como a imposição de jornada excessiva, por si só, não é capaz de ensejar o reconhecimento automático da ofensa moral e, consequentemente, do dever de indenizar, sendo necessária a demonstração da repercussão do fato e a efetiva ofensa aos direitos da personalidade, situação não verificada no caso concreto. Recurso de revista conhecido e provido. (TST, ARR - 10147-19.2017.5.15.0076, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 18/12/2019, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 07/01/2020) E os precedentes das demais Turmas do C. TST: RR-805-03.2013.5.04.0020, 1ª Turma, Ministro Lelio Bentes Corrêa, DEJT 02/03/2018; RR - 1616-75.2014.5.09.0088, 2ª Turma, Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 13/09/2019; RR-11149-70.2014.5.15.0030, 4ª Turma, Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 09/08/2019; RR-10348-06.2017.5.03.0024, 5ªTurma, Ministro Breno Medeiros, DEJT 23/08/2019; ARR - 73-91.2014.5.23.0041 , Relator Ministro: Augusto César Leite de Carvalho, Data de Julgamento: 12/06/2019, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 14/06/2019; RR-1507-65.2014.5.09.0022, 7ª Turma, Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, DEJT 04/05/2018; ARR - 10147-19.2017.5.15.0076 , Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 18/12/2019, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 07/01/2020. Ainda nesse sentido, é importante ressaltar que o reclamante, ao alegar ter sofrido dano moral, deve provar suas afirmações, nos termos dos artigos 818, da CLT e 373, I, do CPC, ônus do qual não se desincumbiu, eis que não produziu qualquer prova quanto aos fatos narrados na inicial. Mantenho. 2. Multa do art. 477, 8°, CLT. Decisão recorrida: A sentença julgou improcedente o pedido de condenação ao pagamento da multa do artigo 477, da CLT. Tese decisória: a) Fundamento recursal. Fatos e direito: Requer a condenação ao pagamento das multa do artigo 477, da CLT. b) Conclusão A multa do artigo 477, §8º, da CLT é devida quando o empregador não efetuar oportunamente, o pagamento das verbas rescisórias. Portanto, sua aplicação decorre simplesmente da ausência de pagamento no prazo do artigo 477, §6º, da CLT, das verbas decorrentes da cessação do contrato. Destarte, a sentença apenas declara o fato e os efeitos que ordinariamente deveriam ter sido produzidos, caso as partes tivessem respeitado o direito posto, pelo que, o não pagamento no prazo correto das verbas rescisórias enseja a aplicação da multa do artigo 477, § 8º, da CLT. Ressalte-se, ainda, que o C. TST, através da resolução 163 de 20.11.2009, revogou a OJ 351 da SBDI-1, razão pela qual a existência de controvérsia não afasta o direito do recebimento da multa do artigo 477, da CLT. Deve ser salientado que a controvérsia e apenas causa excludente na multa do artigo 467, da CLT, razão pela qual, não tendo o legislador incluído tal condição no artigo 477, da CLT, conclui-se pela existência de silêncio eloquente do legislador, o que impede a aplicação da hipótese excepcional que afasta a incidência da penalidade. Reformo para condenar as reclamadas ao pagamento da multa do artigo 477, da CLT. DISPOSITIVO Pelo exposto, ACORDAM os Magistrados da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, por unanimidade de votos, CONHECER dos Recursos Ordinários interpostos pelas partes e, no mérito, DAR PROVIMENTO PARCIAL ao recurso da reclamadas UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA,UBER INTERNATIONAL B.V. e UBER INTERNATIONAL HOLDING B.V. para determinar que a apuração da média remuneratória será realizada com base nos relatórios de viagens apresentados pelas reclamadas, considerando a totalidade dos valores recebidos pelo reclamante e devendo ser descontada a taxa de 25%, referente à cota parte devida ao empregador, e DAR PROVIMENTO PARCIAL ao apelo do reclamante, WAGNER PIRES DA COSTA, para condenar a reclamada ao pagamento de multa do artigo 477, da CLT. Tudo nos termos e limites do voto da Relatora. Custas inalteradas. Presidiu a sessão a Excelentíssima Desembargadora Presidente Ivani Contini Bramante. Tomaram parte no julgamento as Excelentíssimas Desembargadoras Ivani Contini Bramante, Ivete Ribeiro e Maria Isabel Cueva Moraes. Relatora: Ivani Contini Bramante. Integrou a sessão presencial o (a) representante do Ministério Público. Sustentação oral: Dr Fausto Marcassa Baldo. IVANI CONTINI BRAMANTE Relatora SAO PAULO/SP, 09 de abril de 2025. REGINA CELIA DUTRA JAVAROTTI Diretor de Secretaria
Intimado(s) / Citado(s)
- UBER INTERNATIONAL B.V.
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