Processo nº 5171382-12.2024.8.09.0162
ID: 316757720
Tribunal: TJGO
Órgão: Valparaíso de Goiás - UPJ Varas Cíveis: 1ª, 2ª e 4ª
Classe: PETIçãO CíVEL
Nº Processo: 5171382-12.2024.8.09.0162
Data de Disponibilização:
04/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
SERGIO PRAZERES DE LIRA
OAB/DF XXXXXX
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Estado de GoiásPoder Judiciário2ª Vara Cível da Comarca de Valparaíso de GoiásRua Alemanha, 150, Parque Esplanada III, CEP 72.870-000, Fone: (61) 3615-9600 SENTENÇA Natureza: PROCESSO CÍVEL E DO TRAB…
Estado de GoiásPoder Judiciário2ª Vara Cível da Comarca de Valparaíso de GoiásRua Alemanha, 150, Parque Esplanada III, CEP 72.870-000, Fone: (61) 3615-9600 SENTENÇA Natureza: PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Outros Procedimentos -> Atos e expedientes -> Petição CívelProcesso nº: 5171382-12.2024.8.09.0162Valor da Causa: R$ 28.900,00Requerente: Carla Cristina Moreira Nunes MelloRequerido: Valcar Veiculos LtdaJuiz de Direito: Leonardo Lopes dos Santos Bordini Trata-se de Ação de Rescisão Contratual proposta por Carla Cristina Moreira Nunes Mello contra Valcar Veículos Ltda e Aymoré Crédito, Financiamento e Investimentos S/A. Afirma a parte requerente, em síntese, que em fevereiro de 2024 celebrou com a empresa Valcar Veículos contrato de compra e venda do veículo Marca Fiat, modelo Uno Mille Celeb. Way Econ. 1.0 Flex 4P, Cor Verde, Placa NWE0314, ano 2011; que a título de entrada pagou a importância de R$1.400,00 mediante a emissão de cheque; que o restante do preço foi pago por meio da celebração de financiamento com o banco requerido no valor de R$21.561,12; que ficou acordado o pagamento, ao banco, de 48 parcelas de R$1.108,40 cada. Discorre que assim que houve a tradição do bem ele passou a apresentar problemas mecânicos do trajeto da loja até sua residência; que o veículo esquentou e precisou esfriar para voltar a funcionar; que ao chegar em casa também notou que a porta do passageiro não fechava, que os pneus estavam carecas; que levou o carro até um mecânico particular, sendo constatado que estava com problema no motor. Assevera que no dia seguinte levou o veículo na loja da primeira requerida, contudo, ela se negou a desfazer o negócio jurídico; que disse apenas que poderia arrumá-lo; que o bem foi levado a um mecânico de confiança da vendedora o qual informou a inexistência de problema, sendo necessário apenas a trocha de chicote que ficaria no valor de R$500,00. Argumenta que não deixou o veículo para consertar e foi até um despachante para fins de avaliação; que após avaliação foram constados diversos problemas: “pintura a repintura e/ou massa no para-lama dianteiro direito, porta dianteira direita, teto, porta traseira direita, letal traseira direita, capô traseiro, lateral traseira esquerda, porta traseira esquerda, porta dianteira esquerda, para-lama dianteiro esquerdo e capô dianteiro”; que na análise estrutural conclui-se que o veículo foi batido várias vezes; que o chassi está em estado inicial de corrosão; que a porta traseira direita não é original e a carroceria apresenta avarias e reparos. Esclarece que após avaliação do despachante voltou na loja da vendedora, mas, novamente, ela não aceitou desfazer o contrato; que afirmou que não tinha problema vender o veículo nessas condições; que em razão dos incontáveis defeitos o veículo é inadequado ao uso; que deve ser aplicada as normas de defesa do consumidor a fim de reconhecer a existência de vícios ocultos no veículo e possibilitar a rescisão dos contratos de compra e venda e financiamento com a devolução da quantia paga. Pediu, também, a concessão da gratuidade de justiça. Com a inicial vieram documentos (mov. 01). Novos documentos juntados em mov. 06 e 07. Decisão de mov. 09 indeferiu o pedido de gratuidade de justiça e facultou o parcelamento para pagamento das custas iniciais. A parte requerente pediu o parcelamento das custas iniciais (mov. 12). Certidão de parcelamento das custas iniciais (mov. 13). Em mov. 16 a inicial foi recebida. Juntada de comprovante de pagamento de parcela das custas iniciais em mov. 18. O banco requerido apresentou contestação e juntou documentos (mov. 21). Preliminarmente, arguiu a inépcia da inicial sob o fundamento de que a parte requerente não apresentou documento pessoal identificação e comprovante de endereço. Além disso, suscita ser parte ilegítima uma vez que não participou da relação negocial de compra e venda, mas atuou em instrumento distinto (liberação e concessão do financiamento bancário com o bem móvel em garantia); que o STJ possui entendimento de que os bancos de varejo que financiam a compra e venda de automóvel não respondem pelos vícios do produto. No mérito, defende que não há qualquer ilicitude na sua conduta; que agiu de forma rigorosa e correta com o procedimento adotado; que deve ser aplicado o entendimento do STJ que afasta a responsabilidade dos bancos de varejo e que mantém o contrato de financiamento independente da resolução da compra e venda; que os vícios do produto devem sanados diretamente pela loja. Reitera que não possui responsabilidade pelos vícios ocultos ou demais problemas no bem adquirido; que segundo informações prestadas pelo proprietário da vendedora, Sr. Theofilo, todos os defeitos e reparos foram atendidos dentro do prazo de garantia; que o veículo foi entregue para a cliente e seu esposo. Na hipótese de rescisão do contrato de financiamento, requer que o veículo seja devolvido ao banco por ser credor fiduciário. Alternativamente, pretende que o valor disponibilizado à loja seja revertido à instituição financeira, sob pena de enriquecimento ilícito de uma das partes.Juntada de comprovantes de pagamento de parcela das custas iniciais em mov. 27, 30 e 39. Em mov. 43 a empresa requerida pediu a habilitação do advogado e vista dos autos pelo prazo de 05 (cinco) dias. Juntou documentos. Documentos juntados pelo banco requerido em mov. 44. Audiência de conciliação realizada sem acordo entre as partes (mov. 45). A empresa Valcar Veículos apresentou contestação e juntou documentos (mov. 46). Impugnou o pedido de gratuidade de justiça formulado pela parte requerente e o valor da causa afirmando que não corresponde ao real proveito econômico pretendido. Defende que apesar de a parte requerente relatar diversos problemas no veículo logo após a compra, ela omitiu que seu marido, Fabrício Damião C Mello, fez revisão do bem antes de ser adquirido, o que permite concluir que a parte requerente tinha conhecimento prévio das condições do veículo; que a compradora ou seu representante teve a chance de examinar o veículo e detectar eventuais defeitos antes da conclusão do negócio, conforme prevê o princípio da boa-fé objetiva; que não se pode imputar responsabilidade por eventuais defeitos que eram visíveis e poderiam ser verificados mediante uma análise mais cuidadosa; que não sustenta a alegação da parte requerente de que não recebeu informações claras considerando que houve inspeção prévia. Discorre que para aplicação do art. 441 do Código Civil que trata dos vícios eles devem ser ocultos e impossíveis de serem detectados, o que não é o caso dos autos; que a parte requerente possuía prazo de 30 (trinta) dias para buscar o seu direito de redibição ou abatimento no preço (art. 445 do CC), mas não há qualquer prova a esse respeito; que mesmo que aplicado o prazo de 90 (noventa) dias previsto no CDC (art. 26), ele já decorreu a contar da data que o veículo foi entregue. Adverte que a responsabilidade do vendedor é afastada quando o comprador tem conhecimento prévio dos vícios, ainda que parcialmente; que a requerente está inadimplente uma vez que o cheque emitido foi devolvido por motivo de fraude, o que caracteriza má-fé. Pugna para que não haja inversão do ônus da prova em favor da parte requerente e sua condenação em litigância de má-fé. Impugnação da requerente em mov. 39. Afirma que não sustenta a impugnação à gratuidade de justiça uma vez que o benefício foi negado. No mérito, argumenta que apenas os problemas das portas traseiras eram de conhecimento prévio de Fabrício; que os demais vícios não foram informados pela parte requerida no momento da venda do veículo; que os vícios não poderiam ser vistos no momento da breve análise do carro; que cabia à vendedora informar sobre todos os problemas narrados; que somente após a compra tomou conhecimento de todos os defeitos; que a ciência dos problemas mecânicos impediria de realizar o negócio jurídico. Defende que o veículo foi adquirido em 19/02/2024 e no mesmo dia houve a interrupção do prazo de decadência porque houve reclamação. Ao final pediu que as preliminares sejam afastadas e reiterou os pedidos formulados na inicial. É o relatório. Decido.A questão dos autos é de julgamento antecipado dos pedidos, nos termos do art. 355, I do CPC, sendo a prova documental suficiente para resolução da controvérsia. I – Das PreliminaresI. 1 Impugnação à Gratuidade de JustiçaNão sustenta a preliminar de impugnação à gratuidade de justiça. Isso porque, a parte requerente teve o benefício negado na decisão de mov. 09. I.2 Impugnação ao valor da causaSegundo o art. 291 e seguintes do CPC a toda causa será atribuído um valor certo, sendo que em na ação que tiver por objeto a existência, a validade, o cumprimento, a modificação, a resolução, a resilição ou a rescisão de ato jurídico, o valor da causa será o valor do ato ou o de sua parte controvertida. Além disso, havendo pedidos cumulativos, será a soma deles (art. 292, II e VI do CPC).No caso, verifica-se que a parte requerente atribuiu à causa o valor de R$28.900,00, o qual não corresponde ao valor do negócio jurídico de compra e venda que se pretende a resolução e que pode levar à resolução do contrato de financiamento. Da leitura da inicial e documentos juntados em mov. 21, depreende-se que consta o valor líquido liberado do financiamento de R$21.561,12, sendo que esse valor foi repassado para a loja vendedora. Nesse contexto, se somado o valor de R$21.561,12 com o valor de R$1.400,00 que a parte requerente pretende que seja devolvido, chega-se ao montante de R$22.961,12. Registro que apesar de não ter sido juntado o contrato de compra e venda do veículo celebrado entre a requerente e a Valcar Veículos Ltda, as alegações das partes e o contrato de financiamento permite a conclusão acerca do proveito econômico que se busca com a ação, sendo certo, outrossim, que é dispensável a soma dos dois contratos, porque o segundo está ligado e/ou abrangido pelo primeiro para fins de aferição do valor da causa. Sendo assim, promova-se a alteração da causa, a fim de constar o valor de R$22.961,12, não havendo, nesse caso, custas complementares a serem recolhidas. I.3 Inépcia da InicialO art. 330, I c/c §1º, ambos do CPC, estabelecem que a petição inicial será indeferida quando for inepta. Considera-se inepta a petição inicial quando: “I - lhe faltar pedido ou causa de pedir; II - o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico; III - da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; IV - contiver pedidos incompatíveis entre si”.No presente caso, não há falar em inépcia da petição inicial, uma vez que não há quaisquer das hipóteses citadas acima. Como se não bastasse, não sustenta as alegações da parte requerida de ausência de documentos que impeçam o julgamento do mérito, uma vez que a parte requerente juntou comprovante de endereço em mov. 06 e há documento de identificação pessoal anexado ao contrato de financiamento (mov. 21). Ademais, ainda que tais documentos não estivessem nos autos, o correto seria oportunizar à parte requerente a sua juntada e não julgamento do processo sem resolução do mérito.I.4 Ilegitimidade da Aymoré Crédito, Financiamento e Investimento S/ASabe-se que a legitimidade das partes é aferível a partir da análise do conflito de interesse a que se busca solução. Leva-se em consideração a pertinência subjetiva da parte para figurar em um dos polos da ação. No tocante à possibilidade jurídica do pedido, o CPC de 2015, passou a tratar o assunto como matéria de mérito e não como preliminar. No caso, o banco atuou como agente financiador do crédito para que a requerente adquirisse o veículo, objeto da lide. Além disso, um dos pedidos da requerente é o de rescisão do contrato de financiamento. Nesse diapasão, o banco faz parte do conflito de interesses a que se busca solução.A questão relacionada à sua responsabilidade ou não, bem como à possibilidade de rescisão do contrato de financiamento, enquanto banco de varejo ou de montadora, nos termos do entendimento mais recente do STJ (a exemplo do REsp 1.946.388-SP) é matéria de mérito que será analisada em momento oportuno.II – Do Mérito Verifica-se que a relação estabelecida entre as partes é de natureza consumerista. Isso porque, a requerente firmou contrato de compra e venda de bem móvel com a empresa Valcar Veículos e contrato de financiamento com o banco requerido, sendo que as situações se amoldam aos artigos 1º a 3º do Código de Defesa do Consumidor. Sobre o tema, destaca-se o enunciado de súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o qual estabelece que “o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.”Nesse contexto, deve ser reconhecida a vulnerabilidade fática do consumidor (art. 4, I do CDC), fenômeno de direito material com presunção absoluta, cuja condição independe de prova. Além disso, em matéria de contratos deve ser levado em consideração a boa-fé dos participantes, tanto na fase pré-contratual, contratual e, ainda, na fase de execução, consoante art. 765 do CC e arts. 4º, III, e 51, IV, do CDC. Quanto às cláusulas contratuais, estas devem ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor (art. 47 do CDC). Por sua vez, o art. 6º do CDC estabelece como direitos básicos do consumidor, dentre outros: a) a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; b) a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.Com efeito, o CDC ainda preconiza a responsabilidade objetiva, ou seja, independente de culpa dos fornecedores, pelos vícios do produto ou serviço, sendo que são considerados impróprios ao uso e consumo: “I - os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos; II - os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação; III - os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam” (art. 18 e §6º do CDC). Fixadas essas premissas jurídicas, no caso, a parte requerente afirma que o veículo adquirido da empresa Valcar Veículos apresenta vícios a permitir as rescisões dos contratos dele decorrente e restituição da quantia paga. O art. 18 do CDC prevê a responsabilidade dos fornecedores de produtos: Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.§ 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;III - o abatimento proporcional do preço.Ademais, “a ignorância do fornecedor sobre os vícios de qualidade por inadequação dos produtos e serviços não o exime de responsabilidade (art. 23 do CDC), sendo que o consumidor decai do direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação em noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis (art. 26, II do CDC).Com efeito, a decadência é obstada se houver, dentre outros, a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca (§2º, I do art. 26 do CDC). No presente caso, quanto à alegação de decadência do direito de reclamar pelos vícios no veículo, extrai-se das alegações apresentadas pelas partes e também do contrato de financiamento juntado em mov. 21 que o veículo Marca Fiat, modelo Uno Mille Celeb. Way Econ. 1.0 Flex 4P, Cor Verde, Placa NWE0314, ano 2011 foi adquirido pela requerente em fevereiro de 2024. Apesar da ausência de documento que indique que a requerente foi até à empresa vendedora a fim de comunicar a existência dos supostos vícios em data posterior à compra, depreende-se que a presente ação foi distribuída em 12/03/2024, o que obsta a decadência, uma vez que não decorrido o prazo de 90 (noventa) dias previsto no art. 26, I do CDC. Quanto aos vícios/defeitos no veículo a parte requerente juntou aos autos uma vistoria cautelar emitida pela empresa Autovisão, após a celebração dos negócios jurídicos, com indicação da pessoa de Daniel Christian de Oliveira Resende como vistoriador (mov. 01). Do referido documento, depreende-se que foram avaliados e descritos os seguintes itens viciados do veículo: 1- Condição de Numerabilidade do Chassi101 – Estado de Corrosão; 6.7- Vidros – Gravação VIN – Porta Traseira Direita672 – Gravação não original Observações: veículo com mais de 50% de sua lateria com reparos de pintura com massa plástica, vidro traseiro direito trocado, alguns pontos das longarinas amassado. Análise estrutural:Longarina Dianteira Direita – AmassadoLongarina Dianteira Esquerda – AmassadoPainel Traseiro – Amassado. Apesar de a questão dos itens amassados do veículo ser considerada defeito visível e facilmente detectável o que afasta a aplicação das regras acerca do vício oculto para fins de desfazimento do negócio jurídico, quanto aos demais, quais sejam, problemas no chassi, vidro não original e veículo com mais de 50% de sua lateria com reparos de pintura com massa plástica, conclui-se que parte deles era de conhecimento prévio da requerente.Isso porque, os vícios no veículo foram apresentados em áudios juntados pela empresa vendedora em mov. 46, dos quais aparece o marido da requerente relatando, antes da compra, que o veículo “não estava com os vidros levantando”; que “tem um barulho atrás que parece que tem algo solto“; “que os vidros da frente não funcionam”; que “as portas de trás não abrem por dentro”. Corrobora essa conclusão, ou seja, o conhecimento prévio dos problemas no veículo o áudio dirigido à pessoa de “Theo” pelo marido da requerente: “vai dar certo”; “são coisas pequenas que tem que fazer no veículo”; “vou te mostrar aquele barulho lá que te falei para ver o que é”; “aí você mete a ficha e faz o banco pagar”; “o pior já passou, o pior já foi aprovado” (mov. 46). Por outro lado, quanto aos possíveis vícios no motor, a parte autoria conhecia a sua existência ou assumiu o risco de sua ocorrência.Isso porque o veículo é antigo, ano fabricação 2010/2011 e conta com 188.128 Km rodados, conforme dados da vistoria cautelar (mov. 01), motivo pelo qual cabia a parte requerente, antes de assinar os contratos, levar o veículo a uma oficina ou mecânico de confiança a fim de avaliar o seu estado e situação ou exigir da empresa uma vistoria cautelar prévia, o que sequer foi mencionado nos autos. Em outras palavras, na aquisição do veículo usado e usando as regras de experiência comum (art. 375 do CPC), o dever de cautela recai sobre o adquirente do bem, o qual deve buscar auxílio técnico para a realização de vistoria prévia por profissional qualificado, sob pena de assumir o risco do negócio e impedir o acolhimento de pedidos relacionados aos vícios ocultos. Sobre o tema prevalece o entendimento de que não cabe rescisão do contrato por vícios prévios e decorrentes de veículo antigo que sofre desgastes naturais: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE VEÍCULO USADO COLIGADO A CONTRATO DE FINANCIAMENTO BANCÁRIO. VÍCIOS OCULTOS NÃO COMPROVADOS. DESGASTE NATURAL. IMPROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA AUTORA. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame 1. Apelação interposta pela autora contra sentença que julgou improcedente a ação, na qual pleiteava a nulidade do contrato de compra e venda de veículo usado em razão de supostos vícios ocultos. A sentença concluiu que os defeitos relatados decorrem do desgaste natural de um veículo com mais de 14 anos de uso, e que a autora não comprovou os vícios alegados. II. Questão em discussão 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se os defeitos apresentados no veículo configuram vícios ocultos e se justificam a nulidade do contrato; (ii) determinar se houve comprovação dos danos materiais e morais alegados pela autora. III. Razões de decidir 3. O veículo adquirido, fabricado em 2006/2007, apresentava desgaste natural em razão do tempo de uso, o que não caracteriza vícios ocultos que impeçam sua utilização. 4. A autora não se desincumbiu do ônus de provar a existência dos vícios ocultos, conforme exigido pelo art. 373, inciso I, do Código de Processo Civil. 5. Em veículos usados, cabe ao comprador verificar previamente o estado do bem, sendo que defeitos decorrentes de desgaste natural não ensejam redibição ou indenização. IV. Dispositivo e tese 6. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. Em casos de compra e venda de veículo usado, defeitos decorrentes do desgaste natural pelo tempo de uso não configuram vícios ocultos que justifiquem a rescisão contratual. 2. A comprovação de vícios ocultos no veículo é ônus do comprador, nos termos do art. 373, I, do CPC. Dispositivos relevantes citados: CDC, arts. 18, § 1º, II; CPC/2015, art. 373, I. Jurisprudência relevante citada: TJSP, Apelação Cível 1001569-94.2021.8.26.0224, Rel. José Augusto Genofre Martins; TJSP, Apelação Cível 1000240-25.2023.8.26.0338, Rel. Lidia Conceição. (TJSP; Apelação Cível 1002749-26.2022.8.26.0220; Relator (a): Rosana Santiso; Órgão Julgador: Núcleo de Justiça 4.0 em Segundo Grau Turma IV (Direito Privado 2); Foro de Guaratinguetá - 1ª Vara; Data do Julgamento: 18/09/2024; Data de Registro: 18/09/2024).Apelação cível. Ação indenizatória por danos materiais. Sentença de improcedência. Insurgência do autor . Compra e venda de veículo usado, com aproximadamente 5 anos de uso e mais de 60.000 km rodados. Cerceamento de defesa não vislumbrado. Na compra de veículos usados sempre há determinado risco, porque não se presume que um veículo usado esteja em condições perfeitas, ao contrário do que ocorre na aquisição de um veículo zero quilômetro . Cabe ao adquirente se cercar de cuidados necessários para examinar o estado real do veículo que está adquirindo, o que, em regra, se faz por um mecânico de sua confiança. Cautela não adotada pelo autor. Os problemas alegados, ademais, surgiram oito meses após a compra e depois de o autor percorrer 7.000 km com o carro adquirido . Sentença mantida. Recurso não provido. (TJ-SP - Apelação Cível: 10003977720238260441 Peruíbe, Relator.: Morais Pucci, Data de Julgamento: 22/07/2024, 26ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 22/07/2024)APELAÇÃO - DANOS MATERIAIS E MORAIS - VÍCIO OCULTO - VEÍCULO USADO - VEÍCULO OBJETO DE LEILÃO - FÁCIL CONSTATAÇÃO - ÔNUS DA PROVA. Não se considera vício oculto, suficiente para amparar pedido redibitório, aquele de fácil constatação, ou, ainda, aqueles defeitos ocasionados pelo tempo de uso e desgaste do veículo. Cabe ao adquirente, antes de realizar a compra, verificar as reais condições do bem. (TJ-MG - Apelação Cível: 51894538220218130024 1 .0000.24.278482-5/001, Relator.: Des.(a) Evangelina Castilho Duarte, Data de Julgamento: 01/08/2024, 14ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 02/08/2024).Portanto, a parte requerente não faz jus a obter às rescisões dos contratos de compra e venda e financiamento com a devolução e/ou pagamento dos valores que foram pagos até o momento. Ademais, ainda que não fosse o caso, impõe registrar que a alegação de pagamento da quantia de R$1.400,00 não poderia ser acolhida, já que a empresa juntou aos autos o cheque emitido pelo marido da requerente, o qual foi devolvido com motivo 35 (mov. 46) que corresponde a “Cheque fraudado, com dado rasurado ou adulterado, ou utilizado para finalidade diferente de sua emissão, ou não fabricado pelo sacado”, consoante informações extraídas do site do Banco Central do Brasil. Por fim, a título de complemento, em se tratando do banco requerido, os efeitos jurídicos da rescisão do contrato de compra e venda demandaria analisar se a relação jurídica firmada entre ele e a requerente possui alguma conexão com o contrato firmado com a empresa Valcar Veículos. Sabe-se que são conexos, coligados ou interdependentes, entre outros, o contrato principal de fornecimento de produto ou serviço e os contratos acessórios de crédito que lhe garantam o financiamento quando o fornecedor de crédito.Com efeito, no caso de concessionárias de veículos e instituições financeiras, o Superior Tribunal de Justiça tem feito uma diferenciação acerca do que deve ser considerado “banco de montadora” a justificar a conexão e a rescisão do contrato bancário e “banco de varejo” a ensejar a separação das relações jurídicas e manutenção do contrato de crédito (financiamento). Segundo o STJ, “os agentes financeiros ("bancos de varejo") que financiam a compra e venda de automóvel não respondem pelos vícios do produto, subsistindo o contrato de financiamento mesmo após a resolução do contrato de compra e venda, exceto no caso dos bancos integrantes do grupo econômico da montadora ("bancos da montadora)”. (STJ. 3ª Turma. REsp 1.946.388-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 07/12/2021). Acerca da instituição financeira requerida, o STJ possui entendimento de que se trata de banco de varejo. Por conseguinte, ainda que fosse o caso de rescisão do contrato de compra e venda, o contrato de financiamento seria mantido: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REDIBITÓRIA CUMULADA COM RESCISÃO CONTRATUAL E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA AO PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 1. De acordo com a jurisprudência do STJ, "o banco não está obrigado a responder por defeito de produto que não forneceu, tão somente porque o consumidor o adquiriu por meio de financiamento bancário" (AgInt no REsp 1 .597.668/SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, DJe 26/8/2016). 1 .2. A responsabilidade solidária entre a instituição financeira e a concessionária de automóveis somente se perfaz quando existe vinculação entre ambas, isto é, a instituição financeira atua como "banco da montadora", integrando a cadeia de consumo e, portanto, sendo responsável pelo defeito no produto, o que não é o caso dos autos, em que que a instituição financeira tão somente viabilizou o financiamento do veículo defeituoso, sem nenhuma vinculação com a revendedora de automóveis, tendo atuado somente como "banco de varejo". 2. Agravo interno improvido . (STJ - AgInt no REsp: 1836512 PR 2019/0266035-2, Relator.: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 08/03/2021, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/03/2021).Por fim, ausente qualquer conduta configuradora de litigância de má-fé da parte requerente, já que no exercício regular do direito de propor ação para pretender direitos relacionados ao veículo adquirido.III – Do DispositivoDiante do exposto, com fulcro no que dispõe o art. 487, I do CPC, julgo improcedentes os pedidos constantes da exordial Em razão da sucumbência, condeno a parte requerente ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios que fixo em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, em observância ao disposto no art. 85, §2º do CPC.Transitado em julgado, arquivem-se os autos com as cautelas de praxe.Autorizo o servidor judiciário a assinar o mandado e demais documentos do processo.Cumpra-se.
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