Processo nº 1001574-47.2018.4.01.4300
ID: 319574176
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 31 - DESEMBARGADORA FEDERAL SOLANGE SALGADO DA SILVA
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1001574-47.2018.4.01.4300
Data de Disponibilização:
08/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MARTIUS ALEXANDRE GONCALVES BUENO
OAB/GO XXXXXX
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FABIO SARDINHA WANDERLEY
OAB/TO XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1001574-47.2018.4.01.4300 PROCESSO REFERÊNCIA: 1001574-47.2018.4.01.4300 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: Ministério Público F…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1001574-47.2018.4.01.4300 PROCESSO REFERÊNCIA: 1001574-47.2018.4.01.4300 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) POLO PASSIVO:FABIO SARDINHA WANDERLEY e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: FABIO SARDINHA WANDERLEY - TO3690-A, MARTIUS ALEXANDRE GONCALVES BUENO - GO23759-A, EDMILSON DOMINGOS DE SOUSA JUNIOR - TO2304-A, ATAUL CORREA GUIMARAES - TO1235-A, MURILO QUEIROZ MELO JACOBY FERNANDES - DF41796-A e JUVENAL KLAYBER COELHO - TO182-S RELATOR(A):SOLANGE SALGADO DA SILVA PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 2ª INSTÂNCIA TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO GAB 31 - DESEMBARGADORA FEDERAL SOLANGE SALGADO DA SILVA APELAÇÃO CÍVEL (198) 1001574-47.2018.4.01.4300 R E L A T Ó R I O A Exma. Sra. Desembargadora Federal Solange Salgado da Silva (Relatora): Trata-se de recursos de apelação interpostos pelo Ministério Público Federal (ID 78649683), em face da sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária de Tocantins, que, nos autos da ação de improbidade administrativa, julgou improcedente os pedidos do MPF para condenar os réus/apelados Fábio Sardinha Wanderley e Zanone Alves de Carvalho Júnior. O presente processo é fruto do desmembramento da Ação de Improbidade 0002301-91.2016.4.01.4300, promovido em razão da dificuldade de proceder à citação de Fábio Sardinha e Zanone Alves. Em síntese, o MPF imputa aos réus apelados, e outros, a prática de ato de improbidade administrativa capitulado no art. 10, incisos I, VIII e XII e art. 11, caput, ambos da Lei 8.429/1992, em razão de supostas irregularidades na contratação da sociedade empresária UTILDROGAS DISTRIBUIDORA DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS LTDA para aquisição de medicamentos, materiais e produtos hospitalares sem licitação, sem celebração de contrato, e com preços superfaturados. Em razões recursais, o Ministério Público Federal alega que Fábio Sardinha Wanderley e Zanone Alves de Carvalho Júnior praticaram atos de improbidade administrativa no contexto de um esquema fraudulento envolvendo a aquisição direta e ilegal de medicamentos pela Secretaria Estadual de Saúde do Tocantins (SESAU), sem licitação e sem formalização de contrato. Aduz que a atuação de Fábio Sardinha Wanderley, na qualidade de chefe da assessoria jurídica da SESAU, teria sido essencial para conferir aparência de legalidade ao processo de “reconhecimento de despesa”, emitindo parecer favorável ao pagamento, mesmo diante de vícios evidentes e da ausência de entrega dos produtos. Com relação a Zanone Alves de Carvalho Júnior, na condição de sócio da empresa UTILDROGAS, teria atuado dolosamente ao integrar um grupo empresarial que forjou cotação de preços e se beneficiou de pagamentos indevidos por insumos não entregues. Ao final, o Parquet federal requereu a reforma da sentença para condenar os réus/apelados pela prática de ato de improbidade administrativa, com a aplicação das sanções do artigo 12, da Lei 8.429/1992, incluindo a condenação de ressarcimento ao erário. Intimados, os apelados deixaram transcorrer in albis o prazo para apresentar contrarrazões. A PRR1 opinou pelo provimento do recurso de apelação (IDs 88199529, 196346056 e 361732643). É o relatório. PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 2ª INSTÂNCIA TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO GAB 31 - DESEMBARGADORA FEDERAL SOLANGE SALGADO DA SILVA APELAÇÃO CÍVEL (198) 1001574-47.2018.4.01.4300 VOTO A Exma Sra Desembargadora Federal Solange Salgado da Silva (Relatora): Ressalvada a opinião pessoal desta julgadora, curvo-me ao posicionamento majoritário que se formou na sessão de julgamento presencial de 23/04/2025 da 2ª Seção deste Tribunal, ocasião em que, por maioria, vencidos no Conflito de Jurisdição 1029201-15.2024.4.01.0000 os Juízes Marcelo Elias Vieira, em substituição ao Desembargador Leão Alves, e José Magno Linhares Moraes, em minha substituição; No Conflito de Jurisdição 1027509-78.2024.4.01.0000 vencido o Juiz Federal José Magno Linhares, em minha substituição; e no conflito de competência 1023852-31.2024.4.01.0000 vencidos os Desembargadores Federais Leão Alves e José Magno Linhares, a 2ª Seção declarou a competência desta Desembargadora Federal suscitada, sob a compreensão de que a redistribuição - para os novos Gabinetes em razão da criação de novos cargos de desembargador - é válida mesmo quando houver relator da 3ª ou 4ª Turma originariamente preventos. Firmada a competência desta julgadora para a relatoria, prossigo. Constata-se que o recurso é tempestivo, o apelante está dispensado do recolhimento de preparo (art. 4º, inciso III, da Lei 9.289/96[1]; e artigo 23-B, caput, da Lei 8.429/92[2], com a redação incluída pela Lei 14.230 de 2021) e a sentença atacada é recorrível via apelação (art. 1.009, caput, do CPC). Portanto, presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, dele conheço. Sem questões preliminares ou prejudiciais a serem analisadas, passo ao mérito. Em cumprimento à tarefa de regulamentar a repressão aos atos de improbidade administrativa, nos termos do artigo 37, §4º, da Constituição Federal, foi promulgada a Lei 8.429/1992, a qual definiu os contornos dos atos de improbidade, seus sujeitos ativo e passivo, a forma e a gradação das sanções imputáveis aos responsáveis por tais atos, bem como os procedimentos administrativos e judiciais a serem observados nesta seara integrante do denominado Direito Administrativo sancionador. Entretanto, em 26/10/2021, entrou em vigor a Lei 14.230, que alterou várias disposições da Lei 8.429/92, o que provocou dissenso acerca da aplicação imediata dessas modificações às ações típicas de improbidade administrativa em curso ajuizadas com esteio na alegada prática de condutas previstas na Lei 8.429/1992. O Supremo Tribunal Federal, apreciando o Tema 1.199 da repercussão geral (ARE 843.989), portanto, de eficácia vinculante (art. 927, III, CPC), ao analisar a eventual (ir)retroatividade das disposições da Lei 14.230/2021, em especial, em relação à (i) necessidade da presença do elemento subjetivo – dolo – para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no artigo 10 da LIA (portanto, em todas as suas modalidades); e(ii) a aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente, firmou as seguintes teses, in verbis: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se – nos artigos9º, 10 e 11 da LIA – a presença do elemento subjetivo – DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa –, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei. O paradigma foi assim ementado (destacou-se): CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. IRRETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA (LEI 14.230/2021) PARA A RESPONSABILIDADE POR ATOS ILÍCITOS CIVIS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (LEI 8.429/92). NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA CONSTITUCIONALIZAÇÃO DE REGRAS RÍGIDAS DE REGÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E RESPONSABILIZAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS CORRUPTOS PREVISTAS NO ARTIGO 37 DA CF. INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 5º, XL DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL AO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR POR AUSÊNCIA DE EXPRESSA PREVISÃO NORMATIVA. APLICAÇÃO DOS NOVOS DISPOSITIVOS LEGAIS SOMENTE A PARTIR DA ENTRADA EM VIGOR DA NOVA LEI, OBSERVADO O RESPEITO AO ATO JURÍDICO PERFEITO E A COISA JULGADA (CF, ART. 5º, XXXVI). RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO COM A FIXAÇÃO DE TESE DE REPERCUSSÃO GERAL PARA O TEMA 1199. 1. A Lei de Improbidade Administrativa, de 2 de junho de 1992, representou uma das maiores conquistas do povo brasileiro no combate à corrupção e à má gestão dos recursos públicos. 2. O aperfeiçoamento do combate à corrupção no serviço público foi uma grande preocupação do legislador constituinte, ao estabelecer, no art. 37 da Constituição Federal, verdadeiros códigos de conduta à Administração Pública e aos seus agentes, prevendo, inclusive, pela primeira vez no texto constitucional, a possibilidade de responsabilização e aplicação de graves sanções pela prática de atos de improbidade administrativa (art. 37, § 4º, da CF). 3. A Constituição de 1988 privilegiou o combate à improbidade administrativa, para evitar que os agentes públicos atuem em detrimento do Estado, pois, como já salientava Platão, na clássica obra REPÚBLICA, a punição e o afastamento da vida pública dos agentes corruptos pretendem fixar uma regra proibitiva para que os servidores públicos não se deixem "induzir por preço nenhum a agir em detrimento dos interesses do Estado”. 4. O combate à corrupção, à ilegalidade e à imoralidade no seio do Poder Público, com graves reflexos na carência de recursos para implementação de políticas públicas de qualidade, deve ser prioridade absoluta no âmbito de todos os órgãos constitucionalmente institucionalizados. 5. A corrupção é a negativa do Estado Constitucional, que tem por missão a manutenção da retidão e da honestidade na conduta dos negócios públicos, pois não só desvia os recursos necessários para a efetiva e eficiente prestação dos serviços públicos, mas também corrói os pilares do Estado de Direito e contamina a necessária legitimidade dos detentores de cargos públicos, vital para a preservação da Democracia representativa. 6. A Lei 14.230/2021 não excluiu a natureza civil dos atos de improbidade administrativa e suas sanções, pois essa “natureza civil” retira seu substrato normativo diretamente do texto constitucional, conforme reconhecido pacificamente por essa SUPREMA CORTE (TEMA 576 de Repercussão Geral, de minha relatoria, RE n° 976.566/PA). 7. O ato de improbidade administrativa é um ato ilícito civil qualificado – “ilegalidade qualificada pela prática de corrupção” – e exige, para a sua consumação, um desvio de conduta do agente público, devidamente tipificado em lei, e que, no exercício indevido de suas funções, afaste-se dos padrões éticos e morais da sociedade, pretendendo obter vantagens materiais indevidas (artigo 9º da LIA) ou gerar prejuízos ao patrimônio público (artigo 10 da LIA), mesmo que não obtenha sucesso em suas intenções, apesar de ferir os princípios e preceitos básicos da administração pública (artigo 11 da LIA). 8. A Lei 14.230/2021 reiterou, expressamente, a regra geral de necessidade de comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação do ato de improbidade administrativa, exigindo – em todas as hipóteses – a presença do elemento subjetivo do tipo – DOLO, conforme se verifica nas novas redações dos artigos 1º, §§ 1º e 2º; 9º, 10, 11; bem como na revogação do artigo 5º. 9. Não se admite responsabilidade objetiva no âmbito de aplicação da lei de improbidade administrativa desde a edição da Lei 8.429/92 e, a partir da Lei 14.230/2021, foi revogada a modalidade culposa prevista no artigo 10 da LIA. 10. A opção do legislador em alterar a lei de improbidade administrativa com a supressão da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa foi clara e plenamente válida, uma vez que é a própria Constituição Federal que delega à legislação ordinária a forma e tipificação dos atos de improbidade administrativa e a gradação das sanções constitucionalmente estabelecidas (CF, art. 37, §4º). 11. O princípio da retroatividade da lei penal, consagrado no inciso XL do artigo 5º da Constituição Federal (“a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”) não tem aplicação automática para a responsabilidade por atos ilícitos civis de improbidade administrativa, por ausência de expressa previsão legal e sob pena de desrespeito à constitucionalização das regras rígidas de regência da Administração Pública e responsabilização dos agentes públicos corruptos com flagrante desrespeito e enfraquecimento do Direito Administrativo Sancionador. 12. Ao revogar a modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, entretanto, a Lei 14.230/2021, não trouxe qualquer previsão de “anistia” geral para todos aqueles que, nesses mais de 30 anos de aplicação da LIA, foram condenados pela forma culposa de artigo 10; nem tampouco determinou, expressamente, sua retroatividade ou mesmo estabeleceu uma regra de transição que pudesse auxiliar o intérprete na aplicação dessa norma – revogação do ato de improbidade administrativa culposo – em situações diversas como ações em andamento, condenações não transitadas em julgado e condenações transitadas em julgado. 13. A norma mais benéfica prevista pela Lei 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa –, portanto, não é retroativa e, consequentemente, não tem incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes. Observância do artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal. 14. Os prazos prescricionais previstos em lei garantem a segurança jurídica, a estabilidade e a previsibilidade do ordenamento jurídico; fixando termos exatos para que o Poder Público possa aplicar as sanções derivadas de condenação por ato de improbidade administrativa. 15. A prescrição é o perecimento da pretensão punitiva ou da pretensão executória pela INÉRCIA do próprio Estado. A prescrição prende-se à noção de perda do direito de punir do Estado por sua negligência, ineficiência ou incompetência em determinado lapso de tempo. 16. Sem INÉRCIA não há PRESCRIÇÃO. Sem INÉRCIA não há sancionamento ao titular da pretensão. Sem INÉRCIA não há possibilidade de se afastar a proteção à probidade e ao patrimônio público. 17. Na aplicação do novo regime prescricional – novos prazos e prescrição intercorrente – , há necessidade de observância dos princípios da segurança jurídica, do acesso à Justiça e da proteção da confiança, com a IRRETROATIVIDADE da Lei 14.230/2021, garantindo-se a plena eficácia dos atos praticados validamente antes da alteração legislativa. 18. Inaplicabilidade dos prazos prescricionais da nova lei às ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa, que permanecem imprescritíveis, conforme decidido pelo Plenário da CORTE, no TEMA 897, Repercussão Geral no RE 852.475, Red. p/Acórdão: Min. EDSON FACHIN. 19. Recurso Extraordinário PROVIDO. Fixação de tese de repercussão geral para o Tema 1199: "1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei". (ARE 843.989, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 18-08-2022, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-251 DIVULG 09-12-2022 PUBLIC 12-12-2022) Colhe-se do voto exarado pelo e. relator desse acórdão que as alterações feitas pela Lei 14.230/2021 nos artigos 1º, §§ 1º e 2º, 9º, 10, 11, bem como a revogação do artigo 5º, preveem: 1) Impossibilidade de responsabilização objetiva por ato de improbidade administrativa; 2) A exigência de comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo – nos artigos 9º, 10 e 11 – a presença do elemento subjetivo – DOLO; 3) A inexistência da modalidade culposa de ato de improbidade a partir da publicação da Lei 14.230/2021; 4) A irretroatividade da norma benéfica da Lei 14.230/2021, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 5) A aplicação dos princípios da não ultra-atividade e tempus regit actum à modalidade culposa do ato de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, revelando-se indispensável o dolo para o enquadramento da conduta no ato de improbidade administrativa. A Lei 14.230/21 ainda foi objeto de três ações de controle concentrado de constitucionalidade. Nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade 7042[3] e 7043, assim decidiu o STF (destacou-se): O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na ação direta para: (a) declarar a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do caput e dos §§ 6º-A e 10-C do art. 17, assim como do caput e dos §§ 5º e 7º do art. 17-B, da Lei 8.429/1992, na redação dada pela Lei 14.230/2021, de modo a restabelecer a existência de legitimidade ativa concorrente e disjuntiva entre o Ministério Público e as pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação por ato de improbidade administrativa e para a celebração de acordos de não persecução civil; (b) declarar a inconstitucionalidade parcial, com redução de texto, do § 20 do art. 17 da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021, no sentido de que não existe "obrigatoriedade de defesa judicial"; havendo, porém, a possibilidade dos órgãos da Advocacia Pública autorizarem a realização dessa representação judicial, por parte da assessoria jurídica que emitiu o parecer atestando a legalidade prévia. (Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 31/08/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 27-02-2023 PUBLIC 28-02-2023) Trata-se de decisão que restabeleceu a legitimidade ativa concorrente (pluralidade de legitimados) entre o Ministério Público e as pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação, bem como de legitimidade disjuntiva porque os legitimados não dependem da autorização um dos outros para a postulação. Já nos autos da ADI 7236/DF[4] – proposta pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP, tendo por objeto o art. 2º da Lei 14.230/2021, na parte em que alterou os seguintes dispositivos da Lei 8.429/92: (a) art. 1º, §§ 1º, 2º, e 3º, e art. 10; (b) art. 1º, § 8º; (c) art. 11, caput e incisos I e II; (d) art. 12, I, II e III, e §§ 4º e 9º, e art. 18-A, parágrafo único; (e) art. 12, § 1º; (f) art. 12, § 10; (g) art. 17, §§ 10-C, 10-D e 10-F, I; (h) art. 17-B, § 3º; (i) art. 21, § 4º; (j) art. 23, caput, § 4º, II, III, IV e V, e § 5º; (k) art. 23-C – o Ministro Relator Alexandre de Moraes em 27/12/2022 conheceu parcialmente da referida ação e deferiu parcialmente a medida cautelar para[5]: (I) DECLARAR PREJUDICADOS os pedidos referentes ao art. 1º, §§ 1º, 2º e 3º, e 10 da Lei 8.429/1992, incluídos ou alterados pela Lei 14.230/2021; (II) INDEFERIR A MEDIDA CAUTELAR em relação aos artigos 11, caput e incisos I e II; 12, I, II e III, §§ 4º e 9º, e art. 18-A, parágrafo único; 17, §§ 10-C, 10-D e 10-F, I; 23, caput, § 4º, II, III, IV e V, e § 5º da Lei 8.429/1992, incluídos ou alterados pela Lei 14.230/2021; (III) DEFERIR PARCIALMENTE A MEDIDA CAUTELAR, ad referendum do Plenário desta SUPREMA CORTE, com fundamento no art. 10, § 3º, da Lei 9.868/1999, e no art. 21, V, do RISTF, para SUSPENDER A EFICÁCIA dos artigos, todos da Lei 8.429/1992, incluídos ou alterados pela Lei 14.230/2021: (a) 1º, § 8º; (b) 12, § 1º; (c) 12, § 10; (d) 17-B, § 3º; (e) 21, § 4º. (IV) DEFERIR PARCIALMENTE A MEDIDA CAUTELAR, ad referendum do Plenário desta SUPREMA CORTE, com fundamento no art. 10, § 3º, da Lei 9.868/1999, e no art. 21, V, do RISTF, para CONFERIR INTERPRETAÇÃO CONFORME ao artigo 23-C, da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021, no sentido de que os atos que ensejem enriquecimento ilícito, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação de recursos públicos dos partidos políticos, ou de suas fundações, poderão ser responsabilizados nos termos da Lei 9.096/1995, mas sem prejuízo da incidência da Lei de Improbidade Administrativa. Disso se infere que, ao se considerar prejudicada a análise dos artigos 1º, §§ 1, 2º e 3º e 10 da Lei 8.429/1992 – incluídos ou com a redação da Lei 14.230/2021 – com base no Tema 1.199 do STF, restou assentada a constitucionalidade da revogação da previsão legal de ato de improbidade administrativa na modalidade culposa, anteriormente disposto na redação originária da Lei 8.429/92. Assim é que pelas mesmas razões que justificaram a imediata revogação do tipo culposo do artigo 10 da Lei 8.429/92 estabelecido no julgamento do ARE 843.989 (Tema 1.199 da repercussão geral), corroborada pelo indeferimento da medida cautelar acima referida em relação ao artigo 11, caput, incisos I e II, infere-se que as modificações do artigo 11, caput, incisos I e II da Lei 8.429/92 trazidas pela Lei 14.230/21 devem incidir nos processos em curso (ainda não transitados em julgado). É sobre esse prisma que serão analisadas as condutas das parte rés/apeladas que aqui estão delimitadas pelo princípio dispositivo, o qual, nesta esfera recursal, manifesta-se por meio do efeito devolutivo (tantum devolutum quantum appelatum) estabelecido pelo art. 515, caput, do CPC/1973, correspondente ao art. 1.013 do CPC/2015, segundo o qual “A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada”. Do caso concreto. Após detida análise dos autos, não assiste razão à parte autora/apelante. Justifica-se. Inicialmente, cumpre registrar que o presente feito decorre do desmembramento da Ação de Improbidade Administrativa 0002301-91.2016.4.01.4300, promovido em razão das dificuldades enfrentadas para a citação dos requeridos Fábio Sardinha Wanderley e Zanone Alves de Carvalho Júnior. Dessa forma, restringe-se o presente julgamento à análise das condutas imputadas exclusivamente a esses dois demandados. A ação originária foi ajuizada pelo Ministério Público Federal em desfavor de Ana Cláudia Lopes Gabino, Ana Cristina Pereira Sampaio Aguiar, André Luiz de Freitas, AZ Participações Ltda., Edgar Luiz de Freitas, Fábio Sardinha Wanderley, José Wilson Siqueira Campos, Joyce Maria Ribeiro da Silva, Maria Lenice Freire de Abreu Costa, Monalício Alves Almeida, Utildrogas Distribuidora de Produtos Farmacêuticos Ltda., Valério Ricardo Monteiro Guimarães, Vanda Maria Gonçalves Paiva e Zanone Alves de Carvalho Júnior. A petição inicial narra que, entre 2013 e 2014, os demandados atuaram em unidade de desígnios para viabilizar um esquema de contratação direta, no âmbito da Secretaria Estadual de Saúde do Tocantins (SESAU/TO). O núcleo político-administrativo era composto por Vanda Maria Gonçalves Paiva (ex-secretária de saúde), Fábio Sardinha Wanderley e Maria Lenice Freire de Abreu Costa (assessoria jurídica), além de José Wilson Siqueira Campos (ex-governador). O núcleo empresarial incluía André Luiz de Freitas, Edgar Luiz de Freitas e Zanone Alves de Carvalho Júnior, responsáveis pelas empresas Dosemed, Stock e Utildrogas, as quais, segundo o MPF, teriam sido favorecidas indevidamente. Segundo a narrativa ministerial, a prática reiterada de reconhecimento de despesa consistia em formalizar pagamentos com base em documentos juntados posteriormente à suposta entrega de produtos hospitalares, sem processo licitatório e sem comprovação fática de recebimento, fato que teria causado prejuízo ao erário. Aduz, ainda, que as propostas apresentadas pelas empresas seriam superfaturadas e vinculadas entre si por relações societárias, familiares e de subordinação, o que, de acordo com o MPF, configuraria simulação de concorrência. No caso dos autos, conforme narrado na inicial, a conduta imputada a Fábio Sardinha Wanderley consistiu na emissão de parecer jurídico que endossava a legalidade do reconhecimento de despesa, mesmo diante de flagrantes ilegalidades e ausência de comprovação da entrega dos produtos. Enquanto que, com relação a Zanone Alves de Carvalho Júnior, em conjunto com os demais empresários, teria atuado para forjar um cenário de cotação de preços e viabilizar o recebimento de valores por bens não entregues ou entregues em quantidade e qualidade inferiores. Diante dos fatos narrados, o MPF formulou pedidos de condenação dos réus pela prática de atos de improbidade administrativa previstos nos artigos 10 e 11 da Lei 8.429/92, com aplicação das sanções previstas no art. 12 da Lei 8.429/1992, incluindo a condenação ao ressarcimento ao erário. O Juízo a quo, ao proferir sentença de improcedência, concluiu pela ausência de elementos probatórios suficientes à configuração de ato de improbidade administrativa imputado aos requeridos Fábio Sardinha Wanderley e Zanone Alves de Carvalho Júnior, notadamente quanto às condutas previstas nos incisos VIII e IX do artigo 10 da Lei 8.429/92. Na sentença, embora tenha reconhecido a materialidade dos fatos, entendeu-se que, no caso concreto, o parecer jurídico exarado por Fábio Sardinha Wanderley não embasou o ato de reconhecimento de despesa, assim como não restou demonstrada a prática de conduta ímproba ou a existência de dolo por parte de Zanone Alves de Carvalho Júnior. No caso concreto, após a sentença absolutória entrou em vigor a Lei 14.230/2021, que promoveu profundas alterações na Lei 8.429/92 e que devem ser aplicadas retroativamente no caso concreto, já que se trata de ação em curso e considerando que o artigo 1º, §4º, dessa lei determina expressamente a aplicação imediata de seus dispositivos em razão dos princípios constitucionais do Direito Administrativo sancionador, o qual comporta aplicação retroativa quando beneficiar o réu, segundo abordado acima por ocasião da análise da tese jurídica firmada pelo STF no julgamento do ARE 843.989 / Tema 1.199, em 18/08/2022. Nessa perspectiva, é de rigor a compreensão de que a nova legislação incide no caso concreto, seja em razão da índole processual de algumas de suas regras, seja por estabelecer um novo regime jurídico persecutório (norma de ordem pública), no qual é possível aplicar os princípios do Direito Administrativo sancionador, que expressa uma das facetas do poder punitivo estatal. Nessa linha, as questões de natureza material introduzidas na LIA pela Lei 14.230/2021, particularmente nas hipóteses benéficas ao réu, têm aplicação imediata aos processos em curso, em relação aos quais ainda não houve trânsito em julgado. Na prática, significa dizer que o julgamento de uma ação de improbidade administrativa que esteja em trâmite, necessariamente, levará em conta a superveniência da Lei 14.230/2021, permitindo a aplicação da norma de direito material quando beneficiar o réu. Ou seja, se as inovações legais recaírem sobre elementos constitutivos do tipo, seja para excluir a ilicitude de certas condutas, seja para abrandar a punição ou, ainda, para recrudescer as condições para o juízo condenatório, a partir de exigências adicionais para a configuração do ato ímprobo, todas essas nuances deverão ser consideradas para o escorreito julgamento da causa. Portanto, na esteira do entendimento que vem se consolidando no âmbito das Instâncias Revisoras, inclusive neste Eg. TRF/1ª Região, as inovações introduzidas na LIA têm aplicação imediata aos processos em curso, hipótese dos autos. Essa linha intelectiva está de acordo com o posicionamento do STF que, em recente julgado, entendeu que as alterações da Lei 14.230/2021 devem ser aplicadas às ações em curso, excetuando-se apenas aquelas em que já houve o trânsito em julgado: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO SEGUNDO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ADVENTO DA LEI 14.231/2021. INTELIGÊNCIA DO ARE 843989 (TEMA 1.199). INCIDÊNCIA IMEDIATA DA NOVA REDAÇÃO DO ART. 11 DA LEI 8.429/1992 AOS PROCESSOS EM CURSO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PROVIDOS PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. 1. A Lei 14.231/2021 alterou profundamente o regime jurídico dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípio da administração pública (Lei 8.249/1992, art. 11), promovendo, dentre outros, a abolição da hipótese de responsabilização por violação genérica aos princípios discriminados no caput do art. 11 da Lei 8.249/1992 e passando a prever a tipificação taxativa dos atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública, discriminada exaustivamente nos incisos do referido dispositivo legal. 2. No julgamento do ARE 843989 (Tema 1.199), o Supremo Tribunal Federal assentou a irretroatividade das alterações da introduzidas pela Lei 14.231/2021 para fins de incidência em face da coisa julgada ou durante o processo de execução das penas e seus incidentes, mas ressalvou exceção de retroatividade para casos como o presente, em que ainda não houve o trânsito em julgado da condenação por ato de improbidade. 3. As alterações promovidas pela Lei 14.231/2021 ao art. 11 da Lei 8.249/1992 aplicam-se aos atos de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado. 4. Tendo em vista que (i) o Tribunal de origem condenou o recorrente por conduta subsumida exclusivamente ao disposto no inciso I do art. 11 da Lei 8.429/1992 e que (ii) a Lei 14.231/2021 revogou o referido dispositivo e a hipótese típica até então nele prevista ao mesmo tempo em que (iii) passou a prever a tipificação taxativa dos atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública, imperiosa a reforma do acórdão recorrido para considerar improcedente a pretensão autoral no tocante ao recorrente. 5. Impossível, no caso concreto, eventual reenquadramento do ato apontado como ilícito nas previsões contidas no art. 9º ou 10º da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.249/1992), pois o autor da demanda, na peça inicial, não requereu a condenação do recorrente como incurso no art. 9º da Lei de Improbidade Administrativa e o próprio acórdão recorrido, mantido pelo Superior Tribunal de Justiça, afastou a possibilidade de condenação do recorrente pelo art. 10, sem que houvesse qualquer impugnação do titular da ação civil pública quanto ao ponto. 6. Embargos de declaração conhecidos e acolhidos para, reformando o acórdão embargado, dar provimento aos embargos de divergência, ao agravo regimental e ao recurso extraordinário com agravo, a fim de extinguir a presente ação civil pública por improbidade administrativa no tocante ao recorrente. (ARE 803.568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22/08/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 05-09-2023 PUBLIC 06-09-2023) (destaques acrescidos) Diante dessa orientação, cumpre enfatizar que a Lei 8.429/92, após a reforma promovida pela Lei 14.230/2021, que acrescentou o § 1º ao art. 1º, exige a presença do elemento subjetivo dolo para a configuração dos atos de improbidade administrativa tipificados nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei. Já o § 2º desse art. 1º da Lei 8.429/92, também acrescentado pela Lei 14.230/2021, define “dolo”, para fins de improbidade administrativa, como “a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente”. Já o § 4º desse art. 1º da Lei 8.429/92, também acrescentado pela Lei 14.230/2021, dispõe que “aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador”. Como resultado da incidência dos princípios do Direito Administrativo sancionador no sistema de improbidade administrativa disciplinado pela Lei 8.429/92, para situações que ainda não foram definitivamente julgadas, as novas disposições que tenham alterado os tipos legais que definem condutas ímprobas devem ser aplicadas de imediato, caso beneficiem o réu. Conforme recentemente decidiu esta Colenda Turma em caso semelhante[6] (Apelação Cível 0008882-94.2016.4.01.3307), combinando-se os §§ 1º e 2º do art. 11 da Lei 8.429/92[7], infere-se que a novel legislação passou a exigir comprovação do dolo específico (“fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade”) para a configuração de “quaisquer atos de improbidade administrativa tipificados nesta Lei e em leis especiais e a quaisquer outros tipos especiais de improbidade administrativa instituídos por lei”. Na hipótese, o MPF insiste na condenação dos réus/apelados pugnando pela reforma da sentença para condenar Fábio Sardinha Wanderley e Zanone Alves de Carvalho Júnior pela prática dos atos ímprobos narrados, em todas as sanções previstas no art. 12 da Lei 8.429/92. Entretanto, as normas previstas no art. 10 da Lei 8.429/1992 necessita ser aplicada sobre ótica da nova redação do seu caput, alterado substancialmente pela Lei 14.230/2021, que agora assim dispõe, in verbis: Seção II Dos Atos de Improbidade Administrativa que Causam Prejuízo ao Erário Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) (destacou-se) Como se nota, a Lei 14.230/2021 deixou expresso no texto legal sobre a necessidade da presença do elemento subjetivo (dolo) para condenação em ato ímprobo previsto no art. 10 da LIA, não sendo mais possível a responsabilização por ato lesivo na forma culposa. No caso em concreto, o MPF insiste na tese de que Fábio Sardinha Wanderley teria emitido parecer jurídico favorável ao reconhecimento da despesa, atuando de forma consciente e decisiva para viabilizar o prosseguimento do processo até o efetivo pagamento. Aduz que, embora o parecer tenha natureza opinativa, no caso concreto, agiu dolosamente ao desconsiderar ilegalidades evidentes nas notas fiscais, como a ausência de comprovação da entrega dos bens, circunstâncias que saltariam aos olhos e que seriam perceptíveis até mesmo a um operador jurídico iniciante, demonstrando adesão deliberada à conduta administrativa irregular. Não assiste razão ao apelante, porque não apresentou elementos capazes de comprovar o dolo específico de Fábio em praticar ato ímprobo previsto no art. 10, incisos VIII e IX, da LIA. Como bem consignado pelo Juiz a quo, após parecer emitido por Fábio Sardinha Wanderley, o processo administrativo foi encaminhado a Controladoria Geral do Estado, que elencou diversas irregularidades. Com o retorno dos autos à assessoria jurídica, foi Maria Lenice Freire de Abreu Costa, também assessora jurídica da SESAU, que, desconsiderando as irregularidades pela CGE/TO, emitiu novo parecer jurídico reconhecendo as despesas. Assim, é correta a sentença quando afirma que o parecer jurídico que subsidiou a reconhecimento de despesas e o consequente pagamento da empresa UTILDROGAS não foi o emitido pelo requerido Fábio Sardinha Wanderley, mas sim o de Maria Lenice Freire de Abreu Costa. Em relação ao apelado Zanone Alves de Carvalho Júnior, o MPF reafirma que sua conduta se deu de forma dolosa e essencial à concretização dos ilícitos administrativos, destacando que, na qualidade de sócio da UTILDROGAS, teria pleno conhecimento da ausência de entrega integral dos produtos e da existência de sobrepreço. Nas razões de recurso, o Ministério Público Federal sustenta que o dolo específico por parte de Zanone Alves de Carvalho Júnior estaria comprovado pelo fato de que, após a Controladoria-Geral do Estado do Tocantins (CGE/TO) apontar a ocorrência de sobrepreço nas notas fiscais, o apelado teria procedido ao ajuste dos valores dos produtos conforme as orientações do órgão de controle, resultando em uma redução de R$ 1.578.702,21 (um milhão quinhentos e setenta e oito mil setecentos e dois reais e vinte e um centavos) no montante originalmente cobrado. Não obstante, a conduta do apelado Zanone Alves de Carvalho Júnior ao promover a redução dos valores cobrados, conforme apontamentos da Controladoria-Geral do Estado do Tocantins (CGE/TO), não comprova, por si só, o dolo específico necessário à caracterização de ato de improbidade administrativa. Ao contrário, essa atitude revela a intenção de regularizar a situação e ajustar os valores à realidade do mercado, evidenciando a ausência de propósito deliberado de causar lesão ao erário, revelando a ausência da conduta dolosa exigida pelo tipo previsto no artigo 10 da Lei 8.429/92. Assim, não há nos autos prova inequívoca de que foi Zanone o sócio responsável direto pelo superfaturamento dos produtos fornecidos pela empresa UTILDROGAS. O Ministério Público Federal limitou-se a indicar sua condição de sócio como elemento suficiente para atribuir-lhe responsabilidade, sem, contudo, demonstrar sua participação efetiva na formação dos preços ou nas tratativas contratuais com o Poder Público. Nessa linha intelectiva, o Parquet federal não comprovou a participação direta de Zanone Alves de Carvalho Júnior, nem eventual ganho de benefício por sua parte, requisitos para sua condenação, conforme art. 3º, §1º, in fine, da Lei 8.429/1992, in verbis: § 1º Os sócios, os cotistas, os diretores e os colaboradores de pessoa jurídica de direito privado não respondem pelo ato de improbidade que venha a ser imputado à pessoa jurídica, salvo se, comprovadamente, houver participação e benefícios diretos, caso em que responderão nos limites da sua participação. Assim, não sendo o caso de condenação dos réus/apelados pela prática do ato de improbidade administrativa descritos nos artigos 10, incisos VIII e IX, da Lei 8.429/92, por ausência de demonstração do dolo específico, não prospera, por conseguinte, o pleito para que eles sejam condenados ao ressarcimento de dano ao erário. É de ser mantida, pois, a sentença que rejeitou o pedido para condenação de ambos os apelados por ato de improbidade administrativa. Ante o exposto, nego provimento à apelação do Ministério Público Federal. Descabe a condenação do autor ao pagamento de honorários advocatícios, posto que não existente má-fé (inteligência do §2º do artigo 23-B da Lei 8.429/92, com a redação incluída pela Lei 14.230, de 2021)[8]. Em tempo, e em razão do desmembramento da Ação de Improbidade Administrativa 0002301-91.2016.4.01.4300 que resultou nestes autos, determino a retificação da autuação para que no polo passivo desta segunda demanda conste apenas Fábio Sardinha Wanderley e Zanone Alves de Carvalho Júnior como apelados, excluindo os demais. É o voto. Desembargadora Federal SOLANGE SALGADO DA SILVA Relatora [1]Art. 4° São isentos de pagamento de custas: III - o Ministério Público; [2]Art. 23-B. Nas ações e nos acordos regidos por esta Lei, não haverá adiantamento de custas, de preparo, de emolumentos, de honorários periciais e de quaisquer outras despesas. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) [3]https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur475131/false [4]https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6475588 [5]https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15355453796&ext=.pdf [6]No qual o FNDE imputava ao réu a prática de condutas tipificadas nos arts. 10, IX e XI, e 11, I, II e VI, da Lei nº 8.429/92. [7]Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021) (...) § 1º Nos termos da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006, somente haverá improbidade administrativa, na aplicação deste artigo, quando for comprovado na conduta funcional do agente público o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) § 2º Aplica-se o disposto no § 1º deste artigo a quaisquer atos de improbidade administrativa tipificados nesta Lei e em leis especiais e a quaisquer outros tipos especiais de improbidade administrativa instituídos por lei. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) [8]Art. 23-B. (...) (...) § 2º Haverá condenação em honorários sucumbenciais em caso de improcedência da ação de improbidade se comprovada má-fé. (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021) PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL DE 2ª INSTÂNCIA TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO GAB 31 - DESEMBARGADORA FEDERAL SOLANGE SALGADO DA SILVA PROCESSO: 1001574-47.2018.4.01.4300 PROCESSO REFERÊNCIA: 1001574-47.2018.4.01.4300 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) POLO PASSIVO:FABIO SARDINHA WANDERLEY e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: FABIO SARDINHA WANDERLEY - TO3690-A, MARTIUS ALEXANDRE GONCALVES BUENO - GO23759-A, EDMILSON DOMINGOS DE SOUSA JUNIOR - TO2304-A, ATAUL CORREA GUIMARAES - TO1235-A, MURILO QUEIROZ MELO JACOBY FERNANDES - DF41796-A e JUVENAL KLAYBER COELHO - TO182-S E M E N T A DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇÃO DIRETA SEM LICITAÇÃO. RECONHECIMENTO DE DESPESA. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. APLICAÇÃO DA LEI 14.230/2021 A PROCESSO EM CURSO. IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação interposta pelo Ministério Público Federal contra sentença que julgou improcedente o pedido de condenação dos réus por suposta prática de atos de improbidade administrativa, previstos nos arts. 10, incisos VIII e IX, e 11 da Lei 8.429/1992, decorrentes da contratação direta e sem licitação de empresa fornecedora de insumos hospitalares, com pagamento por produtos não entregues ou superfaturados. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em verificar: (i) se a conduta de F. S. W., enquanto assessor jurídico da Secretaria de Saúde do Estado do Tocantins, ao emitir parecer favorável ao reconhecimento de despesa, configura ato de improbidade administrativa; e (ii) se Z. A. de C. J., sócio da empresa contratada, atuou dolosamente em conluio para causar prejuízo ao erário, justificando sua responsabilização pessoal. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O art. 1º, § 1º, da Lei 8.429/1992, com redação dada pela Lei 14.230/2021, exige a comprovação de dolo específico para a configuração de ato de improbidade administrativa. 4. O julgamento do Tema 1.199 pelo Supremo Tribunal Federal firmou a tese da necessidade de dolo nos atos previstos nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/1992, com aplicação imediata das normas benéficas da nova redação da lei aos processos em curso. 5. Em relação a F. S. W., restou demonstrado que o parecer jurídico emitido por ele não foi utilizado como fundamento para o reconhecimento de despesa, tampouco comprovada atuação dolosa ou adesão a práticas irregulares. 6. Quanto a Z. A. de C. J., sócio da empresa U. D. de P. F. Ltda, a tese ministerial sustenta que este teria participado dolosamente de fraude contratual, inclusive simulando cotação de preços, além de ter se beneficiado de pagamentos indevidos. A única evidência apontada pelo MPF refere-se à redução dos valores cobrados, após recomendação da CGE/TO, no montante de R$ 1.578.702,21. 7. A conduta de Z. A. de C. J., ao reduzir os valores originalmente cobrados pela empresa, revela tentativa de adequação às orientações da auditoria, não se prestando, por si, à demonstração do dolo específico exigido pela nova redação do art. 10 da LIA. Tampouco há prova de que o referido réu tenha participado diretamente da formação de preços ou da execução contratual que resultou no alegado superfaturamento. 8. Ademais, nos termos do § 1º do art. 3º da Lei 8.429/1992, a responsabilização de sócios de pessoa jurídica por atos de improbidade requer demonstração de participação direta e recebimento de benefício indevido. No presente caso, o MPF não apresentou elementos que comprovassem que Z. A. de C. J. tenha agido com dolo, tampouco que tenha obtido proveito pessoal dos atos narrados. 9. Assim, ausentes os requisitos legais para a responsabilização dos apelados, notadamente a comprovação do dolo específico, não há elementos para a reforma da sentença que julgou improcedentes os pedidos iniciais. IV. DISPOSITIVO E TESE 10. Recurso do MPF não provido, mantendo-se a sentença de improcedência do pedido de condenação dos réus por ato de improbidade administrativa. 11. Sem condenação em honorários advocatícios, nos termos do art. 23-B, § 2º, da Lei 8.429/1992. Tese de julgamento: "1. A configuração de ato de improbidade administrativa exige a comprovação de dolo específico, nos termos da redação dada pela Lei 14.230/2021 à Lei 8.429/1992. 2. A emissão de parecer jurídico, por si só, não configura improbidade quando ausente prova de adesão consciente e voluntária a conduta ímproba. 3. A mera condição de sócio de empresa fornecedora não autoriza responsabilização por improbidade sem demonstração de participação e obtenção de benefício direto." Legislação relevante citada: CF/1988, art. 5º, XXXVI; Lei 8.429/1992, arts. 1º, §§ 1º, 2º e 4º; 3º, § 1º; 10, incisos VIII e IX; 11; 12; 23-B, § 2º; CPC, art. 1.013. Jurisprudência relevante citada: STF, ARE 843.989, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Plenário, j. 18.08.2022, DJe 12.12.2022 (Tema 1.199 da Repercussão Geral); STF, ADI 7042, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Plenário, j. 31.08.2022, DJe 28.02.2023; STF, ADI 7043, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Plenário, j. 31.08.2022, DJe 28.02.2023; STF, ADI 7236, Rel. Min. Alexandre de Moraes, decisão monocrática, j. 27.12.2022; STF, ARE 803.568 AgR-segundo-EDv-ED, Rel. Min. Luiz Fux, Rel. p/ Acórdão Min. Gilmar Mendes, Plenário, j. 22.08.2023, DJe 06.09.2023. A C Ó R D Ã O Decide a Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO à Apelação do Ministério Público Federal, nos termos do voto da Relatora. Brasília-DF, data da assinatura eletrônica. Desembargadora Federal SOLANGE SALGADO DA SILVA Relatora
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