Processo nº 5005742-92.2025.4.04.0000
ID: 335998848
Tribunal: TRF4
Órgão: SECRETARIA DA 4a. SEÇÃO
Classe: REVISãO CRIMINAL
Nº Processo: 5005742-92.2025.4.04.0000
Data de Disponibilização:
28/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
RICARDO PRZYGODA
OAB/SP XXXXXX
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Revisão Criminal (Seção) Nº 5005742-92.2025.4.04.0000/PR
REQUERENTE
: MARCIO ELAN DOS SANTOS
ADVOGADO(A)
: RICARDO PRZYGODA (OAB SP435338)
DESPACHO/DECISÃO
Trata-se de revisão criminal ajuizada pela…
Revisão Criminal (Seção) Nº 5005742-92.2025.4.04.0000/PR
REQUERENTE
: MARCIO ELAN DOS SANTOS
ADVOGADO(A)
: RICARDO PRZYGODA (OAB SP435338)
DESPACHO/DECISÃO
Trata-se de revisão criminal ajuizada pela defesa técnica de
M. E. D. S.
, contra condenação a si imposta, nos autos da Apelação Criminal nº 5011150-49.2021.4.04.7002/PR (transitado em julgado em 30/01/2024), sendo fixada a pena no montante de
07 (sete) anos de reclusão, acrescido de
700 (setecentos) dias-multa
, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à data do fato, corrigidos na forma da lei (artigo 49, §2º, do Código Penal), como incurso nas sanções do art. 33, c/c art. 40, inciso I, ambos da Lei nº 11.343/2006 (
processo 5011150-49.2021.4.04.7002/TRF4, evento 19, VOTODIVERG1
).
A defesa técnica embasa a pretensão no art. 621, I do Código de Processo Penal, aduzindo, em síntese:
A inexistência de prova da materialidade do crime. Aponta que a condenação deve ser sustentada por evidências rogustas e irregutáveis, não meras suposiçoes ou conjecturas;
Aplicação indevida da teoria do dominio do fato, ao argumento de que a simples associação com indivíduos envolvidos em atividades ilícitas não é suficiente para caracterizar a culpabilidade do reú, sendo imprescindível a demonstração de seu efetivo controle ou conhecimento sobre a prática delituosa;
A aplicação do princípio do
in dubio pro reo
é essencial para a proteção dos direitos do réu no processo penal, conforme disposto no art. 386, VII do CPP;
A aplicação da minorante do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343 de 2006, porque não comprovado o liame subjetivo, com estabilidade e permanência voltada ao cometimento de crimes graves, entre o acusado e os demais acusados.
A falta de vínculo entre os agentes, uma vez que a análise da situação revela a ausência de vínculo entre os agentes.
Com base em tais argumentos, ao final, requer:
a) A concessão da revisão criminal, com a consequente declaração de nulidade da condenação imposta ao recorrente, com base no art. 621, inciso I, do Código de Processo Penal, em razão da inexistência de provas que demonstrem a materialidade do crime de tráfico de drogas;
b) A absolvição de
Marcio Elan dos Santos
, com fundamento no princípio do in dubio pro reo, conforme disposto no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, em virtude da ausência de provas que liguem o recorrente ao delito;
c) A declaração da inaplicabilidade da teoria do domínio do fato ao caso concreto, uma vez que não há elementos que comprovem a participação do recorrente na associação para o tráfico, conforme preceitua o art. 33 da Lei nº 11.343/2006;
d) A determinação da revisão da pena imposta, considerando a ausência de provas robustas que justifiquem a condenação, em consonância com o art. 59 do Código Penal, que prevê a análise das circunstâncias judiciais.
É o breve relatório.
Decido.
É sabido que a revisão criminal é ação autônoma e exclusiva da defesa em oponibilidade à sentença transitada em julgado. Guilherme de Souza Nucci, na obra Manual de Processo Penal e Execução Penal, 3ed. São Paulo:RT, 2007, p. 871/872, ensina que a revisão
criminal "é uma ação penal de natureza constitutiva e sui generis, de competência originária dos tribunais, destinada a rever decisão condenatória, com trânsito em julgado, quando ocorreu erro judiciário.
"
No que tange às hipóteses autorizadoras para a propositura da revisional, o art. 621 do Código de Processo Penal estabelece:
Art. 621 - A revisão dos processos findos será admitida:
I -
quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos
;
II - quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;
III - quando após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que autorize diminuição especial da pena.
A pretendida hipótese do inc. I do art. 621 do CPP (condenação contrária a evidência dos autos) exige demonstração direta e clara, como divórcio entre os elementos probatórios existentes nos autos e as conclusões adotadas pelo decreto condenatório.
Quanto à hipótese do inciso II do art. 621 do CP, que dá azo à revisão criminal para eventual absolvição ou diminuição de pena, tem por base o fato de o Juiz ou Tribunal fundamentar a decisão condenatória em uma prova que, após o trânsito em julgado, verificou-se ser evidentemente falsa.
Sabe-se, ainda, que a finalidade da revisão é corrigir erros de fato ou de direito ocorridos em processos findos, quando se encontrem provas da inocência ou de circunstância que devesse ter influído no andamento da reprimenda. Nada mais é que a desconstituição da coisa julgada ante a prevalência do princípio da verdade real sobre a verdade formal. Para que seja acolhida, há verdadeira inversão do ônus
probandi
, cabendo ao requerente demonstrar a ocorrência de qualquer das hipóteses previstas no art. 621 e 626, ambos do Código de Processo Penal.
Sobre a matéria, extrai-se também da doutrina de Julio Fabbrini Mirabete, in Processo Penal, 5ª ed., Atlas, SP, p. 667:
A revisão não é uma segunda apelação, não se prestando à mera reapreciação da prova já examinada pelo Juízo de primeiro grau e, eventualmente, de segundo, exigindo que o requerente apresente com o pedido, elementos probatórios que desfaçam o fundamento da condenação
, como, por exemplo, a retratação da vítima. Devem elas ser positivas. Demonstrar a evidência do que por elas se pretende provar. Há na revisão, em verdade, uma inversão do ônus da prova, e
os elementos probatórios devem ter poder conclusivo e demonstrar cabalmente a inocência do condenado ou a circunstância que o favoreça, não bastando aquelas que apenas debilitam a prova dos autos ou causam dúvidas no espírito dos julgadores.
Logo, a revisão do processo criminal revela-se inadequada quando a matéria arguida depende de análise minudente acerca da interpretação conferida pelo julgador ao diploma normativo ou às provas coligidas.
No que tange à revisão da dosimetria estabelecida em condenações transitadas em julgado, o redimensionamento da pena deve ser admitido com máxima cautela, somente tendo cabimento na hipótese de flagrante e injusta ilegalidade.
Efetivamente, qualquer modificação na dosimetria apenas resta autorizada se houver constatação, de plano, de erro no sistema trifásico ou equívoco na quantificação ou valoração do
quantum,
não sendo admitida a incursão na seara dos elementos fáticos e jurídicos levados em consideração pelo julgador para o estabelecimento da reprimenda, até porque há certa discricionariedade para a aplicação da pena pelo magistrado.
De toda sorte, há de ser ressaltado que se reconhece ao juiz certo grau de discricionariedade na dosimetria da pena, devendo-se ter em conta que tal discricionariedade não deve, em momento algum, confundir-se com arbitrariedade e com estabelecimento de quantidades de sanções de forma desmotivada ou imoderada.
Nesse âmbito, só haverá redução da pena quando
ocorrer flagrante erro
na análise das vetoriais do art. 59 do CP, em eventual aplicação de
causa de diminuição ou de aumento
e/ou se porventura alguma hipótese não foi apreciada na sentença ou o foi em decisão contrária ao conjunto probatório coligido e a texto de lei.
Na hipótese, colhe-se do voto condutor do acórdão ora impugnado (com destaque nos pontos questionados pelo revisionando) (
processo 5011150-49.2021.4.04.7002/TRF4, evento 17, RELVOTO1
):
A materialidade, a autoria e o dolo dos acusados ALAN, MÁRCIO E MIQUEIAS estão devidamente comprovados nos autos, conforme fundamentado em sentença, a qual colaciono a seguir, visto que de acordo com o entendimento desta Relatoria:
a) Materialidade
A materialidade do delito ficou comprovada pelos seguintes documentos do Inquérito Policial nº 2021.0040579-DPF/FIG/PR (autos nº 5008099-30.2021.4.04.7002):
- Termo de Apreensão nº 2446015/2021, documento que formaliza a peensão de 102.200 (cento e dois mil e duzentos) gramas de substância vegetal com características semelhantes à maconha (evento 1 - P_Flagrante1, fl. 10);
- Laudo de Perícia Criminal Federal (Preliminar de Constatação) nº 819/2021-NUTEC/DPF/FIG/PR, no qual o perito signatário atestou que
"o material apreendido, submetido ao teste apropriado, deu
resultado positivo para presença de Cannabis Sativa
, tendo sido devidamente amostrado para exames definitivos"
(evento 1 - P_Flagrante1, fls. 31-33);
- Laudo de Perícia Criminal Federal (Química Forense) nº 842/2021-NUTEC/DPF/FIG/PR, no qual o perito signatário atestou que
"as análises químicas
realizadas identificaram os componentes da espécie Cannabis sativa Linnaeus
, popularmente conhecida como MACONHA, em face das suas características e da identificação do Tetrahidrocannabinol, seu principal componente químico e psicoativo, e de outros canabinóides presentes na sua composição"
(evento 29 - INQ1, fls. 2-4).
Não há dúvida, portanto, da materialidade do delito.
b) Autoria
A auoria de MIQUEIAS DA CONCEICAO SILVA, ALAN DOS SANTOS MARTINS e
MARCIO ELAN DOS SANTOS
restou comprovada.
Consta dos autos que, em 27/05/2015, dia anterior à apreensão da droga, agentes da Polícia Federal e da Polícia Civil abordaram MIQUEIAS DA CONCEICAO SILVA, ALAN DOS SANTOS MARTINS e MARCIO ELAN DOS SANTO, em atitude suspeita, na cidade de Santa Helena/PR. Na ocasião, constatou-se que os três réus estavam hospedados no Hotel Paludo, tendo sido identificados os veículos usados por eles, um VW/Fox, placas FLT-7831, e um GM/Onix, placas QWS-7548 - este, alugado em nome de TAILLÃ LOPES DOS SANTOS.
No dia seguinte, 28/05/2021, a equipe policial efetuou acompanhamento do veículo GM/Onix, placas QWS-7548, então conduzido por MIQUEIAS DA CONCEICAO SILVA. Consta que o veículo ingressou na região do COPAGRIL, nas proximidades de portos clandestinos. Ao retornar daquela localidade, veículo foi acompanhado até a praça de pedágio de Céu Azul/PR, onde a equipe procedeu com a abordagem. Em decorrência da fiscalização, os agentes públicos apreenderam 102.200 g (cento e dois mil e duzentos gramas) de maconha.
Em Juízo, as testemunhas André Francisco Machado e Sandro Agarie confirmaram, em linhas gerais, os depoimentos prestados em sede de inquérito policial, ratificando as circunstâncias da prisão em flagrante de MIQUEIAS.
Ouvido em Juízo, MIQUEIAS DA CONCEICAO SILVA confessou a prática delitiva. Alegou que, quando chegou em Cascavel/PR, foi contratado por um terceiro desconhecido para transportar a droga, de Céu Azul/PR até a cidade de Maringá/PR, pelo que receberia R$ 1.500,00 (mil e quinhentos) reais. O réu também alega que praticou o crime sozinho, sem o conhecimento dos corréus, pois ALAN e MÁRCIO teriam desistido da viagem e retornado para Santos/SP.
No mesmo sentido, ALAN e MÁRCIO alegaram em juízo que viajaram em direção do Paraguai para comprar roupas de cama e eletrônicos, mas que após a notícia de que a irmã de MÁRCIO contraiu Covid, resolveram desistir da viagem e retornar até Santos/SP.
Ainda que MIQUEIAS tenha admitido a prática delituosa, tenho que os réus apresentaram versão fantasiosa, com fins de afastar a responsabilidade daqueles que não foram surpreendidos em flagrante.
Com efeito, os acusados alegam que pretendiam viajar até Foz do Iguaçu/PR, mas, por engano, deslocaram-se até Santa Helena/PR. Porém, pela análise dos dados extraídos do celular apreendido em poder do réu MIQUÉIAS, restou comprovado que a estada no município de Santa Helena não foi acidental, pois há registro no sistema do
google maps
que buscava justamente o trajeto até o Hotel Paludo, naquele município. Portanto, é evidente que os três acusados buscavam a carga ilícita, que é introduzida no país por meio de portos clandestinos da região.
Não bastasse, verifico que os réus realizaram a longa viagem em dois veículos sem necessidade comprovada. Considerando que os réus alegam intenção de adquirir produtos por menor custo no Paraguai, não há lógica em alugar mais um veículo e despender o dobro de custeio, sendo desarrazoada a versão apresentada. É cediço que contrabandistas e traficantes viajam em comboio, com fins de antecipar eventual fiscalização rodoviária em favor do veículo carregado de produtos ilícitos.
No mais, a versão apresentada por MIQUEIAS DA CONCEICAO SILVA também contradiz seu depoimento perante a autoridade policial, pois, na ocasião, alegou que transportaria a droga até sua cidade de origem (Santos/SP, pelo que receberia R$ 3.000,00 (três mil reais). A nova narrativa apresentada tem o mero intuito de buscar a inocênca dos corréus.
De acordo com o art.
29 do Código Penal,
"quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas (...)"
. Ao assim agir, os réus ALAN DOS SANTOS MARTINS e MARCIO ELAN DOS SANTO aderiram ao tráfico de entorpecentes, sendo MIQUEIAS DA CONCEICAO SILVA réu confesso pelo transporte da substância ilícita.
Por outro lado, a autoria de TAILLÃ LOPES DOS SANTOS é duvidosa.
A acusação argumenta que TAILLÃ e MIQUEIAS realizaram transações financeiras suspeitas entre si, com fins de financiar do tráfico de entorpecentes, e ressaltou que as explicações prestadas apresentam discrepâncias.
Embora não haja total identidade entre as declarações colhidas am Juízo, constato que as transações são de valor inexpressivo frente à quantidade de drogas apreendidas. No mais, não há indícios de efetivo financiamento para a empreitada criminosa, sobretudo ao considerar que as transações foram recíprocas, em montante aproximado.
A acusação também argumenta que TAILLÃ prestou caução para a locação do veículo, fato que demonstraria seu envolvimento na empreitada criminosa. Por sua vez, o réu alega que prestou caução de forma inocente, a pedido dos corréus, pois seria o único detentor de limite de crédito para tanto. Pela análise dos atos, reconheço que não há elementos suficientes para vincular sua conduta à prática criminosa. As informações acostadas aos autos são meramente circunstanciais e não satisfazem a certeza de um juízo condenatório.
Sendo assim, absolvo TAILLÃ LOPES DOS SANTOS com fundamento no artigo 386, inciso V, do Código de Processo Penal.
c) Tipicidade, ilicitude, culpabilidade
O crime de tráfico de drogas, tipificado no artigo 33,
caput
, da Lei n.º 11.343/2006, caracteriza-se em importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
Trata-se, como se sabe, de crime de ação múltipla e conteúdo variado, consumando-se com a realização de qualquer dos verbos nucleares descritos no tipo.
As condutas dos réus MIQUEIAS DA CONCEICAO SILVA, ALAN DOS SANTOS MARTINS e
MARCIO ELAN DOS SANTOS
enquadram-se no tipo penal do art. 33 da Lei de Drogas c/c art. 29 do Código Penal, nas modalidades de
importar
e
transportar
drogas, o que se conclui a partir da leitura das informações presentes no Auto de Prisão em Flagrante (depoimento de condutor e testemunha), bem como do depoimento em Juízo das testemunhas já mencionadas e demais elementos de provas acostados aos autos.
Conforme o laudo pericial acostado, a substância apreendida ("
maconha
") é droga capaz de causar dependência física ou psíquica de acordo com a Portaria nº 344, de 12/05/98, da Secretaria da Vigilância Sanitária/MS, e suas atualizações, cujos componentes estão relacionados Lista F2 (Lista da Substância Psicotrópicas de uso proscrito no Brasil) e na Lista E (Lista das Plantas proscritas que podem originar substâncias entorpecentes e/ou psicotrópicas).
Configurado, portanto, o tráfico de drogas.
O dolo é elemento subjetivo do tipo, e pode ser aferido das circunstâncias acima descritas.
A conduta, portanto, é típica.
Sendo o fato típico, e a tipicidade indiciária da ilicitude, não havendo causa que a exclua, configurado está o injusto penal.
Quanto à culpabilidade, enquanto juízo de reprovação que recai sobre as condutas, está presente, pois os réus são imputáveis e dotados de potencial consciência da ilicitude.
Em síntese, comprovadas materialidade, autoria e dolo, e inexistindo causas de exclusão de ilicitude ou de culpabilidade, impõe-se a condenação dos réus MIQUEIAS DA CONCEICAO SILVA, ALAN DOS SANTOS MARTINS e
MARCIO ELAN DOS SANTOS
pela prática do crime previsto no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006.
- Causa de aumento de pena - transnacionalidade
Reconheço o quesito da transnacionalidade no caso em tela, tendo em vista que as circunstâncias do fato a evidenciam (proximidade do local da obtenção da droga com Paraguai, o que sinaliza o fato de que a droga tenha de lá advindo).
Ainda que tenha o réu dito que pegou a droga em território nacional, de modo que não teria, de mão própria, realizado a importação, entendo que a internacionalidade do delito encontra-se devidamente demonstrada.
A Lei nº. 11.343/2006 estabelece como parâmetros para a aferição da transnacionalidade do tráfico de drogas a natureza, a procedência da substância apreendida e as circunstâncias do fato (art. 40, I).
Com relação a natureza da droga, verifico que trata-se de maconha, entorpecente que, sabidamente, não é produzido em larga escala no Brasil. A quantidade de produto apreendido (mais de 100 kg) evidencia que sua origem é estrangeira.
Ressalto, aliás, que o tráfico de grande quantidade de entorpecentes, como verificado nos autos, não é uma característica comum ao delito que se inicia e se encerra em solo nacional. Não há dados nos autos que contra indiquem essa conclusão também para esse fato concreto.
Assim, conquanto seja possível que o réus realmente tenham transportado o entorpecente a partir do território nacional, as características do fato não apontam para outra conclusão, senão que os acusados, no mínimo, aderiram à importação realizada por terceiros, tendo em vista sua proximidade com a fronteira do Brasil com Paraguai.
Nesse caso, incide a causa de aumento de pena prevista no artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/2006, que determina que a pena seja aumentada de 1/6 a 2/3.
Como se vê, em face da situação de flagrância, dos depoimentos das testemunhas, além do interrogatório judicial, está caracterizado o delito de tráfico de drogas perpetrado pelos réus ALAN, MÁRCIO E MIQUEIAS, sendo este último, inclusive, réu confesso.
A despeito das alegações defensivas de ALAN e MÁRCIO, a autoria deles é evidente, pois, ainda que não tenham sido flagrados na posse do entorpecente, ficou demonstrada a participação na empreitada desde o dia anterior à apreensão, quando foram abordados pela equipe policial, viajando com o corréu MIQUEIAS, nas proximidades do local onde a droga foi coletada, região da fronteira entre o Brasil e o Paraguai.
O
módus operandi
verificado é o típico para delitos desse gênero, em que há a presença de dois veículos, sendo um na função de batedor, enquanto o outro realiza o efetivo transporte da droga.
Desta feita, o contexto do flagrante demonstra a inequívoca participação dos três denunciados referidos, sem que a defesa tenha logrado êxito em trazer explicação alternativa à tese incriminatória capaz de por em dúvida a prova dos autos. O relato dos réus é desconexo e pouco crível, sendo totalmente dissonante da conjuntura fática.
A acusação pugna ainda pela condenação do acusado TAILLÃ na conduta de tráfico internacional de drogas, em concurso de agentes com os demais corréus.
A despeito dos argumentos tecidos na r. sentença, entendo que merece trânsito o pleito do MPF, pois ficou comprovado que TAILLÃ foi o responsável pelo aluguel do veículo utilizado no dia dos fatos, conduta que se revela suficiente para caracterizar a sua posição de partícipe do delito, nos termos do art. 29 do CP.
Ademais, há indicativos contudentes de que TAILLÃ assumiu a posição de financiador da empreitada, em face das transações financeiras realizadas no mesmo período em que ocorreu a apreensão.
No ponto, filio-me ao entendimento esposado pelo
parquet
em seu parecer (evento
9.1
), cujos fundamentos colaciono e integro ao presente julgado:
Restou cabalmente demonstrado nos autos que o réu Taillã foi o responsável por alugar o veículo onde a substância entorpecente foi apreendida. De acordo com o contrato de aluguel de carros nº STSF170997, apresentado pela empresa LOCALIZA à autoridade policial, o veículo GM/Onix, placas QWS7548, foi locado por Taillã Lopes dos Santos e registrado como condutor Márcio Elan dos Santos (E47 – OFIC2, Inquérito Policial nº 5008099-30.2021.4.04.7002).
A análise do celular apreendido com o réu Miqueias demonstrou a existência de várias operações financeiras com o réu Taillã, em datas coincidentes com a apreensão de entorpecente realizada (E47 – INF3 c/c E47 – ANEXO12, Inquérito Policial nº 5008099-30.2021.4.04.7002).
As provas carreadas nos autos demonstram que o réu Taillã atuava no financiamento da empreitada delituosa envolvendo o tráfico ilícitos de entorpecentes, fornecendo os meios materiais (dinheiro, aluguel de veículos e imóveis) para a prática delitiva dos acusados.
É inegável a existência de provas de que o acusado Taillã enviou valores em dinheiro para o réu Miqueias no dia anterior à apreensão de entorpecentes, e que o mesmo ocorreu em datas próximas à empreitada delitiva, podendo-se concluir que o mesmo participou da empreitada delituosa descrita na peça acusatória envolvendo o tráfico internacional de entorpecentes.
Desta feita, está verificada a participação do réu TAILLÃ na conduta delitiva.
A defesa de ALAN e MÁRCIO insurge-se ainda contra a caracterização da transnacionalidade da conduta, pleiteando o afastamento do artigo 40, inciso I, da Lei 11.343/06.
Todavia, a insurgência também não merece trânsito.
Observo que a conduta adequa-se perfeitamente ao previsto no art. 40, I, da lei 11.343/06. Considerando que a atividade de tráfico de drogas desenvolve-se de forma dissimulada, a prova da transnacionalidade frequentemente será indiciária, ou seja, indireta.
A transnacionalidade do tráfico de drogas advém das circunstâncias que envolvem o caso concreto, especialmente pela grande quantidade de droga (102kg de maconha), apreendida em região de fronteira com o Paraguai.
Deste modo, bastante improvável que a droga fosse de origem nacional, ou mesmo que se destinasse ao mercado interno. Assinala-se que mesmo que o réu tenha recebido a droga apenas em território brasileiro, está configurado o tráfico internacional, pois
não é preciso que o agente seja o responsável por transpor a fronteira com o entorpecente
, bastando que as circunstâncias do fato evidenciem a transnacionalidade, como ocorre no caso presente. Esse é o sentido do enunciado 607 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça:
A majorante do tráfico transnacional de drogas (art. 40, I, da Lei n. 11.343/2006) configura-se com a prova da destinação internacional das drogas, ainda que não consumada a transposição de fronteiras.
(Súmula 607, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/04/2018, DJe 17/04/2018)
Vale lembrar que o Brasil adota uma política repressora em relação a entorpecentes e drogas afins (CRFB/88, art. 5º, XLII, LI, art. 144, §1º, II, e parágrafo único do art. 243), o que faz inexistir áreas de grande produção de psicotrópicos dentro do território brasileiro.
Consoante ensinamento de Gilberto Thums e Vilmar Pacheco,
"basta que haja indícios de que a droga procede de país estrangeiro ou a ele se destina e que, nesse país, também seja crime a conduta em questão. Presume-se que, se alguém exporta droga, haverá outro alguém que a importa e vai recebê-la, o que seria suficiente para a internacionalidade"
(Nova Lei de Drogas. 3ª ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010, p.123).
Portanto, tenho por caracterizado o delito de tráfico transnacional de drogas, e mantenho a condenação dos réus ALAN, MÁRCIO E MIQUEIAS, bem como condeno também o acusado TAILLÃ nas sanções do artigo 33,
caput,
c/c artigo 40, inciso I, da Lei n. 11.343/2006.
Com efeito, Márcio Elan dos Santos foi condenado com base no conjunto probatório produzido na ação penal nº 5011150-49.2021.4.04.7002/PR, que concluiu que foi praticado delito previsto nos artigos 33 c/c 40, I, da Lei de Drogas, em razão da situação de flagrância, dos depoimentos das testemunhas, bem como do interrogatório judicial. Além disso, foi demonstrada a sua participação no delito de tráfico internacional de drogas, juntamente com os réus Alan, Taillã e Miquéias, desde o dia anterior à apreensão, quando viajava nas proximidades do local onde a droga foi coletada, na região de fronteira entre o Brasil e o Paraguai.
Da minorante do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06
A Defesa sustenta ser devida a aplicação do que prevê o art. 33, § 4º, da Lei de Drogas.
Sem razão, contudo.
No tocante à minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, cabe destacar que tem por objetivo beneficiar os pequenos traficantes e "
tem suas raízes em questões de política criminal, surgindo com um favor legislativo ao pequeno traficante, ainda não envolvido em maior profundidade com o mundo criminoso, de forma propiciar-lhe uma oportunidade mais rápida de ressocialização
" (STJ, REsp representativo de controvérsia nº 1.329.088/RS, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, julg. 13/07/2013).
Ressalte-se que, a Terceira Seção do STJ, no julgamento do REsp n. 1.887.511/SP, Relator Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, realizado em 9/6/2021, DJe 1º/7/2021, decidiu que a aplicação do benefício do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 não pode ser afastada somente com fundamento na natureza, na diversidade e na quantidade da droga apreendida, sendo necessário que esse vetor seja conjugado com outras circunstâncias do caso concreto que, unidas, caracterizem a dedicação do agente à atividade criminosa ou à integração a organização criminosa. Eis a ementa do referido julgado:
PENAL, PROCESSO PENAL E CONSTITUCIONAL. DOSIMETRIA DE PENA. PECULIARIDADES DO TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ART. 42 DA LEI N. 11.343/2006.
NATUREZA E QUANTIDADE DA DROGA APREENDIDA. CIRCUNSTÂNCIA PREPONDERANTE A SER OBSERVADA NA PRIMEIRA FASE DA DOSIMETRIA. UTILIZAÇÃO PARA AFASTAMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO OU MODULAÇÃO DA FRAÇÃO DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO § 4º DO ART. 33 DA LEI N. 11.343/2006. IMPOSSIBILIDADE. CARACTERIZAÇÃO DE BIS IN IDEM
. NÃO TOLERÂNCIA NA ORDEM CONSTITUCIONAL. RECURSO PROVIDO PARA RESTAURAÇÃO DA SENTENÇA DE PRIMEIRA INSTÂNCIA.
1. A dosimetria da reprimenda penal, atividade jurisdicional caracterizada pelo exercício de discricionariedade vinculada, realiza-se dentro das balizas fixadas pelo legislador.
2. Em regra, abre-se espaço, em sua primeira fase, à atuação da discricionariedade ampla do julgador para identificação dos mais variados aspectos que cercam a prática delituosa; os elementos negativos devem ser identificados e calibrados, provocando a elevação da pena mínima dentro do intervalo legal, com motivação a ser necessariamente guiada pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
3. Na estrutura delineada pelo legislador, somente são utilizados para a fixação da pena-base elementos pertencentes a seus vetores genéricos que não tenham sido previstos, de maneira específica, para utilização nas etapas posteriores. Trata-se da aplicação do princípio da especialidade, que impede a ocorrência de bis in idem, intolerável na ordem constitucional brasileira.
4. O tratamento legal conferido ao tráfico de drogas traz, no entanto, peculiaridades a serem observadas nas condenações respectivas; a natureza desse crime de perigo abstrato, que tutela o bem jurídico saúde pública, fez com que o legislador elegesse dois elementos específicos necessariamente presentes no quadro jurídico-probatório que cerca aquela prática delituosa, a saber, a natureza e a quantidade das drogas para utilização obrigatória na primeira fase da dosimetria.
5. Não há margem, na redação do art. 42 da Lei n. 11.343/2006, para utilização de suposta discricionariedade judicial que redunde na transferência da análise desses elementos para etapas posteriores, já que erigidos ao status de circunstâncias judiciais preponderantes, sem natureza residual.
6. O tráfico privilegiado é instituto criado par a beneficiar aquele que ainda não se encontra mergulhado nessa atividade ilícita, independentemente do tipo ou do volume de drogas apreendidas, para implementação de política criminal que favoreça o traficante eventual.
7. A
utilização concomitante
da natureza e da quantidade da droga apreendida na primeira e na terceira fases da dosimetria, nesta última para descaracterizar o tráfico privilegiado ou modular a fração de diminuição de pena,
configura bis in idem
, expressamente rechaçado no julgamento do Recurso Extraordinário n. 666.334/AM, submetido ao regime de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal (Tese de Repercussão Geral n. 712).
8.
A utilização supletiva desses elementos para afastamento do tráfico privilegiado somente pode ocorrer quando esse vetor seja conjugado com outras circunstâncias do caso concreto que, unidas, caracterizem a dedicação do agente à atividade criminosa ou à integração a organização criminosa.
9. Na modulação da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, podem ser utilizadas circunstâncias judiciais não preponderantes, previstas no art. 59 do Código Penal, desde que não utilizadas de maneira expressa na fixação da pena-base.
10. Recurso provido para restabelecimento da sentença.
(STJ, REsp n. 1.887.511/SP, Terceira Seção, Relator Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Seção, julgado em 9/6/2021, DJe de 1/7/2021.)
A controvérsia, aliás, foi submetida à sistemática dos recursos repetitivos, sendo objeto do Tema 1154 (STJ):
"Isoladamente consideradas, a natureza e a quantidade do entorpecente apreendido, por si sós, não são suficientes para embasar conclusão acerca da presença das referidas condições obstativas e, assim, afastar o reconhecimento da minorante do tráfico privilegiado."
Agrego recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça, quando ambas as Turmas criminais consideraram idônea idêntica fundamentação:
PROCESSO PENAL E PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ALEGAÇÃO DE REFORMATIO IN PEJUS QUALITATIVA E VIOLAÇÃO À SÚMULA 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. INOCORRÊNCIA. CIRCUNSTÂNCIAS QUE CONSTARAM DO ACÓRDÃO RECORRIDO. FORMA DE ACONDICIONAMENTO DAS DROGAS. TENTATIVA DE LUDIBRIAR A FISCALIZAÇÃO. QUANTIDADE VULTUOSA DE ENTORPECENTES. INFORMAÇÕES DE ENVOLVIMENTO PRÉVIO COM A ATIVIDADE CRIMINOSA. PRIVILÉGIO AFASTADO. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Considerando-se que não foram feitas, no decisum atacado, quaisquer referências a fatos ou provas que não tenham sido considerados pelo Tribunal de Justiça, tampouco foram valoradas circunstâncias que não tenham constado do acórdão em apelação, não há falar-se, pois, em reformatio in pejus qualitativa, tampouco na incidência da Súmula n. 7 deste STJ.
2.
Na hipótese dos autos, o Tribunal de Justiça local reconheceu o ardil empregado pelo agravante para esconder as drogas, o que, aliado à expressiva quantidade (uma barra com 1.026g de crack, além 51 pedras de crack com 20g) e à existência de informações acerca do envolvimento anterior do recorrente com o transporte de substâncias ilícitas, autorizam o afastamento do redutor do tráfico privilegiado
. Precedentes.
3. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no AgRg no REsp n. 2.095.535/MG, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 1/7/2024, DJe de 3/7/2024.)
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. WRIT SUBSTITUTIVO DE REVISÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. PLEITO DE RECONHECIMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. RAZÕES QUE NÃO INFIRMARAM TODOS OS FUNDAMENTOS DO DECISUM ATACADO. INCIDÊNCIA DO ENTENDIMENTO DA SÚMULA 182/STJ. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE FLAGRANTE. DECISÃO MANTIDA.
1. Não infirmados especificamente todos fundamentos da decisão recorrida, é de ser negada a simples pretensão de reforma (Súmula 182 desta Corte). Precedente.
2. No caso, não foi rebatido pela agravante o óbice referente à impossibilidade de conhecimento do writ por se tratar de substitutivo de revisional.
3.
No mais, reitero que o Tribunal de origem apontou a
existência de outros elementos para afastar o tráfico privilegiado
que
não somente a quantidade de droga
s, entendendo não se tratar de traficante ocasional.
4. Mantido o óbice apontado na decisão monocrática, inexiste ilegalidade flagrante que justifique a concessão de habeas corpus de ofício e a superação do impedimento apontado.
5. Na ausência de argumento apto a afastar as razões consideradas no julgado agravado, que está em sintonia com a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, deve ser mantida a decisão monocrática por seus próprios termos.
6. Agravo regimental não conhecido.
(AgRg no HC n. 747.786/SE, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 24/6/2024, DJe de 27/6/2024.)
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO § 4.º DO ART. 33 DA LEI N. 11.343/2006. INDEFERIMENTO COM BASE NAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. IMPOSSIBILIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1.
Hipótese em que a causa de diminuição prevista no § 4.º do art. 33 da Lei de Drogas foi afastada com o entendimento de que o agravante se dedicava a atividades criminosas
com base nas circunstâncias da prática delitiva
, destacando-se, além da quantidade de entorpecentes, as condições em que foram apreendidos, além de diversos petrechos relacionados à prática da traficância, incluindo 2.500 flaconetes vazios.
2. Nesse contexto, não é possível desconstituir a conclusão da Jurisdição ordinária sobre a dedicação do agravante à atividade criminosa e, por conseguinte, reconhecer a incidência da minorante em comento, notadamente por ser vedado, na presente via, revolver o contexto fático-probatório dos autos.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no HC n. 895.966/SP, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do TJSP), Sexta Turma, julgado em 24/6/2024, DJe de 27/6/2024.)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. APLICAÇÃO DA MINORANTE DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. DEDICAÇÃO A ATIVIDADES CRIMINOSAS. REVOLVIMENTO DE CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. BIS IN IDEM NA UTILIZAÇÃO DA QUANTIDADE E VARIEDADE DAS DROGAS PARA EXASPERAR A PENA-BASE E AFASTAR O REDUTOR DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO NÃO PROVIDO.
1.
A apreensão de materiais relativos ao tráfico de entorpecentes - balança de precisão e produtos químicos destinados ao preparo das drogas, tais como éter etílico e cafeína -, bem como de anotações referentes à prática ilícita, evidencia a dedicação do agravante a atividades criminosas e fundamenta o afastamento da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006.
2. Não há que se falar em bis in idem na utilização da quantidade e variedade das drogas para exasperar a pena-base e afastar o redutor do tráfico privilegiado, porquanto esses elementos não foram utilizados para, de per si, afastar a incidência do privilégio.
3. Para superar as conclusões alcançadas na origem e chegar às pretensões apresentadas pela parte, é imprescindível a reanálise do acervo fático-probatório dos autos, o que impede a atuação excepcional desta Corte.
4. Agravo regimental não provido.
(AgRg no HC n. 780.529/SP, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 24/6/2024, DJe de 26/6/2024.)
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO. INCIDÊNCIA DO BENEFÍCIO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1.
Para aplicação da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, o condenado deve preencher, cumulativamente, todos os requisitos legais, quais sejam, ser primário, de bons antecedentes, não se dedicar a atividades criminosas, nem integrar organização criminosa, podendo a reprimenda ser reduzida de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços),
a depender das circunstâncias do caso concreto.
2. No presente caso, verifica-se que os fundamentos utilizados pela Corte de origem para não aplicar o referido redutor ao caso concreto estão em consonância com a jurisprudência deste Superior Tribunal, na medida em que dizem respeito à dedicação do agravante à atividade criminosa (tráfico de drogas), consubstanciada
não somente em razão da quantidade e da natureza das drogas apreendidas, mas também pelas circunstâncias concretas do crime, não se tratando de traficante ocasional, situação que corrobora a conclusão de que se dedicava às atividades ilícitas, o que justifica o afastamento da redutora do art. 33, §4º, da Lei n. 11.343/2006
.
Assim, para se acolher a tese de que ela não se dedica a atividade criminosa, para fazer incidir o art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, como requer a parte recorrente, imprescindível o reexame das provas, procedimento sabidamente inviável na instância especial. Inafastável a incidência da Súmula 7/STJ.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AgRg no AREsp n. 2.358.942/MG, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 19/9/2023, DJe de 26/9/2023.)
Ademais, o Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário n. 666.334/AM, submetido ao regime de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal (Tese de Repercussão Geral n. 712) assentou entendimento no sentido de que as circunstâncias da natureza e da quantidade de droga apreendida com o acusado de tráfico devem ser levadas em consideração apenas em uma das fases da dosimetria da pena, sobretudo, esclareça-se, na primeira, sob pena de configurar
bis in idem
. Isso, contudo, não exclui a avaliação meticulosa do magistrado em aplicar a redução no patamar que julgue necessário e suficiente para reprovação do crime (HC 99.440/SP, Relator Ministro Joaquim Barbosa).
Vale referir que, como na primeira fase da dosimetria da pena, aqui também a lei permite ao julgador uma certa margem de discricionariedade, não ficando, pois, adstrito a critério matemáticos fechados. Tanto é que o próprio legislador não limitou a atuação do magistrado, fixando a redução entre os patamares mínimos, de 1/6 e máximo, de 2/3 ("
Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa
"). Sobre o tema, decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
(...) II - Nos termos do art. 42 da Lei n. 11.343/2006, na graduação da pena-base, a natureza e a quantidade da droga apreendida na posse do Acusado, são preponderantes às circunstâncias judiciais previstas no art. 59, do Código Penal, não configurando ilegalidade seu arbitramento acima do mínimo legal, ainda que primário e com bons antecedentes. Precedentes. III - Não tendo a Lei de Drogas estabelecido parâmetros objetivos para que seja aplicada a fração do redutor previsto na causa especial de diminuição de pena (art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006), entre 1/6 (um sexto) e 2/3 (dois terços), deve o julgador defini-la, observados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. (AgRg no REsp 1206455/AC, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, QUINTA TURMA, julgado em 26/08/2014, DJe 29/08/2014).
Diante desse quadro, é imperativo que o
quantum
de diminuição leve em consideração as circunstâncias do delito como um todo, fazendo a ponderação pela medida da culpabilidade do agente. Tal proceder representa a real integração da norma ao fato concreto, momento em que o julgador analisará não somente a quantidade e a qualidade das drogas apreendidas, mas, fundamentalmente, analisará toda a cadeia delitiva.
Desse modo, ainda que o agente preencha os requisitos objetivos insertos no art. art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 ("
seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa
"), a causa especial de diminuição da pena deve ser aplicada com cautela, dentro dos parâmetros legais mínimo e máximo. Significa, portanto, que, mesmo quando atendidos os critérios objetivos, a redução não se fará necessariamente no máximo previsto, porque isso representaria esvaziar a própria norma. Sobre isso, precedente do Superior Tribunal de Justiça:
PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL.TRÁFICO DE DROGAS. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO
ART. 33, § 4º
, DA LEI 11.343/06. NATUREZA, QUANTIDADE E DIVERSIDADE. DEDICAÇÃO A ATIVIDADE CRIMINOSA. INAPLICABILIDADE. PLEITO DE FIXAÇÃO DO REGIME INICIAL FECHADO. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. I - Esta Corte
vem decidindo que
a expressiva quantidade de droga apreendida, aliada a outras circunstâncias próprias do caso concreto
, ora pode impedir a incidência do art. 33, §4º, da Lei 11.343/06, - caso em que estará evidenciada a dedicação à atividade criminosa -, ora como fator que,
embora não impeça a aplicação da causa de diminuição, será tomada como parâmetro para definir o quantum da redução da pena
. In casu, em que pesem os argumentos da defesa, além da quantidade e da natureza da droga apreendida a evidenciar a dedicação à atividade criminosa, o ora agravante e outras quatro pessoas foram vistos por policiais militares, que efetivam o flagrante, "picando e embalando drogas" atrás do Colégio São Miguel (fl. 670) e os mesmos "são conhecido no meio policial pelo envolvimento com tráfico de drogas" (fl. 670). Ademais, consignou o Colegiado a quo que "foram arrecadados 171,54g de maconha, 9,24g de crack e 248,51g de cocaína, além de diversos saquinhos plásticos, o que demonstra que a considerável quantidade de entorpecentes séria destinada ao comércio ilícito" (fl. 673). II - (...) Precedentes. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp 1304736/MG, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 25/09/2018, DJe 28/09/2018).
No caso em tela, o voto divergente apresentado, que restou vencedor para acórdão, concluiu por afastar o benefício do art. 33, §4º, da Lei n. 11.343/2006, nos seguintes termos:
"(...)
Divirjo quanto à aplicação do favor legal do art. 33, § 4.º, da Lei n.º 11.343/2006.
Tratando-se de tráfico de 102 quilos de "maconha", com a utilização de "batedores", não há que se aplicar a causa de diminuição de pena para situação díspar, com o tráfico praticado por mulas.
A regra não se aplica àqueles que se dediquem a atividade criminosa ou integrem organização criminosa. No caso específico, ainda que não denunciado especificamente sobre este fato, não se pode olvidar que a entrega de carga tão valiosa é somente feita a pessoas com estreitos laços com a organização criminosa, ainda que não tenha sido possível identificar este no presente processo penal.
Ora, é mais que sabido que organizações criminosas não entregam elevados valores em entorpecentes para pessoas que não sejam de sua extrema confiança, que interajam com as mesmas.
De outra sorte, nenhum pequeno traficante ou traficante ocasional adquire ou transporta essa quantidade e natureza de substância entorpecente, sem que isto seja uma atividade ordinária, organizada e/ou profissional.
2.
Nesse sentido, já decidiu a Quarta Seção deste Tribunal em caso semelhante:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. QUANTIDADE E NATUREZA DE DROGA. CIRCUNSTÂNCIAS AUTÔNOMAS E PREPONDERANTES. MINORANTE DO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/2006. INAPLICABILIDADE. (...) 1. A natureza e a quantidade da droga foram erigidas à condição de circunstâncias autônomas e preponderantes pelo artigo 42 da Lei Nº 11.343/1006, a serem aplicadas como vetoriais distintas, sendo correta a exasperação da pena-base em virtude da apreensão de expressiva quantidade de Cocaína. 2. A quantidade e natureza da droga traficada podem constituir evidências de que o agente esteja vinculado a associação criminosa, muito embora possa ter sido absolvido do crime de associação para o tráfico, justificando a inaplicabilidade da causa de diminuição da pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, sem que isso constitua bis in idem em razão de já terem sido consideradas essas vetoriais na primeira fase da dosimetria. (...) (TRF4, ENUL 5000922-85.2012.4.04.7113, QUARTA SEÇÃO, Relator JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, juntado aos autos em 14/07/2017)
O Superior Tribunal de Justiça em recentes decisões consideraram idônea idêntica fundamentação:
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. ENUNCIADO N. 182 DA SÚMULA DO STJ. INSURGÊNCIA NÃO CONHECIDA.(...) TRÁFICO DE DROGAS. CAUSA ESPECIAL DE REDUÇÃO DE PENA. AFASTAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. QUANTIDADE DE ENTORPECENTES. DEDICAÇÃO À ATIVIDADE CRIMINOSA. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO REDUTOR. 1.
A quantidade de entorpecentes apreendidos é elemento que, associados às circunstâncias do caso concreto - apreensão em flagrante quantidades mais expressivas de drogas ilícitas -, evidenciam a dedicação do agente a atividades criminosas, bem como de que integra organização criminosa, impedindo a aplicação da causa de diminuição de
pena
prevista no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06
. In casu, o tribunal de origem indeferiu a causa de diminuição de pena, sob a justificativa da quantidade de droga apreendida em poder do acusado - setenta e cinco porções de maconha, com peso líquido total de 709,50g e cinquenta e nove porções de cocaína na forma de crack com peso total de 17,65g -, (e-STJ 94), o que denota concretamente que o acusado participava de organização criminosa. (...) (AgRg no AREsp 1384935/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 21/03/2019, DJe 02/04/2019) (grifei)
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA DA PENA. (I) CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. DEDICAÇÃO A ATIVIDADES CRIMINOSAS. (III) REGIME INICIAL FECHADO. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. 1.
Nos termos do disposto no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas, o agente poderá ser beneficiado com a redução da
pena
, desde que seja primário, portador de bons antecedentes, não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa. A razão de ser do chamado tráfico privilegiado consiste em punir com menor rigor o "traficante de primeira viagem", vale dizer, aquele que não faz do tráfico o seu meio de vida. 2. Na espécie, correto o afastamento da
causa
especial de
diminuição
de
pena
, tendo em vista quantidade de substância entorpecente apreendida - 16,400kg (dezesseis quilos e quatrocentos gramas) de maconha -, bem como em razão do contexto da apreensão, porquanto indicativa de participação do paciente em rede organizada de distribuição de entorpecentes no território nacional. Precedentes.
3. Nos termos do art. 33, §§ 1º, 2º e 3º, do Código Penal, para a fixação do regime inicial de cumprimento de pena, o julgador deverá observar a quantidade da reprimenda aplicada, a eventual existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis e, em se tratando dos crimes previstos na Lei n. 11.343/2006, como no caso, deverá levar em conta a quantidade e a natureza da substância entorpecente apreendida (art. 42 da Lei n. 11.343/2006). 4. Caso em que as instâncias de origem estabeleceram o regime fechado para o início do cumprimento da reprimenda com fundamento na quantidade de substância entorpecente apreendida, bem como tendo em vista a dinâmica dos acontecimentos, justificando, assim, a necessidade de uma resposta penal mais efetiva. Precedentes. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. .(AGRHC 201701817668, ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:06/11/2017) DESTAQUEI
Colaciono, ainda, julgado recente do Supremo Tribunal Federal:
Agravo regimental no habeas corpus. Direito Penal. Condenação pelo delito previsto no art. 273, § 1º-B, incisos I, III e V. Preceito secundário do caput do art. 273 do Código Penal declara-do inconstitucional pelo STF quando do julgamento do Tema nº 1.003 pela sistemática de repercussão geral, com efeito repristina-tório tão somente para a hipótese do inciso I. Reprimenda fixada no caso concreto considerada a pena em abstrato para o crime de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/06). Causa especial de diminuição da pena (§ 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06). Preten-dida aplicação da fração redutora. Decisão assentada na gravidade concreta da conduta. Quantidade e variedade de substâncias apre-endidas que revelam habitualidade na prática delitiva. Legitimida-de. Precedentes. Agravo regimental ao qual se nega provimento.
1. A declaração de inconstitucionalidade do preceito se-cundário do art. 273, caput, do Código Penal, com efeitos repristi-natórios, limitou-se à hipótese do inciso I do § 1º-B desse disposi-tivo. Condenação penal transitada em julgado pela prática do tipo nas condições especificadas não só no inciso I, mas também nos incisos III e V do dispositivo, a inviabilizar a pretendida revisão da dosimetria.
2. Segundo a pacíifica jurisprudência do Supremo Tribunal Fede-ral, a natureza e a quantidade da droga apreendida evidenciam a gravidade concreta da conduta, apta a justificar a não aplicação do redutor de pena previsto no art. 33, § 4º, da Lei no 11.343/06, em seu grau máximo (RHC no 132.860/SP, Segunda Turma, Rel. Min. Dias To-ffoli, DJe de 30/5/16).
3. Agravo regimental a que se nega provimento. (Agravo Regi-mental no Habeas Corpus nº 202.435/DF, STF, 1ª Turma, unânime, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em sessão virtual de 13.8.2021 a 20.8.2021, pu-blicado no DJ em 6.10.2021)
3.
Desse modo, penso que, no caso, há evidências do envolvimento dos réus, inclusive do réu TAILLÃ que havia sido absolvido na sentença, com organização criminosa voltada para o tráfico transnacional de entorpecentes, motivo pelo qual não incide a causa de diminuição prevista no artigo 33, § 4.º, da Lei n.º 11.343/2006.
Ressalto que não é a quantidade da droga a afastar a aplicação da minorante, mas sim o indicativo de que o réu colaborara com associação criminosa, não havendo falar em
bis in idem
.
Portanto, deve ser afastada a aplicação da minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006.
Mantida a não-incidência da causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06.
Em conclusão, quanto a todos os pontos trazidos pela defesa, cabe consignar que a revisão criminal, como já sufragado, não pode e nem deve ser utilizada como sucedâneo recursal em caso de inconformidade da parte com acórdão que decidiu de forma contrária à sua pretensão. O uso da revisão criminal (em sendo uma exceção à regra geral da imutabilidade da coisa julgada) é reservado para hipóteses restritas, nos casos taxativamente enumerados nos incisos do art. 621, incisos I a III, do CPP.
Vale frisar que a inobservância das hipóteses previstas de forma rígida no CPP viola o princípio do livre convencimento judicial, bem como transforma a revisão criminal em recurso destinado a reexaminar matéria já julgada, indiretamente, atingindo os efeitos da coisa julgada material.
Nessa direção, confira-se:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. REVISÃO CRIMINAL. ALEGAÇÃO DE SENTENÇA CONTRÁRIA A TEXTO EXPRESSO DE LEI E EVIDÊNCIA DOS AUTOS. INOCORRÊNCIA. 1. São taxativas as hipóteses de cabimento da revisão criminal, previstas nos incisos I, II e III do art. 621 do Código de Processo Penal.
Não é cabível a sua utilização para mera rediscussão das questões já julgadas ou revaloração das provas que foram expressa e adequadamente apreciadas no julgamento da ação penal.
(TRF4 5059474-66.2017.4.04.0000,
QUARTA SEÇÃO
, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em
16/02/2018
)
PENAL. REVISÃO CRIMINAL. ARTIGO 621, INCISO II, CPP. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DA VIA COMO SEGUNDA APELAÇÃO.
A revisão criminal não faz às vezes de uma segunda apelação, não se prestando à reapreciação da prova já anteriormente analisada e devidamente sopesada
. (TRF4 5019290-68.2017.4.04.0000,
QUARTA SEÇÃO
, Relator LEANDRO PAULSEN, juntado aos autos em
05/12/2017
)
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO ART. 621, CAPUT, I E II, DO CPP. REVISÃO CRIMINAL. NÃO CONHECIMENTO. REANÁLISE DE QUESTÕES JÁ AVALIADAS E DECIDIDAS EM DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O Tribunal local assentou que a revisão criminal não se enquadrou em nenhuma das hipóteses do artigo 621 do Código de Processo Penal, não sendo cabível, portanto, para reanálise de matéria submetida a julgamento em duplo grau de jurisdição, como sucedâneo recursal, entendimento, este, de acordo com a jurisprudência deste STJ. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 997.912/MS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 06/12/2016, DJe 15/12/2016)(grifei)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. REVISÃO CRIMINAL. PRELIMINAR. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. TERMO INICIAL. CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. ACTIO NATA. MÉRITO. ALEGAÇÃO DE CONDENAÇÃO EM CONTRARIEDADE AO TEXTO EXPRESSO DE LEI OU A EVIDÊNCIA DOS AUTOS. INOCORRÊNCIA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. De acordo com a Súmula Vinculante 24, "não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo". Assim, enquanto não constituído definitivamente o tributo, não há falar em pretensão punitiva e, por conseguinte, em início da contagem do respectivo prazo prescricional. 2.
A hipótese de cabimento da revisão criminal prevista no inciso I do art. 621 do Código de Processo Penal exige que haja contradição cristalina entre a condenação e o texto expresso de lei ou a prova carreada aos autos, o que não ocorre no presente caso, no qual a decisão foi fruto do livre convencimento motivado do julgador monocrático, que embasou sua convicção no substrato probatório processual. 3. Incabível o reexame do julgado quando demonstrada mera intenção do postulante em obter nova apreciação do conjunto probatório, eis que a revisão criminal não se presta como espécie de apelação.
4. Estando o processo originário instruído com cópia do processo administrativo-fiscal, no bojo do qual restou definitivamente constituído o respectivo crédito tributário, considera-se comprovada a sonegação fiscal. (TRF4, RVCR 0006732-57.2014.404.0000, QUARTA SEÇÃO, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, D.E. 28/07/2015)(grifei)
Assim, as pretensões deduzidas neste feito mostram-se manifestamente incabíveis, uma vez que não se enquadram em nenhuma das hipóteses taxativas elencadas no art. 621 e no art. 626 do Código de Processo Penal.
Pelo exposto, indefiro a petição inicial, por manifestamente incabível.
Intimem-se.
Após, dê-se baixa na distribuição e arquivem-se os autos eletrônicos.
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