Processo nº 1012431-57.2023.8.11.0003
ID: 259392001
Tribunal: TJMT
Órgão: Quinta Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1012431-57.2023.8.11.0003
Data de Disponibilização:
23/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
LUCIANA CASTREQUINI TERNERO REGISTRADO(A) CIVILMENTE COMO LUCIANA CASTREQUINI TERNERO CORREA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1012431-57.2023.8.11.0003 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Material, Indenização por D…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1012431-57.2023.8.11.0003 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Material, Indenização por Dano Moral, Honorários Advocatícios, Intimação / Notificação] Relator: Des(a). MARCOS REGENOLD FERNANDES Turma Julgadora: [DES(A). MARCOS REGENOLD FERNANDES, DES(A). LUIZ OCTAVIO OLIVEIRA SABOIA RIBEIRO, DES(A). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA] Parte(s): [GUSTAVO PATRIOTA - CPF: 667.510.201-04 (APELADO), LUCIANA CASTREQUINI TERNERO registrado(a) civilmente como LUCIANA CASTREQUINI TERNERO CORREA - CPF: 265.690.598-23 (ADVOGADO), ENERGISA MATO GROSSO DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A - CNPJ: 03.467.321/0001-99 (APELANTE), EDUARDO QUEIROGA ESTRELA MAIA PAIVA - CPF: 078.165.854-38 (ADVOGADO), GEORGE OTTAVIO BRASILINO OLEGARIO - CPF: 058.141.644-92 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUINTA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). SEBASTIAO DE ARRUDA ALMEIDA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR. CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA ELÉTRICA. INCÊNDIO EM PROPRIEDADE RURAL. ROMPIMENTO DE CABO DE ALTA TENSÃO. FALHA NA MANUTENÇÃO DA REDE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANO MATERIAL COMPROVADO. DANO MORAL CONFIGURADO. SENTENÇA MANTIDA. I. CASO EM EXAME 1. Trata-se de Ação de Indenização por Danos Materiais e Morais ajuizada por proprietário rural em face da concessionária de energia elétrica, em razão de incêndio ocasionado pelo rompimento de cabo de alta tensão da rede da ré, com prejuízos à infraestrutura e vegetação da propriedade rural. O juízo de origem julgou parcialmente procedente o pedido, condenando a ré ao pagamento de indenizações por danos materiais (R$ 99.750,00, com compensação do valor já pago de R$ 48.713,00) e danos morais (R$ 20.000,00), além de custas e honorários. II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO 2. (i) Responsabilidade civil da concessionária por falha na prestação do serviço de fornecimento de energia elétrica; (ii) Existência de nexo causal entre o rompimento do cabo e o incêndio na fazenda; (iii) Comprovação dos danos materiais alegados; (iv) Configuração de dano moral e proporcionalidade do valor fixado. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A responsabilidade da concessionária é objetiva (CF, art. 37, §6º), bastando a comprovação do dano e do nexo causal. A ausência de manutenção da rede elétrica configura falha na prestação do serviço, sendo causa determinante do evento danoso. 4. O conjunto probatório confirma a origem do incêndio e os danos à propriedade, reforçados por laudo técnico da própria concessionária e pelo pagamento parcial de indenização, configurando reconhecimento tácito da responsabilidade. 5. Os danos materiais estão suficientemente comprovados por notas fiscais, recibos e documentos com datas posteriores ao evento, totalizando R$ 99.750,00. Como houve pagamento prévio de R$ 48.713,00, remanesce o valor de R$ 51.037,00 a ser complementado. 6. O abalo moral ultrapassa os meros aborrecimentos, considerando o risco à segurança pessoal e patrimonial, devendo ser mantida a indenização de R$ 20.000,00, valor proporcional à gravidade dos fatos. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Recurso desprovido. Tese de julgamento: "1. A concessionária de energia elétrica responde objetivamente pelos danos causados por falha na prestação do serviço, nos termos do art. 37, §6º, da CF. 2. A falta de manutenção da rede elétrica, resultando em rompimento de cabo de alta tensão e incêndio em propriedade rural, configura falha do serviço e gera obrigação de indenizar. 3. A prova de danos materiais pode ser feita por documentos idôneos, como notas fiscais e recibos. 4. O dano moral é cabível quando o evento extrapola o aborrecimento cotidiano, atingindo a esfera psíquica, patrimonial e a dignidade do ofendido." Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 37, §6º. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1767475/RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe 23/02/2024; TJ-MT, Apelação Cível 1001044-43.2023.8.11.0036, Rel. Des. Serly Marcondes Alves, j. 15/05/2024; TJ-SP, Apelação Cível 1006869-84.2023.8.26.0024, Rel. Des. Paulo Galizia, j. 03/10/2024. R E L A T Ó R I O Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de Apelação Cível interposto por ENERGISA MATO GROSSO – DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S/A, em face de sentença prolatada pelo Juízo da 3ª Vara Cível da Comarca de Rondonópolis/MT, que julgou procedente o pedido contido nos autos da Ação de Indenização de Danos Materiais e Morais nº 1012431-57.2023.811.0003, movida por GUSTAVO PATRIOTA. Em suas razões recursais, a concessionária interpôs recurso de apelação sustentando, em síntese: (i) inaplicabilidade da responsabilidade objetiva à hipótese, por se tratar de omissão e não de ação comissiva; (ii) ausência de prova de culpa e de nexo causal; (iii) ocorrência de caso fortuito ou força maior; (iv) culpa concorrente ou exclusiva da vítima; (v) desproporcionalidade e ausência de prova quanto aos valores fixados a título de danos materiais e morais. Ao final, requer a total reforma da sentença. (ID. 276649908) Em contrarrazões, o Apelado pugna pelo desprovimento do recurso (ID. 276649919) É o relatório. Em pauta. V O T O R E L A T O R Egrégia Câmara: Trata-se, na origem, de Ação de Indenização de Danos Materiais e Morais, movida por GUSTAVO PATRIOTA, em face da concessionária de energia ENERGISA MATO GROSSO DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S/A, afirmando que houve o rompimento de cabo de alta tensão da rede elétrica de responsabilidade da concessionária, fato que teria provocado incêndio na Fazenda São Luiz, situada na zona rural do Município de Guiratinga/MT, em 17 de agosto de 2022, por volta das 12h00. Narra que o evento resultou na destruição de 129 hectares de pastagem, 4.500 metros de cerca e 50 metros de curral, sendo o fogo controlado apenas por volta das 18h00 do mesmo dia, com auxílio de funcionários da propriedade. Relata ter buscado administrativamente o ressarcimento dos prejuízos, os quais foram parcialmente reembolsados pela concessionária, que depositou a quantia de R$ 48.713,00 em sua conta bancária, sem justificativa quanto à base de cálculo. Sustenta que os danos totais alcançaram a quantia de R$ 99.750,00. Pleiteou, em juízo, a condenação da concessionária ao pagamento da diferença entre os valores já pagos e os prejuízos efetivamente apurados, bem como a indenização por danos morais, sustentando que a inércia da concessionária em promover a adequada manutenção da rede elétrica configurou falha na prestação do serviço público essencial. Após a instrução processual, a d. Magistrada sentenciante julgou parcialmente procedente a ação, condenando a requerida ao pagamento de R$ 99.750,00, a título de danos materiais, atualizados e acrescidos de juros legais desde o desembolso, descontando-se o valor já pago administrativamente; R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a título de danos morais, com correção monetária e juros. Constou da sentença recorrida, no essencial: “(...)Trata-se de pedido indenizatório, por danos materiais e morais, em face de rompimento de cabo de alta tensão que provou incêndio na propriedade do demandante. Funda-se a defesa da ré na tese das causas excludentes de responsabilidade na teoria objetiva, ou seja, o caso fortuito ou força maior, a culpa exclusiva da vítima e culpa de terceiros pela ocorrência do evento danoso. In casu, a responsabilidade da ré é objetiva, e a obrigação de reparar não depende da comprovação da sua culpa, bastando que se ache provado o dano por ação ou omissão de sua parte. E mais, a própria demandada reconhece a ocorrência do sinistro e sua responsabilidade ao consignar na sua peça defensiva que: verbis “(...) Ademais, a empresa requerida junta aos autos um Laudo Pericial que comprova que os prejuízos materiais seriam limitados ao valor de R$ 48.713,00, conforme se passa a demonstrar a seguir. No dia 31-03-2023, a área da Fazenda São Luiz foi periciada em toda sua extensão, na parte interna, externa e entorno, visando identificar prejuízos ambientais e queima pastagens, de cerca de madeira branca e de lei, curral, morte de animais domésticos e silvestre e demais impactos ambientais dentro da área da Fazenda, oriundo de incêndio florestal naquele ambiente em 17-08-2022. Acompanhado do zootecnista Fabiano Faustino da Silva gerente da Fazenda São Luiz em 31-03-2023 percorremos toda a área interna e externa por onde ocorreu o sinistro com fogo florestal chamuscando vegetação nativa;(...) Ora, os danos materiais encontram-se comprovados por meio dos documentos no id. 118289115, perfazendo o montante de R$ 99.750,00 (noventa e nove mil e setecentos e cinquenta reais), sendo certo que houve o reembolso, tão somente, da quantia de R$ 48.713,00 (quarenta e oito mil e setecentos e treze reais). No caso, a relação jurídica existente entre a parte autora e a concessionária de energia elétrica, é uma relação de consumo, regida, portanto, pelas disposições previstas no Código de Defesa do Consumidor. Nesse sentido é o posicionamento pacífico do STJ: [...] O artigo 37, § 6º, da Constituição da República estabelece que: "Art. 37. (omissis). § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa." Como se não bastasse, o art. 95, da Resolução 456/00 da ANEEL é claro ao estabelecer a responsabilidade da concessionária pela prestação de serviço adequado a todos os consumidores, satisfazendo as condições de regularidade, generalidade, continuidade, eficiência e segurança, assegurando, no art. 101, o direito do consumidor ao ressarcimento dos danos que, porventura, lhe sejam causados em função do serviço concedido. Na mesma linha de raciocínio, MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO (Direito Administrativo, Ed. Atlas, 16ª ed., 2003, pág. 524) ensina que "a responsabilidade extracontratual do Estado corresponde à obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos". No mesmo sentido, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO adverte: "O concessionário - já foi visto - gere o serviço por sua conta, risco e perigos. Daí que incumbe a ele responder perante terceiros pelas obrigações contraídas ou por danos causados." (Curso de direito administrativo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 669). Nesse sentido: [...] E, tratando-se de responsabilidade pelo fato do serviço, exsurge-se a responsabilidade objetiva da concessionária de energia elétrica, nos termos do art. 14, do CDC, com garantia ao consumidor da inversão do ônus da prova ope legis, in verbis: "Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. (...) § 3°. O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro." Destaca-se que não se está aplicando, no presente caso, a inversão ope judicis do ônus da prova (art. 6º, VIII, do CDC), mas, sim, a decorrente da lei (ope legis), prevista no art. 14, § 3º, do CDC, aplicável ao caso tratando-se de responsabilidade objetiva pelo fato do serviço. Vale dizer, quando do ajuizamento da presente demanda, as partes já sabiam do ônus probatório que a lei lhes atribuiu. (....) No caso sub judice, como dito acima, os danos sofridos pela parte demandante restaram incontroversos e robustamente provados, inexistindo, inclusive, divergência quanto à causa dos referidos danos, a qual, inclusive pelo laudo pericial unilateral produzido pela ré, foi em decorrência do rompimento dos cabos de energia de propriedade da ré instalados na área de propriedade do requerente, ou seja, em razão da má prestação dos serviços por parte da concessionária, ora ré. Destarte, considerando a distribuição do ônus probatório previsto no art. 14, § 3º, I, do CDC, a requerida deveria comprovar que os fatos ocorrência em razão de atos práticos por terceiros e pela própria vitima, conforme assevera na sua peça defensiva, porém nada foi comprovado, não passando do campo da argumentação. E mais, a simples alegação da ré de que não houve falha no fornecimento de energia elétrica e que as instalações internas da unidade consumidora são de responsabilidade do próprio consumidor não afasta o nexo de causalidade. Tampouco logrou a ré provar a ocorrência de excludentes de responsabilidade, seja a culpa exclusiva de terceiro ou do consumidor, seja o caso fortuito ou força maior, repisa-se. A ocorrência de rompimento de cabos elétricos energizados não pode ser considerada excludente da responsabilidade objetiva porque consiste em fortuito interno da atividade, conforme vasto entendimento doutrinário e jurisprudencial alhures. Resta, assim, clara a responsabilidade da requerida pelos danos sofridos pela parte autora, na medida em que há nexo causal entre os danos e a atividade empresarial por ela desenvolvida, obrigando-a a adotar tecnologia adequada e métodos que garantam a regularidade, continuidade e eficiência na prestação dos serviços, o que não ocorreu no caso em tela. A responsabilidade civil, embora escorada no mundo fático, tem sustentação jurídica. Depende da prática de ato ilícito e, portanto, antijurídico, cometido conscientemente, dirigido a um fim, ou orientado por comportamento irrefletido, mas informado pela desídia, pelo açodamento ou pela inabilidade técnica, desde que conduza a um resultado danoso no plano material, imaterial ou moral. Nestes termos, cumpre analisar os elementos ensejadores da responsabilidade civil decorrente do dever jurídico, quais sejam, conduta ilícita, dano e nexo de causalidade entre a conduta e o dano, a fim de verificar a caracterização ou não dos mesmos no caso dos autos. O Código Civil/02, em seu art. 186, conceituou ato ilícito, para fins de responsabilidade civil, senão vejamos: "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito". Estendendo as hipóteses de ato ilícito capaz de ensejar responsabilidade civil, traz ainda o Código Civil/02, em seu art. 187, o seguinte preceito: “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.” Analisando as razões expostas na exordial, bem como o contexto probatório constante dos autos, pode-se verificar que a empresa ré, mesmo após laudo técnico emitido por preposto seu não disponibilizou o devido ressarcimento à parte autora. Registra-se que o evento danoso ocorreu em 17 de agosto de 2022 e o laudo unilateralmente somente foi produzido na data de 31 de março de 2023. Imperioso ressaltar que o dever de indenizar encontra suas diretrizes no artigo 186 do Novo Código Civil, ao determinar que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito, donde se conclui constituir elemento primordial a sustentar demanda ressarcitória a presença da culpa. Verifica-se, conforme ensina Rui Stoco, que "o nosso Código adotou o princípio da culpa como fundamento genérico da responsabilidade, embora tenha havido concessões à responsabilidade objetiva" (Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial, 3ª ed., p. 57). Constata-se que a responsabilidade civil, consubstanciada no dever de indenizar o dano sofrido por outrem, advém do ato ilícito, resultante da violação da ordem jurídica com ofensa ao direito alheio e lesão ao respectivo titular. Com base no conjunto probatório dos autos, forçoso é concluir que a razão está com o requerente, porque as alegações da ré não passaram do campo da argumentação. Assim, tem-se que os requisitos da responsabilidade civil restaram caracterizados, porquanto a requerida foi desidiosa e ineficiente na prestação dos seus serviços. (...) Isso posto, resta claro que o autor comprovou o fato constitutivo de seu direito, não tendo a ré demonstrado, de forma cabal, os invocados como impeditivos, extintivos e modificativos do pedido do requerente, sendo devido, consequentemente, o ressarcimento pleiteado, eis que caracterizada a responsabilidade civil, nos termos do artigo 186 do Novo Código Civil. Os danos materiais encontram-se comprovados pelas provas documentais trazidas aos autos. No tocante aos danos morais, o dever de repará-los surge quando demonstrada a ocorrência de uma lesão extrapatrimonial aos direitos da personalidade. Lecionando sobre o assunto, escreve Caio Mário: O fundamento da reparabilidade pelo dano moral está em que, a par do patrimônio em sentido técnico, o indivíduo é titular de direitos integrantes de sua personalidade, não podendo conformar-se a ordem jurídica de que sejam impunemente atingidos. Colocando a questão em termos de maior amplitude, Savatier oferece uma definição de dano moral como "qualquer sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária", e abrange todo atentado à reputação da vítima, à sua autoridade legítima, ao seu pudor, à sua segurança e tranqüilidade, ao seu amor-próprio estético, à integridade de sua inteligência, as suas afeições etc. (destaque do autor - CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, Responsabilidade Civil, 7ª ed., Forense, RJ, 1996, pág. 54). In casu, constata-se que, em virtude do acidente envolvendo o rompimento do cabo energizado, houve incêndio na propriedade do autor com queima significativa de pastagem, cerca e curral, tendo, inclusive, despendido material humano para debelar as chamas por longas 06h00, aproximadamente. Assim, a angústia da parte para alcançar uma solução à celeuma, que poderia ter sido solucionada de forma célere, justifica a condenação da requerida à reparação indenizatória a título de danos morais. No tocante ao quantum, a verba indenizatória não deve ser ínfima a ponto de se tornar inexpressiva, nem excessiva, a ponto de converter-se em fonte de locupletamento injustificado pelo ofendido. Nesse contexto, diante da impossibilidade de uma indenização pecuniária que compense integralmente a ofensa ao bem ou interesse jurídico lesado, a solução é uma reparação com natureza satisfatória, que não guardará uma relação de equivalência precisa com o prejuízo extrapatrimonial, mas que deverá ser pautada pela equidade. A esse respeito, o col. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 1.152.541-RS, de relatoria do Ministro Tarso Sanseverino, asseverou que o método bifásico é o mais adequado para um arbitramento razoável da indenização por dano moral, o qual resulta da análise do interesse jurídico lesado, em conformidade com os precedentes judiciais acerca da matéria, e das circunstâncias particulares do caso. As principais circunstâncias a serem consideradas para definição da indenização consistiriam na: a) gravidade do dano em si e suas consequências para a vítima (dimensão do dano); b) intensidade do dolo ou o grau de culpa do agente (culpabilidade do agente); c) eventual participação culposa do ofendido (culpa concorrente da vítima; d) condição econômica do ofensor; e) condições pessoais da vítima (posição política, social e econômica). Nessa seara, tendo em vista os elementos que compõem o dano moral, mormente o seu caráter pedagógico, e também em face dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, sem perder de vista a vedação ao enriquecimento indevido, tenho que o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a título de danos morais, se revela adequado ao caso concreto. Relativamente aos supostos danos ambientais, estes não restaram comprovados, tampouco, eventuais autuações ao autor pelos órgãos ambientais competentes.(...)”. (ID. 276649891) I. A controvérsia dos autos reside na verificação da responsabilidade da empresa apelante, concessionária de energia elétrica, por danos materiais e morais decorrentes de incêndio iniciado, segundo alegação do apelando, por rompimento de cabo de alta tensão da rede elétrica da concessionária, fato que teria resultado na destruição de infraestrutura e vegetação da propriedade rural denominada Fazenda São Luiz. A concessionária alega a responsabilidade subjetiva, sustentando que se estaria diante de uma conduta omissiva, a atrair a exigência de prova de culpa, conforme jurisprudência do STJ. No entanto, como é de conhecimento, a responsabilidade civil da concessionária de serviço público, por força do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, é objetiva, prescindindo da demonstração de culpa. Basta, para sua configuração, a comprovação do dano, da conduta (ação ou omissão) e do nexo causal. Nesse sentido: RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. EMPRESA DE TRANSPORTE. MANIFESTAÇÃO . FURO DE BLOQUEIO COM VEÍCULO. ACIDENTE. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. PRECEDENTES . 1. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, as concessionárias de serviço público (transporte), com base na Teoria do Risco Administrativo, respondem objetivamente pelos danos causados a terceiros decorrentes de falha na prestação do serviço.Precedentes. 2 . No caso concreto, ficou suficientemente demonstrado no acórdão recorrido o nexo causal entre a conduta do preposto da empresa (furo de bloqueio com o ônibus) e o dano (morte por queimaduras decorrentes de combustível em chamas arremessado pelo ônibus que atingiu barril no bloqueio). 3. Não houve, ademais , registro algum no acórdão recorrido da existência de evento externo que justificasse a conduta do motorista (ou inexigência de conduta diversa) e excluísse o nexo causal e a responsabilidade objetiva. 4 . Recurso especial parcialmente provido. (STJ - REsp: 1767475 RJ 2014/0114261-4, Relator.: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 06/02/2024, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/02/2024) destaquei No caso concreto, o que se imputa à apelante não é uma mera omissão genérica, mas sim omissão específica e determinável na manutenção da rede elétrica, cuja adequada conservação e funcionamento são encargos inafastáveis da concessionária de serviço público. A jurisprudência é pacífica ao reconhecer que a falta de manutenção em redes elétricas configura defeito na prestação do serviço, atraindo a responsabilidade objetiva do fornecedor, sobretudo diante da sua posição de garantidor da segurança do serviço essencial. Senão vejamos: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS – INCÊNDIO CAUSADO EM DECORRÊNCIA DE ROMPIMENTO DE FIAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA – DANOS NA PROPRIEDADE RURAL – AUSÊNCIA DE MANUTENÇÃO DA REDE DE ENERGIA – FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS – CARACTERIZADO -RESPONSABILIDADE OBJETIVA – NEXO CAUSAL COMPROVADO – DANO MATERIAL EVIDENCIADO – IMPORTE A SER APURADA EM SEDE DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA - SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Dada a responsabilidade objetiva da Concessionária (CF, § 6º, art. 37), havendo comprovação da falha na prestação do serviço, consistente na falta de manutenção das fiações de energia elétrica de unidades rurais, que culminou no incêndio da propriedade rural da autora/apelada, e sendo demonstrado os danos daí advindos, evidente o dever indenizar . 2. O valor da indenização por danos materiais deve ser apurado em sede de liquidação de sentença, momento em que a parte autora/apelada deverá comprovar, pormenorizadamente, todos os gastos constantes no laudo de avaliação de perdas e danos, colacionado aos autos. (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 1001044-43.2023 .8.11.0036, Relator.: SERLY MARCONDES ALVES, Data de Julgamento: 15/05/2024, Quarta Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 15/05/2024) Destaquei APELAÇÃO CÍVEL. Ação de indenização. Responsabilidade civil de concessionária de serviço público. Incêndio em propriedade do autor, ocasionado por curto-circuito em rede elétrica situada na propriedade vizinha, por contato dos galhos das árvores com os cabos elétricos de poste de madeira situado na região . Cerca da propriedade que foi destruída, conforme comprova o laudo do instituto de criminalística local, com orçamento dos materiais necessários à sua reconstrução. Valor não impugnado especificamente pela requerida na contestação. Indenização por danos materiais. Possibilidade . Falta do serviço. Omissão da requerida no que concerne à adequada manutenção da rede elétrica situada na região. Nexo de causalidade verificado. SENTENÇA MANTIDA . RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO. (TJ-SP - Apelação Cível: 10068698420238260024 Andradina, Relator.: Paulo Galizia, Data de Julgamento: 03/10/2024, 10ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 03/10/2024) Destaquei A análise do conjunto probatório revela que a própria concessionária não negou a ocorrência do incêndio, tampouco o rompimento do cabo de energia. Ao revés, procedeu à realização de vistoria técnica após o evento, conforme se depreende do Laudo Pericial acostado aos autos em ID. 276649029, no qual reconheceu, ainda que implicitamente, a sua responsabilidade pelos danos decorrentes, o que culminou no pagamento parcial de indenização no valor de R$ 48.713,00, configurando-se, portanto, o reconhecimento tácito de sua obrigação de indenizar. Vejamos: O dever de manutenção preventiva da rede elétrica é corolário do risco inerente à atividade desempenhada. Ausente comprovação cabal de força maior, caso fortuito ou culpa exclusiva de terceiro, não há como afastar o nexo de causalidade entre o rompimento da rede e os danos suportados pelo apelado. II. Quanto aos danos materiais, razão também não lhe assiste. O apelado demonstrou documentalmente os prejuízos decorrentes do incêndio, notadamente por meio de notas fiscais de aquisição de materiais (cerca, madeira, arrame) e recibos de mão de obra, os quais perfazem o montante de R$ 99.750,00. Como a apelante já realizou o pagamento de R$ 48.713,00, remanesce o valor de R$ 51.037,00, corretamente reconhecido na sentença, a serem pagos devidamente corrigidos. Ressalte-se que não merece acolhimento a alegação de que as notas fiscais apresentadas seriam anteriores ao evento danoso, uma vez que, em análise preli minar aos documentos acostados sob o ID. 276649016, verifica-se que todos os comprovantes possuem data posterior ao sinistro, o que afasta a tese de inexistência de nexo temporal entre o evento e os danos alegados. Ademais, entendo que os danos materiais estão suficientemente comprovados nos autos, diante da natureza das provas apresentadas (recibos e notas fiscais), do relato minucioso da ocorrência, do Boletim de Ocorrência de registro do sinistro, bem como do comportamento da concessionária, que efetuou o pagamento parcial. Cumpre lembrar que é despicienda a apresentação de comprovantes de pagamento dos danos alegados, sendo suficientes, para fins de comprovação, a juntada de orçamentos, notas fiscais e demais documentos idôneos que atestem a existência e a extensão dos prejuízos suportados. Nesse sentido: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE COBRANÇA - ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO VEICULAR - SUB-ROGAÇÃO - DANOS MATERIAIS - NOTA FISCAL - PROVA IDÔNEA. 1. A associação de proteção veicular se sub-roga nos direitos do associado, sendo devida a cobrança dos valores com os quais teve que arcar com o conserto de veículo envolvido em acidente de trânsito. 2 . As notas fiscais emitidas por lojas e oficinas especializadas são provas idôneas para comprovação dos danos materiais sofridos, cabendo à parte contrária desconstituí-la. (TJ-MG - AC: 10000205151277001 MG, Relator.: José Américo Martins da Costa, Data de Julgamento: 28/01/2021, Câmaras Cíveis / 15ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 12/02/2021) Destaquei III. O abalo moral encontra-se configurado pelas circunstâncias do caso, quais sejam, incêndio de grande proporção, devastação de extensa área da fazenda, destruição de infraestrutura e o risco à integridade de pessoas e bens. Tais eventos extrapolam os meros dissabores do cotidiano, atingindo em cheio a tranquilidade, segurança e dignidade do apelado, além de impactarem sua atividade produtiva rural. O valor arbitrado de R$ 20.000,00 mostra-se razoável e proporcional, atendendo aos critérios da proporcionalidade e da vedação ao enriquecimento sem causa, não havendo motivo para redução. Posto isso, NEGO PROVIMENTO ao Recurso de Apelação interposto pela ENERGISA MATO GROSSO – DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S/A, para manter intacta a sentença prolatada. Por conseguinte, desprovido o apelo, majoro a condenação em honorários advocatícios sucumbenciais de 15% para 18% (dezoito por cento), nos termos do art. 85, §11, do CPC. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 15/04/2025
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