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Leandro Fernandes Garcia e outros x Leandro Fernandes Garcia e outros

ID: 332691081

Tribunal: TRT2 Órgão: 4ª Turma Classe: RECURSO ORDINáRIO TRABALHISTA Nº Processo: 1000632-27.2024.5.02.0312

Data de Disponibilização: 23/07/2025

Polo Ativo:

LEANDRO FERNANDES GARCIA LEVI STRAUSS DO BRASIL INDUSTRIA E COMERCIO LTDA

Polo Passivo:

LEANDRO FERNANDES GARCIA LEVI STRAUSS DO BRASIL INDUSTRIA E COMERCIO LTDA

Acórdão

Advogados:

JUCIENE DA SILVA SOUZA

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PATRICIA MEDEIROS BARBOZA

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VIVIAN LUMY DE LIMA

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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO 4ª TURMA Relator: JOAO FORTE JUNIOR ROT 1000632-27.2024.5.02.0312 RECORRENTE: LEANDRO FERNANDES GARCIA E OUTROS (… PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO 4ª TURMA Relator: JOAO FORTE JUNIOR ROT 1000632-27.2024.5.02.0312 RECORRENTE: LEANDRO FERNANDES GARCIA E OUTROS (1) RECORRIDO: LEVI STRAUSS DO BRASIL INDUSTRIA E COMERCIO LTDA E OUTROS (1) PROCESSO nº 1000632-27.2024.5.02.0312 (ROT) RECORRENTE: LEANDRO FERNANDES GARCIA e LEVI STRAUSS DO BRASIL INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA RECORRIDO: LEANDRO FERNANDES GARCIA e LEVI STRAUSS DO BRASIL INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA RELATOR: JOÃO FORTE JÚNIOR RELATÓRIO Recurso apresentado pelos recorrentes acima identificados. O reclamante alega negativa de prestação jurisdicional e requer a reforma da sentença quanto aos temas: acúmulo de função, auxílio-refeição, redução salarial, garantia salarial do comissionista, assédio moral e indenização pelo trabalho em domingos e feriados. A reclamada também alega nulidade por negativa de prestação jurisdicional e pretende a reforma quanto a: horas extras e intervalo, justiça gratuita, honorários de sucumbência, limitação aos valores da causa e dos pedidos e inconstitucionalidade do artigo 43, parágrafo segundo, da Lei 8.212/91. Oportunizadas contrarrazões. A numeração de folhas indicada no presente voto corresponde àquela do arquivo baixado no formato PDF em ordem crescente. É o relatório. Passo a decidir. FUNDAMENTAÇÃO VOTO CONHECIMENTO - Pressupostos Recursais: Presentes os pressupostos de admissibilidade, CONHEÇO dos recursos. MÉRITO Questões preliminares: 1.Negativa de prestação jurisdicional (recurso do reclamante): O reclamante alega que a sentença não analisou os pedidos referentes à indenização pelo labor em domingos e feriados, e também da garantia do comissionista. Conforme se observa do primeiro parágrafo do tópico "Da jornada de trabalho" da sentença, houve a competente consideração do alegado pelo reclamante na análise dos valores devidos pelos dias trabalhados pelo autor, acolhendo apenas o adicional de 100% para o labor em domingos e feriados. Quanto à garantia do comissionista, igualmente, a sentença no tópico "Da redução salarial unilateral" tratou do tema. Não verifico a ocorrência de negativa de prestação jurisdicional, destacando que o artigo 1.013, parágrafo primeiro, do Código de Processo Civil consagra o efetivo devolutivo em profundidade do recurso ordinário, e o parágrafo terceiro, do mesmo dispositivo, indica que o Tribunal deverá decidir o mérito da causa, ainda que haja omissão da sentença no exame de um dos pedidos. Rejeito. 2. Negativa de prestação jurisdicional (recurso da reclamada): A reclamada alega que não houve pronunciamento na sentença sobre a inconstitucionalidade do artigo 43, parágrafo segundo, da Lei 8.212/91, quanto à limitação aos valores dos pedidos e aplicação da Súmula 340/TST. Como ponderado no tópico antecedente, o artigo 1.013, parágrafo primeiro, do Código de Processo Civil consagra o efetivo devolutivo em profundidade do recurso ordinário, e o parágrafo terceiro, do mesmo dispositivo, indica que o Tribunal deverá decidir o mérito da causa, ainda que haja omissão da sentença no exame de um dos pedidos. Tal entendimento está em consonância com a Súmula 393, itens I e II, do C. TST. Os temas serão apreciados na presente decisão, não havendo que se falar em nulidade da decisão e retorno dos autos à origem. Rejeito. Recurso do reclamante: 1.Do acúmulo de função: Alegou o reclamante que além das atividades de vendedor, também atuava como operador de caixa, estoquista e cuidava da vitrine. Pretende o pagamento de adicional pelo acúmulo de tais tarefas. Esclareço que para a caracterização do acúmulo de funções é imprescindível que o empregado preste serviços em mais de uma atividade, sem a correspondente contratação, expressa ou tácita, em serviço incompatível com sua condição Dessa forma, não havendo cláusula nos instrumentos normativos juntados pelo autor que contemple o acúmulo de funções, aplico o disposto no parágrafo único, do artigo 456 da CLT, in verbis: "À falta de prova ou inexistindo cláusula expressa a tal respeito, entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal". Vale dizer, portanto, que a simples execução simultânea de outras tarefas não gera o direito pleiteado, sendo imprescindível prova de que tal situação escapou do quanto previsto no contrato de trabalho e desse ônus o reclamante não se desincumbiu. As tarefas citadas pelo reclamante possuem nítida relação com aquele que promove a venda de roupas, recebendo o valor pela venda, guardando o produto no estoque e expondo o produto para torná-lo mais atrativo ao consumidor. Mantida a sentença. 2.Da redução salarial e garantia salarial do comissionista: Sustenta o reclamante que em alguns meses teve seu salário reduzido citando os comprovantes de pagamento dos meses de janeiro de 2022 (férias) e março de 2022. Alega ainda que, como comissionista deveria ter garantido o valor previsto em cláusula específica. Requer a reforma da sentença. Analisando a cláusula 21.ª da norma coletiva, que trata da garantia do comissionista, tenho que não assiste razão ao autor. Transcrevo a cláusula constante às fls. 167: "CLÁUSULA 21.ª: GARANTIA DO COMISSIONISTA: Aos empregados remunerados à base de comissões com percentuais pré-ajustadas sobre as vendas (comissionista puro), fica assegurada, a garantia de uma remuneração de R$ 2.115,00 (dois mil cento e quinze reais), a partir de 1º de outubro de 2.021, nela incluído o descanso semanal remunerado e, que somente prevalecerá no caso das comissões auferidas em cada mês não atingirem o valor da garantia e se cumprida integralmente a jornada de trabalho" (fls. 167/168). O exemplo citado pelo autor (cujas imagens dos documentos constam das razões recursais) da remuneração do comprovante de janeiro de 2022 correspondente a férias, em que consta efetivamente o mínimo garantido de R$ 2.115,00 em cotejo com o comprovante de março de 2022 em que consta o mínimo garantido de R$ 1.587,02, comissões de R$ 459,85 e DSR sobre a comissão no importe de R$ 68,13, demonstram que não há nenhuma diferença, pois a soma da comissão, do DSR sobre a comissão e do mínimo garantido importam exatamente em R$ 2.115,00. O autor faz uma leitura equivocada do documento ao apenas destacar o valor do mínimo garantido de R$ 1.587,02. Matematicamente, para ser aferido se foi efetivamente garantia a remuneração mínima, é indispensável que seja somada a comissão recebida e o DSR sobre ela. O exemplo acima, além de demonstrar a inexistência de redução salarial, também demonstra que a reclamada observava as disposições para o comissionista previstas em cláusula específica, não merecendo qualquer reparo a sentença. 3.Do trabalho em domingos e feriados: Alega o reclamante que "nunca recebeu" (fls. 558 - o negrito e sublinhado do advérbio são meus) a gratificação de cunho indenizatório previsto na norma coletiva para o trabalho em domingos e feriados. Não tem razão o autor. Os comprovantes de pagamento demonstram que havia tal pagamento, como é possível observar dos documentos de fls. 346 em que consta pagamento a título de domingo trabalhado de R$ 90,00 (2 x R$ 45,00) e de fls. 347 em que consta o pagamento de feriado trabalhado de R$ 45,00. Tais valores coincidem com o previsto às fls. 174 na cláusula 49.ª, parágrafo primeiro, alínea "g" da Convenção Coletiva de Trabalho, que prevê o pagamento de R$ 45,00, a título indenizatório para cada domingo ou feriado trabalhado. Portanto, não é verdade que o reclamante nuncarecebeu a indenização em questão. Tendo recebido e não tendo apontado diferenças, a sentença fica mantida. 4.Do auxílio-refeição: Alegando o recebimento do auxílio-refeição apenas em domingos e feriados laborados, pretende o reclamante a reforma da sentença para que a reclamada seja condenada ao pagamento nos demais dias trabalhados. Não tem razão o autor, que sequer indica qual cláusula normativa prevê o benefício vindicado. As norma coletivas, ao tratarem do trabalho em domingos e feriados (exclusivamente em tais dias), prevê o fornecimento de refeição ou pagamento de vale quando o labor exceder a cinco horas. Não havendo previsão legal para o pedido, correta a sentença que, sob tal fundamento, indeferiu a pretensão. 5.Do assédio moral: Sob alegação de que as condutas praticadas pela reclamada não consistiam em meros aborrecimentos, pretende o reclamante o pagamento de indenização que fora indeferida pela sentença. A despeito de o depoimento da testemunha Michele ter narrados fatos que teriam sido por ela presenciados que induziriam à conclusão de que a gerente Graciele realmente ofendeu o reclamante, seu depoimento não está em consonância com o depoimento do próprio autor, que afirmou que "apenas a gerente Graciele 'pegava um pouco no pé'; que nunca formalizou reclamação contra ela, eis que trabalhou com ela apenas por 8 /9 meses no total, quando pediu demissão". Portanto, não há que prevalecer a prova testemunhal, se o próprio autor não indicou as ofensas ditas pela testemunha, apenas dizendo que a gerente "pegava um pouco no pé", que corresponde a um problema cotidiano de relevância diminuta (veja-se que o advérbio de intensidade "pouco" denota situação que ocorria em reduzida quantidade), que é insuscetível de indenização. Mantida a sentença. Recurso da reclamada: 1.Da limitação aos valores da causa e dos pedidos: Pretende a reclamada que, em liquidação, seja observado o limite dos valores indicados na inicial. O artigo 840, parágrafo primeiro, da CLT não exige qualquer indicação precisa, tampouco memória de cálculo dos valores pretendidos. O momento de efetiva fixação do valor devido é a fase de liquidação de sentença, preservada pela Lei 13.467/2017, que alterou o dispositivo legal citado no parágrafo anterior. Não obstante a ampla atuação de profissionais da advocacia na representação das partes nas demandas trabalhistas, ainda vige o jus postulandi (art. 791, CLT). A interpretação sistemática induz à conclusão de que a exigência de indicação do valor não corresponde à indicação exata, limitadora da condenação, mas uma mera estimativa. Destaco o disposto no artigo 12, parágrafo segundo, da Instrução Normativa 41/2018 do C. TST, que menciona ser exigida apenas uma estimativa dos valores correspondentes aos pedidos, não havendo que se falar em limitação quanto ao valor deles. Cito aresto no C. TST em tal sentido: "AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. LIMITAÇÃO DA CONDENAÇÃO AOS VALORES ATRIBUÍDOS AOS PEDIDOS NA PETIÇÃO INICIAL. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA. 1. O TST aprovou a Instrução Normativa nº 41/2018, que regulamenta a aplicação das normas processuais contidas na CLT, alteradas ou acrescentadas pela Lei nº 13.0467/2017, cujo art. 12, § 2º, estabelece que, "para fim do que dispõe o art. 840, §§ 1º e 2º, da CLT, o valor da causa será estimado, observando-se, no que couber, o disposto nos arts. 291 a 293 do Código de Processo Civil". 2. Esta Primeira Turma firmou entendimento, segundo o qual os valores atribuídos aos pedidos iniciais devem ser considerados como quantia estimada, ainda que tenham sido apresentados de forma líquida, na exordial, em razão de interpretação dada à matéria pela SbDI-I, ente de uniformização de jurisprudência, interna corporis , desta Corte Superior. 3. A previsão contida na novel legislação de que o pedido deve ser "certo, determinado e com indicação de valor" não restringe a liquidação da condenação aos valores apontados na petição inicial. (...)" (Ag-AIRR-1001451-45.2020.5.02.0201, 1ª Turma, Relator Ministro Amaury Rodrigues Pinto Junior, DEJT 13/12/2024). Também esta 4.ª Turma assim firmou entendimento, conforme acórdãos proferidos nos processos 1000327-41.2023.5.02.0033 (Rel. Desembargador Ricardo Artur Costa e Trigueiros), 1000362-38.2024.5.02.0462 (Rel. Desembargadora Ivani Contini Bramante), 1002077-39.2023.5.02.0434 (Rel. Desembargadora Ivete Ribeiro), 1000017-11.2024.5.02.0062 (Rel. Desembargadora Maria Isabel Cueva de Moraes), 1001278-46.2022.5.02.0461 (Rel. Desembargadora Lycanthia Carolina Ramage) e 1000490-64.2023.5.02.0051 (Rel. Magistrado Paulo Sérgio Jakutis). Nego provimento. 2.Das horas extras e intervalo: Pretende a reclamada a reforma da sentença que a condenou ao pagamento de horas extras, sustentando a validade dos cartões de ponto, conflito entre os depoimentos prestados, inverossimilhança das jornadas indicadas, ausência de demonstrativo de diferenças, fruição integral do intervalo e observância do entendimento da Súmula 340/TST. A ausência de veracidade dos cartões de ponto é muito clara em todos os depoimentos das testemunhas ouvidas. Note-se que, inclusive a testemunha ouvida a rogo da reclamada indicou, genericamente, referindo-se a múltiplos empregados, "que ocorria de chegar mais cedo ou prorrogar a jornada; que os horários de antecipação e prorrogação de jornada não eram anotados nas folhas, eis que ocorriam por iniciativa dos próprios funcionáriosque queriam bater as metas" (fls. 494/495 - sublinhei trecho que demonstra que o fato narrado não se referia apenas à testemunha, mas aos outros empregados), como se o incremento vendas beneficiasse apenas o empregado, sendo o empregador mero facilitador desinteressado em tal expediente. Ora, se o empregado comissionista trabalhava mais horas, certamente o intuito era ganhar mais, porém, a reclamada era a maior interessada nisso, posto que fica com a maior parte do lucro do produto. Aliás, irrelevante qualquer discussão sobre o benefício ou não ao trabalhador o fato de trabalhar mais horas, já que às partes não é dado ajustar a prestação de serviços em desrespeito à legislação trabalhista, pois não é possível a elas manifestar suas vontades e concordarem na transgressão do regramento jurídico-trabalhista. A reclamada tinha obrigação de exigir e praticar o escorreito cumprimento da legislação trabalhista, com o correto registro de ponto, quisesse o reclamante ou não, e também remunerar de forma extraordinária o trabalho realizado em adição à jornada pactuada. A doutrina clássica de Arnaldo Süssekind muito bem indica a imperatividade das normas do Direito do Trabalho. Transcrevo as lições: "Prevalência das regras imperativas no Direito do Trabalho. O Estado moderno, que regula a ordem econômica e social de maneira a que sejam respeitados os princípios da justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho como condição da dignidade humana, inclui nos próprios textos constitucionais os preceitos mínimos de proteção ao trabalho, sublinhando, com essa atitude, a preponderância dos preceitos de ordem pública atinentes ao Direito do Trabalho. Nas relações de trabalho, ao lado do conteúdo contratual, que é livremente preenchido pelo ajuste expresso ou tácito entre as partes interessadas, prevalece, assim, o conteúdo institucional ditado pelas normas jurídicas de caráter imperativo (leis, convenções coletivas, sentenças normativa etc.) cuja aplicação independe da vontade dos contratantes e ocorre ainda que em sentido diverso se manifestem eles." Há assim uma base legal cogente para o contrato de trabalho, refletindo o princípio protetor, que é um dos característicos fundamentais do Direito do Trabalho. Essas condições mínimas, de aplicação genérica, podem ser complementadas ou suplementadas pelos instrumentos de negociação coletiva, cujas normas são também irrenunciáveis. Nada impede, obviamente, que o empregador e empregado estabeleçam, no contrato individual de trabalho, condições mais favoráveis do que as resultantes dos preceitos imperativos." (Arnaldo Süssekind, Délio Maranhão, Segadas Viana, Instituições de Direito do Trabalho, 10.ª ed., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1987, p. 175/176) A despeito da clássica doutrina acima, da década de oitenta, importante trazer à colação os ensinamentos contemporâneos de Maurício Godinho Delgado sobre os princípios trabalhistas da imperatividade das normas trabalhistas e indisponibilidade dos direitos trabalhistas: "C) Princípio da Imperatividade das Normas Trabalhistas - Informa tal princípio que prevalece no segmento juslaborativo o domínio de regras jurídicas obrigatórias, em detrimento de regras apenas dispositivas. As regras justrabalhistas são, desse modo, essencialmente imperativas, não podendo, de maneira geral, ter sua regência contratual afastada pela simples manifestação de vontade das partes. Nesse quadro, raros são os exemplos de regras dispositivas no texto da CLT, prevalecendo uma quase unanimidade de preceitos imperativos no corpo daquele diploma legal. Para este princípio prevalece a restrição à autonomia da vontade no contrato trabalhista, em contraponto à diretriz civil de soberania das partes no ajuste das condições contratuais. Esta restrição é tida como instrumento assecuratório eficaz de garantias fundamentais ao trabalhador, em face do desequilíbrio de poderes inerente ao contrato de emprego. D) Princípio da Indisponibilidade dos Direitos Trabalhistas - O presente princípio é projeção do anterior, referente à imperatividade das regras trabalhistas. Ele traduz a inviabilidade técnico-jurídica de poder o empregado despojar-se, por sua simples manifestação de vontade, das vantagens e proteções que lhe asseguram a ordem jurídica e o contrato. A indisponibilidade inata aos direitos trabalhistas constitui-se talvez no veículo principal utilizado pelo Direito do Trabalho para tentar igualizar, no plano jurídico, a assincronia clássica existente entre os sujeitos da relação socioeconômica de emprego. O aparente contingenciamento da liberdade obreira que resultaria da observância desse princípio desponta, na verdade, como o instrumento hábil a assegurar efetiva liberdade no contexto da relação empregatícia: é que aquele contingenciamento atenua ao sujeito individual obreiro a inevitável restrição de vontade que naturalmente tem perante o sujeito coletivo empresarial. É comum à doutrina valer-se da expressão irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas para enunciar o presente princípio. Seu conteúdo é o mesmo já exposto, apenas adotando-se diferente epíteto. Contudo, a expressão irrenunciabilidade não parece adequada a revelar a amplitude do princípio enfocado. Renúncia é ato unilateral, como se sabe. Ora, o princípio examinado vai além do simples ato unilateral, interferindo também nos atos bilaterais de disposição de direitos (transação, portanto). Para a ordem justrabalhista, não serão válidas quer a renúncia, quer a transação que importe objetivamente em prejuízo ao trabalhador." (Maurício Godinho Delgado, Curso de Direito do Trabalho:obra revista e atualizada conforme a lei da reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais posteriores, 18.ª ed., São Paulo: LTr, 2019, p. 236/237) Irregular, portanto, o expediente praticado pela reclamada de permitir o labor sem o competente registro de ponto, o que induz à conclusão de que o reclamante trabalhava em horário extraordinário, não sendo correto admitir os horários de saída constantes dos cartões de ponto (friso que o reclamante reconheceu os horários de entrada em depoimento como corretos). Entretanto, entendo que os horários fixados em sentença não devem prevalecer, na medida em que o próprio reclamante reconheceu em depoimento "que em média trabalhava das 9h às 17h/18h, com 15 minutos de intervalo". Como a sentença reconheceu que o reclamante de segunda a sexta-feira trabalhava das 9h às 17h, tenho que o elastecimento até 18h ocorria nos sábados e domingos. Reformo a sentença para reconhecer que, aos sábados e domingos, o labor se encerrava às 18h, e não 22h como deferido em sentença, prestigiando a confissão real do próprio reclamante em audiência, mantendo os parâmetros de cálculo estabelecidos no primeiro grau, exceto em relação à observância da Súmula 340/TST, cujo entendimento é adotado, para que o pagamento de todas as horas extras deferidas nos autos se limite ao adicional, posto que o reclamante era comissionista puro. Diferentemente do indicado nas razões recursais, a jornada reconhecida não é inverossímil e o afastamento dos cartões de ponto, como acima ponderado, decorre de versão uníssona trazida pelas testemunhas. Também não há que se falar em apresentação de demonstrativo de diferenças se restou comprovado que sequer havia o registro das horas extras. Quanto ao intervalo, a testemunha Rodrigo, trazida pela reclamada, disse em relação "que fazia 30 minutos de intervalo; que se a jornada fosse superior a 6 horas, fazia 1h de intervalo". Diferentemente do seu depoimento quanto à marcação de ponto, a testemunha disse apenas em relação a si, o que é possível notar a partir da indicação do verbo no singular. Já a testemunha Felipe, trazida pelo reclamante, narrou fatos ocorridos não só consigo, mas também com o reclamante, dizendo "que aos finais de semana não fazia intervalo para refeição; que durante a semana fazia 15 minutos de intervalo; que o mesmo ocorria com o reclamante", não merecendo reparo a sentença que reconheceu o intervalo de quinze minutos. 3.Da inconstitucionalidade do artigo 43, parágrafo segundo, da Lei 8.212/91: A reclamada sustenta a inconstitucionalidade do disposto no artigo 43, parágrafo segundo, da Lei 8.212/91, pretendendo a reforma da sentença. Não há que se falar em inconstitucionalidade, na medida em que o artigo 195, inciso I, da Constituição Federal não trata da hipótese do momento de incidência do tributo. Nesse sentido: "(...)3.CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. FATO GERADOR. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. MULTA MORATÓRIA. VÍNCULO DE EMPREGO INICIADO EM MOMENTO ANTERIOR À VIGÊNCIA DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 449/2008 E EXTINTO APÓS ESSA NORMA. PRINCÍPIOS DA ANTERIORIDADE NONAGESIMAL E DA IRRETROATIVIDADE DA NORMA. INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI Nº 11.941/2009. NÃO CONFIGURAÇÃO. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA CONSTATADA . Constatado equívoco na decisão de admissibilidade, dá-se provimento ao agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista, quanto ao tema em epígrafe. RECURSO DE REVISTA DA PARTE RÉ. LEI Nº 13.467/2017. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. FATO GERADOR. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. MULTA MORATÓRIA. VÍNCULO DE EMPREGO INICIADO EM MOMENTO ANTERIOR À VIGÊNCIA DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 449/2008 E EXTINTO APÓS ESSA NORMA. PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE NONAGESIMAL. INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI Nº 11.941/2009. NÃO CONFIGURAÇÃO. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA CONSTATADA. Em decisões do Supremo Tribunal Federal, concluiu-se que a matéria envolvendo o momento da ocorrência do fato gerador de contribuições previdenciárias é infraconstitucional, tendo em vista que o artigo 195, I, da Constituição Federal não trata da hipótese de incidência do tributo. Diante da nova redação conferida ao artigo 43 da Lei nº 8.212/91, por meio da Lei nº 11.941/2009, que acresceu o § 2º ao citado dispositivo, passou-se a considerar o devedor em mora desde a data da efetiva prestação dos serviços, e não somente a partir do pagamento do crédito devido ao trabalhador, como anteriormente previsto no artigo 276 do Decreto nº 3.048/99. Nesse sentido posicionou-se o Pleno desta Corte no julgamento do E-RR-1125-36.2010.5.06.0171, cujo acórdão foi publicado em 15/12/2015. Decidiu-se, portanto, que incidem os juros de mora e a correção monetária desde a data da prestação dos serviços. Já a multa, será computada depois de apurado o crédito e exaurido o prazo para pagamento, após a citação do devedor, nos termos dos artigos 61, § 1º, da Lei nº 9.430/96, 43, § 3º, da Lei nº 8.212/91, observado o limite máximo de 20% previsto no artigo 61, § 2º, da Lei nº 9.430/96. Além disso, consoante entendimento firmado por esta Turma no julgamento do RR - 152-23.2014.5.02.0084, em sessão realizada em 15/03/2017, serão adotados os valores de multas vigentes à época das competências dos meses em que foram prestados os serviços pelos quais a remuneração é devida, quando consignados nos cálculos de liquidação ou nos termos do acordo, observando-se os critérios estabelecidos nos artigos 103, e seus parágrafos, e 104 da Instrução Normativa RFB nº 971/2009, que dispõe sobre normas gerais de tributação previdenciária e de arrecadação das contribuições sociais destinadas à Previdência Social. Todavia, tal entendimento se aplica apenas às prestações laborais posteriores a 05/03/2009, em observância ao Princípio da Anterioridade Nonagesimal, previsto no artigo 195, § 6º, da Constituição Federal. Quanto aos juros e multa, apenas a empresa é responsável. Já a responsabilidade pelos acréscimos advindos da correção monetária cabe também ao empregado. Nesse contexto, o voto de Relatoria do Ministro Alexandre Agra Belmonte ressalta: "pela atualização monetária das contribuições respondem trabalhador e empresa, contribuintes do sistema e sem prejuízo para o trabalhador, que por sua vez receberá o crédito igualmente atualizado." Ressalte-se que não há inconstitucionalidade na norma inserta no artigo 43, §§ 2º e 3º, da Lei nº 8.212/91, na medida em que não se verifica incompatibilidade entre o citado dispositivo e o artigo 195, I, "a", da Constituição Federal, segundo o qual as contribuições sociais incidem sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviços, mesmo sem vínculo empregatício. No caso, como a condenação abrange ambos os períodos - anterior e posterior à alteração - deve ser feita a adequação parcial a cada um dos fatos geradores acima descritos. Recurso de revista conhecido e parcialmente provido" (RR-1000224-65.2019.5.02.0262, 7ª Turma, Relator Ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 25/11/2022). Rejeito. 4.Da justiça gratuita: Alega a reclamada que não houve pela parte reclamante comprovação da condição de hipossuficiência de recursos, sendo incorreta a concessão dos benefícios da justiça gratuita. Não merece reparo a sentença de primeiro grau, pois a declaração firmada pela parte reclamante goza de presunção de veracidade (artigo 1.º da Lei 7.115/83 e artigo 99, parágrafo terceiro, do Código de Processo Civil) e, portanto, era ônus da reclamada comprovar que o reclamante possui condições de arcar com as despesas processuais e honorários advocatícios. Tal questão foi objeto de apreciação em sede se Incidente de Recursos Repetitivos pelo TST (IncJulgRREmbRep-277- 83.2020.5.09.0084) e foi definido o tema 21. Diante do disposto no artigo 985, incisos I e II, do Código de Processo Civil, aplicável ao processo do trabalho por força do artigo 769 da CLT, tal decisão possui efeito vinculante. Não havendo prova a contrariar a declaração apresentada pela parte reclamante, mantenho a sentença. 5.Dos honorários de sucumbência: Requer a reclamada a exclusão do pagamento em honorários advocatícios diante do provimento do recurso e improcedência da demanda, ou a redução do percentual de 10% fixado. O presente recurso não reconheceu a improcedência da demanda, de modo que permanece a condenação da reclamada ao pagamento de honorários de sucumbência e o percentual de 10% fixado está adequado à complexidade da demanda e trabalho desempenhado pelos nobres causídicos. Rejeito. ACÓRDÃO DISPOSITIVO Ante o exposto, ACORDAM os Magistrados da 4.ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2.ª Região em, por unanimidade de votos, CONHECER dos recursos; REJEITAR as preliminares de negativa de prestação jurisdicional; NEGAR PROVIMENTO ao apelo do reclamante; e DAR PARCIAL PROVIMENTO ao apelo da reclamada para reconhecer que, aos sábados e domingos, o labor se encerrava às 18h, mantendo os parâmetros de cálculo estabelecidos no primeiro grau, exceto em relação à observância da Súmula 340/TST, para que o pagamento de todas as horas extras deferidas nos autos se limite ao adicional. Tudo nos termos da fundamentação supra. Custas inalteradas. Presidiu a sessão a Excelentíssima Desembargadora Presidente Ivani Contini Bramante. Tomaram parte no julgamento o Exmo. Juiz convocado João Forte Junior e as Exmas. Desembargadoras Maria Isabel Cueva Moraes e Lycanthia Carolina Ramage. Relator (a): João Forte Junior. Integrou a sessão presencial o (a) representante do Ministério Público. Sustentação oral: Dra Letícia Pereira Dias. JOÃO FORTE JÚNIOR Relator SAO PAULO/SP, 22 de julho de 2025. CRISTINA MARIA ABE Diretor de Secretaria Intimado(s) / Citado(s) - LEVI STRAUSS DO BRASIL INDUSTRIA E COMERCIO LTDA

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Banco Votorantim S.A. x Juliana Goulart Ferraz

ID: 282033181

Tribunal: TJPR Órgão: 1ª Vara Cível de Francisco Beltrão Classe: BUSCA E APREENSãO EM ALIENAçãO FIDUCIáRIA Nº Processo: 0009552-73.2024.8.16.0083

Data de Disponibilização: 28/05/2025

Polo Ativo:

BANCO VOTORANTIM S.A.

Polo Passivo:

JULIANA GOULART FERRAZ

Conclusão

Advogados:

MOISES BATISTA DE SOUZA

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RAFAEL DENIZ DE AMORIM

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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DE FRANCISCO BELTRÃO 1ª VARA CÍVEL DE FRANCISCO BELTRÃO - PROJUDI Rua Tenente Camargo, 2112 - Centro - Francisco Beltrão/PR - CEP: 85.601-610 - Fone: (46)… PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ COMARCA DE FRANCISCO BELTRÃO 1ª VARA CÍVEL DE FRANCISCO BELTRÃO - PROJUDI Rua Tenente Camargo, 2112 - Centro - Francisco Beltrão/PR - CEP: 85.601-610 - Fone: (46) 39056701 - E-mail: fb-1vj-s@tjpr.jus.br Autos nº. 0009552-73.2024.8.16.0083 Processo: 0009552-73.2024.8.16.0083 Classe Processual: Busca e Apreensão em Alienação Fiduciária Assunto Principal: Alienação Fiduciária Valor da Causa: R$47.724,19 Autor(s): Banco Votorantim S.A. Réu(s): JULIANA GOULART FERRAZ S E N T E N Ç A I – RELATÓRIO BANCO VOTORANTIM S.A., por seus procuradores, propôs a presente Ação de Busca e Apreensão com pedido de Medida Liminar contra JULIANA GOULART FERRAZ, alegando, em síntese: a) concedeu à ré um financiamento no valor de R$ 49.848,21 (quarenta e nove mil, oitocentos e quarenta e oito reais e vinte e um centavos), para ser restituído por meio de 55 prestações mensais, no valor de R$ 1.683,41 (mil e seiscentos e oitenta e três reais e quarenta e um centavos), com vencimento final em 24/12/2026, garantido por Alienação Fiduciária, contrato nº 12274000003840 celebrado em 26/05/2022; b) o réu transferiu em alienação fiduciária o bem “CHEVROLET – S10 CD ADVANTAGE 4X2 2.4 8V 4P (AG) Completo – 2008/2009 – PRETA – AZO7979 – 9BG138HU09C429289 – 115873481”; c) a ré tornou-se inadimplente, deixando de efetuar o pagamento das prestações a partir de 24/04/2024. Ao final, requereu a concessão da liminar da busca e apreensão do bem e a condenação da ré ao pagamento das custas e honorários advocatícios. Atribuiu à causa o valor de R$ 47.724,19. Juntou documentos às seqs. 1.1/16. A inicial foi recebida em 26 de novembro em 2024, em seq. 20.1, sendo acolhida a liminar de busca e apreensão do bem. Expedido mandado de busca e apreensão, o veículo foi apreendido conforme auto de seq. 25.1/25.4. A requerida apresentou contestação (seq. 30.1) alegando, em síntese: a) faz jus ao benefício da justiça gratuita; b) aplicação do CDC e inversão do ônus da prova; c) abusividade da cobrança de juros moratórios em patamar de 6% (seis por cento) ao mês; d) ilegalidade da cobrança de capitalização de juros diária sem indicar a taxa a ser aplicada; e) foram cobrados juros remuneratórios acima da taxa média de mercado; f) faz jus à restituição dos valores cobrados indevidamente; g) afastamento da mora. Ao final, requereu a improcedência dos pedidos aduzidos na inicial. Juntou documentos de seq. 30.1/30.9. O autor apresentou a impugnação à contestação (seq. 35.1). Intimadas para especificação de provas, ambas as partes informaram não possuir novas provas a produzir (seq. 38.1 e 40.1). Vieram-se os autos conclusos para sentença. É o breve relato. Passo a decidir. II – FUNDAMENTAÇÃO Preliminarmente A parte ré requereu a concessão dos benefícios da justiça gratuita. A parte autora, por sua vez, impugnou o pedido, alegando que a parte ré deixou de comprovar documentalmente que não possui condições de arcar com as custas processuais e honorários advocatícios. Em que pesem os argumentos da parte impugnante, entende-se que não merece acolhimento a sua pretensão. Isso porque, nos termos do art. 99, §2º do CPC o juiz somente poderá inferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão da gratuidade. Ademais, a afirmação do requerente do benefício gera a chamada presunção iuris tantum de veracidade, cabendo à parte contrária o ônus da prova em sentido contrário, com o propósito de elidir a presunção de pobreza, o qual não restou comprovado no caso. Vejamos o julgado: Agravo de instrumento. Justiça Gratuita. Pessoa física. Deferimento pela decisão agravada. Impugnação pela parte contrária. No incidente de impugnação ao pedido de justiça gratuita, compete ao impugnante o ônus da prova de que o impugnado tem condições financeiras de arcar com as despesas processuais sem o prejuízo de seu sustento ou de sua família. Não o fazendo, impõe-se o indeferimento da impugnação. Agravo conhecido e não provido. (TJPR - 15ª C.Cível - 0020157-46.2018.8.16.0000 - Londrina - Rel.: Hamilton Mussi Corrêa - J. 01.08.2018) “APELAÇÃO CÍVEL. IMPUGNAÇÃO À ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. A presunção de pobreza decorrente da simples alegação de miserabilidade do interessado não pode ser afastada por indício decorrente de sua profissão ou pelo valor dos rendimentos por ele percebidos. É pacifica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o benefício da assistência judiciária gratuita pode ser concedido mediante simples afirmação do requerente, sem necessidade de comprovação, ressalvando-se que a parte contrária pode pedir a sua revogação se provar a inexistência da alegada hipossuficiência" (acórdão n° 4.942, Décima Sexta Câmara Cível, relator Desembargador SHIROSHI YENDO, DJ 23/02/2007). Portanto, não havendo outras provas a amparar a pretensão do autor, não merecem prosperar suas alegações. Em face das razões expostas, rechaço a impugnação suscitada, e concedo o benefício da justiça gratuita em favor da parte ré. Verifico, ao passo seguinte, que inexistem preliminares para serem analisadas, pelo que reafirmo a presença dos pressupostos processuais de existência (pedido, investidura do juiz, citação válida e capacidade postulatória) e validade (petição inicial regular, competência, legitimidade, interesse e capacidade de estar em juízo), e a inexistência dos pressupostos processuais negativos (litispendência, perempção e coisa julgada). Mérito Cuida-se de ação de busca e apreensão fundada no Decreto-lei nº 911, de 01/10/69, proposta por BANCO VOTORANTIM S.A. contra JULIANA GOULART FERRAZ. Analisando-se os autos, constata-se que o requerido, no dia 10.12.2021, adquiriu, através da Cédula de Crédito Bancário (seq. 1.8), o veículo marca/modelo CHEVROLET – S10 CD ADVANTAGE 4X2 2.4 8V 4P (AG) Completo – 2008/2009 – PRETA – AZO7979 – 9BG138HU09C429289 – 115873481, obtendo financiamento no valor de R$46.434,00, a ser pago em 48 parcelas, posteriormente renegociado através do aditivo de seq. 1.8, fl. 04. Como garantia do fiel cumprimento do contrato, restou o veículo gravado com alienação fiduciária em favor da autora. Assim, devem ser observadas as exigências previstas no Decreto-Lei nº 911/69, por ser norma específica, à comprovação da constituição em mora. Na citada legislação, resta claro que, para o ajuizamento da ação de busca e apreensão, é necessário o inadimplemento da obrigação assumida com a constituição do devedor em mora. No caso em concreto, tem-se que o requerido deixou de cumprir as obrigações assumidas voluntariamente, suspendendo o pagamento das parcelas mensais, sendo constituído em mora através de seu comparecimento espontâneo nos autos. Desta feita, a mora restou caracterizada. Não resta dúvida de que tanto as instituições financeiras quanto as pessoas jurídicas que se utilizem da alienação fiduciária em garantia terão os seus contratos norteados pelo Código Civil, interpretados sistemática e harmoniosamente com as regras previstas no Código de Defesa do Consumidor. Sabe-se, de igual sorte, que a alienação fiduciária é um contrato com peculiaridades próprias, sendo regulada por legislação específica (artigo 1º, §1º, do Decreto-lei nº 911/69), que não foi derrogada, tampouco alterada pelo Diploma Consumerista e pela Constituição Federal e, portanto, vigora e produz seus efeitos legais e jurídicos. Nesse contexto, importante ressaltar que o artigo 3º, §2º do referido Decreto-Lei (com redação conferida pela Lei nº 10.931/2004), que faculta ao devedor fiduciário a quitação da integralidade da dívida pendente, não foi revogado pelo Código de Defesa do Consumidor e é, portanto, aplicável ao presente caso. Dessa forma, haverá preclusão consumativa se o devedor perder a oportunidade que lhe é facultada ou se efetuar o pagamento a menor do que o devido. Dispõe expressamente o artigo 66 da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, que: “A alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor em possuidor direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal”. Verifica-se, portanto, que o alienante do veículo objeto do contrato de alienação fiduciária possui apenas a posse direta do bem, sendo certo que para ceder seus direitos a terceiros, depende de anuência do credor fiduciário. Dessa forma, o bem alienado fiduciariamente não integra o patrimônio do devedor. No caso dos autos, o requerido em momento algum alegou ter efetuado o pagamento das prestações vencidas e descritas na inicial, tampouco se manifesta acerca da aludida existência da dívida atrasada. Reconhece, dessa maneira, a existência do contrato de financiamento com alienação fiduciária e a sua inadimplência. Entretanto, pugna o requerido pela revisão de cláusulas contratuais do presente instrumento particular, a fim de adequá-las à melhor exegese da legislação consumerista. Inicialmente, cumpre observar que se afigura admissível a extensão dos termos da contestação, nas ações de busca e apreensão de que se trata, para efeito de revisão das cláusulas contratuais celebradas em desconformidade com a legislação em vigor, não havendo como se entrever, na dilargação dos temas de defesa, qualquer ofensa ao Decreto-Lei 911/69. De fato, não se pode negar que a discussão contratual contribui para a efetividade processual, na medida em que permite a obtenção de um resultado mais amplo e célere, no mesmo processo e numa mesma decisão, onde ficarão resolvidas as pendências entre as partes acerca daquela relação jurídica, cumprindo-se, com rigor, o princípio da celeridade e economia processual. É nesse sentido o julgado: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO GARANTIDO COM CLÁUSULA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. 1. PEDIDO DE REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS FORMULADO EM SEDE DE CONTESTAÇÃO. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PEDIDO GENÉRICO. DESNECESSIDADE, NA HIPÓTESE, DE QUE O RÉU IMPUGNASSE ESPECIFICAMENTE O VALOR INDICADO COMO DEVIDO PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, APONTANDO O MONTANTE ENTENDIDO COMO DEVIDO. 2. CONSTITUIÇÃO EM MORA DO DEVEDOR. MATÉRIA JÁ APRECIADA ANTERIORMENTE TANTO EM PRIMEIRO QUANTO EM SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. PRECLUSÃO. ART. 471, CAPUT, DO CPC. RECURSO NÃO CONHECIDO NO PONTO. (...) (TJPR - 17ª C.Cível - AC - 1002077-0 - Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Francisco Eduardo Gonzaga de Oliveira - Unânime - - J. 12.06.2013) Nessa contextualidade, não há dúvida, pois, da aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso analisado, posto que configurada a relação de consumo, sendo o requerido considerado adquirente de produto/serviço como destinatário final, de acordo com o art. 2º da aludida lei. Aliás, restou pacificada a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor no âmbito das relações contratuais bancárias, independentemente das características dos sujeitos contratantes, com a edição da Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça (“O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”). Todavia, no caso em tela, considerando que há a possibilidade do autor/consumidor em demonstrar a prova do fato que pretende através dos meios ordinários de prova, descaracterizada está a sua hipossuficiência. Nesse sentido: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - AUSÊNCIA DE HIPOSSUFICIÊNCIA - IMPOSSIBILIDADE. A inversão do ônus da prova não é, em tese, automática, e deve ocorrer somente se presentes a hipossuficiência ou a verossimilhança das alegações da parte requerente, nos termos do art. 6º, VIII, do CDC, sendo uma faculdade do magistrado o momento de concedê-la. Assim, inexistindo a alegada hipossuficiência e a dificuldade ou impossibilidade do consumidor em demonstrar, pelos meios ordinários, a prova do fato que pretende produzir, não há falar em sua concessão. (TJ-MG - AI: 10701120208460003 MG , Relator: Luciano Pinto, Data de Julgamento: 05/12/2013, Câmaras Cíveis / 17ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 17/12/2013) Assim, não há que se falar em inversão do ônus da prova. Destarte, como alhures mencionado, com a flexibilização do princípio da pacta sunt servanda, possível se torna a revisão contratual, mormente frente aos princípios da boa-fé objetiva, do dirigismo contratual e da função social dos contratos, a fim de que se restaure o equilíbrio entre os contratantes quando a manutenção contratual representar excessiva onerosidade para qualquer das partes envolvidas. Friso, por fim, que possível é a revisão das cláusulas excessivas e abusivas pelo Poder Judiciário, sempre dentro dos limites estabelecidos pelas normas de ordem pública e pelas diretrizes do Código de Defesa do Consumidor. Insta destacar, igualmente, que a tutela plena do negócio jurídico não foi repassada totalmente ao Judiciário, nem mesmo pelo fato do contrato impugnado classificar-se como de adesão. Apesar da existência de cláusulas pré-determinadas, a autonomia da vontade, elemento essencial aos negócios jurídicos, encontra-se limitada e não completamente eliminada, tendo o contratante a liberdade e a faculdade de aderir ou não às suas cláusulas, porque depende de seu arbítrio a contratação. Reflete essa ideia o que foi compendiado na Súmula 381 do Superior Tribunal de Justiça: "Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas". Portanto, o consumidor não está desobrigado de alegar em juízo toda a matéria de direito e impugnar especificamente as cláusulas que, no seu entendimento, devem ser revisadas. Todavia, deixou a parte ré de impugnar especificamente as tarifas contratadas, motivo pelo qual nos termos da súmula 381 do STJ deixo de analisar eventual abusividade das tarifas contratadas e por consequência, de eventual venda casada. Posto isso, cumpre analisar os argumentos colacionados aos autos, cabendo destacar que a lide se encontra delimitada à possibilidade de cobrança de taxa de juros acima da taxa média de mercado, cobrança de juros capitalizados diariamente, limitação da taxa de juros moratórios. Da Limitação da Taxa de Juros É de se registrar que desde a promulgação da Constituição da República de 1988 vinha se discutindo na doutrina e jurisprudência sobre a auto-aplicabilidade ou não da norma constitucional inserta no artigo 192, § 3º. Por meio do julgamento da ADIN n.º 4/DF determinou tratar-se de norma de eficácia limitada, dependente de regulamentação legislativa para produzir efeitos, sendo tal entendimento adotado pela maioria dos tribunais. Ademais, por força da edição da Emenda Constitucional n.º 40/2003 foram revogados todos os incisos, alíneas e parágrafos do artigo 192 da Constituição Federal, aí incluído o § 3º que estabelecia que “as taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a 12% (doze por cento) ao ano”. Em consonância com o acima exposto, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula de nº 648, sendo que a questão também foi objeto de Súmula Vinculante editada pelo Supremo Tribunal Federal (nº 7), in verbis: “a norma do § 3º do art. 192 da Constituição, revogada pela emenda constitucional 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar”. Cabe ressaltar, também, a inaplicabilidade das limitações constantes na Lei da Usura (Decreto nº 22.626/33) às instituições bancárias, matéria também sumulada pelo STF: “As disposições do Decreto nº 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional.” (Súmula nº 596). Assim, admissível a incidência dos juros acima de 12% ao ano. Ainda no que concerne à taxa de juros remuneratórios, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, julgando o REsp 1.061.530-RS, tomado como representativo das questões bancárias, fixou o entendimento de que a alteração dos juros pactuados só se admite quando se mostrem abusivos a ponto de colocar o consumidor em desvantagem exagerada no sentido das disposições do art. 51, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor, consoante a Orientação nº 1, adotada pelo STJ, no julgamento do REsp 1.061.530-RS, posta nestes termos: Orientação 1 - Juros Remuneratórios a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF; b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade; c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02; d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada artigo 51, § 1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante as peculiaridades do caso concreto. Sublinhe-se, nessa linha, que taxa abusiva não é o mesmo que taxa superior, pois para caracterização da abusividade há necessidade de que, considerando as circunstâncias e natureza do contrato, as taxas estejam muito acima da média do mercado, representado desvantagem exagerada para o consumidor. No caso contrato, observa-se no contrato de seq. 1.8 que a taxa efetiva mensal é de 2,48% e anual de 34,16%, sendo que a taxa média para aquisição de veículo na data do financiamento (12/2021) era de 2% ao mês e 26,79% ao ano (segundo planilha “25471 - Taxa média mensal de juros das operações de crédito com recursos livres - Pessoas físicas - Aquisição de veículos e 20749 - Taxa média mensal de juros das operações de crédito com recursos livres - Pessoas físicas - Aquisição de veículos” do Banco Central do Brasil”[1]). Igualmente, observa-se no aditivo de seq. 1.8, fl. 04 que a taxa efetiva mensal é de 2,48% e anual de 34,17%, sendo que a taxa média para aquisição de veículo na data do refinanciamento (06/2022) era de 2,04% ao mês e 27,43 % ao ano (segundo planilha “25471 - Taxa média mensal de juros das operações de crédito com recursos livres - Pessoas físicas - Aquisição de veículos e 20749 - Taxa média mensal de juros das operações de crédito com recursos livres - Pessoas físicas - Aquisição de veículos” do Banco Central do Brasil). Contudo, em que pese a taxa de juros praticada pela instituição financeira tenha excedido a média do mercado, isso, por si só, não induz a conclusão de abusividade, vez que a taxa média de mercado é apenas um referencial e não um limite que deva ser necessariamente observado, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça: "A circunstância de a taxa de juros remuneratórios praticada pela instituição financeira exceder a taxa média do mercado não induz, por si só, a conclusão de abusividade, consistindo a referida taxa em um referencial a ser considerado, e não em um limite que deva ser necessariamente observado pelas instituições financeiras" (AgRg nos EDcl no Ag 1322378/RN, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, DJe de 1.8.2011). Ademais, considera-se taxas exorbitantes apenas aquelas acima do dobro da média aplicada no mercado. Tal parâmetro é adotado, também, pelo e. Tribunal de Justiça do Paraná. Veja: APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO – OPERAÇÃO DE CRÉDITO: EMPRÉSTIMO – CAPITAL DE GIRO PARCELADO. SENTENÇA. IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DA EMBARGANTE. 1. JUROS REMUNERATÓRIOS. ABUSIVIDADE. TESE NÃO ACOLHIDA. TAXA APLICADA INFERIOR AO DOBRO DA TAXA MÉDIA DE MERCADO UTILIZADA PARA A OPERAÇÃO CONTRATADA. ABUSIVIDADE NÃO CONSTATADA (RESP Nº 1.061.530/RS, REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA REPETITIVA). PRECEDENTES. CORREÇÃO PARCIAL DO FUNDAMENTO DA SENTENÇA, DE OFÍCIO, NESSE PARTICULAR. 2. EXCESSO DE EXECUÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE OU ILEGALIDADE NAS COBRANÇAS ATESTADA PELO LAUDO PERICIAL. 3. ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. CORREÇÃO, DE OFÍCIO, DA BASE DE CÁLCULO DA VERBA HONORÁRIA. FIXAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM EMBARGOS À EXECUÇÃO JULGADOS IMPROCEDENTES QUE DEVE OBSERVAR O VALOR ATUALIZADO DADO À CAUSA DOS EMBARGOS (CPC, ART. 85, § 2º). 4. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS. INCIDÊNCIA. NÃO PROVIMENTO DO RECURSO QUE ENSEJA A MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA SUCUMBENCIAL (CPC, ART. 85, § 11). APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E NÃO PROVIDA (in TJPR, 14ª CC, AC n. 0018684-56.2017.8.16.0001, Curitiba, Rel. Des. JOÃO ANTÔNIO DE MARCHI, julgado de 22.3.21). APELAÇÃO CÍVEL – [...] REVISIONAL – CONTRATO DE CRÉDITO COM GARANTIA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – PRELIMINAR DE CONTRARRAZÕES – IMPUGNAÇÃO À ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA – NÃO ACOLHIMENTO – ALEGAÇÃO DE ABUSIVIDADE DA TAXA DE JUROS PRATICADA – PATAMAR QUE SUPERA O DOBRO DA MÉDIA DE MERCADO – ENTENDIMENTO FIXADO NO RESP REPETITIVO 1.061.530/RS – ABUSIVIDADE CONFIGURADA – LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS DO CONTRATO À TAXA MÉDIA DE MERCADO NA ÉPOCA DA CONTRATAÇÃO – REPETIÇÃO DO INDÉBITO DEVIDA – REFORMA DA SENTENÇA, COM INVERSÃO DO ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. Apelação cível provida (in TJPR, 17ª CC, AC n. 0014686-13.2019.8.16.0130, Paranavaí, Relª. Desª. ELIZABETH M. F. ROCHA, julgado de 22.3.21). APELAÇÃO. REVISIONAL. CONTRATOS DE CONTA CORRENTE E EMPRÉSTIMO. PRETENSÃO DECLARADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. APELO N. 1. G. SCHNEIDER PANIFICADORA LTDA: JUROS REMUNERATÓRIOS NOS CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO, EM PERCENTUAIS CONTRATADOS. AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE EM APENAS UMA DAS CONTRATAÇÕES. JÁ NAS DEMAIS, TAXA DE JUROS COBRADA SUPERARA O DOBRO DA TAXA MÉDIA DE MERCADO DIVULGADA PELO BACEN. PARÂMETRO CONSIDERADO NESTA CÂMARA. RESP DE N. 1.061.530 / RS. PRECEDENTES DESTA CORTE. ACOLHIDA A TESE DE DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA. PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS PARA ISSO. TARIFA DE ABERTURA DE CRÉDITO (“TAC”) PACTUADA PELAS PARTES. SÚMULA N. 44, DO TJPR. POSSIBILIDADE DE SUA COBRANÇA EM FACE DE PESSOA JURÍDICA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. APELO N. 2. ITAÚ UNIBANCO S/A: CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS. COBRANÇA POSSÍVEL, APENAS SE EXPRESSAMENTE PACTUADA. SÚMULAS NS. 539 E 541, DO STJ. EMBORA HAJA CLÁUSULA DE RENOVAÇÃO AUTOMÁTICA, QUE, A PRIORI, É VÁLIDA AO CASO, INEXISTE COMPROVAÇÃO DE QUE OS JUROS REMUNERATÓRIOS FLUTUANTES TERIAM INCIDIDO MÊS A MÊS, NO CONTRATO. EXTRATOS QUE NÃO TRAZEM OS VALORES. DETERMINAÇÃO DE REPETIÇÃO SIMPLES DO INDÉBITO. CONSECTÁRIOS LEGAIS DA CONDENAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA PELO INPC-IGP-DI, DE CADA DESEMBOLSO OU PAGAMENTO INDEVIDO, E ATÉ A CITAÇÃO, A PARTIR DE QUANDO SÓ INCIDIRÁ A SELIC, QUE ENCAMPA AQUELA RUBRICA E TAMBÉM OS JUROS DE MORA. RECURSO CONHECIDO, MAS, NÃO PROVIDO. (TJPR - 13ª Câmara Cível - 0000072-09.2021.8.16.0170 - Toledo - Rel.: DESEMBARGADOR JOSÉ CAMACHO SANTOS - J. 24.11.2023) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. JUROS REMUNERATÓRIOS. ABUSIVIDADE. CONSTATADA. LIMITAÇÃO A TAXA MÉDIA DO MERCADO. DEVIDA. TAXA QUE ULTRAPASSA O DOBRO DA MÉDIA. REPETIÇÃO DO INDÉBITO FORMA SIMPLES. HONORÁRIOS RECURSAIS ARBITRADOS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJPR - 13ª C.Cível - 0001223-95.2020.8.16.0153 - Santo Antônio da Platina - Rel.: DESEMBARGADOR FERNANDO FERREIRA DE MORAES - J. 05.08.2022). APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE. INSURGÊNCIA DA RÉ. JUROS REMUNERATÓRIOS. ABUSIVIDADE EVIDENCIADA. TAXA ESTIPULADA NO CONTRATO SUPERIOR AO DOBRO DA TAXA MÉDIA DE MERCADO À ÉPOCA DA CONTRATAÇÃO. UMA VEZ VERIFICADA A ABUSIVIDADE, A LIMITAÇÃO DOS JUROS DEVE SE DAR À TAXA MÉDIA DE MERCADO. POSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO DE VALORES ENTRE OS LITIGANTES, RECIPROCAMENTE CREDOR E DEVEDOR. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (TJPR - 18ª C.Cível - 0000012-46.2018.8.16.0136 - Pitanga - Rel.: Desembargador Espedito Reis do Amaral - J. 16.12.2019) Deste modo, considerando que a taxa praticada é inferior ao dobro da taxa média de mercado, não há que se falar em ilegalidade, devendo ser mantidos os juros estipulados no contrato celebrado pelas partes. Da Capitalização de Juros Existem dois tipos de juros: simples e compostos. Os juros simples correspondem aos acréscimos somados ao capital ao final do período pactuado entre as partes. Os juros compostos, por sua vez, ocorrem quando subsiste a incorporação, a cada período, do montante decorrente dos juros do mês anterior, ou seja, há a incidência dos juros sobre o montante anterior (resultado da parcela a ser paga mais os juros calculados), circunstância denominada também como aplicação de juros sobre juros. De fato, predomina atualmente o entendimento de que não é possível a capitalização de juros em período inferior a um ano (art. 591, do Novo Código Civil, ou art. 1.262, do Código Civil de 1916) mesmo nos contratos firmados com as instituições financeiras, guardando exceção apenas no que se refere aos títulos de crédito industrial, comercial e rural (Súmula nº. 93 do STJ) e ao pactuado após a edição da MP n°. 2.170-36/2001, a qual dispõe em seu art. 5º, caput, que: “Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano”. Portanto, nos contratos firmados após a edição da referida Medida Provisória, é legal a capitalização mensal de juros quando devidamente prevista no contrato firmado entre as partes. Na hipótese dos autos, verifico que o contrato em análise foi firmado em 2021, posteriormente, portanto, à edição da Medida Provisória nº. 2.170-36/2001, sendo permitida a capitalização de juros em período inferior a um ano. Neste sentido, pacífico é o entendimento jurisprudencial: "(...) Somente nos contratos bancários firmados posteriormente à entrada em vigor da MP n. 1.963- 17/2000, reeditada sob o n. 2.170-36/2001, é lícita a capitalização mensal dos juros, desde que expressamente prevista no ajuste (...)"(AgRg no REsp nº 936.357/MS, 4ª T., Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. em 04.02.2010). “APELAÇÃO CÍVEL. DEMANDA REVISIONAL. 1. CAPITALIZAÇÃO. ART. 354 DO CÓDIGO CIVIL. ALEGAÇÃO GENÉRICA. 2. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. CONTRATO BANCÁRIO. MEDIDA PROVISÓRIA 2.170-36/2001. INAPLICABILIDADE. 3. SÚMULA 596 DO STF. ÂMBITO DE APLICABILIDADE DIVERSO DAQUELE DO ARTIGO 4º DO DECRETO 22.626/334. 4. ÔNUS SUCUMBENCIAIS. REDISTRIBUIÇÃO. [...] 2. Conforme precedentes do STJ, com a edição da MP 1963-17, atual MP 2.170-36/2001, é possível a capitalização mensal dos juros em empréstimo bancário, desde que expressamente pactuada em contrato celebrado após 31.03.2000, [...]”.(TJPR – 15º C. C. - AC 0452003-2 - Londrina - Rel.: Des. Hayton Lee Swain Filho - Unânime - J. 12.12.2007). No contrato (seq. 1.8), quanto à capitalização diária de juros, está previsto, verbis: “Promessa de Pagamento: Prometo pagar ao BV, na praça da sua sede, ou à sua ordem, nas respectivas datas de vencimento, a dívida em dinheiro, certa, líquida e exigível correspondente ao Valor Total do Crédito (item F.6.) acrescidos dos juros remuneratórios (item I) capitalizados diariamente, sendo que os juros já estão incorporados no Valor da Parcela (item F.5).” Apesar da ausência de previsão expressa do percentual da taxa diária aplicada, as parcelas são fixas e calculadas conforme os percentuais de juros mensais e anuais (juros compostos). Dessa forma, estando incorporados os juros mensais na parcela prefixada de R$ 1.759,38 (conforme item F5 do contrato – seq. 1.8), mostra-se irrelevante a previsão da capitalização diária, porque, em caso de inadimplemento, seguirá a remuneração dos juros mensais ajustados. A esse respeito: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. LIMINAR DEFERIDA. (...) ALEGAÇÃO DE DESCARACTERIZAÇÃO DA MORA EM RAZÃO DE ABUSIVIDADE. CAPITALIZAÇÃO DIÁRIA DE JUROS REMUNERATÓRIOS. PREVISÃO, CONTUDO, APENAS DA TAXA MENSAL. SUFICIÊNCIA, UMA VEZ QUE EVENTUAL NECESSIDADE DE CAPITALIZAÇÃO DIÁRIA DEVE RESPEITAR A TAXA MENSAL EXPLICITADA NO CONTRATO. PARCELAS, ADEMAIS, DE VALOR FIXO. MORA INCONTROVERSA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. AGRAVO INTERNO PREJUDICADO. (TJPR, , 0039542- 38.2022.8.16.0000, Rel.: Des. Vitor Roberto Silva, 18ª C.Cível, julg. 27.03.2023). Além disso, alega abstratamente sobre a ocorrência de capitalização diária, mas não se tem de modo ao menos indiciário de que ela tenha ocorrido. Sobre a matéria, julgados deste egrégio Tribunal: “RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO AVIADO PELA RÉ. ARGUIÇÃO ABUSIVIDADE CONTRATUAL POR AUSÊNCIA INDICAÇÃO DA TAXA DIÁRIA DE CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. INOCORRÊNCIA. PACTUAÇÃO QUE SE DEU DE FORMA EXPRESSA E COM PRESTAÇÕES FIXAS. ENTENDIMENTO DAS SÚMULAS 539 E 541 DO C. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CONTRATO QUE ESPECIFICA COM CLAREZA OS ÍNDICES INCIDENTES E A SUA PERIODICIDADE. DESNECESSIDADE DE INFORMAÇÃO ACERCA DA CAPITALIZAÇÃO DIÁRIA. AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE. PRECEDENTES DESTE TJPR. ADEMAIS, PARTE RECORRENTE QUE NÃO TRAZ QUALQUER INDICATIVO DE QUE TENHA HAVIDO CAPITALIZAÇÃO DIÁRIA NA FORMAÇÃO DAS PARCELAS. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.” (TJPR, 0031903-73.2022.8.16.0030, Rel. Des. Rotoli de Macedo, 19ª C.Cível, julg. 24.03.2025). “JULGAMENTO MONOCRÁTICO APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO. AQUISIÇÃO DE VEÍCULO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RAZÕES RECURSAIS. CAPITALIZAÇÃO DIÁRIA DE JUROS. LEGALIDADE. PACTUAÇÃO E PERIODICIDADE EXPRESSAS. DESNECESSIDADE DE INFORMAÇÃO DO PERCENTUAL INCIDENTE. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA Nº 973.827/RS.TARIFA DE AVALIAÇÃO DO BEM. LEGALIDADE. TARIFA DE REGISTRO DO CONTRATO. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA REALIZAÇÃO DO SERVIÇO. RESP Nº 1.578.553/SP. TARIFA DE CADASTRO. LEGALIDADE. VALOR QUE NÃO SE MOSTRA EXCESSIVO. SEGURO. VENDA CASADA. RESP Nº 1.639.259/SP E RESP Nº 1.639.320/SP (TEMA 972). RESTITUIÇÃO NA TOTALIDADE. IMPOSSIBILIDADE, PORQUANTO A CONSUMIDORA USUFRUIU DOS SERVIÇOS ATÉ O AJUIZAMENTO DA AÇÃO. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO VEDADO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO EM DOBRO, APÓS 30/03/2021. POSSIBILIDADE, INDEPENDENTE DA COMPROVAÇÃO DA MÁ-FÉ DO FORNECEDOR. EARESP 676608 /RS. REDISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.” (TJPR, 5ª C.Cível, 0000927-36.2023.8.16.0099, Rel. Des. Luiz Mateus de Lima, julg. 19.01.2024). Diante do exposto, improcedem as razões apresentadas pela parte ré. Dos encargos moratórios Sustenta a parte ré que os juros de mora devem ser de 1% ao mês. A parte autora, por sua vez, argumenta que não há ilegalidade na sua cobrança. Compulsando os autos, infere-se que o contrato objeto de discussão previu a cobrança de juros de mora de 6% ao mês. Lado outro, o cálculo acostado na seq. 1.2 não trouxe o percentual cobrado a título de juros moratórios. As Cédulas de Crédito Bancário são regidas pela Lei nº 10.931/2004 que, em seu art. 28, §1º, estabelece os elementos do contrato, merecendo destaque o inciso III: Art. 28. A Cédula de Crédito Bancário é título executivo extrajudicial e representa dívida em dinheiro, certa, líquida e exigível, seja pela soma nela indicada, seja pelo saldo devedor demonstrado em planilha de cálculo, ou nos extratos da conta corrente, elaborados conforme previsto no § 2º. § 1º Na Cédula de Crédito Bancário poderão ser pactuados: I - os juros sobre a dívida, capitalizados ou não, os critérios de sua incidência e, se for o caso, a periodicidade de sua capitalização, bem como as despesas e os demais encargos decorrentes da obrigação; II - os critérios de atualização monetária ou de variação cambial como permitido em lei; III - os casos de ocorrência de mora e de incidência das multas e penalidades contratuais, bem como as hipóteses de vencimento antecipado da dívida; IV - os critérios de apuração e de ressarcimento, pelo emitente ou por terceiro garantidor, das despesas de cobrança da dívida e dos honorários advocatícios, judiciais ou extrajudiciais, sendo que os honorários advocatícios extrajudiciais não poderão superar o limite de dez por cento do valor total devido; V - quando for o caso, a modalidade de garantia da dívida, sua extensão e as hipóteses de substituição de tal garantia; VI - as obrigações a serem cumpridas pelo credor; VII - a obrigação do credor de emitir extratos da conta corrente ou planilhas de cálculo da dívida, ou de seu saldo devedor, de acordo com os critérios estabelecidos na própria Cédula de Crédito Bancário, observado o disposto no § 2º ; e VIII - outras condições de concessão do crédito, suas garantias ou liquidação, obrigações adicionais do emitente ou do terceiro garantidor da obrigação, desde que não contrariem as disposições desta Lei. Da atenta leitura ao inciso III, extrai-se que a lei deixou de estabelecer um limite à pactuação dos juros de mora, não apresentando expressamente a possibilidade de estipulação de juros moratórios superiores a 1% (um por cento) ao mês. Por tal razão, a jurisprudência entende que o art. 28, §1º, da Lei nº 10.931/2004 deve ser interpretada em consonância com a Súmula nº 379, do Superior Tribunal de Justiça, que assim preconiza: Súmula 379 - Nos contratos bancários não regidos por legislação específica, os juros moratórios poderão ser convencionados até o limite de 1% ao mês. Destarte, conclui-se que deve ser reconhecida a ilegalidade dos juros de mora praticados pela autora (6%), que superam o percentual legal (1% ao mês), a ser aplicado ao contrato em testilha. Por fim, a questão da descaracterização ou não da mora em virtude da cobrança de encargos ilegais foi enfrentada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do recurso repetitivo nº. 1.061.530/RS, no qual restou sedimentado que a cobrança de encargos ilegais no período da normalidade contratual desconfigura a mora do devedor. Traz-se à colação a orientação do Superior Tribunal de Justiça: ORIENTAÇÃO 2 - CONFIGURAÇÃO DA MORA a) O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descaracteriza a mora; b) Não descaracteriza a mora o ajuizamento isolado de ação revisional, nem mesmo quando o reconhecimento de abusividade incidir sobre os encargos inerentes ao período de inadimplência contratual. No caso dos autos, entretanto, as ilegalidades reconhecidas se refere aos encargos moratórios, que só incidem após o inadimplemento, quando o devedor já se encontra em mora. Logo, sem reconhecimento de abusividade dos encargos exigidos no período da normalidade contratual, a mora não fica descaracterizada. Da Repetição de Indébito No que diz respeito ao pedido de repetição de indébito, alega a parte rée que lhe foram cobrados valores indevidos, razão pela qual deverá ser restituído em dobro do valor cobrado, nos termos do parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor. Em comentário ao artigo 42 do CDC, Cláudia Lima Marques (Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, 2º edição – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006) esclarece que, “prevista como uma sanção pedagógica e preventiva, a evitar que o fornecedor se ‘descuidasse’ e cobrasse a mais dos consumidores por ‘engano’, que preferisse a inclusão e aplicação de cláusulas sabidamente abusivas e nulas, cobrando a mais com base nestas cláusulas, ou que o fornecedor usasse de métodos abusivos na cobrança correta do valor, a devolução em dobro acabou sendo vista pela jurisprudência, não como uma punição razoável ao fornecedor negligente ou que abusou de seu ‘poder’ na cobrança, mas como uma fonte de enriquecimento ‘sem causa’ do consumidor”. A jurisprudência é clara ao estabelecer que somente é devida a repetição do indébito em dobro na hipótese em que haja prova de que o credor agiu com má-fé, o que não é o caso dos autos. Sobre o assunto, destaco o seguinte julgado: “REVISIONAL. CONTRATOS BANCÁRIOS. ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA-CORRENTE E MÚTUO COM PARCELAS FIXAS. INTERESSE RECURSAL. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS VERIFICADA NO CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA- CORRENTE. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUCUMBÊNCIA. [...] 4. É devida a repetição do indébito em dobro, conforme previsão do art. 42, parágrafo único, do CDC, tão-só naquelas hipóteses em que há prova de que o credor agiu de má-fé. [...] Apelação 1 conhecida em parte e, na parte conhecida, provida em parte. Apelação 2 não provida.” (TJPR, Apelação Cível nº. 569.371-8, Relator Des. Hamilton Mussi Corrêa, Curitiba, PR). Importante ressaltar, ainda, que o parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor tem aplicação somente nos casos em que houve a cobrança e o pagamento em valor indevido. Desta forma, não há que se falar em repetição do indébito em dobro. Por outro lado, tendo havido a cobrança de encargo abusivo, reconhecido nesta sentença, impõe-se o recálculo do saldo devedor demonstrado na seq. 1.2. Diante desse contexto, e não havendo abusividade reconhecida nesta sentença que implique onerosidade no período da normalidade, bem como estando caracterizado o inadimplemento contratual, a procedência da ação é impositiva. Destarte, demonstrada a mora, o caso é de se consolidar a propriedade e a posse plena e exclusiva dos bens objeto da garantia nas mãos do proprietário fiduciário, ora requerente, que poderá vendê-los independentemente de hasta pública, avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial. Deverá, outrossim, aplicar o produto da venda no pagamento total ou parcial de seu crédito, tudo conforme o disposto no artigo 1º, §§ 4º e 5º, do Decreto-lei nº 911/69. III – DISPOSITIVO Em face do exposto, julgo procedente o pedido formulado por BANCO VOTORANTIM S.A. contra JULIANA GOULART FERRAZ, para o fim de declarar consolidada a propriedade e a posse plena e exclusiva dos bens descritos na inicial, nas mãos do(a) requerente, observando-se as determinações contidas na fundamentação, valendo esta decisão como título hábil para a transferência de eventual certificado de propriedade. Ainda, diante das demais razões expendidas, com relação ao pedido revisional contraposto, julgo-o improcedente. Como consequência lógica da procedência do pedido, confirmo a decisão que deferiu o pedido liminar de busca e apreensão, declarando precluso o direito da parte ré purgar da mora. Assim, julgo extinto o feito, com resolução de mérito, com fulcro no artigo 487, I do Código de Processo Civil. Pela sucumbência, condeno a parte ré ao pagamento das custas/despesas processuais e dos honorários advocatícios do patrono judicial da parte adversa, fixada a verba honorária, na forma do artigo 85, §2o, do Código de Processo Civil, em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, cuja exigibilidade fica suspensa, em virtude da justiça gratuita que ora lhe defiro. Cumpram-se, no que forem pertinentes, as demais determinações do Código de Normas da Corregedoria-Geral de Justiça e da Portaria nº 51/2023 desta Vara. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Oportunamente, arquivem-se. Francisco Beltrão, datado e assinado digitalmente. Joseane Catusso Kroll Juíza de Direito [1]https://www3.bcb.gov.br/sgspub/consultarvalores/consultarValoresSeries.do?method=getPagina.

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Processo nº 1015784-22.2022.8.11.0042

ID: 278989941

Tribunal: TJMT Órgão: Terceira Câmara Criminal Classe: APELAçãO CRIMINAL Nº Processo: 1015784-22.2022.8.11.0042

Data de Disponibilização: 26/05/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

WERVERTON PEREIRA ALVES

Acórdão

Advogados:

ROSEMERE DE OLIVEIRA SANTOS

OAB/GO XXXXXX Desbloquear

ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1015784-22.2022.8.11.0042 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Latrocínio] Relator: Des(a). GILBERTO GIRALDELLI Turm… ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1015784-22.2022.8.11.0042 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Latrocínio] Relator: Des(a). GILBERTO GIRALDELLI Turma Julgadora: [DES(A). GILBERTO GIRALDELLI, DES(A). JONES GATTASS DIAS, DES(A). LUIZ FERREIRA DA SILVA] Parte(s): [MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELANTE), MARCOS VINICIUS ALVES DIAS - CPF: 044.782.932-79 (APELADO), WERVERTON PEREIRA ALVES - CPF: 059.713.741-25 (APELADO), ROSEMERE DE OLIVEIRA SANTOS - CPF: 029.420.171-80 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). LUIZ FERREIRA DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO. E M E N T A DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ROUBOS MAJORADOS EM CONTINUIDADE DELITIVA. LATROCÍNIO. CORRUPÇÃO DE MENORES. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. ABSOLVIÇÃO EM PRIMEIRO GRAU. SUFICIÊNCIA DE PROVAS. AUTORIA E MATERIALIDADE DOS CRIMES PATRIMONIAIS E DO DELITO DO E.C.A. CONDENAÇÃO, COM IMPOSIÇÃO DE PENA E VALOR MÍNIMO INDENIZATÓRIO. DÚVIDA QUANTO AO ENVOLVIMENTO COM ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA PARCIALMENTE REFORMADA. RECURSO MINISTERIAL PARCIALMENTE PROVIDO. I. Caso em exame: 1. Apelação criminal interposta pelo Ministério Público contra sentença proferida pelo Juízo da 7ª Vara Criminal de Cuiabá, que absolveu os dois apelados das imputações relacionadas aos crimes de roubos majorados, em continuidade delitiva, latrocínio, corrupção de menor e organização criminosa, por insuficiência de provas, com esteio no art. 386, VII, do CPP. II. Questão em discussão: 2. A questões em discussão consistem em determinar: i) se há prova suficiente para atestar a autoria dos réus pelos crimes imputados na denúncia e reformar a sentença absolutória, para o fim de condená-los, nos termos da exordial acusatória; ii) se as penas-base devem ser estabelecidas acima do mínimo legal; iii) se devem incidir as agravantes postuladas pelo recorrente; iv) se é possível a fixação de valor mínimo indenizatório, a título de reparação pelos danos patrimoniais e extrapatrimoniais causados às vítimas; v) se é viável decretar a prisão preventiva dos recorridos. III. Razões de decidir: 3. A confissão judicial de um dos apelados, que assumiu a própria participação na empreitada delitiva, somada ao reconhecimento positivo por parte de uma das vítimas, a qual confirmou tal identificação em juízo, e aos depoimentos prestados pelos investigadores de polícia, além do conteúdo dos interrogatórios judiciais de corréus confessos e já condenados, implicando ambos os recorridos como coexecutores dos delitos patrimoniais perpetrados em companhia de adolescentes, formam um arcabouço probatório seguro e capaz de incutir a certeza quanto à autoria. Deste modo, deve ser parcialmente reformada a sentença absolutória, para condenar os recorridos pelos crimes de roubo majorado, em continuidade delitiva, latrocínio e corrupção de menor. 4. Inexistindo prova cabal de que os apelados integrassem a facção formada pelos demais denunciados e estivessem coligados a eles mediante um vínculo estruturalmente ordenado, permeado por divisão perene de tarefa, ou que estivessem inseridos no escalonamento hierárquico do grupo delinquente, é inviável a condenação pelo crime de organização criminosa, impondo-se solver a dúvida em favor dos acusados e concluir pela ocorrência de mera coautoria esporádica. 5. A culpabilidade dos réus e as circunstâncias que cingiram a prática dos crimes, assim como as suas consequências, desbordam do que ordinariamente se vê em delitos da mesma estirpe, o que justifica a fixação das respectivas penas-base acima do patamar mínimo legal. 6. A circunstância do art. 61, II, h, do Código Penal possui natureza objetiva, de maneira que o crime praticado contra criança ou idoso torna de rigor a aplicação da aludida agravante. 7. Evidenciada a existência de pedido expresso por parte do Ministério Público na denúncia e de prova de prejuízo acarretado a vítima, é possível a fixação do valor mínimo indenizatório, a título de reparação pelos danos causados pela infração, conforme o art. 387, IV, do CPP. No caso, as provas reunidas nesta ação penal não permitem aquilatar, com segurança, a extensão do prejuízo econômico sofrido, de modo que a questão pode ser mais bem dirimida na esfera civil. Por outro lado, os danos extrapatrimoniais ex delicto dispensam instrução específica e decorrem in re ipsa, o que viabiliza o arbitramento de quantum mínimo em favor dos ofendidos. 8. O transcurso de mais 6 meses desde a prolação da sentença absolutória e da subsequente expedição dos alvarás de soltura, sem que o Ministério Público trouxesse aos autos qualquer notícia de novas incursões delitivas por parte dos agentes ou de superveniência de fatos contemporâneos capazes de evidenciar risco à ordem pública, leva a concluir pela atual insubsistência do periculum libertatis, o que inviabiliza acolher o pedido de prisão preventiva. IV. Dispositivo e tese: 7. Recurso de apelação parcialmente provido. Teses de julgamento: “1. A confissão judicial e o reconhecimento positivo por uma das vítimas, somados à delação dos corréus igualmente confessos e aos depoimentos prestados em juízo pelos policiais, formam arcabouço suficiente para condenar os acusados pelos crimes de roubo, latrocínio e corrupção de menor. 2. A falta de provas indicando que os réus integraram a organização criminosa formada pelos codenunciados leva a concluir que aqueles agiram em mera coautoria esporádica com os demais, pois a dúvida deve ser resolvida pro reo. 3. A existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis impede a fixação da pena-base no mínimo legal. 4. A agravante do art. 61, II, h, do Código Penal possui natureza objetiva. 5. O dano extrapatrimonial ex delicto dispensa instrução específica e decorre in re ipsa. 6. A urgência intrínseca da prisão preventiva impõe a contemporaneidade dos fatos justificadores aos riscos que se pretende com a prisão evitar”. Dispositivos relevantes citados: CP, arts. 61, II, h, 69, 157, §2.º, II, V e VII, §2.º-A, I, e §3.º, II; CPP, art. 155, art. 386, VII, art. 387, IV; Lei n. 8.069/1990, art. 244-B. Jurisprudência relevante citada: STF, RHC: 133575 PR - PARANÁ 0051829-72.2016.1.00.0000, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, j. 21/02/2017; STJ, AgRg no AREsp n. 1.190.438/DF, relator Min. Jorge Mussi, j. 7/8/2018; TJMT, N.U 0010534-74.2012.8.11.0042, Ap. 132790/2014, ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, j. 26/05/2015; TJ-MG - APR: 10024170023402001 MG, Relator: Fausto Bawden de Castro Silva j. 13/03/2019. R E L A T Ó R I O APELANTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO APELADO(S): MARCOS VINÍCIUS ALVES DIAS APELADO(S): WERVERTON PEREIRA ALVES R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de apelação criminal interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL contra a r. sentença proferida pelo d. Juízo da Sétima Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT na ação penal n.º 1015784-22.2022.8.11.0042 (autos desmembrados da “Operação Flor do Vale”), em que, com fulcro no art. 386, VII, do CPP, os réus MARCOS VINÍCIUS ALVES DIAS e WERVERTON PEREIRA ALVES foram absolvidos da imputação relacionada à prática dos crimes de roubo majorado, em continuidade delitiva, latrocínio, corrupção de menor e organização criminosa circunstanciada, em concurso material, tipificados no art. 157, §2.º, II, V e VII, §2.º-A, I, c/c art. 71, caput, art. 157, §3.º, II, todos do Código Penal, art. 244-B da Lei n.º 8.069/1990 e art. 2.º, §§2.º e 4.º, I, da Lei n.º 12.850/2013, na forma do art. 69 do Código Penal. Nas razões recursais disponíveis no ID 265488548, o MINISTÉRIO PÚBLICO busca a condenação dos apelados, nos termos da denúncia, alegando que os elementos probatórios coligidos ao feito, incluindo-se aí as provas antecipadas produzidas anteriormente ao desmembramento na ação penal originária (PJE n.º 1000518-11.2021.8.11.0048), são suficientes para atestar a autoria de ambos os recorridos pelos crimes de roubo majorado, em continuidade delitiva, latrocínio, corrupção de menor e organização criminosa, tudo em concurso material. Cumulativamente, o apelante pretende que as penas-base dos delitos patrimoniais e de organização criminosa sejam fixadas acima do patamar mínimo legal, mediante a avaliação desfavorável das circunstâncias e consequências do crime, assim como dos maus antecedentes (especificamente com relação a MARCOS VINÍCIUS), ao que agrega ainda o pedido de elevação da pena-base do delito de corrupção de menores, dada a natureza gravosa dos crimes aos quais os inimputáveis foram expostos. Outrossim, o recorrente postula o reconhecimento da agravante do art. 61, II, h, do CP nos roubos praticados contra vítimas idosas e crianças e a aplicação da agravante reincidência (art. 61, I, CP) na dosimetria das penas do réu WEVERTON. Por fim, o i. órgão acusador vindica a eleição do regime inicial fechado para a expiação das reprimendas; o arbitramento de valor mínimo indenizatório, a título de reparação pelos danos patrimoniais e extrapatrimoniais causados às vítimas, nos moldes do art. 387, IV, do CPP; e o decreto da prisão preventiva dos acusados, argumentando que estão presentes os requisitos da segregação cautelar. Em contrarrazões vistas no ID 265488552 e ID 265488553, respectivamente, as i. defesas técnicas dos apelados MARCOS VINÍCIUS ALVES DIAS e WEVERTON PEREIRA ALVES rechaçam as pretensões do Parquet e requerem seja negado provimento apelo. Instada a se manifestar, a i. Procuradoria-Geral de Justiça, por meio do parecer encartado no ID 268532298, opina pelo integral provimento do recurso ministerial. É o relatório. À douta Revisão. V O T O R E L A T O R V O T O (MÉRITO) EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI (RELATOR) Egrégia Câmara: O recurso em apreço é tempestivo, foi interposto por quem tinha interesse e legitimidade para fazê-lo, e o meio de impugnação empregado afigura-se necessário e adequado para se atingir a finalidade colimada, motivos pelos quais, estando presentes os seus requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade, CONHEÇO do apelo manejado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO. Extrai-se da denúncia que, no período compreendido entre dezembro de 2020 e julho de 2021, os apelados MARCOS VINÍCIUS ALVES DIAS, vulgo “Zoio” ou “Zoin”, e WERVERTON PEREIRA ALVES, vulgo “Menor”, juntamente com os codenunciados João Fernandes Zuffo, vulgo “General”, “Véinho” ou “Seu Zuffo”, Ronair Pereira da Silva, vulgo “Java”, “Javali” ou “Tripa”, Lucas Matheus da Silva Barreto, vulgo “Gago” ou “Gaguinho”, João Manoel Correa da Silva, vulgo “Nego João”, e Wenderson Pereira Alves, todos em coautoria com os adolescentes Enry Luan Conceição Oliveira, Igor Matheus Barbosa dos Santos e William de Oliveira Azevedo, constituíram organização criminosa estruturalmente ordenada e com divisão de tarefas, visando obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática reiterada e sistemática de crimes diversos, especialmente delitos patrimoniais, nas cidades de Juscimeira/MT e Cuiabá/MT (FATO 01 – ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA). Segundo a proposição ministerial, os recorridos integrariam a organização criminosa denominada Comando Vermelho e, além disso, uniram-se entre si e aos codenunciados, com o propósito de constituírem um núcleo delituoso próprio, voltado à prática de infrações patrimoniais diversas, núcleo este idealizado, chefiado e financiado pelo corréu João Fernandes Zuffo, sendo que as primeiras ações ilícitas do grupo teriam sido perpetradas em Cuiabá, em dezembro de 2020, e contado com a participação direta e ativa dos acusados João Zuffo, Ronair e João Manoel e do adolescente Igor Mateus, os quais, com o emprego de armas de fogo, roubaram o veículo BMW 353i, placa FUT-4955, um relógio e um celular, ambos da marca Apple, e a quantia de R$ 10.000,00, pertencentes à vítima Eder Nolasco de Souza. Ainda segundo o Parquet, a referida subtração patrimonial está sendo apurada em procedimento próprio (PJE n.º 1002077-21.2021.8.11.0042) e, naquela empreitada, o líder do bando criminoso, João Zuffo, estava junto com o ofendido Eder e fingiu que também era uma vítima, inclusive simulando ser alvo de agressões físicas encenadas pelos comparsas; após o que o grupo infrator veio a aperfeiçoar o modus operandi dos delitos na cidade de Juscimeira/MT, onde João Zuffo contava com o auxílio de seu funcionário Ronair, para comunicar e ordenar a execução dos crimes aos demais integrantes do organismo infrator, valendo-se eles até mesmo de um grupo no aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp (intitulado “Fazenda Pantaneira”) para planeamento dos ilícitos, conforme imagens de mapas e marcações extraídas do celular de Ronair, indicando as propriedades que seriam alvo das infrações patrimoniais. A peça incoativa dá conta ainda de que o grupo criminoso encabeçado pelo corréu João Zuffo e integrado pelos ora recorridos WEVERTON e MARCOS VINÍCIUS teria ainda perpetrado um roubo no dia 03/04/2021, na propriedade rural chamada “Rancho Eldorado”, situada no Condomínio Flor do Vale, na Estrada da Piteira, Zona Rural de Juscimeira/MT, de propriedade da vítima Luis Renato Sabino, fato este que estaria sendo apurado em inquérito apartado, na Delegacia de Juscimeira. Outrossim, a preambular descreve que, no dia 18/07/2021, em horário não determinado, mas sabidamente durante a madrugada, no rancho denominado “Nossa Senhora de Guadalupe”, localizado no Condomínio Flor do Vale, na Estrada da Piteira, zona rural de Juscimeira/MT, os apelados WEVERTON e MARCOS VINÍCIUS, previamente conluiados, em unidade de desígnios e comunhão de esforços com os codenunciados e adolescentes discriminados alhures, mediante restrição da liberdade das vítimas, incluindo-se aí 06 (seis) crianças, com violência e grave ameaça exercida através do emprego de armas brancas (facões) e de armas de fogo cujo porte compartilhavam, subtraíram para si ou para outrem coisas alheias móveis pertencentes às ofendidas Giliane L. Ziminiane e Ivete Matia Ziminiane (FATO 02 – ROUBO MAJORADO E CORRUPÇÃO DE MENOR). Ademais, a prefacial narra que, no mesmo dia 18/07/2021, em horário indefinido, mas ainda de madrugada, no interior de outro domicílio igualmente situado no aludido Condomínio Flor do Vale, os recorridos WEVERTON e MARCOS VINÍCIUS, previamente ajustados e em comunhão de esforços com os corréus e inimputáveis já mencionados, mediante restrição da liberdade das vítimas, com violência e grave ameaça exercida através do emprego de armas brancas e armas de fogo cujo porte compartilhavam, subtraíram para si ou para outrem coisas alheias móveis pertencentes aos ofendidos Sebastião Ziminiane e Mareir Ferraz de Oliveira da Silva (FATO 03 – ROUBO MAJORADO E CORRUPÇÃO DE MENOR). Por fim, a denúncia pontua que, no dia 18/07/2021, em horário impreciso, mas também durante aquela madrugada, na propriedade rural denominada “Rancho Eldorado”, localizada no Condomínio Flor do Vale, em Juscimeira/MT, os apelados WEVERTON e MARCOS VINÍCIUS, juntamente com os corréus e menores de idade já referidos, todos em unidade de desígnios e conluiados entre si, mediante restrição da liberdade das vítimas, com violência e grave ameaça exercida através do emprego de armas brancas e armas de fogo cujo porte compartilhavam, subtraíram para si ou para outrem coisas alheias móveis pertencentes às vítimas Guilherme Massuia, Jucileide da Silva Soares, Daniel Tobias Damian, Luis Carlos do Nascimento, Luiz Renato Sabino e João Anaídes Cabral Neto, sendo que, da violência empregada resultou a morte do ofendido João Anaídes Cabral Neto, como consequência de disparo de arma de fogo (FATO 04 – ROUBO MAJORADO, LATROCÍNIO E CORRUPÇÃO DE MENOR). Diante destes fatos, os apelados foram denunciados e, considerando que não foram inicialmente localizados para citação, tiveram o feito desmembrado, no que lhes refere, gerando a presente ação penal (PJE n.º 1015784-22.2022.8.11.0042), em 24/10/2022, conforme certidão coligida no ID 265488441. Anteriormente ao desmembramento, porém, nos autos da ação penal originária (PJE n.º 1000518-11.2021.8.11.0048), foi determinada a produção antecipada de provas com relação aos ora recorridos (ID 265488434), o que se deu de maneira concomitante com a instrução daquele feito principal, o qual já foi sentenciado e culminou nas condenações dos corréus João Fernandes Zuffo, Ronair Pereira da Silva, Lucas Matheus da Silva Barreto e João Manoel Correa da Silva, as quais restaram ratificadas nesta instância ad quem, encontrando-se o processo atualmente em grau de análise de admissibilidade de recursos excepcionais endereçados às Cortes Superiores. Consigne-se ainda que o corréu Wenderson Pereira Alves também foi julgado e condenado, em autos desmembrados (PJE n.º 1015788-59.2022.8.11.0042), tendo a condenação sido mantida por esta Corte de Justiça estadual, com trânsito em julgado no dia 26/03/2025. Já nos presentes autos desmembrados (PJE n.º 1015784-22.2022.8.11.0042), após o cumprimento dos mandados de prisão (ID 265488446 e ID 265488462), os apelados MARCOS VINÍCIUS e WEVERTON, em 18/12/2023 e 05/06/2024, respectivamente, apresentaram Resposta à Acusação (ID 265488457 e ID 265488472), após o que o juízo a quo ratificou o recebimento da denúncia e designou audiência para a oitiva das testemunhas faltantes e interrogatórios dos acusados (ID 265488477), solenidade que se aperfeiçoou em 29/10/2024, ocasião em que foi encerrada a fase instrutória (ID 265488526). Na mesma oportunidade, as partes apresentaram alegações finais orais e, ainda na audiência, o MM. Magistrado a quo proferiu sentença, por meio da qual julgou improcedente a pretensão punitiva estatal, por entender que não havia provas suficientes para a condenação, e absolveu ambos os recorridos das imputações contidas na denúncia, com arrimo no art. 386, VII, do CPP, contexto em que o MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL agora exsurge inconformado perante esta instância revisora, nos termos já relatados. Feitas essas breves digressões, passo à análise do mérito. 1. Do pedido de condenação pelos crimes descritos nos FATOS 2, 3 e 4 da denúncia (roubos majorados, em continuidade delitiva, latrocínio e corrupção de menor): A materialidade dos crimes de roubo majorado pelo concurso de pessoas, restrição da liberdade das vítimas, emprego de arma de branca e emprego de arma de fogo, em continuidade delitiva, e de latrocínio consumado, ocorridos na madrugada de 18/07/2021, em propriedades rurais situadas no Condomínio Flor do Vale, em Juscimeira/MT, com a participação de menores de idade (FATOS 02, 03 e 04 da denúncia) está comprovada por meio dos boletins de ocorrência (ID 265486927 - Pág. 5/10, Pág. 35/36, Pág. 37/41 e Pág. 46/47); do Relatório de Investigação n.º 2021.13.1823 (ID 265486927 - Pág. 11/18); dos Termos de Apreensão e de Entrega (ID 265486928 - Pág. 16, Pág. 21, Pág. 24 e Pág. 25 e ID 265486930 - Pág. 29); da cópia do procedimento n.º 140.2.2021.2040, voltado a apurar a prática de ato infracional por parte dos adolescentes envolvidos (ID 265486930 - Pág. 4); e do Laudo Pericial n.º 200.1.01.2021.019463-01, relativo ao exame necroscópico da vítima João Anaídes Cabral Neto (ID 265487043). A ocorrência material dos delitos patrimoniais pode ser inferida ainda a partir do Relatório n.º 10/2021 - NIROO, contendo os dados extraídos do celular do corréu Ronair (ID 265487054 - Pág. 18/47); do Relatório n.º 20/2021, contendo a transcrição e análise das comunicações telefônicas interceptadas (ID 265486958 - Pág. 1/54 e ID 265487054 - Pág. 48/53); do Laudo de Exame Pericial em Arma de Fogo e Munições (ID 265487044); do Laudo Pericial n.º 200.2.06.2021.008462-01, relativo ao exame realizado no local do crime (ID 265487046); além da prova oral colhida na fase extrajudicial e em juízo. No que concerne à autoria, por sua vez, após analisar detidamente as provas arrecadadas ao feito, ao contrário da conclusão externada pelo juízo a quo no édito absolutório, noto a presença de provas suficientes e aptas a implicar o envolvimento dos réus MARCOS VINÍCIUS ALVES DIAS e WEVERTON PEREIRA ALVES nos crimes patrimoniais descritos na denúncia, quais sejam, roubos majorados, em continuidade delitiva, e latrocínio consumado, tudo com envolvimento de menor de idade, impondo-se assim a reforma da sentença recorrida, com subsequente condenação dos apelados. De proêmio, reitere-se que, na ação penal originária (PJE n.º 1000518-11.2021.8.11.0048), os ora recorridos MARCOS VINÍCIUS e WEVERTON não foram inicialmente localizados para citação, motivo pelo qual foi realizada a citação por edital, após o que o Ministério Público requereu a produção antecipada de provas, no que lhes refere (ID 265488372), o que foi deferido pelo juízo a quo, conforme facultado pelo art. 366 do CPP, nomeando-se defensor para patrocinar os interesses dos réus durante a coleta probatória cautelar, ocorrida concomitantemente com a instrução daquele primeiro feito (ID 265488404 - Pág. 3/9). Tanto é assim que o desmembramento do processo com relação aos réus MARCOS VINÍCIUS e WEVERTON somente se deu após o encerramento da fase instrutória na ação penal originária (ID 265488434), de modo que, não obstante o presente feito tenha contado com instrução complementar, para fins de inquirição das testemunhas ainda não ouvidas e interrogatórios dos recorridos, a prova oral produzida na ação penal n.º 1000518-11.2021.8.11.0048 também integra o arcabouço probatório e, portanto, presta-se à formação do convencimento motivado do órgão julgador. Nessa conjuntura, pontue-se que os corréus João Fernandes Zuffo, Ronair Pereira da Silva e Lucas Matheus da Silva Barreto restaram condenados pelos mesmos fatos sub judice, no bojo da ação penal principal (PJE n.º 1000518-11.2021.8.11.0048), sendo que, naqueles autos, tanto Ronair quanto Lucas são réus confessos, na medida em que o primeiro admitiu em juízo que concorreu para os delitos patrimoniais, ao passo que o segundo assumiu, em ambas as fases processuais, sua autoria delitiva. Oportunamente, a respeito das confissões prestadas pelos corréus Ronair Pereira da Silva e Lucas Matheus da Silva Barreto, tem-se que Lucas, já ao ser inquirido pela autoridade policial, na fase de inquérito, e assumir o próprio envolvimento nos crimes, implicou ainda a participação ativa e a concorrência material dos demais agentes, inclusive dos ora recorridos MARCOS VINÍCIUS ALVES DIAS, vulgo “Zoio” ou “Zoin”, e WEVERTON PEREIRA ALVES, ressaltando também que a empreitada delitiva implementada na madrugada de 18/07/2021, no Condomínio Flor do Vale, não se tratava da primeira infração patrimonial praticada em concurso entre o interrogado e o apelado WEVERTON. Com efeito, o corréu Lucas asseverou que seu apelido é “Gago” ou “Gaguinho” e que havia sido convidado por Ronair para participar dos roubos no condomínio de ranchos, bem assim que a infração contou com o envolvimento de menores de idade, a exemplo de Enry Luan, vulgo “Gordinho”, e foi executada pelo próprio interrogado, pela pessoa de William, pelo apelado MARCOS VINÍCIUS ALVES DIAS, vulgo “Zoio”, pelo corréu Ronair e pelos primos deste, quais sejam, os irmãos Wenderson e WEVERTON PEREIRA ALVES, ora recorrido. A propósito, colho os trechos pertinentes da confissão extrajudicial do codenunciado Lucas, in verbis: “Que confessa que participou do crime de latrocínio em Juscimeira; Que Ronair chamou o suspeito da participar do crime de roubo; (...); Que Ronair falou para o suspeito que no rancho tinha muito carro, ouro e dinheiro; (...); Que a intenção era entrar em todos os ranchos possíveis; (...); Que era para ter entrado no rancho do Zuffo roubado o carro dele e depois abandonar porque era do Zuffo; Que não era para bater no Zuffo; Que era para entrar em todos os ranchos que tinha gente; Que no rancho do Zuffo era para entrar o Ronair, Wenderson e Weverton; Que os demais era para entrar no último rancho; Que no dia de 17/07/2021 o suspeito, Wenderson, Weverton, Willian estavam na casa do Ronair e de lá saíram com o carro Ford Ka e encontraram com outro veículo que estavam os outros suspeitos na entrada dos ranchos; (...); Que perguntando quem estava no carro só lembra que estava o zoio mas não lembra o nome; Que perguntando qual foi a participação do Henri respondeu que ele comprou a língua de sogra, que ele ajudou na preparação do crime; (...); Que o suspeito meteu o pé na porta de vidro, mas não quebrou; que depois o ‘zoiudo’ meteu o pé na porta e quebrou o vidro; Que colocou uma senhora e as crianças no banheiro e trancou a porta; Que a filha do dono da terra eles levaram para o outro rancho; Que quando chegaram no rancho do dono da terra, Lucas junto com os outros suspeitos foram procurar ouro; Que Ronair e Weverton pegaram a escada e foram tirar as câmeras; (...); Que perguntado quem estava armado, respondeu que o ‘gordinho’, Ronair e ‘Zoio’, e um outro suspeito que não sabe o nome; Que nesses rancho pegaram a F-350, uma moto pop, uma aliança; Que amarraram o senhor, a senhora e a filha dele e trancaram o quarto; Que em seguida foram para o rancho do Renato; (...); Que quando chegou no rancho do Renato, os outros suspeitos já tinham chegado na casa; Que esses suspeitos foram com a hilux e a F-350 das vítimas; (...); Que Ronair, Weverton e o ‘Gordinho’ trouxeram o caseiro, a esposa dele e a neta; Que o suspeito também falou para eles que tinha um cara trancado no banheiro; Que o suspeito estava com um facão entregou o facão para Weverton e pegou a arma dele e foi colocar as vítimas no quarto; Que o suspeito, Wenderson e Willian estavam no quarto do Renato amarrando as pessoas; Que quando estava amarrando as vítimas ouviu o barulho do tiro; Que o Weverton falou maninho vamos embora que deu ruim; Que Wenderson e Weverton são irmãos; Que o suspeito terminou de amarrar a última vítima e saiu correndo; Que perguntado quem estava armado no momento do tiro, respondeu que ‘Zoio’ estava com o revólver 38 do caseiro, Que o ‘Magrelo’ com a garrucha, o ‘Gordinho’ com a pistola, Ronair com o revólver 38 e o suspeito com o revólver 357”; (...); Que o suspeito saiu dirigindo a SW4; Que na SW4 estava o suspeito, Willian, Wenderson; Que na Hillux entrou o gordinho, Ronair, Zoio, Weverton e o magrelo; Que no momento da fuga Ronair perdeu o revólver 38; Que perguntado se as armas de fogo estavam carregadas respondeu que sim, só a do caseiro que ele não sabe falar; (...); Que perguntado quanto tempo planejaram o roubo, respondeu que três semanas; Que perguntado se participou do outro roubo no rancho do Renato, respondeu que sim; Que perguntado quem participou desse roubo respondeu Wenderson, Ronair, João Manoel, Weverton; Que roubaram corrente de ouro; Que nesse roubo deu R$ 2,000,00 para cada”. (ID 265486929 - Pág. 16/20) – Destaquei. Em juízo, Lucas asseverou que são verdadeiros os fatos criminosos a ele imputados e contextualizou que, após ser convidado pelo corréu Ronair, vulgo “Javali”, para participar dos assaltos no Condomínio Flor do Vale, aceitou a convocação e, na madrugada fatídica, dirigiu-se juntamente com os demais agentes no veículo Ford Ka até o conjunto de ranchos, onde concorreu para a execução propriamente dita dos delitos patrimoniais descritos nos Fatos 02, 03 e 04 da exordial acusatória, ressaltando que o papel de um dos adolescentes foi de conduzir o carro usado pelos infratores (Ford Ka) de volta para a cidade. Sob o crivo do contraditório judicial, Lucas também confirmou que os agentes entraram no primeiro rancho roubado pela porta de vidro e que, no local, além de duas mulheres, havia cerca três crianças no local, todas as quais foram rendidas pelos infratores, que na sequência se apoderaram das res furtivae, inclusive o veículo de uma das vítimas (Fato 02 da denúncia), com o qual seguiram para o próximo rancho vitimado, onde também subjugaram os ofendidos (que, nas palavras do interrogado, “era um casal de idosos”) e subtraíram bens e automóveis (Fato 03 da denúncia), antes de se dirigirem para a residência seguinte. Outrossim, Lucas destacou em juízo que, além dele próprio e de Ronair, concorreram para a execução delitiva também o codenunciado Wenderson e o ora apelado WEVERTON, os quais inclusive se encarregariam de simular a invasão ao rancho do corréu João Zuffo durante a empreitada delitiva, o que, todavia, não chegou a ocorrer, em virtude da morte da vítima do latrocínio, praticado na residência anterior (Fato 04 da denúncia). Em audiência, Lucas revelou também que, ao todo, estavam em cerca de sete ou oito executores e que, no momento da fuga, um dos veículos capotou, contexto em que o interrogado se incumbiu de resgatar os infratores no automóvel avariado, notadamente o apelado WEVERTON. À guisa de contextualização, transcrevo os trechos pertinentes da inquirição judicial do corréu Lucas Matheus da Silva Barreto, in verbis: “Juíza: E a hora que o senhor parou para pegar os outros da caminhonete tombada? Entraram mais quantos? Lucas Matheus: Entraram só mais um, que foi o WEVERTON. (...). Na hora que o carro capotou, eu vinha logo atrás, peguei e parei, desci e fui direto no para-brisa, quebrei e olhei dentro, não tinha ninguém dentro do carro. (...). Foi para a mata, aí eu gritei ‘vamos embora, vamos embora’ e ficou quieto. Gritei novamente e o WEVERTON falou ‘tô indo, tô indo’. Aí o WEVERTON veio e eu perguntei dos outros, dos outros pessoal. E ele falou que os outros caras já foram pelo pasto e tinha chegado lá na mata. (...). Juíza: No seu depoimento, na fase da delegacia (...). ‘Que era para entrar em todos os ranchos que tinha gente e que, no rancho do Zuffo, era para entrar o Ronair, Wenderson e WEVERTON’. O senhor confirma essa fala do senhor? Lucas Matheus: Sim, doutora. (...). E o que eu pegasse daquele cara ali, que eu saísse e ia ele [Ronair] e o outro rapaz lá, que é o primo dele, até a casa do Zuffo. Nisso, que eles fossem lá, eu ia pegar e ficar lá na BR esperando (...). Quando eles saíssem lá de dentro, eles passassem por mim, nós já seguíamos (...). Ele falou assim, que o único que não era para vender, que ia abandonar para a Polícia achar ia ser o carro do patrão dele. (...). Juíza: E só ele, WEVERTON e Wenderson que eram para entrar na casa do Seu Zuffo? Lucas Matheus: Isso. (...) Não deu tempo de ir na casa dele, porque mataram o cara uma casa antes, que a próxima casa ia ser do Zuffo. Quando matou o cara, eu e os outros caras pegamos e saímos todo mundo da casa e do condomínio lá e viemos embora. (...)”. (Relatório de Mídias no ID 265488439) – Grifei. No mesmo diapasão, quando foi interrogado em juízo, o corréu Ronair Pereira da Silva admitiu que participou dos crimes descritos nos Fatos 02, 03 e 04 da denúncia e, igualmente, implicou o envolvimento do seu primo WEVERTON e do réu MARCOS VINÍCIUS, ora apelados, ressaltando que estes se fizeram presentes no contexto delitivo desde o planejamento e idealização da empreitada criminosa até a execução propriamente dita dos roubos, tudo com plena consciência de ilicitude e dolo nas condutas. Deveras, Ronair foi explícito não só ao assumir a própria responsabilidade pelo planejamento e execução da empreitada criminosa, mas ao elucidar que, juntamente com ele, os corréus Lucas e Wenderson, assim como os recorridos WEVERTON e MARCOS VINÍCIUS também concorreram para arquitetar os delitos patrimoniais no conjunto habitacional de ranchos (“nós decidimos entre nós”, “eram os integrantes que eu levei”, “estavam comigo”), com intenção de vitimar o maior número de propriedades rurais possível (“era o que tivesse lá”). Após enredar nominalmente os apelados WEVERTON e MARCOS VINÍCIUS como coexecutores dos delitos patrimoniais, Ronair elucidou ainda que, nas suas palavras, com a exceção de um dos dois menores corrompidos, “os outros estavam todos envolvidos, todos sabiam”. A propósito, eis o que narrou o corréu Ronair perante a autoridade judiciária, in verbis: “Juíza: Quais são verdadeiros então? Ronair: A minha participação nesse latrocínio e essa corrupção de menores aí (...) são verdadeiras. (...). Isso aí foi uma coisa que nós decidimos entre nós. (...). Juíza: Tá. Quem eram essas pessoas que ‘decidiram entre nós’ com o senhor? Ronair: Era eu, o Lucas Matheus, vulgo ‘Gaguinho’, os dois primos meus, WEVERTON e Wenderson, e o VINÍCIUS. Esses daí. Esses daí que eram da turma nossa. Juíza: O senhor, o ‘Gaguinho’, o WEVERTON, Wenderson e o MARCOS VINÍCIUS? Ronair: É. E os dois menores também. O Willian e o Enry. (...) Juíza: Quem que estava então? Ronair: Eu, WEVERTON, Wenderson, o VINÍCIUS e o Lucas Matheus. Esses eram os integrantes que eu levei, que era os que nós conhecia ali. Os menores só estavam, que participou, só o Willian. (...) O Willian é o que estava, o menor, Willian. O Enry, o outro menor, só foi para levar com o carro, buscar o carro, levar o carro para trás. (...). Nós se organizou para a prática que nosso negócio era pegar uma caminhonete encomendada. Aí esse cara que entrou em contato com nós, vulgo ‘General’, nós tinha amigos em comum. Entrou em contato e já conhecia que lá era um lugar de alto poder aquisitivo e sabia que eu trabalhava lá (...). Só sei que ia para o Paraguai a caminhonete. Juíza: Os senhores foram lá para pegar quantas caminhonetes? Ronair: Era o que tivesse lá. (...). Eu sei o que eu estou falando para a senhora, os que estavam comigo: WEVERTON, Wenderson, Lucas Matheus e VINÍCIUS e os dois menores. Um dos menores só foi para buscar o carro de volta, nem sabia da ação, agora os outros estavam todos envolvidos, todos sabiam. Juíza: Todos sabiam, tinham combinado, tudo certinho para essa prática criminosa? Ronair: Dos que eu estou falando para a senhora todos sabiam. Eu levei dois primos meus, que é o Wenderson e WEVERTON, que é os que participaram do crime mais eu (...). Saiu da minha casa eu e meus dois primos que estavam comigo, aí eu passei e peguei os outros meninos. Esses dois primos meus estavam ficando comigo lá em casa, aí nós passou na casa dos outros e pegou os outros meninos. (...). Defesa: Em relação ao João Manoel, o senhor conhece ele? Ronair: É meu primo. Defesa: Ele teve alguma participação? Ronair: Não. Ele não foi nesse B.O. aí não. Ele não teve. Os outros dois primos meus teve, ele não”. (Relatório de Mídias no ID 265488439) – Destaquei. Portanto, considerando os esclarecimentos prestados em juízo pelos corréus Lucas Matheus e Ronair Pereira, os quais comprometem detalhadamente a os recorridos WEVERTON e MARCOS VINÍCIUS como coexecutores dos delitos patrimoniais sub judice, já à primeira vista, percebe-se que não se sustentam as assertivas expostas pelo magistrado a quo na sentença absolutória, no sentido de que apenas elementos extrajudiciais incriminariam os apelados e de que eventual condenação esbarraria na regra do art. 155, caput, do CPP. Ademais, embora a prova oral cotejada acima consista em depoimentos prestados em audiência instrutória por corréus (Ronair e Lucas), é importante destacar que estes não tentaram se eximir do próprio envolvimento no ilícito e, como se sabe, a “delação” – em sentido amplo – de um dos participantes do evento infracional tem relevante valor probatório quando este não nega a própria autoria, assumindo a sua cota de responsabilidade, conforme já decidiu este e. Sodalício estadual, em situação pretérita: “A palavra da vítima, corroborada por outras provas orais, especialmente a delação do corréu que não se eximiu de sua responsabilidade em relação ao fato delituoso, prestam a confirmar a autoria e materialidade delitiva”. (N.U 0010534-74.2012.8.11.0042, Ap. 132790/2014, ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Julgado em 26/05/2015, Publicado no DJE 11/06/2015) – Destaquei. Não é outra a jurisprudência dos demais Tribunais pátrios: “A delação de um dos participantes do evento criminoso tem relevante valor probatório quando este não se exime de sua culpa, assumindo a sua cota de responsabilidade” (TJ-MG - APR: 10024170023402001 MG, Relator: Fausto Bawden de Castro Silva (JD Convocado), Data de Julgamento: 13/03/2019, Data de Publicação: 20/03/2019) – Grifei. “A delação feita pelo corréu é meio de prova eficaz, mormente se feita espontaneamente, sem o objetivo de eximir-se da culpa, além de estar em consonância com os outros elementos probatórios” (TJ-PR 8323091 PR 832309-1 (Acórdão), Relator: Marcus Vinicius de Lacerda Costa, Data de Julgamento: 24/05/2012, 5ª Câmara Criminal) – Destaquei. Se não bastasse, o apelado WEVERTON é implicado nos delitos também através do depoimento prestado pela chamada “Testemunha Sem Rosto”, posteriormente identificada nos autos como a informante Telma Pereira da Silva de Jesus, irmã do corréu Ronair, a qual esteve presente na casa do irmão na noite que antecedeu a madrugada fatídica e nas horas que sucederam os crimes, tendo presenciado tanto o momento em que os executores da infração saíram para perpetrar os delitos quanto a ocasião em que eles retornaram para o domicílio. A propósito, perante a autoridade policial, Telma esclareceu que, na sexta-feira que antecedeu a data dos crimes sub judice, chegou à casa de Ronair, onde pernoitou e por onde transitavam os demais denunciados, dentre os quais os corréus Lucas e Wenderson e o recorrido WEVERTON, além dos menores Enry Luan, vulgo “Gordinho”, e William, sendo que, no sábado à noite, chegou a ouvir os presentes se preparando para o roubo, contexto em que escutou quando o adolescente Enry disse que “só vou para levar o carro” e quando, após notar a desistência de alguns comparsas no grupo de WhatsApp, o corréu Wenderson falou “vamos só nós mesmos”. A informante Telma narrou ainda que, na madrugada que se seguiu, escutou quando o menor Enry voltou à residência, dizendo que foi ali apenas devolver o carro, antes de embarcar em uma motocicleta com outro indivíduo e se evadir, complementando a declarante que, ato contínuo, retornaram ao domicílio o ora apelado WEVERTON e seu irmão Wenderson, o segundo dos quais estava apavorado e dizia frases como “deu errado” e “apagou, apagou e não era para ter apagado”. Desta feita, retornou ao local o corréu Ronair, para quem a depoente perguntou o que havia acontecido, em face do que ele respondeu que “deu merda, não era para ter dado”; na sequência, voltou à residência Lucas Matheus, vulgo “Gago”, e, nesse instante, a declarante começou a entender o que estava acontecendo, pois Ronair, “Gago” e o recorrido WEVERTON começaram a falar sobre o roubo, comentando que tudo estava dando certo nas subtrações ilícitas até atirarem em uma das vítimas e que WEVERTON mencionou como seu irmão (Wenderson) seria burro, pois capotou uma das caminhonetes roubadas durante a fuga ao pensar que a Polícia os perseguia. Outrossim, remetendo-se ao que ouviu diretamente dos executores dos roubos, logo após a execução delitiva, Telma expôs que a morte da vítima do latrocínio ocorreu porque vários dos infratores estavam munidos com arma de fogo e descreveu a dinâmica da fuga dos agentes, assim como deu conta do envolvimento do corréu João Fernandes Zuffo na empreitada, na condição de mandante, pois, segundo confidenciou o codenunciado Ronair à declarante na manhã seguinte, João Zuffo queria “pagar de bacana, pagar de herói”, razão pela qual este determinou que Ronair arregimentasse os demais executores para perpetrar o roubo. Por fim, Telma informou que ouviu o corréu João Zuffo dizer que já tinha realizado um empreendimento ilícito semelhante na cidade de Cuiabá, o qual havia sido bem-sucedido, e acrescentou que os agentes teriam envolvimento com a facção Comando Vermelho e que temia pela própria vida, motivo pelo qual preferiu ser ouvida na qualidade de “Testemunha Sem Rosto”. À guisa de contextualização, transcrevo os trechos pertinentes do depoimento em questão, in verbis: “(...); Que na sexta-feira foram para o rancho do Zuffo o Ronair, Wenderson, Weverton, Lucas Mateus ‘Gago’; Que Ronair foi trabalhar no rancho do Zuffo; Que o Zuffo também contratou o Wenderson para fazer um serviço no rancho do Zuflo; Que o Weverton foi para conhecer o local; Que os quatro foram com o carro do Ronair; Que voltaram na sexta-feira a noite do rancho; Que dormiu na casa de Ronair (...); Que no sábado a tarde Willian Oliveira Azevedo chegou na casa do Ronair perguntando dele (...); Que depois chegou na casa do Ronair, Henry Luan vulgo gordinho o cabeleiro e depois chegou Willan de Azevedo; Que eles fumaram maconha e foram embora; Que mais tarde por volta das 20:00 horas chegou na casa do Ronair Wenderson, ele tomou banho e jantou, e depois chegou o Lucas Mateus ‘GAGO’; Que Ronair terminou de jantar e ficou do lado de fora conversando com Wenderson e o Gago; Que depois Gago saiu; Que o Henry Luan chegou na casa do Ronair e falou eu não vou participar, eu só vou para levar o carro; Que eles tinham um grupo de Whats app. eles falaram que tinham pessoas que desistiram do roubo; Que Wenderson falou ‘vamos só nós mesmos’; Que depois todos foram embora o ficou só a depoente e Ronair: Que a depoente foi dormir e o Ronair ficou assistindo filme; Que acordou com o barulho do Henry Luan chamando a depoente para entregar o carro; Que Henry falou para depoente eu vim entregar o carro, vou deixar a chave da janela: Que quando a depoente saiu, o Henry Luan já tinha montado na moto com outra pessoa e ido embora; Que perguntado o horário, respondeu que já era tarde; Que foi até o quarto do Ronair, mas ele não estava; Que não tinha como ligar, pois seu celular estragou; Que depois chegaram Wenderson e Werverton; Que Wenderson estava apavorado, chegou pagando as coisas e falando ‘deu errado’; Que Wenderson falou ‘apagou, apagou a não era pera ter apegado’; Que pegou as coisas dele e vazou; Que Werverton ficou na casa; Que depois chegou Ronair e ficou conversando com Weverton; Que a depoente começou a perguntar o que tinha acontecido para Ronair. Que Ronair respondeu ‘deu merda, não era para ter dado’; Que Werverton falou para Ronair que Wenderson estava doido, pegou as coisa e foi embora, que ele havia discutido com o Gago; Que depois o Lucas ‘Gago’ chegou na casa do Ronair, Que nesse momento a depoente começou a entender o que estava acontecendo; Que Ronair, Gago e Werverton começaram a falar do roubo, ‘que estava tudo dando certo no roubo, só que depois deu merda, atiraram no cara, não era para ter acontecido isso’; Que Werverton falou que Wenderson era burro, pois capotou a camionete por causa de uma moto, que Wenderson achou que era a polícia e pularam na camionete; Que o Gago falou ‘bem que a gente avisou o bacanão’; Que perguntado quem seria esse ‘bacanão’, respondeu que o João Zuffo; Que tinha uns armados e outros não; Que o ‘Gaguinho’ estava dirigindo a camionete da vítima; Que depois que capotou a hilux foram todos para a SW4 conduzida pelo Gago; Que Ronair ficou para trás e voltou a pé pelo meio do mato; Que a depoente estava deitada na sala e ouvindo a conversa; Que depois ficou sabendo que o Gago deixou o Wenderson e Werverton na casa do Ronair; Que depois Werverton e o Gago foram embora; Que no domingo de manhã a depoente foi perguntar para Ronair o que tinha acontecido; Que Ronair falou que só estava amarrando as pessoas; Que ele não estava armado, que tinha muita arma para muita gente; Que não sabe quem atirou; Que na hora que Ronair estava indo embora ocorreu o tiro; Que ele já estava entrando na camionete; Que perguntou para o Ronair porque ele fez isso, Ronair falou que o Zuffo queria pagar de bacana, pagar de herói, que era contratou Ronair para contratar as pessoas para realizar o roubo (...); Que Ronair falou que quando escutou o tiro já estava entrando na camionete; Que o João Zuffo falou que teria feito um parecido desse em Cuiabá e teria dado certo; (...); Que depois que aconteceu o crime os envolvidos saíram do grupo do Whats app do Comando Vermelho; (...); Que perguntado se foi ameaçada, respondeu que tem medo pela sua vida; Que por envolver gente de poder do comando vermelho, ela tem medo e deseja ser inquirida como testemunha sem rosto; (...)”. (ID 265486960 - Pág. 1/4) – Destaquei. Não obstante o conteúdo das declarações de Telma Pereira da Silva de Jesus possua natureza eminentemente extrajudicial, não é defeso ao julgador utilizar-se também dos elementos informativos do inquérito para a formação de seu convencimento motivado, contanto que haja nos autos provas produzidas em juízo capazes de roborar tais elementos, exatamente como se dá na espécie, em que o depoimento prestado na delegacia por Telma vai ao encontro dos interrogatórios judiciais dos corréus Lucas e Ronair e dos depoimentos prestados na fase judicial pelos policiais civis. A jurisprudência do e. STJ é iterativa nesse sentido: “1. Conforme o disposto no art. 155 do CPP, não se mostra admissível que a condenação do réu seja fundada exclusivamente em elementos de informação colhidos durante o inquérito e não submetidos ao crivo do contraditório e da ampla defesa, ressalvadas as provas cautelares e não repetíveis. Contudo, mister se faz reconhecer que tais provas, em atendimento ao princípio da livre persuasão motivada do juiz, desde que corroboradas por elementos de convicção produzidos na fase judicial, podem ser valoradas na formação do juízo condenatório”. (AgInt no AREsp 784.107/DF, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 06/11/2018, DJe 14/11/2018) – Destaquei. Mesmo que assim não fosse, importa destacar que, em juízo, embora tenha se mostrado deveras temerosa, a informante Telma Pereira da Silva de Jesus chegou, em certa medida, a confirmar seu depoimento extrajudicial. Deveras, Telma não foi capaz de concluir seu depoimento, dada a crise de ansiedade e o ataque de pânico que lhe acometeram durante a oitiva judicial, no entanto, ela deu início ao ato processual, no qual bradou que “os policiais me pressionaram (...) eu não sei de nada, de nada, nada, nada, nada (...) eu simplesmente não sei de nada desse caso, não sei”; mas, logo em seguida, deixou patente o temor intenso que a afligia, indagando se os réus ou seus advogados estavam presentes na sala de audiência híbrida. Nessa conjuntura, Telma foi informada de que apenas os causídicos se encontravam presentes e expressamente indagada se sentia medo de confirmar as declarações prestadas na delegacia à autoridade policial, em face do que Telma respondeu que sim, ao anuir com a cabeça afirmativamente, por duas vezes (24min18seg aos 24min44seg da gravação), sucedendo-se a isso uma acentuada crise de pânico que impediu a continuidade da oitiva (mídia audiovisual intitulada “AIJ - 05.10.22 - Operação Flor do Vale - PART. 01.mp4”, armazenada no ID 265488436). A meu ver, a temerosa postura adotada pela informante em juízo presta-se plenamente a conferir verossimilhança e credibilidade às suas declarações extrajudiciais, quando fora ouvida na condição de “Testemunha Sem Rosto”, pois, se Telma nada sabia a respeito dos fatos sub judice, ou seja, se não tinha nenhuma informação que pudesse incriminar os réus ou enredá-los no evento ilícito, tal qual narrou no início de seu depoimento judicial, não haveria razão que explicasse o medo de depor não só na presença virtual dos réus, mas até mesmo de seus advogados, cumprindo salientar que o temor, in casu, foi tamanho que culminou em verdadeiro ataque de pânico, ensejando a interrupção do depoimento da informante. Ademais, o interrogatório judicial do próprio réu Ronair (irmão de Telma) corrobora as declarações dadas por Telma na delegacia, pois, em juízo, o referido acusado admitiu que, na manhã seguinte aos fatos, confidenciou para a irmã que “tinha dado merda” (39min23seg do interrogatório judicial) e “contei para ela o que aconteceu lá” (42min50seg do interrogatório judicial), assim como, ao implicar os demais executores no ilícito, Ronair disse em audiência instrutória que o adolescente Enry encarregou-se justamente de levar o carro dos infratores de volta para a casa de Ronair em Rondonópolis (13min02seg e 48min20seg do interrogatório judicial), exatamente como Telma já havia adiantado para a autoridade policial no inquérito. No mesmo sentido foi a confissão judicial do acusado Lucas Matheus, segundo o qual um dos adolescentes foi o responsável por levar o veículo Ford Ka usado pelos infratores de volta para Rondonópolis (37min50seg do interrogatório judicial). Ou seja, tais particularidades atestadas pelos acusados Ronair e Lucas, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, são compatíveis e coadunam com as informações prestadas por Telma à autoridade policial, na condição de “Testemunha Sem Rosto”, quando informou o que ouviu diretamente de Ronair sobre a dinâmica dos crimes na chácara (“deu merda”) e que estava presente na casa do irmão quando o inimputável Enry Luan apareceu no local, de madrugada, dizendo que estava ali apenas para devolver o veículo. Além disso, após autorização judicial para extração dos dados do celular apreendido em poder do corréu Ronair, verificou-se a existência de um grupo de WhatsApp no aparelho, que funcionava como um canal para planejamento dos crimes patrimoniais, sendo que o Relatório n.º 10/2021-NIROO, no qual foram examinados os referidos dados, aponta que, além dos corréus Ronair e João Manoel, participava do grupo também o apelado WEVERTON PEREIRA ALVES, vulgo “Menor” (ID 265487054 - Pág. 21). Outrossim, tem-se ainda o comprometedor conteúdo dos diálogos captados mediante interceptação telefônica, os quais espessam ainda mais o envolvimento de WEVERTON nos delitos patrimoniais sub judice. Com efeito, a sequência de roubos majorados e latrocínio implementada no Condomínio Flor do Vale ocorreu na madrugada de 18/07/2021 e, depois disso, os infratores se evadiram para localidades diversas, a fim de evitar responsabilização penal. Nessa conjuntura, após autorização judicial, foi implementada interceptação telefônica, a qual revelou que o corréu Ronair se evadiu para uma região de mata de difícil acesso, onde experimentava inclusive percalços para conseguir sinal de celular, razão pela qual se comunicava com sua esposa Taís ou com o corréu João Zuffo por meio do aparelho telefônico da pessoa de Simone, que, segundo explicou Ronair em seu interrogatório judicial, é esposa de seu primo WEVERTON, o que sugere que este último também foragiu para a mesma localidade que Ronair após as infrações. Mesmo porque, nos diálogos, Taís (esposa do corréu Ronair) e Simone (esposa do apelado WEVERTON) conversam a respeito dos crimes e da preocupação dos corréus de serem investigados ou de estarem sendo investigados. Por oportuno, destaque-se que provas de natureza cautelar e não repetível, como diálogos interceptados e dados telefônicos provenientes de SMS ou aplicativo WhatsApp, captados e extraídos mediante autorização judicial e posteriormente reduzidos a termo em relatórios de inteligência da polícia, conforme se deu na espécie, submetem-se ao contraditório deferido e se inserem na ressalva do art. 155, caput, in fine, do CPP. A propósito, é a orientação do e. Superior Tribunal de Justiça: “2. Não há se falar, pois, em violação do art. 155 do CPP, uma vez que questiona-se a utilização de provas irrepetíveis, sujeitas ao contraditório diferido, como interceptação de dados telefônicos provenientes de SMS e WhatsApp, busca e apreensão na residência de corréu e interceptações telefônicas constadas em relatórios de inteligência da polícia, sendo todas válidas para a condenação do agravante por ambos os crimes”. (AgRg no AgRg no HC n. 885.042/MG, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 2/9/2024, DJe de 6/9/2024) – Grifei. “7. No que se refere às interceptações telefônicas e às demais provas irrepetíveis, é possível a condenação com base apenas nessas provas, observada a ressalva contida na parte final do art. 155 do CPP. Precedentes”. (AgRg no REsp n. 2.120.994/SC, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 16/10/2024, DJe de 23/10/2024) – Destaquei. Por sua vez, o recorrido MARCOS VINÍCIUS, quando foi interrogado judicialmente, por ocasião da instrução complementar realizada na presente ação penal, confessou seu envolvimento nos crimes patrimoniais sub judice e assumiu que chegou inclusive a tomar posse de parte da res furtivae, ao admitir que, juntamente com os corréus, dirigiu-se até o Condomínio Flor do Vale na madrugada fatídica – embora sustente que sua participação se limitou à conduta de aguardar do lado de fora, enquanto os executores perpetravam os crimes e lhe trouxessem uma das caminhonetes roubadas. A propósito, em interrogatório judicial, MARCOS VINÍCIUS narrou, in verbis: “MARCOS VINÍCIUS: Eu fui, fui. Realmente, eu estava envolvido, mas só que, o Lucas me chamou para mim participar desse assalto aí, para mim pegar a caminhonete para mim levar para Cuiabá, certo? Eu estava com uma dívida com Lucas, o ‘Gaguinho’, de dois mil reais, aí ele me chamou para mim levar essa caminhonete para ele, que ia sair quatro mil reais, certo? Ia descontar os dois mil que eu estava devendo para ele e ele ia me dar mais dois mil reais. Só que eu não sabia que ia acontecer essa fatalidade, entendeu, meu senhor? Em momento nenhum eu entrei em nenhuma casa, em momento nenhum eu fiz nada com ninguém. Só fiquei esperando do lado de fora a caminhonete que o Lucas, o ‘Gago’, me falou que ia me entregar para mim levar direto para Cuiabá. (...). Juiz: Mas você estava lá no sítio, nesse condomínio lá? MARCOS VINÍCIUS: Eu fiquei esperando lá no lado de fora, no portão. Juiz: Mas aí você chegou a pegar essa caminhonete? MARCOS VINÍCIUS: Cheguei sim, senhor. Era uma L200. (...). Juiz: Você foi em quantas casas nesse dia? MARCOS VINÍCIUS: Eu não entrei em nenhuma, mas os guris entrou, né. (...). Fiquei esperando no portão. (...). Juiz: Então o que o senhor está dizendo aí é que o senhor contribuiu com o deslocamento desses objetos após a prática do crime. Dessa caminhonete. MARCOS VINÍCIUS: Sim, senhor. (...). Defesa: O senhor sabia que iam lá praticar crime de roubo? Isso o senhor tinha conhecimento? MARCOS VINÍCIUS: Que iam praticar o roubo, aham”. (Relatório de Mídias no ID 265488524) – Destaquei. Não obstante MARCOS VINÍCIUS tente reduzir o protagonismo e a relevância causal de suas condutas no contexto criminoso, sua versão deve ser interpretada cum grano salis. Isto porque a admissão judicial do recorrido, no sentido de que esteve presente no locus delicti por ocasião dos roubos e do latrocínio, realmente encontra respaldo no restante do arcabouço probatório. Porém, a alegação de que ele permaneceu do lado de fora e não concorreu para a execução em si dos crimes se mostra isolada e vai de encontro com as demais provas. Como já dito, o corréu Lucas Matheus informou à autoridade policial que MARCOS VINÍCIUS, vulgo “Zoio” ou “Zoiudo”, foi o responsável por arrombar a porte de vidro da residência situada no primeiro rancho vitimado e que, no último domicílio, ele inclusive portava um revólver de calibre .38 no momento do disparo fatal que levou à morte do ofendido João Anaídes Cabral Neto, no latrocínio. Da mesma forma, em juízo, o corréu Ronair revelou que MARCOS VINÍCIUS, com consciência e vontade, incorreu em todas as etapas do delito, desde o planejamento e premeditação, até a execução propriamente dita. Se não bastasse, MARCOS VINÍCIUS foi reconhecido por uma das vítimas, especificamente o proprietário do rancho vitimado no Fato 04 da denúncia, onde se deu o latrocínio, Luis Renato Sabino, conforme se depreende do Termo de Reconhecimento Fotográfico n.º 2021.16.284631, em que, diante de pluralidade de fotos de indivíduos diversos, o ofendido Luis Renato indigitou “MARCOS VINÍCIUS ALVES DIAS como sendo a mesma pessoa que PARTICIPOU DO ROUBO SEGUIDO DE MORTE NO RANCHO ELDEORADO NO DIA 18/07/2021”. (ID 265487054 - Pág. 4/7). A respeito do reconhecimento em questão, na sua oitiva judicial, o ofendido Luis Renato Sabino confirmou a certeza com que realizou o ato, destacando ainda a principal característica física do suspeito que permitiu a sua identificação (tamanho dos olhos), ao explicar em audiência instrutória, in verbis: “(...) eu fui chamado na delegacia, me apresentaram três olhos de uma pessoa e eu disse que tinha certeza que era algum daqueles, certo? Pelos olhos. Não falou o nome, eu falei que ‘esse cara eu tinha certeza que estava’. Apontei, eu tenho certeza. É, tem o mesmo biotipo, a mesma coisa, os mesmos olhos, certinho. Ele mostrou três, eu falei ‘esse aqui’. Me chamaram na delegacia lá em Rondonópolis e falaram assim ‘é para você reconhecer uma pessoa, você pode vir aqui?’ ‘Posso’ ‘Um desses daqui você conhece algum? Eu falei ‘esse aqui estava’”. (Relatório de Mídias no ID 265488436) – Grifei. Ademais, ressalte-se que o delegado que presidiu as investigações, Ricardo de Oliveira Franco, esteve presente no reconhecimento fotográfico promovido pela vítima na delegacia e, em juízo, confirmou a ocorrência do ato, ratificando assim, perante a autoridade judiciária, a identificação positiva de MARCOS VINÍCIUS por parte do ofendido Luis Renato Sabino. Nas palavras da testemunha Ricardo Franco, “foi reconhecido o réu MARCOS VINÍCIUS, foi reconhecido (...) pelo senhor Luis Renato”. (Relatório de Mídias no ID 265488435) – Negritei. Em idêntica toada repercutiram as declarações judiciais do investigador Renato Teixeira Barbosa, segundo o qual, “com essa diligência a gente conseguiu chegar na identificação do ‘Zoio’, inclusive a gente fez o reconhecimento por foto com a vítima Luis Renato e ele reconheceu o MARCOS como sendo o ‘Zoio’. (...). Dentre o álbum fotográfico que a gente mostrou, ele confirmou que um dos suspeitos que participou do roubo, lá no dia do latrocínio, é a pessoa do MARCOS VINÍCIUS”. (Relatório de Mídias no ID 265488524) – Negritei. Ora, considerando que o ofendido Luis Renato Sabino relatou em juízo que estava no interior da sua residência quando foi rendido pelos criminosos e que ali permaneceu enquanto era mantido refém, certamente que o seu reconhecimento positivo em face de MARCOS VINÍCIUS, vulgo “Zoio”, derruba por terra a versão do apelado, de que teria permanecido do lado de fora do condomínio durante a empreitada criminosa. Ainda que assim não fosse, MARCOS VINÍCIUS admitiu em juízo que, com prévia ciência de que os comparsas praticariam assaltos, acompanhou-os até a cena do crime, onde teria aguardado até que parte da res furtivae lhe fosse entregue, chegando a se apossar e a conduzir uma das caminhonetes roubadas e conduzi-la para longe da esfera de disponibilidade das vítimas, o que, por si só, já o implica como coautor dos ilícitos. Isto porque, a jurisprudência das Cortes Superiores orienta no sentido de que aquele que se associa a comparsa para a prática de roubo, sobrevindo a morte da vítima, responde pelo crime de latrocínio, ainda que não tenha sido o autor do disparo fatal ou que sua autoria seja mediata, uma vez que o evento morte se trata de mero desdobramento causal da ação delituosa praticada. A propósito do tema, colho o seguinte precedente e. STF: “Aquele que se associa a comparsa para a prática de roubo, sobrevindo a morte da vítima, responde pelo crime de latrocínio, ainda que não tenha sido o autor do disparo fatal ou que sua participação se revele de menor importância”. (RHC: 133575 PR - PARANÁ 0051829-72.2016.1.00.0000, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 21/02/2017, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-101 16-05-2017) – Grifei. É também o posicionamento do e. STJ: “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LATROCÍNIO. PRETENDIDO RECONHECIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA. INAPLICABILIDADE AOS COAUTORES. CONVERGÊNCIA DE VONTADES. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. 1. Na esteira do entendimento desta Corte, o prévio ajuste de vontades para a prática do delito praticado impõe, a princípio, a responsabilização de todos por eventual morte da vítima, haja vista ser tal resultado desdobramento ordinário da conduta criminosa em que todos contribuem para prática do evento típico. 2. (...)”. (AgRg no AREsp n. 1.190.438/DF, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 7/8/2018, DJe de 24/8/2018) – Grifei. In casu, como dito, as vítimas foram unívocas ao destacar que os infratores, além de munidos com pluralidade de armas de fogo municiadas, ainda apontavam constantemente os artefatos bélicos em direção dos ofendidos e ameaçavam disparar, conforme narrado, à guisa de exemplo, pelos ofendidos Daniel Tobias Damian e Luiz Renato Sabino, o último dos quais disse em juízo que chegou a ter arma de fogo inserida em sua boca por um dos criminosos. As vítimas relataram também que os executores se encontravam alcoolizados e entorpecidos por ocasião da prática delitiva, tudo sem contar que o plano inicial do grupo envolvia efetivamente percussão de disparos e simulação de troca de tiros para encenar reação heroica do corréu João Zuffo. Deste modo, estando os ora recorridos previamente ajustados com os demais, é certo que não só previram a possibilidade do desfecho beligerante e do resultado mais gravoso (morte da vítima), aceitaram-na. Além dos interrogatórios judiciais dos corréus Lucas e Ronair e das declarações extrajudiciais da informante Telma (corroboradas inclusive pela própria informante em juízo), dos dados extraídos do celular de Ronair e do reconhecimento positivo efetivado por uma das vítimas, os apelados WEVERTON e MARCOS VINÍCIUS foram enredados nos crimes patrimoniais também através dos depoimentos prestados, na fase judicial, pelas testemunhas Ricardo de Oliveira Franco, Santiago Rozendo Sanches e Silva e Jorge Alencar da Silva (prova antecipada produzida na ação penal originária) e Renato Texeira Barbosa (prova produzida em instrução complementar nesta ação penal). Em linhas gerais, os delegados de Polícia Ricardo Franco e Santiago Rozendo e o investigador Jorge Alencar confirmaram a voluntariedade e espontaneidade com que a informante Telma (irmã de Ronair) e o corréu Lucas Matheus prestaram suas declarações na delegacia, assim como esclareceram que, através das conversas telefônicas legalmente interceptadas e dos dados extraídos do celular apreendido, desvelou-se que o corréu João Zuffo fora o mandante dos crimes e que ele incumbiu o codenunciado Ronair de arregimentar para a empreitada os demais agentes, dentre os quais os apelados WEVERTON e MARCOS VINÍCIUS. À guisa de exemplo, ao descrever em juízo o modus operandi utilizado pelo grupo na madrugada de 18/07/2021, a testemunha Ricardo Franco narrou que, com a exceção do mandante João Zuffo, todos os infratores na cena do crime estavam armados e concorreram para as invasões sequenciais nos ranchos do Condomínio Flor do Vale e para a execução dos crimes, o que, aliás, coaduna com os uníssonos relatos judiciais das vítimas, de acordo com as quais os roubos eram perpetrados mais de 06 (seis) agentes. No mesmo diapasão, sob o crivo do contraditório, o investigador Renato Teixeira Barbosa confirmou que o contato telefônico do apelado WEVERTON figurava como participante do grupo de WhatsApp “Fazenda Pantaneira” e que o recorrido se fazia presente na execução delitiva, tendo inclusive chamado seu irmão (corréu Wenderson) para empreenderem fuga após o disparo que levou a óbito a vítima do latrocínio, o que inclusive levou o investigador a rotular WEVERTON como o provável atirador; ao que acrescentou ainda a informação de que WEVERTON foi reconhecido pela “Testemunha Sem Rosto” como um dos envolvidos nos roubos. A testemunha Renato Teixeira pontuou também que, com a evolução das investigações e interrogatórios dos suspeitos até então identificados, foi possível identificar os demais agentes, notadamente o apelado MARCOS VINÍCIUS, o qual chegou a ser reconhecido pelo ofendido Luis Renato Sabino como um dos executores dos crimes, complementando que as investigações deixaram clara a presença do recorrido nas cenas dos delitos. A propósito, destaque-se que o fato de as aludidas testemunhas consistirem nos policiais civis que oficiaram na apuração não afasta a credibilidade ou a idoneidade dos seus depoimentos, tampouco elide o valor probatório dos seus relatos judiciais, máxime quando inexiste qualquer indicativo nos autos de que, aos agentes de segurança pública, interessaria implicar gratuitamente os réus na empreitada criminosa, exatamente como ocorre na presente hipótese. Sobre o tema, a Turma de Câmaras Criminais Reunidas do TJMT editou, em sede de uniformização de jurisprudência, o Enunciado Orientativo n.º 08, cuja redação dispõe que “Os depoimentos de policiais, desde que harmônicos com as demais provas, são idôneos para sustentar a condenação criminal”. (Incidente de Uniformização de Jurisprudência n.º 101532/2015, DJE n.º 9.998, de 11/04/2017). Não discrepa a jurisprudência do e. Superior Tribunal de Justiça: “II - O depoimento dos policiais prestado em Juízo constitui meio de prova idôneo a resultar na condenação do réu, notadamente quando ausente qualquer dúvida sobre a imparcialidade dos agentes, cabendo à defesa o ônus de demonstrar a imprestabilidade da prova, o que não ocorreu no presente caso”. (HC 404.507/PE, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 10/04/2018, DJe 18/04/2018). Diante deste cenário, é evidente que a conclusão alinhavada pelo juízo a quo na sentença absolutória, no que tange à insuficiência de provas, não se sustenta diante do cotejo analítico de todas as provas que instruem o feito e de um exame mais acurado do arcabouço probante como um todo. Por derradeiro, destaque-se que os depoimentos dos policiais Ricardo Franco de Oliveira, Santiago Rozendo Sanches e Silva e Jorge Alencar Silva não deixam dúvida de quanto à participação de, pelo menos, 02 (dois) adolescentes na empreitada delitiva, quais sejam, Enry Luan Conceição de Oliveira e William de Oliveira Azevedo, respectivamente, nascidos em 14/09/2004 e 27/02/2004, conforme documentos coligidos no ID 265486999 - Pág. 17 e ID 265487054 - Pág. 42. Aliás, corréus Ronair e Lucas, quando interrogados em juízo, também admitem o envolvimento dos menores na empreitada ilícita, ao passo que Enry e William respondem a procedimento de apuração de ato infracional pelos mesmos fatos, consoante cópia no ID 265486930 - Pág. 4, tudo a evidenciar que, ao concorrerem para os crimes com os menores de idade, os agentes praticaram também o delito tipificado no art. 244-B do E.C.A., nos moldes preconizados pelo enunciado de Súmula n.º 500 do STJ, cuja redação dispõe que “A configuração do crime do art. 244-B do ECA independe da prova da efetiva corrupção do menor, por se tratar de delito formal”. Assim sendo, à luz do princípio da persuasão racional, estou convencido de que a reforma da sentença é medida que se impõe, pois as provas coligidas aos autos, em ambas as fases processuais, portanto, em irrestrita observância à regra do art. 155, caput, do CPP, são aptas a demonstrar a coautoria dos apelados WEVERTON PEREIRA ALVES e MARCOS VINÍCIUS ALVES DIAS tanto nos roubos majorados descritos nos Fatos 02, 03 e 04 da denúncia, quanto no roubo qualificado (latrocínio) descrito no Fato 04 da denúncia, todos com a corrupção de menores inimputáveis, o que inviabiliza a manutenção do édito absolutório, neste particular tocante. Com tais considerações, reforma-se o desfecho absolutório, para condenar os apelados, reservando-se para tópico autônomo a dosimetria das penas. 2. Do pedido de condenação pelo crime descrito no FATO 01 da denúncia (organização criminosa): Como se sabe, a teor do que preceitua o art. 1.º, §1.º, da Lei n.º 12.850/2013, considera-se organização criminosa a associação pré-estabelecida de 04 (quatro) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão ainda que informal de tarefas, tudo com o objetivo comum de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 04 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional. Tem-se, pois, que, para a subsunção do fato à norma, é necessário que o conjunto de 04 (quatro) ou mais indivíduos se agremie de maneira ordenada e organizada, como sugere a própria etimologia do tipo, ou seja, por meio de alguma forma de hierarquia e escalonamento entre superiores e subordinados, todos com objetivos comuns no âmbito da delinquência, equiparando-se a estrutura organizacional do grupo infrator a verdadeiros métodos de dinâmica empresarial, em meio à qual chefes e chefiados, cada qual com atribuições divididas e tarefas compartimentalizadas, mesmo que informalmente, realizam empreendimentos criminosos voltados a auferir vantagens de qualquer natureza. Nesse contexto, para além de definir o conceito de organização criminosa, a já mencionada Lei n.º 12.850/2013 tipifica, no seu art. 2.º, o delito consistente em “promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa”. Trata-se de tipo penal classificado pela doutrina como formal, o que significa dizer que a sua ocorrência material prescinde do resultado naturalístico e a conduta ilícita se consuma independentemente da consecução ou concretização dos delitos visados pelo grupo; e de perigo abstrato, cuja potencialidade lesiva é legalmente presumida com a mera reunião durável e organizada de pessoas voltada ao desiderato iníquo; conceituando-se ainda como crime comum e de forma livre, ou seja, que pode se cometido por qualquer pessoa e por qualquer meio eleito pelo agente, respectivamente; e também permanente, isto é, a sua consumação se prolonga no tempo na medida em que perdura o ajuntamento de seus membros. Outrossim, o delito de organização criminosa não admite a forma culposa e tem como elemento subjetivo o dolo, de modo que é indispensável a comprovação do liame volitivo do agente e da sua vontade livre e consciente de congregar-se, ou seja, do animus voltado ao agrupamento organizado permanente e estável, promovendo-o, financiando-o, constituindo-o ou simplesmente o integrando. É se se apontar que o tipo exige ainda o elemento subjetivo específico implícito no próprio conceito de organização criminosa e consubstanciado na obtenção de vantagem ilícita de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais graves, de modo que não basta que o sujeito ativo da infração se alie aos demais com a finalidade de cometer crimes per se, mas também que atue com a finalidade especial de obter alguma vantagem. Em outras palavras, o crime do art. 2.º da Lei n.º 12.850/2013 é de natureza formal e se consuma mediante a simples associação organizada e estável da coligação, com o escopo de praticar futuras infrações penais, ou seja, as infrações pretendidas são indefinidas, em oposição ao propósito inerente à mera coautoria, que se destina a um ou vários crimes certos, de maneira que a organização criminosa não necessita praticar essas infrações penais ou alcançar a vantagem almejada, bastando que o objetivo seja esse. Partindo dessas premissas, no caso concreto, a exordial acusatória narra que, entre os meses de dezembro de 2020 e julho de 2021, os apelados WEVERTON PEREIRA ALVES, vulgo “Menor”, e “MARCOS VINÍCIUS ALVES DIAS, vulgo “Zoio”, juntamente com os codenunciados e adolescentes, constituíram organização criminosa, estruturalmente ordenada e com divisão de tarefas, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza. Isto porque, de acordo com o Parquet, os recorridos integrariam a facção denominada Comando Vermelho e, concomitantemente, agremiaram-se de maneira estruturalmente ordenada em um núcleo autônomo, juntamente com os corréus João Zuffo, Ronair, Lucas Matheus, João Manoel e Wenderson e com os menores Enry Luan e Willian, com o específico propósito de obter vantagem, mediante a prática de reiterada e sistemática de crimes diversos, especialmente delitos patrimoniais, em Juscimeira e Cuiabá. Com efeito, no que tange ao crime de organização criminosa, não há dúvida de que a proposição ministerial procede plenamente, com relação aos corréus João Fernandes Zuffo, Ronair Pereira da Silva, João Manoel Correa da Silva, Lucas Matheus da Silva Barreto e Wenderson Pereira Alves, haja vista que, além dos depoimentos prestados pelos policiais em juízo, os referidos acusados também foram captados ou mencionados nas interceptações telefônicas, cujo conteúdo os implicava como faccionados, além de serem enredados no crime de organização criminosa pelos comprometedores dados extraídos do aparelho celular de Ronair. É o que se depreende, aliás, do Relatório n.º 10/2021 - NIROO, contendo a análise dos dados do aludido celular (ID 265487054 - Pág. 18/47), do Relatório n.º 20/2021, contendo a transcrição e análise das comunicações telefônicas interceptadas (ID 265486958 - Pág. 1/54 e ID 265487054 - Pág. 48/53) e das sentenças e acórdãos proferidos nas ações penais n.º 1000518-11.2021.8.11.0048 e n.º 1015788-59.2022.8.11.0042, em que os corréus foram condenados pelo delito de organização criminosa e tais condenações foram mantidas por esta instância revisora. À guisa de exemplificação, consigne-se que, no celular de Ronair, foram encontradas também diversas imagens e fotografias indicativas de filiação ao Comando Vermelho, dentre as quais um mosaico com frases e siglas de apologia a tal facção, como “CV”, “Família DV aliados do CV” e “Família DV” (ID 265487054 - Pág. 23). Além de imagens com apologia à organização criminosa Comando Vermelho, foram coletados do celular de RONAIR também diversas fotografias de várias armas de fogo, dentre as quais garruchas, revólveres, pistolas e, aparentemente, até mesmo fuzil, além de cartuchos, munições e instrumentos para manutenção e limpeza dos armamentos (ID 265487054 - Pág. 24/30), o que corrobora o desiderato do grupo infrator ao qual ele pertencia, voltado à prática de uma série indeterminada de crimes diversos. Outrossim, no aludido aparelho celular, há outras fotografias capazes de demonstrar a estreita relação e a espessura do elo criminoso mantido entre os codenunciados já condenados, a exemplo das fotografias que retratam Ronair e João Zuffo juntos, o último ostentando com os dedos sinal de apologia à facção Comando Vermelho (ID 265487054 - Pág. 34). Ademais, há ainda fotos em que tanto Ronair quanto João Zuffo aparecem fazendo com os dois dedos de apologia ao Comando Vermelho enquanto, cada qual, porta consigo uma arma de fogo diferente, sendo que, especificamente com relação a Zuffo, enquanto exibia o sinal da facção, segurava uma pistola PT 58 PLUS, a qual o próprio Zuffo admitiu em interrogatório judicial que não tinha porte nem registro (ID 265487054 - Pág. 33/34). Em semelhante cenário, constatou-se no celular de Ronair imagem em que o corréu Wenderson era fotografado enquanto portava uma pistola cromada e realizava a limpeza/manutenção dos armamentos (ID 265487054 - Pág. 28). Além disso, nos diálogos captados pelas escutas telefônicas, Ronair e João Zuffo se utilizam de linguagem características de faccionados para interagirem entre si, a exemplo do termo “birico” para se referir a celular, do pronome “mano”, “véi” e “meu brow” para se referirem um ao outro e da saudação “tudo dois” para se cumprimentarem ou para sinalizarem que está tudo bem ou tranquilo; além de interagirem amiúde sobre o andamento das investigações e sobre possibilidades de obstrução das apurações policiais. Da mesma maneira, há informações nos autos indicando que a vítima de um roubo pretérito, ocorrido em Cuiabá meses antes dos fatos sub judice e praticado com semelhante modus operandi, reconheceu os codenunciados João Zuffo, Ronair e João Manoel como os supostos autores, os quais teriam bradado que pertenceriam ao Comando Vermelho, sendo que tal fato está sendo apurado em autos diversos (PJE n.º 1002077-21.2021.8.11.0042). As interceptações telefônicas revelaram também escalonamento hierárquico e verdadeira posição de chefia ocupada pelo corréu João Zuffo, tratado com deferência pela alcunha de “General”, cujo braço direito e coordenador operacional era o codenunciado Ronair, sendo que o conteúdo extraído do celular deste último, por sua vez, implica satisfatoriamente o corréu João Manoel como faccionado, pois, mesmo tendo desistido de última hora de participar nos delitos sub judice, poucas horas após o fato, ele recebe mensagem de Ronair, contendo advertência de que, independentemente do que ocorrera na execução dos roubos, João Manoel ainda deveria “pegar a sua parte” e seguir auxiliando os demais associados (ID 265487054 - Pág. 20). Em outras mensagens, João Manoel foi captado dizendo para Ronair como era “embaçado” (desaconselhável”) sair do grupo sem pedir licença e que isso faria com que “eles grilassem”, ou seja, se enfurecessem, confirmando assim o vínculo intersubjetivo revestido de estrutura hierárquica que João Manoel e Ronair mantinham com outros agentes faccionados (ID 265487054 - Pág. 19). Quanto ao caráter autônomo da organização criminosa, as interceptações demonstraram também que, mesmo após os crimes em apreço, João Zuffo persistiu repassando instruções aos demais, viabilizando assistência jurídica para João Manoel (ID 265486958 - Pág. 35) e auxiliando financeiramente o corréu Ronair, o qual, por sua vez, seguia realizando repasses pecuniários para Lucas Matheus e Wenderson (ID 265487054 - Pág. 19); ou seja, não se tratou ali de um mero concurso esporádico de agentes exclusivamente para a prática dos roubos no Condomínio Flor do Vale, mas de elo contínuo e perene entre os codenunciados. Tanto é que, no curso das interceptações, diálogos travados entre as interlocutoras Tais e Simone desvelam como, cerca de doze dias após os roubos sub judice, Wenderson procurava por Ronair, para obter mais dinheiro e aval para foragir e se esconder em Goiânia/GO; e demonstram que, da mesma forma, Lucas Matheus, vulgo “Gago”, também buscava por Ronair para orientações e prosseguiu dando assistência à esposa do superior hierárquico enquanto este esteve foragido, além de guardar armas de fogo para Ronair (ID 265486958 - Pág. 9/10, Pág. 13 e Pág. 33/34). Dito isso, em que pese a suficiência de provas aptas a implicar os codenunciados no crime de organização criminosa, conforme exaustivamente fundamentado na ação penal originária n.º 1000518-11.2021.8.11.0048 e nos autos desmembrados n.º 1015788-59.2022.8.11.0042, a situação dos ora apelados WEVERTON e MARCOS VINÍCIUS é diferente, pois há dúvida intransponível, no que lhes refere, quanto à presença integral de todas as elementares do art. 2.º da Lei n.º 12.850/2013. Com efeito, embora os policiais civis ouvidos em juízo sejam categóricos ao narrar que tanto WEVERTON quanto MARCOS VINÍCIUS concorreram para os roubos majorados e roubo qualificado narrados na denúncia, tais testemunhas não esmiuçaram os elementos que levariam a crer que a dupla integrava organização criminosa, seja o Comando Vermelho, seja o núcleo autônomo formado pelos codenunciados. Isto porque, quando efetivamente discorrem sobre os delitos de organização criminosa, os investigadores se limitam a discriminar o papel de chefia ocupado pelo corréu João Zuffo e a coordenadoria operacional exercida por Ronair, que se incumbiu de arregimentar os demais agentes para a execução dos roubos no Condomínio Flor do Vale. Ademais, ao contrário de João Zuffo, Ronair e dos demais codenunciados (João Manoel, Lucas e Wenderson), WEVERTON e MARCOS VINÍCIUS não foram captados ou mencionados nas conversas telefônicas interceptadas, tampouco implicados como faccionados pelos dados extraídos do aparelho celular de Ronair. Aliás, com relação a WEVERTON, o que se tem é a prova de que ele participava do grupo de WhatsApp denominado “Fazenda Pantaneira” e a informação dada por Lucas em seu interrogatório extrajudicial, de que ele teria concorrido com o interrogado, Ronair e Wenderson para um roubo anterior, de 03/04/2021 (ID 265486929 - Pág. 19). Por outro lado, as provas também indicam que o grupo virtual em questão (“Fazenda Pantaneira”) foi usado pelos agentes para premeditar e articular pontualmente os roubos certos e determinados no Condomínio Flor do Vale, ou seja, não basta para revelar que o réu integrava organização criminosa, tampouco se prestando a tal finalidade a mera reiteração delitiva e concorrência em crime pretérito. Dito de outra forma, embora estes elementos acima delineados (participação no grupo de WhatsApp e possível envolvimento em roubo anterior) sirvam para corroborar as provas já existentes de envolvimento dos demais denunciados com organização criminosa (como as interceptações telefônicas, dados extraídos do celular, depoimentos das testemunhas etc.), tais elementos estão isolados com relação a WEVERTON, não sendo suficientes para demonstrar que ele se inseria com durabilidade e estabilidade no quadro hierárquico da facção. Já quanto a MARCOS VINÍCIUS, todas as provas cingem-se em incriminá-lo pelos roubos e latrocínio ocorridos no Condomínio Flor do Vale, em 18/07/2017, nada havendo que sugira que, ao perpetrar tais condutas, estivesse imbuído de elemento subjetivo que extrapolasse a mera coautoria esporádica, mesmo porque, segundo ele próprio confessou em interrogatório judicial, foi chamado “de última hora” por Lucas para participar dos roubos e aceitou, para quitar uma dívida com este corréu. Assim sendo, à míngua de provas mais contundentes que permitam atestar tal conclusão, mostra-se deveras temerário decretar que os recorridos WEVERTON e MARCOS VINÍCIUS estivessem coligados aos codenunciados mediante um vínculo estruturalmente ordenado, revestido de escalonamento hierárquico e permeado por relação de obediência e colaboração (financeira, jurídica etc.) perenes, como se viu com os demais. Em outras palavras, é possível, e até mesmo provável, que WEVERTON e MARCOS VINÍCIUS compusessem a organização criminosa formada pelos codenunciados, mesmo porque, concorreram juntamente com eles para os crimes no Condomínio Flor do Vale em 18/07/2021. Por outro lado, inexiste prova cabal nos autos que indique o elemento subjetivo dos apelados e respalde tal dedução. Deste modo, a dúvida, por menor que seja, deve ser solvida em favor dos recorridos, impondo-se concluir, em relação a eles, pela ocorrência de mera coautoria esporádica, pois esta sim se encontra comprovada, além de qualquer dúvida razoável. Ante o exposto, especificamente com relação ao delito de organização criminosa, desprovejo a insurgência ministerial e mantenho as absolvições dos apelados. 3. DOSIMETRIA DAS PENAS: 3.1. DO CONCURSO DE CRIMES: Com relação aos roubos majorados descritos nos FATOS 02, 03 e 04 da denúncia, embora as vítimas de cada fato tenham sido roubadas em concurso formal (art. 70, caput, CP), ou seja, mediante uma única ação por parte dos infratores, por outro lado, a sequência de fatos em si (FATOS 02, 03 e 04) ocorreu em continuidade delitiva (art. 71, caput, CP), porquanto perpetrados mediante ações autônomas e distintas, mas todas da mesma espécie e em semelhantes condições de tempo, lugar e maneira de execução. Em casos tais, ou seja, quando concorrem ao caso tanto o concurso formal quanto o crime continuado, o Superior Tribunal de Justiça já assentou que deve incidir somente o aumento decorrente da continuidade delitiva, a fim de evitar o bis in idem, conforme se depreende do seguinte precedente: “AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CRIMES DE ROUBO MAJORADO. CUMULAÇÃO DE AUMENTOS PELA CONTINUIDADE DELITIVA E PELO CONCURSO FORMAL. DESCABIMENTO. BIS IN IDEM. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Na hipótese de ocorrência de concurso formal e continuidade delitiva, afasta-se o primeiro e aplica-se apenas o disposto no art. 71 do Código Penal, sob pena de bis in idem. Precedentes do STJ. 2. Agravo regimental não provido”. (AgRg no HC n. 610.352/RJ, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 17/8/2021, DJe de 25/8/2021) – Destaquei. Na espécie, reconheço a ocorrência de 08 (oito) roubos continuados, notadamente tendo em vista a narrativa fática exposta na denúncia e as declarações prestadas pelas vítimas em juízo. Com efeito, perante a autoridade judiciária, a vítima Giliane Laline Ziminiane informou que, no FATO 02 da denúncia, foram subtraídos o seu tablet, relógio, aliança, celular e cerca de R$ 1.000,00 (hum mil reais) em espécie que havia em sua carteira, além da sua caminhonete Hilux, tendo os infratores ainda surrupiado o relógio e cerca de duzentos reais em espécie de sua madrinha Ivete Matia Ziminiane. Em audiência instrutória, o ofendido Sebastião Ziminiane asseverou que, no FATO 03 da denúncia, os criminosos roubaram dinheiro da bolsa do ofendido, em torno de R$ 1.800,00 (hum mil e oitocentos reais), um aparelho televisor e joias, além de sua caminhonete F350, sendo que, neste fato, foi assenhorada ainda a aliança da esposa de Sebastião, Mareir Ferraz de Oliveira, o que foi confirmado também por esta última, ao ser ouvida em instrução complementar nestes autos desmembrados. Já no FATO 04 da denúncia, Luis Renato Sabino descreveu em audiência que, de sua propriedade, os malfeitores levaram aproximadamente R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) que estavam guardados em sua caminhonete, ao passo que Carlos Eduardo Massuía asseverou que os infratores subtraíram seu aparelho celular, seu relógio da marca Apple e dinheiro em espécie, destacando que foi subtraída ainda a mochila do seu filho Guilherme Massuía e bens do amigo Daniel Tobias Damian. Em instrução complementar nestes autos desmembrados, Daniel Damian também foi ouvido e confirmou que os infratores subtraíram sua corrente de ouro, relógio, celular e tênis. Assim, é nítida a ocorrência de pelo menos oito roubos continuados. Por outro lado, com relação ao delito de latrocínio (FATO 04), deve ser aplicado o concurso material, previsto pelo art. 69 do Código Penal. Não obstante cada bloco de roubos majorados (FATOS 02, 03 e 04 da denúncia) possa ser considerado como uma só ação contra as vítimas distintas presentes em cada uma das residências, é certo que os infratores vitimaram pluralidade de domicílios, em ações autônomas, revestidas de desígnios independentes, de modo que o latrocínio ocorrido no FATO 04 da denúncia não pode ser considerado como uma mesma ação que os roubos majorados ocorridos no mesmo fato, tampouco como mera continuação dos roubos majorados cometidos nos fatos antecedentes. Deveras, embora tenha havido roubos no FATO 04 da denúncia, em que também ocorreu o latrocínio contra a vítima João Anídes Cabral Neto, a existência da continuidade delitiva entre aqueles roubos (FATO 04) e os roubos anteriores (FATOS 02 e 03) impede a incidência do concurso formal, sob pena de bis in idem, conforme já exposto. Outrossim, é de se pontuar ainda a impossibilidade de que o latrocínio integre o rol de crimes continuados composto pelos roubos majorados, ante o não preenchimento dos requisitos do art. 71, caput, do Código Penal, haja vista que consistem em crimes de diferentes espécies e heterogêneas maneiras de execução. Nesse sentido: “4. No que diz respeito ao crime continuado, vale salientar que no caso dos crimes de roubo majorado e latrocínio, sequer é necessário avaliar o requisito subjetivo ou o lapso temporal entre os crimes, porquanto não há atendimento do requisito objetivo da pluralidade de crimes da mesma espécie”. (AgRg no REsp n. 1.943.353/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 5/10/2021, DJe de 13/10/2021). Além disso, ad argumentandum tantum, mesmo que se reconhecesse a unidade de ação delitiva, o que, frise-se, não é o caso dos autos, em que se verificam ações criminosas distintas e continuadas (FATOS 02, 03 e 04 da denúncia), ainda assim, não seria o caso de se afastar o cumulo material e a somatória das reprimendas. Isto porque, considerando a existência de efetivo dolo na conduta dos agentes para o resultado morte da vítima João Anídes Cabral Neto, ainda que na modalidade eventual, impõe-se reconhecer a autonomia de desígnios entre o crime de latrocínio e os delitos de roubos in casu, de modo que, mesmo que eventualmente tivessem sido praticados em um mesmo contexto fático e mediante uma só ação, estaria configurado o concurso formal impróprio (art. 70, caput, in fine, CP), que enseja a cumulação das penas (e não a exasperação), nos moldes do art. 69 do Código Penal, isto é, não haveria qualquer reflexo sobre a reprimenda imposta. A propósito: “1. ‘Não obstante configurado concurso formal impróprio, e não concurso material, quando praticado os crimes de roubo e latrocínio tentado em um mesmo contexto fático, mediante uma só ação, contra vítimas diferentes, inexiste reflexo na dosimetria da pena, por ser idêntica à regra do concurso material, nos termos do art. 70, segunda parte, do CP’ (...)”. (AgRg no HC n. 861.994/PR, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 12/8/2024, DJe de 15/8/2024) – Destaquei. Oportunamente, destaque-se que as reprimendas serão individualizadas para cada um dos condenados, em irrestrita observância ao sistema trifásico preconizado no art. 68 do Código Penal e ao princípio constitucional positivado no art. 5.º, XLVI, da CF. No entanto, tendo em vista a identidade de circunstâncias e a similitude fática em que ocorreram os roubos majorados, a dosimetria será realizada de maneira conjunta para as vítimas simultâneas dos aludidos crimes patrimoniais em cada fato (Fatos 02, 03 e 04 da denúncia), aproveitando-se os fundamentos coincidentes para todos os ofendidos de cada bloco de roubos e promovendo-se as devidas diferenciações, quando necessário, a fim de evitar tautologia, o que não implica qualquer ofensa ao princípio da individualização da pena, consoante a orientação do Superior Tribunal de Justiça: “2. Observadas todas as três etapas da dosimetria, em relação a cada um dos delitos, separadamente ou não, sendo feitas as devidas diferenciações quando necessárias ou realizadas em conjunto para todos os delitos, quando aplicáveis, não há falar em ofensa ao princípio da individualização da pena pelo aproveitamento dos fundamentos, sem a necessidade de repetição, para evitar tautologia”. (HC n. 285.530/RS, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 14/2/2017, DJe de 23/2/2017). Posteriormente, aplicar-se-á o aumento decorrente da continuidade delitiva (art. 71, CP), tendo em conta o número de oito roubos continuados, tal qual explanado acima, prosseguindo-se então à dosimetria das penas dos crimes de latrocínio e corrupção de menor, cujas reprimendas virão a ser cumuladas (art. 69, CP) com a sanção resultante dos roubos continuados. 3.2. DAS PENAS DE WEVERTON PEREIRA ALVES: 3.2.1. Dos roubos perpetrados no FATO 02 da denúncia (vítimas Giliane Laline Ziminiani e Ivete Maria Ziminiani da Silva): Na primeira fase da dosimetria, a CULPABILIDADE do réu deve ser sopesada em seu desfavor, na medida em que o delito foi premeditado por extenso período. Com relação à premeditação, o Relatório Técnico n.º 10/2021, contendo a análise dos dados extraídos do celular do corréu Ronair, demonstra que os agentes articularam a empreitada delitiva em um grupo virtual intitulado “Fazenda Pantaneira”, no qual compartilharam até mesmo mapas da região, com indicação dos ranchos que seriam alvejados. Da mesma forma, em seu interrogatório extrajudicial, o corréu Lucas Matheus admitiu que os infratores planejaram o delito por semanas, o que foi confirmado pelo codenunciado Ronair em audiência instrutória, oportunidade em que afirmou que a empreitada foi planejada por cerca de 02 (dois) meses. Deste modo, verificada a efetiva e longeva premeditação dos roubos, tal particularidade se presta a recrudescer a pena-base, conforme já assentou a Turma de Câmaras Criminais Reunidas deste e. TJMT, em sede de uniformização de jurisprudência, mutatis mutandis: “49. A premeditação constitui fundamento idôneo para a majoração da pena-base em decorrência da maior culpabilidade da ação delituosa”. (Incidente de Uniformização de Jurisprudência n.º 101532/2015. DJE n.º 9998, de 11/04/2017, publicado em 12/04/2017) – Destaquei. Igualmente, o fato de os crimes terem sido perpetrados durante a madrugada, na residência dos ofendidos, ou seja, em horário de menor vigilância e em violação à sensação de segurança que caracteriza o próprio lar, também evidencia a ousadia exacerbada do modus operandi e o grau reprovabilidade extrínseco da conduta, a justificar a elevação das penas básicas, a título de circunstâncias desfavoráveis: “1. Esta Corte tem entendido que a dosimetria da pena só pode ser reexaminada em recurso especial quando se verificar, de plano, a ocorrência de erro ou ilegalidade, o que não se constata na hipótese em que o Tribunal de origem destacou fundamentação concreta e idônea para a fixação da pena-base acima do mínimo legal, ressaltando o modus operandi da conduta delituosa, sobretudo a ousadia do réu que praticou o crime no período noturno, na casa da vítima (pessoa com mais de 50 anos) e que morava sozinha”. (AgRg no AREsp n. 1.918.286/TO, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 9/11/2021, DJe de 16/11/2021) – Grifei. Da mesma forma, as CIRCUNSTÂNCIAS do crime devem ser avaliadas negativamente, pois o delito se deu em concurso de agentes, com o emprego de arma branca e restrição da liberdade das vítimas, particularidades que, conquanto configurem majorantes, podem ser migradas para a primeira fase da dosimetria, com subsequente recrudescimento da pena-base, haja vista a pluralidade de causas de aumento e a utilização de apenas uma delas (emprego de arma de fogo) na terceira etapa dosimétrica. Nesse sentido: “A incidência de duas ou mais causas especiais de aumento de pena no crime de roubo autoriza a utilização de uma delas na terceira fase da dosimetria e as demais na primeira, como circunstâncias judiciais desfavoráveis”. (Enunciado Orientativo n.º 32 da Turma de Câmaras Criminais Reunidas do TJMT - Incidente de Uniformização DE Jurisprudência n.º 101532/2015. DJE Edição nº 9998, de 11/04/2017, publicado em 12/04/2017). Ademais, segundo a vítima, os agentes ainda consumiram bebidas alcoólicas e fizeram uso de entorpecentes no interior do domicílio, enquanto as vítimas eram mantidas reféns, o que tonifica ainda mais a reprovabilidade das CIRCUNSTÂNCIAS do delito. A propósito, em audiência instrutória, Giliane Laline Ziminiani (FATO 02 da denúncia) narrou que dormia, na companhia dos filhos, duas sobrinhas e da sua madrinha, além de um casal de netos desta última, quando ouviu o estouro da porta, foi averiguar e viu um indivíduo se direcionando ao quarto da sua madrinha, sendo que, tão logo pegou o celular para tentar pedir socorro, foi rendida pelos ladrões, os quais estavam encapuzados e somavam cerca de seis infratores, dois ou três dos quais estavam ostensivamente armados. Giliane disse que foi amarrada com “língua de sogra” pelos agentes e que, após revirarem a casa em busca de itens de valor, eles subtraíram seu tablet, relógio e cerca de mil reais em espécie que havia em sua carteira, além de consumirem bebidas alcoólicas que havia no domicílio e fazerem uso de entorpecentes, acrescentando a depoente que eles ainda confinaram as crianças menores de 12 (doze) anos em um cômodo e passaram a inquiri-la sobre a chave da caminhonete e se apossaram do veículo, do qual se utilizaram para conduzir a ofendida até a residência do pai dela, também situada no loteamento rural. Ainda de acordo com a vítima Giliane, os malfeitores invadiram também essa segunda residência, assustando a sua madrasta Mareir e agredindo fisicamente o seu genitor, após o que amarraram o casal e trancafiaram as vítimas em um cômodo, enquanto subtraíam os bens que guarneciam a casa do pai da declarante, a aliança da madrasta Mareir e a aliança da própria Giliane. A ofendida prosseguiu relatando que, durante a evasão, os infratores deixaram-na amarrada, assim como sua madrasta e seu pai, e demandaram que eles permanecessem ali constritos, dizendo que alguém ficaria para vigiá-los e que eventualmente os soltaria, após o que trancaram o trio de vítimas no quarto, pegaram a caminhonete do genitor da depoente e se evadiram, complementando que, somente depois de algum tempo, após se certificarem de que estavam novamente sozinhos, ela conseguiu se desatar e desamarrou o pai e a madrasta, tudo antes de empreenderem esforços para arrancar a grade da janela do cômodo, conquistarem a liberdade e buscarem socorro em uma residência vizinha. Sobre a restrição de sua liberdade e de seus familiares, Giliane relatou que a empreitada delitiva teve início em sua residência às 00h15min e que conseguiu socorro na casa do irmão de sua madrasta aproximadamente às 02h00min. Por fim, laboram em demérito do réu também as CONSEQUÊNCIAS do crime, porquanto é evidente que os reflexos nocivos das ações delitivas, in casu, não consistiram em meros abalos psicológicos às vítimas, mas em verdadeiros traumas, aptos a justificar a elevação da pena-base, a título de consequências desfavoráveis. A propósito, a simples aferição das mídias audiovisuais contendo os depoimentos judiciais das vítimas revelam as chagas indeléveis que lhes foram infligidas por ocasião do evento delitivo e a fragilidade emocional que lhes acomete desde então. À guisa de contextualização, a vítima Giliane Laline Ziminiani narrou que, após ser rendida e subjugada em sua residência, foi arrebatada e levada pelos infratores até a residência das próximas vítimas e separada de seus filhos e demais crianças que se encontravam sob os seus cuidados, sendo que, quando corria pela mata em busca de ajuda, após se libertar, ouviu o som dos disparos de arma de fogo e pensou que os infantes é que houvessem sido alvejados. Assim sendo, ante a existência de 03 (três) circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu (CULPABILIDADE, CIRCUNSTÂNCIAS e CONSEQUÊNCIAS), atribuo a cada uma delas o peso de 1/8 (um oitavo) do intervalo entre as penas mínima e máxima cominadas no preceito secundário do tipo penal, totalizando 3/8 (três oitavos), e fixo a pena-base em 06 (seis) anos e 03 (três) meses de reclusão e pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa. Na segunda fase da dosimetria, incide a agravante do art. 61, II, h, do Código Penal, já que a vítima Ivete Maria Ziminiani da Silva contava com mais de 60 (sessenta) anos de idade à época do fato (ID 265486927 - Pág. 48), ao passo que, no domicílio roubado, havia ainda várias crianças, que foram igualmente rendidas e confinadas em um quarto durante o roubo. Como se sabe, “A agravante prevista no art. 61, II, ‘h’, do CP é objetiva, ou seja, não permite considerações específicas do caso concreto [se atingiu ou não o patrimônio da criança] para verificação da sua incidência, sendo perfeitamente admissível a sua aplicação quando o roubo envolver crianças que se encontravam na residência e forem alvos das ameaças perpetradas pelo agente”. (TJ-MT - APELAÇÃO CRIMINAL: 0006591-28.2019.8.11.0002, Relator: ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, Data de Julgamento: 28/01/2020, Primeira Câmara Criminal, Data de Publicação: 29/01/2020) – Negritei. Ainda na segunda etapa dosimétrica, incide a agravante do art. 61, I, do Código Penal, já que o apelado WEVERTON possui condenação definitiva no Processo Executivo de Pena n.º 2000015-57.2021.8.11.0020 (Sistema SEEU), proferida na ação penal n.º 0000182-84.2016.8.11.0020, com trânsito em julgado em 10/12/2019, ou seja, já era reincidente à época dos fatos. Diante disso, atribuo a cada agravante o peso paradigmático de 1/6 (um sexto), elevo a pena em 2/6 (dois sextos) e estabeleço a sanção provisória em 08 (oito) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e pagamento de 21 (vinte e um) dias-multa. Na terceira fase do cálculo dosimétrico, tendo em vista a causa de aumento relacionada ao emprego de arma de fogo (art. 157, §2.º-A, I, CP), majoro a reprimenda na fração ex lege de 2/3 (dois terços) e fixo a pena definitiva para cada um dos dois roubos majorados do FATO 02 da denúncia em 13 (treze) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, mais pagamento de 35 (trinta e cinco) dias-multa. 3.2.2. Dos roubos perpetrados no FATO 03 da denúncia (vítimas Sebastião Ziminiani e Mareir Ferraz de Oliveira): Na primeira fase da dosimetria, a CULPABILIDADE do réu deve ser sopesada em seu desfavor, na medida em que o delito foi premeditado por extenso período. Com relação à premeditação, o Relatório Técnico n.º 10/2021, contendo a análise dos dados extraídos do celular do corréu Ronair, demonstra que os agentes articularam a empreitada delitiva em um grupo virtual intitulado “Fazenda Pantaneira”, no qual compartilharam até mesmo mapas da região, com indicação dos ranchos que seriam alvejados. Da mesma forma, em seu interrogatório extrajudicial, o corréu Lucas Matheus admitiu que os infratores planejaram o delito por semanas, o que foi confirmado pelo codenunciado Ronair em audiência instrutória, oportunidade em que afirmou que a empreitada foi planejada por cerca de 02 (dois) meses. Deste modo, verificada a efetiva e longeva premeditação dos roubos, tal particularidade se presta a recrudescer a pena-base, conforme já assentou a Turma de Câmaras Criminais Reunidas deste e. TJMT, em sede de uniformização de jurisprudência, mutatis mutandis: “49. A premeditação constitui fundamento idôneo para a majoração da pena-base em decorrência da maior culpabilidade da ação delituosa”. (Incidente de Uniformização de Jurisprudência n.º 101532/2015. DJE n.º 9998, de 11/04/2017, publicado em 12/04/2017) – Destaquei. Igualmente, o fato de os crimes terem sido perpetrados durante a madrugada, na residência dos ofendidos, ou seja, em horário de menor vigilância e em violação à sensação de segurança que caracteriza o próprio lar, também evidencia a ousadia exacerbada do modus operandi e o grau reprovabilidade extrínseco da conduta, a justificar a elevação das penas básicas, a título de circunstâncias desfavoráveis: “1. Esta Corte tem entendido que a dosimetria da pena só pode ser reexaminada em recurso especial quando se verificar, de plano, a ocorrência de erro ou ilegalidade, o que não se constata na hipótese em que o Tribunal de origem destacou fundamentação concreta e idônea para a fixação da pena-base acima do mínimo legal, ressaltando o modus operandi da conduta delituosa, sobretudo a ousadia do réu que praticou o crime no período noturno, na casa da vítima (pessoa com mais de 50 anos) e que morava sozinha”. (AgRg no AREsp n. 1.918.286/TO, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 9/11/2021, DJe de 16/11/2021) – Negritei. Da mesma forma, as CIRCUNSTÂNCIAS do crime devem ser avaliadas negativamente, pois o crime se deu em concurso de agentes, com o emprego de arma branca e restrição da liberdade das vítimas, particularidades que, conquanto configurem majorantes, podem ser migradas para a primeira fase da dosimetria, com subsequente recrudescimento da pena-base, haja vista a pluralidade de causas de aumento e a utilização de apenas uma delas (emprego de arma de fogo) na terceira etapa dosimétrica. Nesse sentido: “A incidência de duas ou mais causas especiais de aumento de pena no crime de roubo autoriza a utilização de uma delas na terceira fase da dosimetria e as demais na primeira, como circunstâncias judiciais desfavoráveis”. (Enunciado Orientativo n.º 32 da Turma de Câmaras Criminais Reunidas do TJMT - Incidente de Uniformização DE Jurisprudência n.º 101532/2015. DJE Edição nº 9998, de 11/04/2017, publicado em 12/04/2017). Ademais, segundo as vítimas, os agentes ainda agiram com extremada violência e agrediram fisicamente os ofendidos, o que tonifica ainda mais a reprovabilidade das CIRCUNSTÂNCIAS do delito. A propósito, ofendido Sebastião Ziminiani (FATO 03 da denúncia) asseverou em audiência instrutória que, na madrugada fatídica, encontrava-se em casa com a esposa, quando, pouco depois da meia-noite, sua filha chegou à residência, já amarrada e rendida pelos infratores, os quais arrombaram a porta da sua casa, subjugaram o depoente e sua esposa e agrediram fisicamente o cônjuge varão, com três chutes na canela, tapa e coronhada de arma de fogo no olho direito, antes de amarrá-lo e atar sua esposa. Sebastião ressaltou ainda que passou mal durante o episódio delitivo, enquanto estava amarrado, em virtude de sua hipertensão arterial, e que, após a evasão dos agentes, permaneceu confinado com companheira e filha no quarto, até que sua filha conseguiu se desatar e desamarrou os demais, ato contínuo, estouraram a grade de ferro da janela do cômodo e correram por cerca de um quilômetro pela estrada escura até a casa dos parentes da esposa do declarante, onde conseguiram acionar o socorro policial. No mesmo sentido, a esposa do ofendido Sebastião, Mareir Ferraz de Oliveira, foi ouvida em audiência complementar nestes autos desmembrados, e confirmou que sua família permaneceu trancada e amarrada, conseguindo se libertar ao estourarem a janela do quarto, apenas tempos depois que os agentes se evadiram. Assim sendo, ante a existência de 02 (duas) circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu (CULPABILIDADE e CIRCUNSTÂNCIAS), atribuo a cada uma delas o peso de 1/8 (um oitavo) do intervalo entre as penas mínima e máxima cominadas no preceito secundário do tipo penal, totalizando 2/8 (dois oitavos), e fixo a pena-base em 05 (cinco) anos e 06 (seis) meses de reclusão e pagamento de 14 (quatorze) dias-multa. Na segunda fase da dosimetria, incide a agravante do art. 61, II, h, do Código Penal, no que tange à vítima Sebastião Ziminiani, o qual contava com mais de 60 (sessenta) anos de idade à época (ID 265486927 - Pág. 19), devendo ser aplicada ainda a agravante do art. 61, I, do Código Penal, para ambos os crimes, ante a reincidência de WEVERTON (PEP n.º 2000015-57.2021.8.11.0020, decorrente da ação penal n.º 0000182-84.2016.8.11.0020, com trânsito em julgado em 10/12/2019). Assim, agravo a pena em 2/6 (um sexto) no delito contra Sebastião e em 1/6 (um sexto) no delito contra Mareir, encontrando as sanções provisórias de 07 (sete) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, mais 18 (dezoito) dias-multa, e de 06 (seis) anos e 05 (cinco) meses de reclusão, mais 16 (dezesseis) dias-multa, respectivamente. Na terceira fase do cálculo dosimétrico, tendo em vista a causa de aumento relacionada ao emprego de arma de fogo (art. 157, §2.º-A, I, CP), majoro a reprimenda na fração ex lege de 2/3 (dois terços) e fixo as penas definitivas para os roubos majorados do FATO 03 da denúncia em 12 (doze) anos, 02 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, mais 30 (trinta) dias-multa (vítima Sebastião), e 10 (dez) anos, 08 (oito) meses e 10 (dez) dias de reclusão, mais 26 (vinte e seis) dias-multa (vítima Mareir). 3.2.3. Dos roubos perpetrados no FATO 04 da denúncia (vítimas Luis Renato Sabino, Carlos Eduardo Massuía, Guilherme Massuía e Daniel Tobias Damian): Na primeira fase da dosimetria, a CULPABILIDADE do réu deve ser sopesada em seu desfavor, na medida em que o delito foi premeditado por extenso período. Com relação à premeditação, o Relatório Técnico n.º 10/2021, contendo a análise dos dados extraídos do celular do corréu Ronair, demonstra que os agentes articularam a empreitada delitiva em um grupo virtual intitulado “Fazenda Pantaneira”, no qual compartilharam até mesmo mapas da região, com indicação dos ranchos que seriam alvejados. Da mesma forma, em seu interrogatório extrajudicial, o corréu Lucas Matheus admitiu que os infratores planejaram o delito por semanas, o que foi confirmado pelo codenunciado Ronair em audiência instrutória, oportunidade em que afirmou que a empreitada foi planejada por cerca de 02 (dois) meses. Deste modo, verificada a efetiva e longeva premeditação dos roubos, tal particularidade se presta a recrudescer a pena-base, conforme já assentou a Turma de Câmaras Criminais Reunidas deste e. TJMT, em sede de uniformização de jurisprudência, mutatis mutandis: “49. A premeditação constitui fundamento idôneo para a majoração da pena-base em decorrência da maior culpabilidade da ação delituosa”. (Incidente de Uniformização de Jurisprudência n.º 101532/2015. DJE n.º 9998, de 11/04/2017, publicado em 12/04/2017) – Destaquei. Igualmente, o fato de os crimes terem sido perpetrados durante a madrugada, na residência dos ofendidos, ou seja, em horário de menor vigilância e em violação à sensação de segurança que caracteriza o próprio lar, também evidencia a ousadia exacerbada do modus operandi e o grau reprovabilidade extrínseco da conduta, a justificar a elevação das penas básicas, a título de circunstâncias desfavoráveis: “1. Esta Corte tem entendido que a dosimetria da pena só pode ser reexaminada em recurso especial quando se verificar, de plano, a ocorrência de erro ou ilegalidade, o que não se constata na hipótese em que o Tribunal de origem destacou fundamentação concreta e idônea para a fixação da pena-base acima do mínimo legal, ressaltando o modus operandi da conduta delituosa, sobretudo a ousadia do réu que praticou o crime no período noturno, na casa da vítima (pessoa com mais de 50 anos) e que morava sozinha”. (AgRg no AREsp n. 1.918.286/TO, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 9/11/2021, DJe de 16/11/2021) – Negritei. Da mesma forma, as CIRCUNSTÂNCIAS do crime devem ser avaliadas negativamente, pois o crime se deu em concurso de agentes, com o emprego de arma branca e restrição da liberdade das vítimas, particularidades que, conquanto configurem majorantes, podem ser migradas para a primeira fase da dosimetria, com subsequente recrudescimento da pena-base, haja vista a pluralidade de causas de aumento e a utilização de apenas uma delas (emprego de arma de fogo) na terceira etapa dosimétrica. Nesse sentido: “A incidência de duas ou mais causas especiais de aumento de pena no crime de roubo autoriza a utilização de uma delas na terceira fase da dosimetria e as demais na primeira, como circunstâncias judiciais desfavoráveis”. (Enunciado Orientativo n.º 32 da Turma de Câmaras Criminais Reunidas do TJMT - Incidente de Uniformização DE Jurisprudência n.º 101532/2015. DJE Edição nº 9998, de 11/04/2017, publicado em 12/04/2017). Ademais, segundo as vítimas, os agentes ainda agiram com extremada violência e proferiram constantes ameaças e agressões físicas contra os ofendidos, o que tonifica ainda mais a reprovabilidade das CIRCUNSTÂNCIAS do delito. A propósito, o ofendido Luis Renato Sabino (FATO 04 da denúncia) informou em juízo que os infratores constantemente apontavam as armas de fogo na direção das vítimas e que um deles chegou a colocar um revólver dentro da sua boca. Da mesma forma, a vítima Carlos Eduardo Massuía (FATO 04 da denúncia) revelou que além de ameaçarem constantemente que disparariam os artefatos bélicos, um dos agentes investiu contra o ofendido diversas vezes com o instrumento cortante, chegando a lesioná-lo na perna e causar cicatriz indelével. Nos termos colocados por Carlos Eduardo em juízo, “Aí ele deu uma ‘facãozada’ assim para me acertar, eu pulei para trás, ele me deu uma segunda ‘facãozada’, ele não acertou de novo. Aí ele parou e falou assim: ‘se você ir para trás de novo, eu te dou um tiro, porque eu quero te matar igual sangrar porco’. Aí ele pegou e deu outra, mas, mesmo assim, com o reflexo, eu afastei e pegou na minha perna, eu tenho a marca na perna até hoje”. (Relatório de Mídias). A respeito da restrição da liberdade das vítimas, o ofendido Carlos Massuía (FATO 04 da denúncia) disse que, após as agressões físicas e a subtração patrimonial, enquanto se evadiam, os agentes deixaram as vítimas presas e prometeram que, se alguém saísse dali, eles iriam “meter tiro em todo mundo”. A narrativa de Carlos Eduardo dá conta de que, algum tempo depois da evasão dos delinquentes, as vítimas Luis Renato e Daniel conseguiram se soltar e libertaram o depoente. A respeito do período de cativeiro, Carlos Eduardo pontuou que as vítimas permaneceram com a liberdade restrita mesmo após a saída dos agentes, situação que perdurou por cerca de quarenta minutos, descrevendo que “uns quarenta minutos depois que a gente acha que eles foram embora, porque quando o Daniel e o Renato começaram a se soltar, eu falava ‘moço, para. Vai que os caras voltam’, enfim”. (Relatório de Mídias). Por fim, laboram em demérito do réu também as CONSEQUÊNCIAS do crime, porquanto é evidente que os reflexos nocivos das ações delitivas, in casu, não consistiram em meros abalos psicológicos às vítimas, mas em verdadeiros traumas, aptos a justificar a elevação da pena-base, a título de consequências desfavoráveis. A propósito, a simples aferição das mídias audiovisuais contendo os depoimentos judiciais das vítimas revelam as chagas indeléveis que lhes foram infligidas por ocasião do evento delitivo e a fragilidade emocional que lhes acomete desde então. À guisa de exemplo, em juízo, as vítimas Carlos Eduardo Massuía e Daniel Tobias Damian explicitaram em juízo o filho do primeiro, isto é, a vítima Guilherme Massuía luta com o trauma decorrente da madrugada fatídica até os dias de hoje e ainda faz tratamento psicológico, mesmo transcorridos mais de três anos desde os fatos. Ademais, Carlos Eduardo Massuía relatou que o trauma decorrente dos crimes foi tamanho ao ponto de desistir de construir no terreno que havia adquirido no Condomínio Flor do Vale, razão pela qual deixou inacabada a obra de quase 09 (nove) meses no local e nunca mais retornou ao conjunto habitacional, de modo que, além do dano emocional e psicológico, tem experimentado prejuízos financeiros, já que tampouco consegue vender o lote com edificação incompleta. Como se vê, a violação aos bens juridicamente tutelados, na hipótese, superou sobremaneira o que comumente se vê em delitos desta estirpe, notadamente tendo em vista o trauma psicológico e a mudança duradoura de rotina na vida das vítimas, tudo a justificar a majoração da pena-base, a título de CONSEQUÊNCIAS desfavoráveis. A propósito: “5. Em relação às consequências do delito, que devem ser entendidas como o resultado da ação do agente, a avaliação negativa de tal circunstância judicial mostra-se escorreita se o dano causado ao bem jurídico tutelado se revelar superior ao inerente ao tipo penal. No presente caso, a prática delitiva deixou consequência psicológica na vítima, acarretando enorme trauma psicológico, que a fez inclusive desistir da profissão de motorista, o que demonstra que a ação delitiva provocou desdobramentos duradouros, caracterizados pelo terror permanente e mudanças na rotina de vida do ofendido, o que aumenta a reprovabilidade da conduta”. (AgRg nos EDcl no REsp n. 2.001.614/MT, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 9/8/2022, DJe de 16/8/2022) – Destaquei. “No caso, no tocante às circunstâncias e/ou consequências do crime, a fundamentação apresentada mostra-se idônea, baseada em elementos concretos, qual seja, as ameaças/traumas contra as vítimas que resolveram mudar do local onde ocorreu o delito (residência), além dos prejuízos materiais e o planejamento da ação”. (AgRg no HC n. 653.254/SC, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 3/8/2021, DJe de 6/8/2021) – Destaquei. Assim sendo, ante a existência de 03 (três) circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu (CULPABILIDADE, CIRCUNSTÂNCIAS e CONSEQUÊNCIAS), atribuo a cada uma delas o peso de 1/8 (um oitavo) do intervalo entre as penas mínima e máxima cominadas no preceito secundário do tipo penal, totalizando 3/8 (três oitavos), e fixo a pena-base em 06 (seis) anos e 03 (três) meses de reclusão e pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa. Na segunda fase da dosimetria, incide a agravante do art. 61, I, do Código Penal, para os quatro crimes, ante a reincidência de WEVERTON (PEP n.º 2000015-57.2021.8.11.0020, decorrente da ação penal n.º 0000182-84.2016.8.11.0020, com trânsito em julgado em 10/12/2019), razão pela qual agravo a pena em 1/6 (um sexto) e estipulo as sanções provisórias em 07 (sete) anos, 03 (três) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e pagamento de 18 (dezoito) dias de reclusão. Na terceira fase do cálculo dosimétrico, tendo em vista a causa de aumento relacionada ao emprego de arma de fogo (art. 157, §2.º-A, I, CP), majoro a reprimenda na fração ex lege de 2/3 (dois terços) e fixo as penas definitivas para cada um dos quatro roubos majorados do FATO 04 da denúncia em 12 (doze) anos, 01 (um) mês e 25 (vinte e cinco) dias de reclusão, mais 30 (trinta) dias-multa. 3.2.4. CONTINUIDADE DELITIVA: Como se sabe, a fração do crime continuado deve guardar observância com o número de roubos cometidos, isto é, o número de patrimônios violados em continuidade, aplicando-se 1/6 (um sexto) pela prática de duas infrações, 1/5 (um quinto) para três, 1/4 (um quarto) para quatro, 1/3 (um terço) para cinco, 1/2 (metade) para seis e 2/3 (dois terços) para sete ou mais infrações. É o que preceitua o enunciado de Súmula n.º 659 do STJ, cuja redação dispõe que “A fração de aumento em razão da prática de crime continuado deve ser fixada de acordo com o número de delitos cometidos, aplicando-se 1/6 pela prática de duas infrações, 1/5 para três, 1/4 para quatro, 1/3 para cinco, 1/2 para seis e 2/3 para sete ou mais infrações”. In casu, tendo sido praticados mais de 07 (sete) roubos em continuidade delitiva, elevo a reprimenda mais grave em 2/3 (dois terços), e encontro a pena final para os roubos continuados (Fatos 02, 03 e 04 da denúncia) em 23 (vinte e três) anos, 01 (um) mês e 23 (vinte e três) dias de reclusão, mais pagamento de 58 (cinquenta e oito) dias-multa. 3.2.5. Do latrocínio perpetrado no FATO 04 da denúncia (vítima João Anaídes Cabral Neto): Na primeira fase da dosimetria, as CIRCUNSTÂNCIAS do crime devem ser sopesadas em desfavor réu, na medida em que o Laudo Pericial n.º 200.2.06.2021.008462-01, relativo ao exame realizado no local do crime, atesta que a vítima estava seminua e subjugada ao solo, com os pés e as mãos amarradas, portanto, encontrava-se sem qualquer chance de esboçar reação defensiva quando foi sumariamente executada pelos agentes (ID 265487046), o que demonstra que o grau de reprovabilidade da conduta extrapolou o que ordinariamente se vê em delitos da mesma estirpe. Outrossim, laboram em demérito do réu também as CONSEQUÊNCIAS do crime, haja vista os reflexos nocivos acarretados a terceiros, porquanto o disparo fatal contra a vítima do latrocínio foi efetuado dentro de um pequeno cômodo (banheiro) em que a vítima estava rendida com o adolescente Guilherme Massuía, de apenas 14 (quatorze) anos de idade à época, o qual foi obrigado a assistir não só a execução do ofendido, mas também a presenciar os momentos finais em este agonizava até a morte ao seu lado, sendo que, de acordo com as demais vítimas ouvidas em juízo, o menor carrega consigo até os dias de hoje o trauma acarretado pela cena trágica e ainda faz tratamento psicológico para tentar superar o dano emocional. Assim, ante a existência de 02 (duas) circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu (CIRCUNSTÂNCIAS e CONSEQUÊNCIAS), atribuo a cada uma delas o peso de 1/8 (um oitavo) do intervalo entre as penas mínima e máxima cominadas no preceito secundário do tipo penal, totalizando 2/8 (dois oitavos), e fixo a pena-base em 22 (vinte e dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão e pagamento de 12 (doze) dias-multa. Na segunda fase da dosimetria, incide a agravante do art. 61, I, do Código Penal, ante a reincidência de WEVERTON (PEP n.º 2000015-57.2021.8.11.0020, decorrente da ação penal n.º 0000182-84.2016.8.11.0020, com trânsito em julgado em 10/12/2019), razão pela qual agravo a pena em 1/6 (um sexto) e estipulo a reprimenda em 26 (vinte e seis) anos e 03 (três) meses de reclusão, mais pagamento de 14 (quatorze) dias-multa, a qual torno definitiva para o latrocínio, à míngua de minorantes ou majorantes. 3.2.6. Da corrupção de menor: Na primeira fase da dosimetria, as CIRCUNSTÂNCIAS do crime devem ser sopesadas em desfavor réu, na medida em que, além da natureza gravosa e hedionda dos delitos aos quais os adolescentes foram expostos, o réu corrompeu mais de um adolescente na empreitada delitiva, razão pela qual elevo a reprimenda em 1/8 (um oitavo) do intervalo entre as penas mínima e máxima cominadas no preceito secundário do tipo penal, e fixo a pena-base em 01 (um) ano, 04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão. Na segunda fase da dosimetria, incide a agravante do art. 61, I, do Código Penal, ante a reincidência de WEVERTON (PEP n.º 2000015-57.2021.8.11.0020, decorrente da ação penal n.º 0000182-84.2016.8.11.0020, com trânsito em julgado em 10/12/2019), razão pela qual agravo a pena em 1/6 (um sexto) e estipulo a reprimenda em 01 (um) ano, 07 (sete) meses e 07 (sete) dias de reclusão, a qual torno definitiva para a corrupção de menor, à míngua de minorantes ou majorantes. 3.2.7. Concurso material e pena final: À luz do concurso material (art. 69, CP), cumulo a reprimendas dos roubos continuados com as sanções do latrocínio e da corrupção de menor e estabeleço a pena final e definitiva do apelado WEVERTON PEREIRA ALVES em 51 (CINQUENTA E UM) ANOS DE RECLUSÃO, no regime inicial FECHADO, mais pagamento de 72 (setenta e dois) dias-multa, unitariamente arbitrados na mínima fração legal. 3.3. DAS PENAS DE MARCOS VINÍCIUS ALVES DIAS: 3.3.1. Dos roubos perpetrados no FATO 02 da denúncia (vítimas Giliane Laline Ziminiani e Ivete Maria Ziminiani da Silva): Na primeira fase da dosimetria, a CULPABILIDADE do réu deve ser sopesada em seu desfavor, na medida em que o delito foi premeditado por extenso período. Com relação à premeditação, o Relatório Técnico n.º 10/2021, contendo a análise dos dados extraídos do celular do corréu Ronair, demonstra que os agentes articularam a empreitada delitiva em um grupo virtual intitulado “Fazenda Pantaneira”, no qual compartilharam até mesmo mapas da região, com indicação dos ranchos que seriam alvejados. Da mesma forma, em seu interrogatório extrajudicial, o corréu Lucas Matheus admitiu que os infratores planejaram o delito por semanas, o que foi confirmado pelo codenunciado Ronair em audiência instrutória, oportunidade em que afirmou que a empreitada foi planejada por cerca de 02 (dois) meses. Deste modo, verificada a efetiva e longeva premeditação dos roubos, tal particularidade se presta a recrudescer a pena-base, conforme já assentou a Turma de Câmaras Criminais Reunidas deste e. TJMT, em sede de uniformização de jurisprudência, mutatis mutandis: “49. A premeditação constitui fundamento idôneo para a majoração da pena-base em decorrência da maior culpabilidade da ação delituosa”. (Incidente de Uniformização de Jurisprudência n.º 101532/2015. DJE n.º 9998, de 11/04/2017, publicado em 12/04/2017) – Destaquei. Igualmente, o fato de os crimes terem sido perpetrados durante a madrugada, na residência dos ofendidos, ou seja, em horário de menor vigilância e em violação à sensação de segurança que caracteriza o próprio lar, também evidencia a ousadia exacerbada do modus operandi e o grau reprovabilidade extrínseco da conduta, a justificar a elevação das penas básicas, a título de circunstâncias desfavoráveis: “1. Esta Corte tem entendido que a dosimetria da pena só pode ser reexaminada em recurso especial quando se verificar, de plano, a ocorrência de erro ou ilegalidade, o que não se constata na hipótese em que o Tribunal de origem destacou fundamentação concreta e idônea para a fixação da pena-base acima do mínimo legal, ressaltando o modus operandi da conduta delituosa, sobretudo a ousadia do réu que praticou o crime no período noturno, na casa da vítima (pessoa com mais de 50 anos) e que morava sozinha”. (AgRg no AREsp n. 1.918.286/TO, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 9/11/2021, DJe de 16/11/2021) – Negritei. Da mesma forma, as CIRCUNSTÂNCIAS do crime devem ser avaliadas negativamente, pois o crime se deu em concurso de agentes, com o emprego de arma branca e restrição da liberdade das vítimas, particularidades que, conquanto configurem majorantes, podem ser migradas para a primeira fase da dosimetria, com subsequente recrudescimento da pena-base, haja vista a pluralidade de causas de aumento e a utilização de apenas uma delas (emprego de arma de fogo) na terceira etapa dosimétrica. Nesse sentido: “A incidência de duas ou mais causas especiais de aumento de pena no crime de roubo autoriza a utilização de uma delas na terceira fase da dosimetria e as demais na primeira, como circunstâncias judiciais desfavoráveis”. (Enunciado Orientativo n.º 32 da Turma de Câmaras Criminais Reunidas do TJMT - Incidente de Uniformização DE Jurisprudência n.º 101532/2015. DJE Edição nº 9998, de 11/04/2017, publicado em 12/04/2017). Ademais, segundo a vítima, os agentes ainda consumiram bebidas alcoólicas e fizeram uso de entorpecentes no interior do domicílio, enquanto as vítimas eram mantidas reféns, o que tonifica ainda mais a reprovabilidade das CIRCUNSTÂNCIAS do delito. A propósito, em audiência instrutória, Giliane Laline Ziminiani (FATO 02 da denúncia) narrou que dormia, na companhia dos filhos, duas sobrinhas e da sua madrinha, além de um casal de netos desta última, quando ouviu o estouro da porta, foi averiguar e viu um indivíduo se direcionando ao quarto da sua madrinha, sendo que, tão logo pegou o celular para tentar pedir socorro, foi rendida pelos ladrões, os quais estavam encapuzados e somavam cerca de seis infratores, dois ou três dos quais estavam ostensivamente armados. Giliane disse que foi amarrada com “língua de sogra” pelos agentes e que, após revirarem a casa em busca de itens de valor, eles subtraíram seu tablet, relógio e cerca de mil reais em espécie que havia em sua carteira, além de consumirem bebidas alcoólicas que havia no domicílio e fazerem uso de entorpecentes, acrescentando a depoente que eles ainda confinaram as crianças menores de 12 (doze) anos em um cômodo e passaram a inquiri-la sobre a chave da caminhonete e se apossaram do veículo, do qual se utilizaram para conduzir a ofendida até a residência do pai dela, também situada no loteamento rural. Ainda de acordo com a vítima Giliane, os malfeitores invadiram também essa segunda residência, assustando a sua madrasta Mareir e agredindo fisicamente o seu genitor, após o que amarraram o casal e trancafiaram as vítimas em um cômodo, enquanto subtraíam os bens que guarneciam a casa do pai da declarante, a aliança da madrasta Mareir e a aliança da própria Giliane. A ofendida prosseguiu relatando que, durante a evasão, os infratores deixaram-na amarrada, assim como sua madrasta e seu pai, e demandaram que eles permanecessem ali constritos, dizendo que alguém ficaria para vigiá-los e que eventualmente os soltaria, após o que trancaram o trio de vítimas no quarto, pegaram a caminhonete do genitor da depoente e se evadiram, complementando que, somente depois de algum tempo, após se certificarem de que estavam novamente sozinhos, ela conseguiu se desatar e desamarrou o pai e a madrasta, tudo antes de empreenderem esforços para arrancar a grade da janela do cômodo, conquistarem a liberdade e buscarem socorro em uma residência vizinha. Sobre a restrição de sua liberdade e de seus familiares, Giliane relatou que a empreitada delitiva teve início em sua residência às 00h15min e que conseguiu socorro na casa do irmão de sua madrasta aproximadamente às 02h00min. Outrossim, laboram em demérito do réu também as CONSEQUÊNCIAS do crime, porquanto é evidente que os reflexos nocivos das ações delitivas, in casu, não consistiram em meros abalos psicológicos às vítimas, mas em verdadeiros traumas, aptos a justificar a elevação da pena-base, a título de consequências desfavoráveis. A propósito, a simples aferição das mídias audiovisuais contendo os depoimentos judiciais das vítimas revelam as chagas indeléveis que lhes foram infligidas por ocasião do evento delitivo e a fragilidade emocional que lhes acomete desde então. À guisa de contextualização, a vítima Giliane Laline Ziminiani narrou que, após ser rendida e subjugada em sua residência, foi arrebatada e levada pelos infratores até a residência das próximas vítimas e separada de seus filhos e demais crianças que se encontravam sob os seus cuidados, sendo que, quando corria pela mata em busca de ajuda, após se libertar, ouviu o som dos disparos de arma de fogo e pensou que os infantes é que houvessem sido alvejados. Por fim, tem-se que MARCOS VINÍCIUS é portador de MAUS ANTECEDENTES, pois, na ação penal n.º 1022208-71.2020.8.11.0003, foi condenado por roubo praticado em 16/10/2020 (anterior aos fatos sub judice), com trânsito em julgado posterior, em 19/06/2023, conforme se extrai do PEP n.º 2000566-31.2023.8.11.0064. Assim sendo, ante a existência de 04 (quatro) circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu (CULPABILIDADE, CIRCUNSTÂNCIAS, CONSEQUÊNCIAS e MAUS ANTECEDENTES), atribuo a cada uma delas o peso de 1/8 (um oitavo) do intervalo entre as penas mínima e máxima cominadas no preceito secundário do tipo penal, totalizando 4/8 (quatro oitavos), e fixo a pena-base em 07 (sete) anos de reclusão e pagamento de 15 (quinze) dias-multa. Na segunda fase da dosimetria, incide a agravante do art. 61, II, h, do Código Penal, já que a vítima Ivete Maria Ziminiani da Silva contava com mais de 60 (sessenta) anos de idade à época do fato (ID 265486927 - Pág. 48), ao passo que, no domicílio roubado, havia ainda várias crianças, que foram igualmente rendidas e confinadas em um quarto durante o roubo. Como se sabe, “A agravante prevista no art. 61, II, ‘h’, do CP é objetiva, ou seja, não permite considerações específicas do caso concreto [se atingiu ou não o patrimônio da criança] para verificação da sua incidência, sendo perfeitamente admissível a sua aplicação quando o roubo envolver crianças que se encontravam na residência e forem alvos das ameaças perpetradas pelo agente”. (TJ-MT - APELAÇÃO CRIMINAL: 0006591-28.2019.8.11.0002, Relator: ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, Data de Julgamento: 28/01/2020, Primeira Câmara Criminal, Data de Publicação: 29/01/2020) – Negritei. Por outro lado, incidem as atenuantes da confissão, já que MARCOS VINÍCIUS admitiu participação nos roubos em juízo, e da menoridade relativa, razão pela qual compenso uma atenuante com a agravante e, diante da atenuante remanescente, reduzo a pena em 1/6 (um sexto), encontrando a sanções provisórias em 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 12 (doze) dias-multa. Na terceira fase do cálculo dosimétrico, tendo em vista a causa de aumento relacionada ao emprego de arma de fogo (art. 157, §2.º-A, I, CP), majoro a reprimenda na fração ex lege de 2/3 (dois terços) e fixo a pena definitiva para cada um dos dois roubos majorados do FATO 02 da denúncia em 09 (nove) anos, 08 (oito) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, mais pagamento de 20 (vinte) dias-multa. 3.3.2. Dos roubos perpetrados no FATO 03 da denúncia (vítimas Sebastião Ziminiani e Mareir Ferraz de Oliveira): Na primeira fase da dosimetria, a CULPABILIDADE do réu deve ser sopesada em seu desfavor, na medida em que o delito foi premeditado por extenso período. Com relação à premeditação, o Relatório Técnico n.º 10/2021, contendo a análise dos dados extraídos do celular do corréu Ronair, demonstra que os agentes articularam a empreitada delitiva em um grupo virtual intitulado “Fazenda Pantaneira”, no qual compartilharam até mesmo mapas da região, com indicação dos ranchos que seriam alvejados. Da mesma forma, em seu interrogatório extrajudicial, o corréu Lucas Matheus admitiu que os infratores planejaram o delito por semanas, o que foi confirmado pelo codenunciado Ronair em audiência instrutória, oportunidade em que afirmou que a empreitada foi planejada por cerca de 02 (dois) meses. Deste modo, verificada a efetiva e longeva premeditação dos roubos, tal particularidade se presta a recrudescer a pena-base, conforme já assentou a Turma de Câmaras Criminais Reunidas deste e. TJMT, em sede de uniformização de jurisprudência, mutatis mutandis: “49. A premeditação constitui fundamento idôneo para a majoração da pena-base em decorrência da maior culpabilidade da ação delituosa”. (Incidente de Uniformização de Jurisprudência n.º 101532/2015. DJE n.º 9998, de 11/04/2017, publicado em 12/04/2017) – Destaquei. Igualmente, o fato de os crimes terem sido perpetrados durante a madrugada, na residência dos ofendidos, ou seja, em horário de menor vigilância e em violação à sensação de segurança que caracteriza o próprio lar, também evidencia a ousadia exacerbada do modus operandi e o grau reprovabilidade extrínseco da conduta, a justificar a elevação das penas básicas, a título de circunstâncias desfavoráveis: “1. Esta Corte tem entendido que a dosimetria da pena só pode ser reexaminada em recurso especial quando se verificar, de plano, a ocorrência de erro ou ilegalidade, o que não se constata na hipótese em que o Tribunal de origem destacou fundamentação concreta e idônea para a fixação da pena-base acima do mínimo legal, ressaltando o modus operandi da conduta delituosa, sobretudo a ousadia do réu que praticou o crime no período noturno, na casa da vítima (pessoa com mais de 50 anos) e que morava sozinha”. (AgRg no AREsp n. 1.918.286/TO, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 9/11/2021, DJe de 16/11/2021) – Negritei. Da mesma forma, as CIRCUNSTÂNCIAS do crime devem ser avaliadas negativamente, pois o crime se deu em concurso de agentes, com o emprego de arma branca e restrição da liberdade das vítimas, particularidades que, conquanto configurem majorantes, podem ser migradas para a primeira fase da dosimetria, com subsequente recrudescimento da pena-base, haja vista a pluralidade de causas de aumento e a utilização de apenas uma delas (emprego de arma de fogo) na terceira etapa dosimétrica. Nesse sentido: “A incidência de duas ou mais causas especiais de aumento de pena no crime de roubo autoriza a utilização de uma delas na terceira fase da dosimetria e as demais na primeira, como circunstâncias judiciais desfavoráveis”. (Enunciado Orientativo n.º 32 da Turma de Câmaras Criminais Reunidas do TJMT - Incidente de Uniformização DE Jurisprudência n.º 101532/2015. DJE Edição nº 9998, de 11/04/2017, publicado em 12/04/2017). Ademais, segundo as vítimas, os agentes ainda agiram com extremada violência e agrediram fisicamente os ofendidos, o que tonifica ainda mais a reprovabilidade das CIRCUNSTÂNCIAS do delito. A propósito, ofendido Sebastião Ziminiani (FATO 03 da denúncia) asseverou em audiência instrutória que, na madrugada fatídica, encontrava-se em casa com a esposa, quando, pouco depois da meia-noite, sua filha chegou à residência, já amarrada e rendida pelos infratores, os quais arrombaram a porta da sua casa, subjugaram o depoente e sua esposa e agrediram fisicamente o cônjuge varão, com três chutes na canela, tapa e coronhada de arma de fogo no olho direito, antes de amarrá-lo e atar sua esposa. Sebastião ressaltou ainda que passou mal durante o episódio delitivo, enquanto estava amarrado, em virtude de sua hipertensão arterial, e que, após a evasão dos agentes, permaneceu confinado com companheira e filha no quarto, até que sua filha conseguiu se desatar e desamarrou os demais, ato contínuo, estouraram a grade de ferro da janela do cômodo e correram por cerca de um quilômetro pela estrada escura até a casa dos parentes da esposa do declarante, onde conseguiram acionar o socorro policial. No mesmo sentido, a esposa do ofendido Sebastião, Mareir Ferraz de Oliveira, foi ouvida em audiência complementar nestes autos desmembrados, e confirmou sua família permaneceu trancada e amarrada, conseguindo se libertar ao estourarem a janela do quarto, apenas tempos depois que os agentes se evadiram. Por fim, tem-se que MARCOS VINÍCIUS é portador de MAUS ANTECEDENTES, pois, na ação penal n.º 1022208-71.2020.8.11.0003, foi condenado por roubo praticado em 16/10/2020 (anterior aos fatos sub judice), com trânsito em julgado posterior, em 19/06/2023, conforme se extrai do PEP n.º 2000566-31.2023.8.11.0064. Assim sendo, ante a existência de 03 (três) circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu (CULPABILIDADE, CIRCUNSTÂNCIAS e MAUS ANTECEDENTES), atribuo a cada uma delas o peso de 1/8 (um oitavo) do intervalo entre as penas mínima e máxima cominadas no preceito secundário do tipo penal, totalizando 3/8 (três oitavos), e fixo a pena-base em 06 (seis) anos e 03 (três) meses de reclusão e pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa. Na segunda fase, incide a agravante do art. 61, II, h, do Código Penal, no que tange à vítima Sebastião Ziminiani, o qual contava com mais de 60 (sessenta) anos de idade à época (ID 265486927 - Pág. 19), e as atenuantes da confissão e da menoridade relativa, para ambos os crimes, de modo que, no primeiro delito, compenso uma atenuante com a agravante, reduzindo a pena em 1/6 (um sexto) ante a atenuante remanescente, ao passo que, no segundo delito, reduzo a reprimenda em 2/6 (dois sextos) pelas atenuantes. Assim, a sanção provisória do roubo contra Sebastião fica estipulada em 05 (cinco) anos, 02 (dois) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 13 (treze) dias-multa; e a sanção provisória do roubo contra Mareir fica estipulada em 04 (quatro) anos e 02 (dois) meses de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Na terceira fase do cálculo dosimétrico, tendo em vista a causa de aumento relacionada ao emprego de arma de fogo (art. 157, §2.º-A, I, CP), majoro a reprimenda na fração ex lege de 2/3 (dois terços) e fixo a pena definitiva para cada um dos dois roubos majorados do FATO 03 da denúncia em 08 (oito) anos, 08 (oito) meses e 05 (cinco) dias de reclusão e 21 (vinte e um) dias-multa (vítima Sebastião) e em 06 (seis) anos, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 16 (dezesseis) dias-multa (vítima Mareir). 3.3.3. Dos roubos perpetrados no FATO 04 da denúncia (vítimas Luis Renato Sabino, Carlos Eduardo Massuía, Guilherme Massuía e Daniel Tobias Damian): Na primeira fase da dosimetria, a CULPABILIDADE do réu deve ser sopesada em seu desfavor, na medida em que o delito foi premeditado por extenso período. Com relação à premeditação, o Relatório Técnico n.º 10/2021, contendo a análise dos dados extraídos do celular do corréu Ronair, demonstra que os agentes articularam a empreitada delitiva em um grupo virtual intitulado “Fazenda Pantaneira”, no qual compartilharam até mesmo mapas da região, com indicação dos ranchos que seriam alvejados. Da mesma forma, em seu interrogatório extrajudicial, o corréu Lucas Matheus admitiu que os infratores planejaram o delito por semanas, o que foi confirmado pelo codenunciado Ronair em audiência instrutória, oportunidade em que afirmou que a empreitada foi planejada por cerca de 02 (dois) meses. Deste modo, verificada a efetiva e longeva premeditação dos roubos, tal particularidade se presta a recrudescer a pena-base, conforme já assentou a Turma de Câmaras Criminais Reunidas deste e. TJMT, em sede de uniformização de jurisprudência, mutatis mutandis: “49. A premeditação constitui fundamento idôneo para a majoração da pena-base em decorrência da maior culpabilidade da ação delituosa”. (Incidente de Uniformização de Jurisprudência n.º 101532/2015. DJE n.º 9998, de 11/04/2017, publicado em 12/04/2017) – Destaquei. Igualmente, o fato de os crimes terem sido perpetrados durante a madrugada, na residência dos ofendidos, ou seja, em horário de menor vigilância e em violação à sensação de segurança que caracteriza o próprio lar, também evidencia a ousadia exacerbada do modus operandi e o grau reprovabilidade extrínseco da conduta, a justificar a elevação das penas básicas, a título de circunstâncias desfavoráveis: “1. Esta Corte tem entendido que a dosimetria da pena só pode ser reexaminada em recurso especial quando se verificar, de plano, a ocorrência de erro ou ilegalidade, o que não se constata na hipótese em que o Tribunal de origem destacou fundamentação concreta e idônea para a fixação da pena-base acima do mínimo legal, ressaltando o modus operandi da conduta delituosa, sobretudo a ousadia do réu que praticou o crime no período noturno, na casa da vítima (pessoa com mais de 50 anos) e que morava sozinha”. (AgRg no AREsp n. 1.918.286/TO, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 9/11/2021, DJe de 16/11/2021) – Negritei. Da mesma forma, as CIRCUNSTÂNCIAS do crime devem ser avaliadas negativamente, pois o crime se deu em concurso de agentes, com o emprego de arma branca e restrição da liberdade das vítimas, particularidades que, conquanto configurem majorantes, podem ser migradas para a primeira fase da dosimetria, com subsequente recrudescimento da pena-base, haja vista a pluralidade de causas de aumento e a utilização de apenas uma delas (emprego de arma de fogo) na terceira etapa dosimétrica. Nesse sentido: “A incidência de duas ou mais causas especiais de aumento de pena no crime de roubo autoriza a utilização de uma delas na terceira fase da dosimetria e as demais na primeira, como circunstâncias judiciais desfavoráveis”. (Enunciado Orientativo n.º 32 da Turma de Câmaras Criminais Reunidas do TJMT - Incidente de Uniformização DE Jurisprudência n.º 101532/2015. DJE Edição nº 9998, de 11/04/2017, publicado em 12/04/2017). Ademais, segundo as vítimas, os agentes ainda agiram com extremada violência e proferiram constantes ameaças e agressões físicas contra os ofendidos, o que tonifica ainda mais a reprovabilidade das CIRCUNSTÂNCIAS do delito. A propósito, o ofendido Luis Renato Sabino (FATO 04 da denúncia) informou em juízo que os infratores constantemente apontavam as armas de fogo na direção das vítimas e que um deles chegou a colocar um revólver dentro da sua boca. Da mesma forma, a vítima Carlos Eduardo Massuía (FATO 04 da denúncia) revelou que, além de ameaçarem constantemente que disparariam os artefatos bélicos, um dos agentes investiu contra o ofendido diversas vezes com o instrumento cortante, chegando a lesioná-lo na perna e causar cicatriz indelével. Nos termos colocados por Carlos Eduardo em juízo, “Aí ele deu uma ‘facãozada’ assim para me acertar, eu pulei para trás, ele me deu uma segunda ‘facãozada’, ele não acertou de novo. Aí ele parou e falou assim: ‘se você ir para trás de novo, eu te dou um tiro, porque eu quero te matar igual sangrar porco’. Aí ele pegou e deu outra, mas, mesmo assim, com o reflexo, eu afastei e pegou na minha perna, eu tenho a marca na perna até hoje”. (Relatório de Mídias). A respeito da restrição da liberdade das vítimas, o ofendido Carlos Massuía (FATO 04 da denúncia) disse que, após as agressões físicas e a subtração patrimonial, enquanto se evadiam, os agentes deixaram as vítimas presas e prometeram que, se alguém saísse dali, eles iriam “meter tiro em todo mundo”. A narrativa de Carlos Eduardo dá conta de que, algum tempo depois da evasão dos delinquentes, as vítimas Luis Renato e Daniel conseguiram se soltar e libertaram o depoente. A respeito do período de cativeiro, Carlos Eduardo pontuou que as vítimas permaneceram com a liberdade restrita mesmo após a saída dos agentes, situação que perdurou por cerca de quarenta minutos, descrevendo que “uns quarenta minutos depois que a gente acha que eles foram embora, porque quando o Daniel e o Renato começaram a se soltar, eu falava ‘moço, para. Vai que os caras voltam’, enfim”. (Relatório de Mídias). Por fim, laboram em demérito do réu também as CONSEQUÊNCIAS do crime, porquanto é evidente que os reflexos nocivos das ações delitivas, in casu, não consistiram em meros abalos psicológicos às vítimas, mas em verdadeiros traumas, aptos a justificar a elevação da pena-base, a título de consequências desfavoráveis. A propósito, a simples aferição das mídias audiovisuais contendo os depoimentos judiciais das vítimas revelam as chagas indeléveis que lhes foram infligidas por ocasião do evento delitivo e a fragilidade emocional que lhes acomete desde então. À guisa de exemplo, em juízo, as vítimas Carlos Eduardo Massuía e Daniel Tobias Damian explicitaram em juízo o filho do primeiro, isto é, a vítima Guilherme Massuía luta com o trauma decorrente da madrugada fatídica até os dias de hoje e ainda faz tratamento psicológico, mesmo transcorridos mais de três anos desde os fatos. Ademais, Carlos Eduardo Massuía relatou que o trauma decorrente dos crimes foi tamanho ao ponto de desistir de construir no terreno que havia adquirido no Condomínio Flor do Vale, razão pela qual deixou inacabada a obra de quase 09 (nove) meses no local e nunca mais retornou ao conjunto habitacional, de modo que, além do dano emocional e psicológico, tem experimentado prejuízos financeiros, já que tampouco consegue vender o lote com edificação incompleta. Como se vê, a violação aos bens juridicamente tutelados, na hipótese, superou sobremaneira o que comumente se vê em delitos desta estirpe, notadamente tendo em vista o trauma psicológico e a mudança duradoura de rotina na vida das vítimas, tudo a justificar a majoração da pena-base, a título de CONSEQUÊNCIAS desfavoráveis. A propósito: “5. Em relação às consequências do delito, que devem ser entendidas como o resultado da ação do agente, a avaliação negativa de tal circunstância judicial mostra-se escorreita se o dano causado ao bem jurídico tutelado se revelar superior ao inerente ao tipo penal. No presente caso, a prática delitiva deixou consequência psicológica na vítima, acarretando enorme trauma psicológico, que a fez inclusive desistir da profissão de motorista, o que demonstra que a ação delitiva provocou desdobramentos duradouros, caracterizados pelo terror permanente e mudanças na rotina de vida do ofendido, o que aumenta a reprovabilidade da conduta”. (AgRg nos EDcl no REsp n. 2.001.614/MT, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 9/8/2022, DJe de 16/8/2022) – Destaquei. “No caso, no tocante às circunstâncias e/ou consequências do crime, a fundamentação apresentada mostra-se idônea, baseada em elementos concretos, qual seja, as ameaças/traumas contra as vítimas que resolveram mudar do local onde ocorreu o delito (residência), além dos prejuízos materiais e o planejamento da ação”. (AgRg no HC n. 653.254/SC, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 3/8/2021, DJe de 6/8/2021) – Destaquei. Por fim, tem-se que MARCOS VINÍCIUS é portador de MAUS ANTECEDENTES, pois, na ação penal n.º 1022208-71.2020.8.11.0003, foi condenado por roubo praticado em 16/10/2020 (anterior aos fatos sub judice), com trânsito em julgado posterior, em 19/06/2023, conforme se extrai do PEP n.º 2000566-31.2023.8.11.0064. Assim sendo, ante a existência de 04 (quatro) circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu (CULPABILIDADE, CIRCUNSTÂNCIAS, CONSEQUÊNCIAS e MAUS ANTECEDENTES), atribuo a cada uma delas o peso de 1/8 (um oitavo) do intervalo entre as penas mínima e máxima cominadas no preceito secundário do tipo penal, totalizando 4/8 (quatro oitavos), e fixo a pena-base em 07 (sete) anos de reclusão e pagamento de 15 (quinze) dias-multa. Na segunda etapa dosimétrica, incidem as atenuantes da confissão, já que MARCOS VINÍCIUS admitiu participação nos roubos em juízo, e da menoridade relativa, razão pela qual reduzo a reprimenda em 2/6 (dois sextos), encontrando as sanções provisórias em 04 (quatro) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Na terceira fase do cálculo dosimétrico, tendo em vista a causa de aumento relacionada ao emprego de arma de fogo (art. 157, §2.º-A, I, CP), majoro a reprimenda na fração ex lege de 2/3 (dois terços) e fixo as penas definitivas para cada um dos quatro roubos majorados do FATO 04 da denúncia em 07 (sete) anos, 09 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão, mais 16 (dezesseis) dias-multa. 3.3.4. CONTINUIDADE DELITIVA: Como se sabe, a fração do crime continuado deve guardar observância com o número de roubos cometidos, isto é, o número de patrimônios violados em continuidade, aplicando-se 1/6 (um sexto) pela prática de duas infrações, 1/5 (um quinto) para três, 1/4 (um quarto) para quatro, 1/3 (um terço) para cinco, 1/2 (metade) para seis e 2/3 (dois terços) para sete ou mais infrações. É o que preceitua o enunciado de Súmula n.º 659 do STJ, cuja redação dispõe que “A fração de aumento em razão da prática de crime continuado deve ser fixada de acordo com o número de delitos cometidos, aplicando-se 1/6 pela prática de duas infrações, 1/5 para três, 1/4 para quatro, 1/3 para cinco, 1/2 para seis e 2/3 para sete ou mais infrações”. In casu, tendo sido praticados mais de 07 (sete) roubos em continuidade delitiva, elevo a reprimenda mais grave em 2/3 (dois terços), e encontro a pena final para os roubos continuados (Fatos 02, 03 e 04 da denúncia) em 16 (dezesseis) anos, 02 (dois) meses e 13 (treze) dias de reclusão, mais pagamento de 33 (trinta e três) dias-multa. 3.3.5. Do latrocínio perpetrado no FATO 04 da denúncia (vítima João Anaídes Cabral Neto): Na primeira fase da dosimetria, as CIRCUNSTÂNCIAS do crime devem ser sopesadas em desfavor réu, na medida em que o Laudo Pericial n.º 200.2.06.2021.008462-01, relativo ao exame realizado no local do crime, atesta que a vítima estava seminua e subjugada ao solo, com os pés e as mãos amarradas, portanto, encontrava-se sem qualquer chance de esboçar reação defensiva quando foi sumariamente executada pelos agentes (ID 265487046), o que demonstra que o grau de reprovabilidade da conduta extrapolou o que ordinariamente se vê em delitos da mesma estirpe. Outrossim, laboram em demérito do réu também as CONSEQUÊNCIAS do crime, haja vista os reflexos nocivos acarretados a terceiros, porquanto o disparo fatal contra a vítima do latrocínio foi efetuado dentro de um pequeno cômodo (banheiro) em que a vítima estava rendida com o adolescente Guilherme Massuía, de apenas 14 (quatorze) anos de idade à época, o qual foi obrigado a assistir não só a execução do ofendido, mas presenciar os momentos finais em este agonizava até a morte ao seu lado, sendo que, de acordo com as demais vítimas ouvidas em juízo, o menor carrega consigo até os dias de hoje o trauma acarretado pela cena trágica e ainda faz tratamento psicológico para tentar superar o dano emocional. Assim, ante a existência de 02 (duas) circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu (CIRCUNSTÂNCIAS e CONSEQUÊNCIAS), atribuo a cada uma delas o peso de 1/8 (um oitavo) do intervalo entre as penas mínima e máxima cominadas no preceito secundário do tipo penal, totalizando 2/8 (dois oitavos), e fixo a pena-base em 22 (vinte e dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão e pagamento de 12 (doze) dias-multa. Na segunda fase da dosimetria, incide a atenuante da menoridade relativa, razão pela qual reduzo a reprimenda para 20 (vinte) anos de reclusão e pagamento 10 (dez) dias-multa, ante a impossibilidade de atenuá-la aquém do mínimo legal (Súmula n.º 231 do STJ), tornando-se a pena do latrocínio definitiva neste patamar, à míngua de minorantes ou majorantes. 3.3.6. Da corrupção de menor: Na primeira fase da dosimetria, as CIRCUNSTÂNCIAS do crime devem ser sopesadas em desfavor réu, na medida em que, além da natureza gravosa e hedionda dos delitos aos quais os adolescentes foram expostos, o réu corrompeu mais de um adolescente na empreitada delitiva, razão pela qual elevo a reprimenda em 1/8 (um oitavo) do intervalo entre as penas mínima e máxima cominadas no preceito secundário do tipo penal, e fixo a pena-base em 01 (um) ano, 04 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de reclusão. Na segunda fase da dosimetria, incide a atenuante da menoridade relativa, razão pela qual reduzo a reprimenda para 01 (um) ano, 01 (um) mês e 22 (vinte e dois) dias de reclusão, a qual se torna definitiva para este crime, ante a ausência de minorantes ou majorantes. 3.3.7. Concurso material e pena final: À luz do concurso material (art. 69, CP), cumulo a reprimendas dos roubos continuados com as sanções do latrocínio e da corrupção de menor e estabeleço a pena final e definitiva do apelado MARCOS VINÍCIUS ALVES DIAS em 37 (TRINTA E SETE) ANOS, 04 (QUATRO) MESES E 05 (CINCO) DIAS DE RECLUSÃO, no regime inicial FECHADO, mais pagamento de 43 (quarenta e três) dias-multa, unitariamente arbitrados na mínima fração legal. 4. Do pedido de condenação ao valor mínimo indenizatório: Como se sabe, o art. 91, inc. I, do Código Penal impõe ao condenado, como efeito automático da condenação criminal, a obrigação de indenizar o dano causado pelo delito, de modo que, uma vez transitada em julgado a condenação, não há dúvida quanto à obrigação reparatória que recai sobre o condenado. Não por outro motivo, a sentença penal condenatória transitada em julgado integra o rol de títulos executivos judiciais elencados no art. 515 do CPC, ao passo que o art. 63 do CPP, ao prever a ação civil ex delicto, preceitua que “Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros”. Nesta toada, com espeque nos princípios da celeridade e da economia processuais, a Lei n.º 11.719/2008 introduziu, pela via do art. 387, inc. IV, do Código de Processo Penal, a possibilidade de que o próprio juízo criminal estabeleça o valor mínimo voltado a indenizar a vítima em decorrência dos danos ocasionados pelo delito, o que certamente não retira do ofendido a faculdade de se socorrer junto à esfera cível do Direito, a fim de pleitear a expansão indenizatória e a obtenção de valor que melhor corresponda aos prejuízos experimentados. Outrossim, é cediço que a fixação do valor indenizatório mínimo fica condicionada, contudo, à existência de pedido expresso da parte acusadora, da vítima ou de seu representante legal no momento do oferecimento da denúncia ou queixa, a fim de possibilitar a contraprova do acusado e resguardar os princípios do contraditório e da ampla defesa. Nesse sentido orienta a jurisprudência do e. STJ, segundo a qual “para que haja a fixação na sentença do valor mínimo devido a título de indenização civil pelos danos causados à vítima, nos termos do artigo 387, IV, do Código de Processo Penal, é necessário pedido expresso na inicial acusatória, sob pena de afronta à ampla defesa e ao contraditório”. (STJ, AgRg no REsp 1671240/PR, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 22/05/2018, DJe 04/06/2018) – Negritei. No caso em apreço, há pedido expresso do Ministério Público na denúncia, voltado ao arbitramento de valor mínimo indenizatório em favor das vítimas (ID 265487042 - Pág. 21), de modo que os réus puderam se defender e contraditar o pedido. Assim, mostra-se de rigor arbitrar o valor mínimo indenizatório, a título de reparação pelos prejuízos experimentados pelo ofendido, nos moldes do que preceitua o art. 387, IV, do CPP. Nesse sentido: “2. A reparação civil dos danos sofridos pela vítima do fato criminoso, prevista no art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, deve ser deferida sempre que requerida e inclui também os danos de natureza moral”. (AgRg no REsp n. 1.688.394/MS, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 24/4/2018, DJe de 11/5/2018) – Destaquei. Em outra vertente, não obstante o MINISTÉRIO PÚBLICO busque o arbitramento de valor mínimo indenizatório pelos danos patrimoniais e extrapatrimoniais, a insurgência deve ser provida apenas em parte. Sobre o tema, a jurisprudência deste Tribunal de Justiça consolidou-se no seguinte sentido: “A condenação a título de reparação de danos materiais pressupõe pedido expresso do Ministério Público, da vítima ou de seu representante legal e efetiva comprovação do prejuízo, sendo vedada a sua fixação de ofício pelo Juiz. 14A - A condenação a título de reparação de danos morais pressupõe pedido expresso do Ministério Público, da vítima ou de seu representante legal, mas dispensa instrução específica e efetiva comprovação do prejuízo, podendo o Juiz fixar o valor mínimo com base na gravidade e no modus operandi do delito”. (Enunciado Orientativo n.º 14 da Turma de Câmaras Criminais Reunidas do TJMT - Incidente de Uniformização DE Jurisprudência n.º 101532/2015. DJE Edição nº 9998, de 11/04/2017, publicado em 12/04/2017) – Destaquei. In casu, embora seja certa a existência de danos patrimoniais aos ofendidos, as provas reunidas nesta ação penal não permitem aquilatar, com segurança, a extensão do prejuízo econômico sofrido, de modo que a questão pode ser mais bem dirimida na esfera civil. No entanto, quanto aos danos extrapatrimoniais ex delicto, é certo que dispensam instrução específica e decorrem in re ipsa e, na espécie, a simples oitiva judicial das vítimas não deixa dúvida quanto ao prejuízo emocional e moral sofrido. Assim sendo, e tendo em vista a anemia de informações acerca das possibilidades financeiras dos réus de arcarem com quantum mais expressivo, condeno-os ao pagamento, pro rata, de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), em favor das vítimas, a título de indenização moral pelos danos causados pelas infrações penais, com fulcro no art. 387, IV, do CPP. Reitere-se que se trata de valor mínimo, que não inviabiliza que os ofendidos se socorram na esfera cível do Direito para postular indenização que melhor corresponda aos seus prejuízos, pois a mera sentença condenatória passada em julgado constitui título executivo judicial, ex vi do art. 515, VI, CPC. 5. Do pedido de prisão preventiva: Por fim, a pretensão ministerial, voltada ao decreto de prisão preventiva dos apelados WEVERTON PEREIRA ALVES e MARCOS VINÍCIUS ALVES DIAS, deve ser indeferida. Com efeito, não se descura que o primeiro recorrido é reincidente e que o segundo é portador de maus antecedentes, tampouco se ignora a inegável gravidade concreta dos crimes por eles perpetrados e pelos quais estão sendo condenados. No entanto, é igualmente certo que a sentença absolutória ora reformada foi prolatada pelo juízo a quo em 29/10/2024, com a subsequente expedição dos alvarás de soltura em favor dos acusados na mesma data (ID 265488529 e ID 265488530), sendo que, desde então, não há notícia de que os agentes tenham incorrido em novas empreitadas delitiva. Aliás, em suas razões recursais, o Parquet não trouxe qualquer fato novo e contemporâneo a indicar que, nos mais de 06 (seis) meses desde a concessão da liberdade, os acusados tenham de qualquer modo agido para periclitar a ordem pública e a ordem econômica ou a aplicação da lei penal. Ademais, em pesquisa ao Sistema PJE, tampouco foi possível constatar a existência de novos procedimentos criminais instaurados em face dos réus por crimes posteriores às suas solturas. Assim sendo, é razoável concluir o interregno temporal transcorrido desde a sentença combatida (mais de seis meses), sem que houvesse notícia de outros crimes neste ínterim, mitiga os argumentos ministeriais quanto à necessidade de se obstar a reprodução de novos fatos criminosos e extirpa, a priori, a presença do risco à ordem pública e indica, ao menos a princípio, a perda da situação de perigo. Nesse sentido: “PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONTEMPORANEIDADE ENTRE OS FATOS E O DECRETO. 1. A validade da segregação cautelar está condicionada à observância, em decisão devidamente fundamentada, aos requisitos insertos no art. 312 do Código de Processo Penal, revelando-se indispensável a demonstração do que consiste o periculum libertatis. Ademais, ‘a urgência intrínseca da prisão preventiva impõe a contemporaneidade dos fatos justificadores aos riscos que se pretende com a prisão evitar’ (HC 349.159/MT, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 7/4/2016, DJe 19/4/2016). 2. No caso, o paciente foi preso preventivamente logo no início do feito. Não obstante, logo na sequência foi revogada a prisão cautelar. Irresignado, o Ministério Público interpôs recurso em sentido estrito, ao qual foi dado provimento para restabelecer a prisão provisória. Contudo, ressai a ausência de relação de contemporaneidade entre o fato (2/2011) e o decreto (2/2015), período relativo ao qual não se atribui nenhuma conduta delitiva ao paciente, circunstância que esvazia a invocada necessidade de garantia da ordem pública invocada no decisum. 3. Ordem concedida.” (HC 387.790/RN, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 08/08/2017, DJe 17/08/2017). Portanto, no atual momento processual, mostra-se descabido o restabelecimento do cárcere provisório, uma vez que o periculum in mora é condição caracterizadora da prisão preventiva. Isto não significa, porém, que, caso sobrevenham fatos novos e contemporâneos aptos a revelar a existência dos requisitos da prisão preventiva, a medida extremada não possa ser novamente postulada pelo órgão acusador ao juízo de primeira instância, dada a natureza rebus sic stantibus que caracteriza o instituto. Com tais considerações, refuto o pedido de segregação cautelar. CONCLUSÃO: Ante o exposto, conheço e DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de apelação criminal interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, para reformar, em parte, a r. sentença proferida pelo d. Juízo da Sétima Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT na ação penal n.º 1015784-22.2022.8.11.0042 (autos desmembrados da “Operação Flor do Vale”) e CONDENAR os apelados MARCOS VINÍCIUS ALVES DIAS e WERVERTON PEREIRA ALVES pela prática dos crimes de roubo majorado, em continuidade delitiva, latrocínio e corrupção de menor, facultando-lhes o direito de recorrer em liberdade, nos seguintes termos: è MARCOS VINÍCIUS ALVES DIAS: condenado à pena total de 37 (TRINTA E SETE) ANOS, 04 (QUATRO) MESES E 05 (CINCO) DIAS DE RECLUSÃO, no regime inicial FECHADO, mais pagamento de 43 (quarenta e três) dias-multa, unitariamente arbitrados na mínima fração legal, além de R$ 20.000,00 pro rata, a título de indenização às vítimas (art. 387, IV, CPP), pela prática dos crimes do art. 157, §2.º, II, V e VII, §2.º-A, I, c/c art. 71, caput, art. 157, §3.º, II, todos do Código Penal e art. 244-B da Lei n.º 8.069/1990, na forma do art. 69 do Código Penal; è WERVERTON PEREIRA ALVES: condenado à pena total de 51 (CINQUENTA E UM) ANOS DE RECLUSÃO, no regime inicial FECHADO, mais pagamento de 72 (setenta e dois) dias-multa, unitariamente arbitrados na mínima fração legal, além de R$ 20.000,00 pro rata, a título de indenização às vítimas (art. 387, IV, CPP), pela prática dos crimes do art. 157, §2.º, II, V e VII, §2.º-A, I, c/c art. 71, caput, art. 157, §3.º, II, todos do Código Penal e art. 244-B da Lei n.º 8.069/1990, na forma do art. 69 do Código Penal. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 21/05/2025

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