Processo nº 1009196-23.2025.8.11.0000
ID: 312206901
Tribunal: TJMT
Órgão: Terceira Câmara de Direito Privado
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 1009196-23.2025.8.11.0000
Data de Disponibilização:
01/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANDRE DE ALMEIDA VILELA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1009196-23.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Prestação de Serviços, Obrigação de Faz…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1009196-23.2025.8.11.0000 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Assunto: [Prestação de Serviços, Obrigação de Fazer / Não Fazer, Liminar, Planos de saúde] Relator: Des(a). DIRCEU DOS SANTOS Turma Julgadora: [DES(A). DIRCEU DOS SANTOS, DES(A). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, DES(A). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA] Parte(s): [LUIZ FERNANDO BRESSAN ARANDA - CPF: 301.033.918-60 (ADVOGADO), UNIMED NORTE MATO GROSSO COOPERATIVA TRABALHO MEDICO - CNPJ: 73.967.085/0001-55 (AGRAVANTE), CLAUDIO ALVES PEREIRA - CPF: 235.177.609-78 (ADVOGADO), JOSE OSVALDO LEITE PEREIRA - CPF: 328.277.509-10 (ADVOGADO), GABRIELA CAROLINE NASCIMENTO CANDIDO - CPF: 042.660.621-33 (ADVOGADO), P. O. - CPF: 106.007.481-89 (AGRAVADO), AMANDA BEZERRA - CPF: 030.819.391-19 (REPRESENTANTE/NOTICIANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS), ANDRE DE ALMEIDA VILELA - CPF: 828.110.321-34 (ADVOGADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – PLANO DE SAÚDE – TRANSTORNO ESPECTRO AUTISTA (TEA) – TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR PRESCRITO AO INFANTE – DETERMINAÇÃO DO CUSTEIO DO TRATAMENTO – PRETENSÃO DE REDUÇÃO DA CARGA HORÁRIA DAS TERAPIAS PRESCRITAS PELO MÉDICO ASSISTENTE – ALEGAÇÃO DE PARECER CONTRÁRIO DA “JUNTA MÉDICA” – NEGATIVA INJUSTIFICADA DE COBERTURA CONTRATUAL – TRATAMENTO INDICADO PELO MÉDICO ESPECIALISTA – ASSISTÊNCIA MÉDICA CONTRATADA QUE DEVE CUSTEAR TODOS OS PROCEDIMENTOS TÉCNICOS E NECESSÁRIOS AO RESTABELECIMENTO DA SAÚDE DO PACIENTE – PRECEDENTES DO STJ – TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA MANTIDA – CONSONÂNCIA COM O PARECER MINISTERIAL – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. “O contrato de plano de saúde pode limitar as doenças a serem cobertas não lhe sendo permitido, ao contrário, delimitar os procedimentos, exames e técnicas necessárias ao tratamento da enfermidade constante da cobertura.” (STJ - AgRg no Ag 1355252/MG) A prescrição de terapias multidisciplinares baseadas nos métodos ABA, PROMPT e psicomotricidade, por profissional habilitado, constitui expressão da autonomia clínica e deve prevalecer sobre eventual parecer administrativo de junta médica, sobretudo quando não houve avaliação presencial do paciente. A carga horária intensiva prescrita encontra respaldo nas diretrizes terapêuticas voltadas ao TEA, não se configurando abusiva ou desproporcional, conforme reiterada jurisprudência. A terapia de psicomotricidade, embora não expressamente prevista no rol da ANS, está abrangida pelas disposições da RN nº 539/2022, que impõe a cobertura do método indicado pelo profissional assistente, desde que baseado em evidência científica e pertinência clínica. O rol da ANS possui natureza exemplificativa, nos termos do art. 10, §13, da Lei nº 9.656/98 (com redação da Lei nº 14.454/2022), não podendo ser utilizado como fundamento exclusivo para negativa de cobertura em casos clinicamente justificados. R E L A T Ó R I O Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto por UNIMED NORTE DO MATO GROSSO - COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO, visando reformar a decisão proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Nova Mutum/MT que, nos autos Ação de Obrigação de Fazer n. 1000700-38.2025.8.11.0086, movida por P. O. representado por sua genitora AMANDA BEZERRA, deferiu a tutela de urgência, nesses termos: “CONCEDO a tutela de urgência pretendida pela requerente para determinar à requerida UNIMED NORTE DE MATO GROSSO que realize o fornecimento de psicoterapia com habilitação em ABA, fonoaudióloga com ênfase em linguagem – ABA/PROMPT e psicomotricidade com educador físico especializado em neuroeducação, na quantidade de sessões indicadas pela profissional que acompanha o infante e no município de residência do infante, sob pena de fixação de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais) em caso de descumprimento. Para o cumprimento desta decisão pelo plano de saúde, estabeleço o prazo de 10 (dez) dias.” Nas razões de Id. 276822372, a parte agravante, em breve síntese, informa que o recorrido ingressou com a Ação de Obrigação de Fazer objetivando obrigar o plano de saúde a ofertar tratamento na cidade de Nova Mutum, nas quantidades de sessões requeridas, autorizando as terapêuticas psicologia infantil com habilitação ABA 20 horas, fonoaudiologia com ênfase em linguagem ABA/PROMPT – 3 sessões semanais de 60 minutos e psicomotricidade com educador físico especializado em neuroeducação – 3 sessões por semana. Sustenta que estão ausentes os requisitos autorizadores para a concessão da medida liminar deferida na origem. Aduz que a decisão contraria disposições contratuais válidas, bem como diretrizes normativas da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), ao determinar a concessão de terapias em carga horária que diverge do que foi fixado por junta médica regularmente instaurada pela própria operadora de saúde. Narra que a carga horaria das terapias indicadas ao paciente, no caso, 30 (trinta) horas semanais, não possuem embasamento científico, vez que “as cargas horárias excessivas, normalmente superiores a 20 (vinte) horas de terapias, para além de não gerarem grandes benefícios aos pacientes, podem trazer malefícios, como a irritabilidade e estresse aos infantes.” Assevera que a terapia de psicomotricidade com educador físico não possui cobertura. Requer, ao final, a concessão de efeito suspensivo para sobrestar os efeitos da decisão agravada até o julgamento final do recurso. No mérito, pugna pelo provimento do recurso e a consequente reforma da decisão agravada. Com o agravo, junta os documentos exigidos pelo art. 1.017 do CPC, dentre eles, o preparo recursal. Efeito suspensivo recursal indeferido (ID 277781858). Contrarrazões devidamente apresentadas (ID 280637377). A i. Procuradora de Justiça, Dra. Elisamara Sigles Vodonós Portela, manifestou-se pelo desprovimento do vertente recurso (ID 286566373). Eis os relatos necessários. Peço dia para julgamento. Des. DIRCEU DOS SANTOS RELATOR V O T O R E L A T O R Eminente pares. Conforme relatado, o menor agravado foi diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista com escala de avaliação do autismo (CARS – Childhood Autism Rasting) maior de 30 pontos, conforme laudo médico assinado pela neurologista infantil Dra. Viviane Cabral Quixabeira CRMMT 6491 – RQE 3758 (ID 183262966 - autos originários), por conta disso, lhe fora prescrito os tratamentos elencados. A agravante pretende a reforma da decisão, sustentando, em suma, os seguintes pontos: (i) ausência dos requisitos legais para concessão da tutela de urgência (art. 300 do CPC); (ii) legalidade da atuação da Junta Médica; (iii) carga horária excessiva das terapias; (iv) inexistência de cobertura contratual e legal da terapia de psicomotricidade com educador físico; (v) ausência de evidência científica suficiente; e (vi) necessidade de concessão de efeito suspensivo para evitar dano à operadora. Pois bem. O entendimento nos tribunais pátrios é uníssono no sentido de que é o médico especialista quem apresenta melhor condição técnica para a escolha do tratamento adequado ao combate da patologia diagnosticada, não sendo prudente o provimento judicial contrário a essa prescrição, sem suporte científico. Ademais, a jurisprudência pacífica também reconhece a possibilidade de o plano de saúde estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de tratamento utilizado para a cura de cada uma delas. Nesse sentido, é a jurisprudência: “O contrato de plano de saúde pode limitar as doenças a serem cobertas não lhe sendo permitido, ao contrário, delimitar os procedimentos, exames e técnicas necessárias ao tratamento da enfermidade constante da cobertura.” (STJ - AgRg no Ag 1355252/MG). Não há dúvida que uma vez contratada a assistência médica pela parte agravada, à agravante recai o ônus de custear todos os procedimentos técnicos existentes que forem necessários ao restabelecimento da sua saúde, afastando-se qualquer limitação contratual que impeça o amplo atendimento, inclusive qualquer tipo de parecer unilateral produzido por ela, como o emitido pela sua Junta Médica no caso em comento. Ainda que o procedimento não seja de urgência ou emergência, a cobertura do tratamento escolhido pelo médico especialista não pode sofrer limitação, porquanto visa o resultado mais apropriado à saúde do paciente. Neste sentido, o e. STJ: “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. COBERTURA. (...). DECISÃO MANTIDA. (...). 6. Consoante a jurisprudência desta Corte, é abusiva a negativa de cobertura do plano de saúde a algum tipo de procedimento, medicamento ou material necessário para assegurar o tratamento de doenças previstas pelo referido plano. 7. Agravo regimental a que se nega provimento. ” (AgRg no AREsp 613.929/PE, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 04/02/2016, DJe 12/02/2016). “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. RECUSA INJUSTIFICADA DE COBERTURA. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL. REEXAME DE PROVAS. SÚMULAS NºS 5 E 7/STJ. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTO CAPAZ DE ALTERAR A DECISÃO AGRAVADA. 1. A jurisprudência desta Corte reconhece a possibilidade de o plano de saúde estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de tratamento utilizado para a cura de cada uma delas. 2. É abusiva a negativa de cobertura pelo plano de saúde de procedimento, tratamento, medicamento ou material considerado essencial para preservar a saúde e a vida do paciente. 3. No caso, o Tribunal de origem interpretou o contrato de forma favorável ao recorrido, afirmando que a limitação se mostrou abusiva, porquanto o material excluído era indispensável ao êxito do tratamento que estava previsto no contrato, na especialidade de ortopedia. A revisão de tal conclusão esbarra nos óbices das das Súmulas nºs 5 e 7/STJ. 4. Agravo regimental não provido. ” (AgRg no REsp 1325733/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/12/2015, DJe 03/02/2016). “AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ABUSIVIDADE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS E RECUSA DA COBERTURA PELO PLANO CONTRATADO. SÚMULA N. 83/STJ. 1. É abusiva a cláusula contratual que exclui da cobertura tratamento necessário ao restabelecimento da saúde do segurado. 2. A recusa indevida à cobertura de procedimento necessário ao tratamento médico é causa de danos morais. 3. Agravo regimental desprovido. ” (AgRg no AREsp 713.641/MG, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/12/2015, DJe 14/12/2015). “AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. (...). NEGATIVA DE PROCEDIMENTO DE DOENÇA PREVISTA CONTRATUALMENTE. CLÁUSULA ABUSIVA. SÚMULA 83/STJ. (...) AGRAVO NÃO PROVIDO. (...). Aplica-se, portanto, a Súmula 469 do STJ. 3. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de que, havendo cobertura para a doença, consequentemente deverá haver cobertura para procedimento ou medicamento necessário para assegurar o tratamento de doenças previstas no referido plano. Incidência da Súmula 83/STJ. 4. Nas hipóteses em que há recusa injustificada de cobertura por parte da operadora do plano de saúde para tratamento do segurado, como ocorrido no presente caso, a orientação desta Corte é assente quanto à caracterização de dano moral, não se tratando apenas de mero aborrecimento. 5. (...). 6. Agravo interno a que se nega provimento. ” (AgRg no AREsp 718.634/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 01/12/2015, DJe 16/12/2015). “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PLANO DE SAÚDE. CLÁUSULA ABUSIVA. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. ENUNCIADOS 5 E 7 DA SÚMULA DO STJ. DOENÇA COBERTA. PROCEDIMENTO. LIMITAÇÃO. NÃO PERMISSÃO. ENTENDIMENTO ADOTADO NESTA CORTE. VERBETE 83 DA SÚMULA DO STJ. FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO. NÃO IMPUGNAÇÃO. INCIDÊNCIA DO VERBETE 283 DA SÚMULA/STF. INOVAÇÃO. INADMISSIBILIDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. (...). 2. O contrato de plano de saúde pode limitar as doenças a serem cobertas não lhe sendo permitido, ao contrário, delimitar os procedimentos, exames e técnicas necessárias ao tratamento da enfermidade constante da cobertura. 3. (...). 6. Agravo regimental a que se nega provimento. ” (STJ - AgRg no Ag 1355252/MG, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 24/06/2014, DJe 05/08/2014). Mesmo posicionamento adotado por este e. Tribunal: “AGRAVO REGIMENTAL - RECURSO DE APELAÇÃO - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - PLANO DE SAÚDE - COBERTURA - NEGATIVA - TRATAMENTO COM OXIGENOTERAPIA COM CÂMARA HIPERBÁRICA - DANO MORAL CONFIGURADO - DECISÃO MONOCRÁTICA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. O plano de saúde pode estabelecer as doenças que terão cobertura, mas não pode limitar o tipo de tratamento a ser utilizado pelo paciente. Não cabe à administradora do plano de saúde negar cobertura ao procedimento médico solicitado pelo especialista que acompanha o paciente e vinculado a doença coberta pelo contrato. ” (Ag 179744/2015, DESA. MARIA HELENA GARGAGLIONE PÓVOAS, SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Julgado em 03/02/2016, publicado no DJE 12/02/2016). “AGRAVO REGIMENTAL – DECISÃO MONOCRÁTICA – APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA C/C DANOS MORAIS - PLANO DE SAÚDE UNIMED – NEGATIVA DE COBERTURA - NEGATIVA INDEVIDA – DANO MORAL CONFIGURADO – RECURSO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO. 1. A finalidade precípua do contrato firmado entre as partes e que engloba a prestação de serviços da área da saúde é a realização da dignidade da pessoa humana que deve ser prestigiada, valendo o esforço para prestar o atendimento apto ao pleno restabelecimento do paciente que contratou o serviço. Conjunto probatório que evidencia a falha na prestação do serviço. 2. Decisão monocrática mantida. ” (Ag 2800/2016, DES. SEBASTIÃO DE MORAES FILHO, SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Julgado em 27/01/2016, publicado no DJE 01/02/2016). “AGRAVO DE INTERNO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – UNIMED – PLANO DE SAÚDE – AUTOR PORTADOR DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) - TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA CONCEDIDA – TRATAMENTOS MÉDICOS MULTIDISCIPLINARES PRESCRITOS – ROL DA ANS EXEMPLIFICATIVO – NEGATIVA DE COBERTURA INDEVIDA – ABUSIVIDADE – PROBABILIDADE DO DIREITO E PERIGO DE DANO OU RISCO CONFIGURADOS – PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS (ART. 300 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015) – RECURSO PROVIDO. [...] As limitações de cobertura médica, ainda que pactuadas adesivamente no contrato de assistência à saúde, não podem subsistir ante as hipóteses em que a continuidade do tratamento faz-se imperiosa e eficaz para o restabelecimento da saúde do beneficiário do plano [...] Mantêm-se a decisão agravada para obrigar a agravante a autorizar a realização dos tratamentos em questão, porquanto demonstrada a sua imprescindibilidade para a recuperação da saúde do agravado” (TJ-MT – CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO: 10120879520178110000 MT, Relator: JOÃO FERREIRA FILHO, PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, DJE 18/07/2018). Assim, analisando os laudos e os demais documentos acostados aos autos de origem, verifico o preenchimento dos pressupostos autorizadores da tutela, primordialmente, ante a demonstração de que a parte agravada é beneficiária do seguro saúde fornecido pela parte agravante, bem como, pelo seu quadro clínico, sendo indicado por profissional médico que lhe assiste os tratamentos elencados. E, nesta senda, exsurge a obrigação da Cooperativa, ora agravante, de autorizar/custear o tratamento que melhor atende as necessidades inerentes ao restabelecimento clinico da parte autora, ou seja, emerge a probabilidade do direito vindicado pela mesma, tendo em consideração que aos planos de saúde é aplicado o CDC, conforme estabelece a Súmula nº 469 do STJ, in verbis: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde”, em função disso, configura-se abusiva a negativa de cobertura do plano de saúde a algum tipo de procedimento ou método essencial para garantir o tratamento especializado e condigno dos seus usuários. Ademais, o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, in casu, milita em favor da parte agravada, uma vez que, a interrupção do seu tratamento, sucederiam em efeitos de sérias consequências, como a mais importante interação e comunicação social, retardo mental entre outros. Não é demais anotar que a saúde é um direito fundamental a ser tutelado, não sendo possível eximir a parte agravante de arcar com o tratamento solicitado pela parte autora, visto que implicaria em um possível agravamento do seu quadro clínico, o que configuraria num verdadeiro atentado ao princípio da dignidade da pessoa humana, norteador de qualquer relação jurídica. Portanto, a preservação da saúde e da vida é indubitável, exsurgindo, de conseguinte, o fumus boni iuris, recomendando, por cautela, que seja custeado/reembolsado o tratamento pleiteado na inicial, uma vez demonstrado, também, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, restando assim, preenchidos os requisitos autorizadores para concessão da tutela de urgência formulada na origem, não havendo razão a reforma da r. decisão. Da atuação da Junta Médica Sustenta a agravante que a limitação imposta pela Junta Médica está respaldada no contrato e nas Resoluções da ANS, especialmente a RN nº 424/2017, que regulamenta o procedimento de composição de junta para resolução de divergências técnico-assistenciais. De fato, o procedimento de junta médica encontra respaldo normativo. Contudo, não possui presunção absoluta de veracidade ou prevalência sobre a prescrição médica do profissional assistente, que é o responsável técnico direto pelo acompanhamento do paciente. No caso concreto, não há notícia de que o médico desempatador tenha avaliado presencialmente o menor, limitando-se à análise documental. O método, embora regulamentado, não substitui a autonomia do médico assistente e a evidência clínica personalizada, especialmente quando há laudo técnico fundamentado e compatível com protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas reconhecidas, como ocorre nos autos. A jurisprudência pátria vem reiteradamente firmando entendimento de que a operadora de saúde não pode se sobrepor à prescrição médica, notadamente quando se trata de beneficiário com transtorno do neurodesenvolvimento. Nesse sentido: DIREITO DO CONSUMIDOR E DIREITO CIVIL -AGRAVO DE INSTRUMENTO - PLANO DE SAÚDE - TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR PARA TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) – REDUÇÃO DA CARGA HORÁRIA – IMPOSSIBILIDADE - ROL DA ANS - LEI Nº 14.454/2022 - INTERPRETAÇÃO EXEMPLIFICATIVA - PRESCRIÇÃO MÉDICA - NECESSIDADE DE ATENDIMENTO INDIVIDUALIZADO - DECISÃO MANTIDA EM CONSONÂNCIA COM O PARECER MINISTERIAL - RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame Agravo de Instrumento interposto por operadora de plano de saúde contra decisão que deferiu tutela de urgência, determinando a cobertura integral do tratamento multidisciplinar a menor diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA), na carga horária de 20 horas semanais, conforme prescrição médica. II. Questão em discussão. A controvérsia reside na obrigatoriedade da operadora de saúde em custear a totalidade do tratamento na forma indicada pela médica assistente, frente às limitações impostas pela Junta Médica da operadora e ao rol de procedimentos da ANS. III. Razões de decidir. O Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento de que o rol de procedimentos da ANS tem natureza exemplificativa, e não taxativa especialmente após a edição da Lei nº 14.454/2022, que reforçou essa interpretação, garantindo a cobertura de tratamentos cuja eficácia seja cientificamente comprovada e prescrita por profissional habilitado. 4. A jurisprudência dominante assegura que a operadora de plano de saúde não pode negar cobertura a tratamento essencial indicado pelo médico assistente do paciente, sob pena de afronta à dignidade da pessoa humana e ao direito fundamental à saúde. 5. O laudo médico apresentado indica a necessidade do tratamento multidisciplinar com a carga horária prescrita, não cabendo à operadora revisá-lo unilateralmente com base em avaliação administrativa interna. 6. Presente a probabilidade do direito e o perigo de dano impõe-se a manutenção da decisão que deferiu a tutela de urgência, garantindo a continuidade do tratamento ao menor. IV. Dispositivo e tese. Recurso desprovido. Tese de julgamento: "A operadora de plano de saúde deve custear tratamento multidisciplinar indicado por profissional médico habilitado para paciente diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA), independentemente de eventuais limitações impostas pela ANS, desde que comprovada a sua necessidade". Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 1º, III, 5º, 6º e 196; Lei nº 9.656/1998; Lei nº 14.454/2022; CDC, arts. 6º e 51. Jurisprudência relevante citada: TJ-MT, AI 1018287-11.2023.8.11.0000, Rel. Des. Serly Marcondes Alves, Quarta Câmara de Direito Privado, j. 29.11.2023; TJ-MT, AI 1017248-13.2022.8.11.0000, Rel. Desa. Antônia Siqueira Gonçalves, Terceira Câmara de Direito Privado, j. 01.02.2023; TJ-MT, AI 1016614-17.2022.8.11.0000, Rel. Des. Dirceu dos Santos, Terceira Câmara de Direito Privado, j. 25.01.2023.” (N.U 1036128-82.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 19/03/2025, Publicado no DJE 23/03/2025) Assim, não se revela legítima, neste momento processual, a prevalência do parecer da Junta Médica sobre a prescrição clínica especializada. Da suposta carga horária excessiva A agravante argumenta que a carga horária prescrita — que ultrapassaria 30 horas semanais — seria desproporcional e até prejudicial, amparando-se em pareceres genéricos e denúncias administrativas. No entanto, a análise da pertinência e proporcionalidade da carga horária deve ser casuística, fundada nas necessidades individuais do paciente. No presente caso, o laudo médico apresentado indica expressamente que a carga terapêutica intensiva é essencial à evolução neuropsicomotora do menor, com fundamentação técnica compatível com diretrizes da literatura médica. A jurisprudência, inclusive do STJ, vem consolidando o entendimento de que a recusa do plano de saúde em custear a carga horária prescrita caracteriza prática abusiva, nos termos do CDC e da Lei nº 9.656/98: “A jurisprudência do STJ reconhece a abusividade da negativa de terapias multidisciplinares essenciais para pacientes com TEA.” (STJ, AREsp 2130806/GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 10/08/2022) Portanto, a alegação da agravante não se sustenta diante da prescrição individualizada e das provas constantes dos autos. Da psicomotricidade com educador físico A agravante alega ausência de cobertura legal e contratual quanto à terapia de psicomotricidade com educador físico, por não estar prevista no rol da ANS e não preencher os requisitos do art. 10, §13, da Lei 9.656/98. Todavia, a Resolução Normativa nº 539/2022 da ANS alterou a RN nº 465/2021 para prever que a cobertura deve se dar por qualquer profissional de saúde habilitado para a técnica, desde que indicado pelo médico assistente. O parágrafo 4º do art. 6º dessa RN é claro ao impor à operadora o dever de garantir o atendimento conforme o método ou técnica indicados pelo médico assistente. A jurisprudência reconhece que o plano de saúde não pode recusar tratamento com fundamento na titularidade profissional do executor, se o procedimento for reconhecido e prescrito validamente. A técnica de psicomotricidade é reconhecida e respaldada por evidência clínica no contexto do TEA, estando correlata ao tratamento multiprofissional exigido por lei (Lei nº 12.764/12). Logo, a exclusão da cobertura revela-se abusiva. A propósito: “DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. OBRIGAÇÃO DE COBERTURA. TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR. PSICOTERAPIA, FONOAUDIOLOGIA, TERAPIA OCUPACIONAL E PSICOMOTRICIDADE. ACOMPANHANTE TERAPÊUTICO EM AMBIENTE ESCOLAR E DOMICILIAR. EXCLUSÃO. ÔNUS EXCESSIVO À OPERADORA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Recurso de Agravo de Instrumento interposto por Sul América Companhia de Seguro Saúde contra decisão proferida nos autos da Ação de Obrigação de Fazer c/c Indenização por Danos Morais, que deferiu tutela de urgência para determinar o fornecimento de acompanhante terapêutico ao beneficiário menor G.D.R.S., diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (CID 6A02.3). 2. O Agravante sustenta que disponibiliza suporte terapêutico multidisciplinar ao beneficiário, mediante psicoterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional e psicomotricidade, mas que o acompanhamento terapêutico em ambiente escolar e domiciliar não está contemplado no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) nem no contrato firmado entre as partes. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 3. A questão em discussão consiste em determinar se a operadora do plano de saúde está obrigada a fornecer o acompanhamento terapêutico em ambiente escolar e domiciliar ao beneficiário, além dos tratamentos multidisciplinares já cobertos. III. RAZÕES DE DECIDIR 4. A operadora do plano de saúde deve cobrir tratamentos multidisciplinares prescritos para beneficiários com Transtorno do Espectro Autista, tais como psicoterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional e psicomotricidade, conforme previsto contratualmente e em conformidade com o rol da ANS. 5. A psicopedagogia, a equoterapia e a musicoterapia são consideradas métodos de reabilitação para beneficiários com transtornos globais do desenvolvimento, sendo de cobertura obrigatória pelas operadoras de planos de saúde, segundo entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça. 6. O acompanhamento terapêutico em ambiente escolar e domiciliar não está previsto no rol de procedimentos da ANS, tampouco no contrato firmado entre as partes, configurando imposição de ônus excessivo à operadora e extrapolando a cobertura assistencial prevista no contrato de assistência à saúde. 7. O parecer técnico nº 25 da ANS confirma que o acompanhamento terapêutico em ambiente escolar e domiciliar não possui cobertura obrigatória pelas operadoras de planos privados de saúde. 8. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e de tribunais estaduais reforça a exclusão do acompanhamento terapêutico em ambiente escolar e domiciliar da obrigação de cobertura dos planos de saúde, por exceder os serviços médicos e hospitalares contratados. IV. DISPOSITIVO E TESE 9. Recurso parcialmente provido. Tese de julgamento: 1. A operadora de plano de saúde deve cobrir tratamentos multidisciplinares prescritos para beneficiários com Transtorno do Espectro Autista, nos limites do contrato e do rol da ANS, incluindo psicoterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional e psicomotricidade. 2. O acompanhamento terapêutico em ambiente escolar e domiciliar não está abrangido pela cobertura obrigatória do plano de saúde, por não constar no rol da ANS e por representar ônus excessivo à operadora.” (N.U 1031817-48.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, TATIANE COLOMBO, Segunda Câmara de Direito Privado, Julgado em 12/03/2025, Publicado no DJE 17/03/2025) Da ausência de evidência científica A alegação de ausência de comprovação científica não encontra respaldo nos autos. Os métodos ABA e PROMPT são amplamente utilizados no tratamento do autismo e reconhecidos por entidades como a CONITEC e o National Autism Center (EUA), atendendo aos critérios de eficácia previstos no art. 10, §13, da Lei nº 9.656/98. O parecer médico apresentado pela parte autora aponta de forma específica a indicação clínica da intervenção. A eventual discussão sobre eficácia marginal ou carga ideal demanda dilação probatória e não afasta, por si, a obrigação contratual da operadora. Ressalta-se, por fim, que não vejo risco maior à recorrente na manutenção do decisum, pois, caso a autora/agravada sucumba em última instância, poderá se valer das vias judiciais para intentar a cobrança dos valores adiantados indevidamente, mas esta expectativa, que também é legítima, de modo algum pode se sobrepor ao interesse mais importante, neste momento, que é a saúde da criança. Dispositivo. Com estas considerações, em consonância com o parecer ministerial, CONHEÇO do recurso apresentado e NEGO-LHE PROVIMENTO. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 25/06/2025
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