Processo nº 5006356-22.2023.4.03.6103
ID: 331196309
Tribunal: TRF3
Órgão: 1ª Vara Federal de São José dos Campos
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5006356-22.2023.4.03.6103
Data de Disponibilização:
22/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Nº 5006356-22.2023.4.03.6103 / 1ª Vara Federal de São José dos Campos AUTOR: FERNANDO BARBOSA FILHO REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS FISCAL DA LEI: MINISTE…
PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) Nº 5006356-22.2023.4.03.6103 / 1ª Vara Federal de São José dos Campos AUTOR: FERNANDO BARBOSA FILHO REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP S E N T E N Ç A Trata-se de demanda, com pedido de tutela de urgência ou da evidência, no qual a parte autora requer seja declarada a inexistência do débito de R$ 40.074,65 (quarenta mil e setenta e quatro reais e sessenta e cinco centavos) apurado pelo INSS em razão de suposta irregularidade no recebimento do benefício NB 87/701.200.079-2 referente ao período de 07.11.2018 a 31.10.2021, bem como o restabelecimento de seu pagamento e das prestações vencidas a contar do cancelamento administrativo ocorrido em 01.11.2021. Subsidiariamente, requer a concessão do benefício assistencial de prestação continuada à pessoa com deficiência NB 87/711.533.856-7 desde a data do requerimento em 02.06.2022. Em sede de tutela, pleiteia o restabelecimento do pagamento e que a parte ré se abstenha de exigir a devolução do montante. Alega, em apertada síntese, que recebeu o benefício de prestação continuada a pessoa com deficiência acima mencionado de 08.10.2014 a 01.11.2021, quando foi suspenso por suposta irregularidade consistente na renda do grupo familiar ultrapassar o limite mínimo permitido, pelo que o INSS apurou o débito supramencionado. Sustenta que, por suas condições de miserabilidade, faz jus ao benefício. Concedida a gratuidade da justiça, foi deferida parcialmente a tutela de urgência para determinar que o INSS se abstenha de efetuar atos de cobrança referentes ao débito apurado por suposta irregularidade no benefício nº 87/701.200.079-2 no período de 07.11.2018 a 31.10.2021. Citado, o INSS contestou (ID 308055123). Preliminarmente, alega a prescrição. No mérito, pugna pela improcedência do pedido. Réplica apresentada (ID 313758733). O representante do Ministério Público Federal deixou de se manifestar sobre o mérito da demanda (ID 327999280). Instadas a se manifestarem sobre o interesse na produção de provas, por meio de ato ordinatório (ID 336600518), a parte autora requereu a realização de perícias médica e social (ID 336876897) e a parte ré quedou-se inerte. Indeferida a perícia médica, foi determinada a realização de perícia social (ID 345586339). Laudo pericial socioeconômico apresentado (ID 348368464). O representante do Ministério Público Federal manifestou-se pela procedência do pedido (ID 349469364). Manifestação do INSS (ID 354917140). Honorários periciais requisitados (ID 360671043). A parte autora se manifestou e juntou documento (IDs 366848683 e seguinte). É a síntese do necessário. Fundamento e decido. Passo a sentenciar o feito, nos termos do artigo 12, caput, do Código de Processo Civil. Segundo a jurisprudência pacífica a prescrição incide sobre as prestações vencidas no quinquênio anterior ao ajuizamento da ação, ou seja, atinge parcialmente o direito do autor, mas não ocorre a prescrição do fundo de direito. No presente feito, não verifico a ocorrência da prescrição, pois entre a data da cessação do benefício (01.11.2021) e o ajuizamento da ação (28.10.2023) e este lapso não transcorreu. Sem outras preliminares para análise, presentes os pressupostos processuais, bem como as condições da ação, passo ao exame de mérito. O pedido é procedente. O benefício em questão, de prestação continuada, encontra o seu fundamento no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal. Preceitua o inc. V, do art. 203, da Carta Magna: Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: (...) V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.” A Lei n° 8.742/93 (LOAS) e alterações posteriores regulamentaram a Constituição Federal e estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício em análise. Assim, tendo em vista as diversas modificações legais, é conveniente transcrever o atual texto da referida lei: Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) § 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) § 2ºPara efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) § 3o Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 14.176, de 2021) § 4o O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) ... § 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011) ... § 8o A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido.(Incluído pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998) Art. 21. O benefício de prestação continuada deve ser revisto a cada 2 (dois) anos para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem. (Vide Lei nº 9.720, de 30.11.1998) § 1º O pagamento do benefício cessa no momento em que forem superadas as condições referidas no caput, ou em caso de morte do beneficiário. § 2º O benefício será cancelado quando se constatar irregularidade na sua concessão ou utilização. § 3o O desenvolvimento das capacidades cognitivas, motoras ou educacionais e a realização de atividades não remuneradas de habilitação e reabilitação, entre outras, não constituem motivo de suspensão ou cessação do benefício da pessoa com deficiência. (Incluído pela Lei nº 12.435, de 2011) § 4º A cessação do benefício de prestação continuada concedido à pessoa com deficiência não impede nova concessão do benefício, desde que atendidos os requisitos definidos em regulamento. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011) Da análise do dispositivo constitucional e das previsões legais supratranscritas, verifica-se que a parte precisa comprovar dois requisitos para fins de concessão do benefício assistencial: a) ser idoso ou ter deficiência e b) não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família (miserabilidade). Quanto à condição de idoso, não há grandes controvérsias, cabendo somente ressaltar que a redação original da Lei nº 8.742/93 estabelecia a idade mínima de 70 anos e um escalonamento para a redução da idade mínima para 67 e 65 anos, após 24 e 48 meses, respectivamente, do início da concessão (artigos 20 e 38). Todavia, o artigo 38 foi revogado pela Lei nº 9.720, de 30 de novembro de 1998, que fixou a idade mínima de 67 anos. Assim, somente com o advento do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003) é que a idade mínima passou a ser 65 anos, o que ficou mantida na atual redação dada pela Lei nº 12.435, de 06.07.2011. No tocante à pessoa com deficiência, a redação original da Lei nº 8.742/93 vinculava essa condição à incapacidade para a vida independente e para o trabalho. Todavia, em análise à norma constitucional e com o reexame das demais normas e jurisprudências sobre esta matéria, verifica-se que a Constituição Federal não estabeleceu esse requisito (incapacidade laboral e para vida independente) para este grupo. Com efeito, se a intenção do legislador constitucional é a de inclusão desse grupo em necessidade, como se vê claramente dos princípios que regem a Assistência Social (artigo 203 da Constituição Federal), não pode o legislador infraconstitucional, mesmo dentro da sua competência legislativa, instituir um requisito novo e restritivo. Assim, fica evidenciado que não se confundem os conceitos de incapacidade e deficiência, que estão bem esclarecidos pelo regulamento da Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (artigos 3º e 4º do Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999). Atualmente, a Lei nº 8.742/93 foi modificada de acordo com esse novo parâmetro de aferição da deficiência, conforme o § 2º do artigo 20, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015. Portanto, para fazer jus ao benefício assistencial, a pessoa deve demonstrar possuir algum impedimento de natureza física, mental, intelectual ou sensorial que obste a sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Melhor esclarecendo, deve ficar comprovado que a parte não possui condições de se autodeterminar ou depende de algum auxílio, acompanhamento, vigilância ou atenção de outra pessoa, para viver com dignidade. Em relação ao requisito da miserabilidade, cabe ressaltar que o STF entendeu constitucional o parâmetro objetivo fixado pelo § 3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 (ADIN n° 1.232- DF). Todavia, há que se destacar que tal posicionamento foi elastecido pelos tribunais, bem como pelos próprios Ministros da Egrégia Corte, diante das posteriores leis que tratam de outros benefícios assistenciais e do caso concreto (cito como exemplo, a decisão proferida na Rcl 4374 MC, Relator: Ministro Gilmar Mendes, julgado em 01/02/2007, publicado em DJ 06/02/2007, p. 00111). O dispositivo em questão foi objeto de recentes modificações. A Lei n.º 13.981, de 24 de março de 2020 alterou o limite da renda mensal per capita para ½ (meio) salário-mínimo. Posteriormente, a Lei nº 14.176, de 22 de junho de 2021 alterou novamente o limite para ¼ (um quarto) do salário-mínimo. O objetivo do benefício assistencial instituído pela Constituição da República é a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária com a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, I e III). O princípio da dignidade da pessoa humana supramencionado é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, e deve prevalecer ao critério objetivo previsto na Lei n.º 8.742/93 da renda per capita inferior a ¼ do salário-mínimo, justamente porque visa a assistência social inserir o hipossuficiente na sociedade, fornecendo-lhe o que for absolutamente indispensável para fazer cessar o atual estado de necessidade do assistido. Além disso, há de se destacar que na Lei nº 9.533/97, a qual estabeleceu programa federal de garantia de renda mínima, bem como em repetidos programas governamentais, reputa-se pobre aquele com renda per capita de até meio salário-mínimo (artigo 5º, inciso II). Da mesma forma, o Decreto nº 6.135/2007, que dispõe sobre o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, utiliza-se de critério semelhante ao previsto na Lei 9.533/97 para identificar as famílias de baixa renda beneficiadas pelos programas sociais, assim consideradas aquelas com renda familiar mensal per capita de até meio salário-mínimo (art. 4º, II, “a”). Assim, permanece hígida a interpretação jurisdicional no sentido de flexibilizar o critério objetivo previsto no artigo 20, § 3º da Lei 8.742/93, nas hipóteses em que a miserabilidade possa ser aferida a partir de outros elementos comprovados nos autos. Nesse sentido, o acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região: PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE AMPARO ASSISTENCIAL AO DEFICIENTE. ART. 20, DA LEI Nº 8.742/93. REQUISITOS PREENCHIDOS. 1. O benefício de prestação continuada, regulamentado Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. 2. O critério da renda per capita do núcleo familiar não é o único a ser utilizado para se comprovar a condição de necessitado do idoso ou do deficiente que pleiteia o benefício. 3. Deficiência atestada pelo laudo médico pericial e, demonstrado, pelo conjunto probatório, que não possui meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, faz jus a autoria à percepção do benefício de prestação continuada, correspondente a 01 (um) salário mínimo, desde a data do requerimento administrativo. 4. A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal. 5. Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme decidido em 19.04.2017 pelo Pleno do e. Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 579431, com repercussão geral reconhecida. A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante nº 17. 6. Os honorários advocatícios devem observar as disposições contidas no inciso II, do § 4º, do Art. 85, do CPC, e a Súmula 111, do e. STJ. 7. A autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do Art. 4º, I, da Lei 9.289/96, do Art. 24-A da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP 2.180-35/01, e do Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93. 8. Remessa oficial, havida como submetida, provida em parte e apelação desprovida. (ApCiv 5065661-54.2021.4.03.9999, Desembargador Federal Paulo Octavio Baptista Pereira, 10ª Turma, Data do Julgamento: 21.02.2022). Ainda nesse requisito, há que se lembrar que a remuneração da pessoa com deficiência na condição de aprendiz (§ 9º do artigo 20 da LOAS) não pode ser computada para fins de verificação da renda familiar e que o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003, artigo 34) inovou a legislação que rege o benefício de prestação continuada, ao determinar que o benefício assistencial já concedido a qualquer membro de sua família não deverá ser computado para fins de cálculo da renda familiar “per capita”. Quanto à segunda situação relatada, há que se anotar que, para a pessoa com deficiência solicitante do benefício de prestação continuada e cujo membro da família percebe algum benefício assistencial, não se verifica hipótese válida de discriminação legal em relação ao idoso. Assim, para a preservação da necessária isonomia entre o idoso e o deficiente carente, há que se estender a exclusão do valor do benefício assistencial já percebido por algum familiar, no cômputo da renda familiar “per capita” da pessoa com deficiência solicitante do benefício. Por fim, há que se analisar o conceito de família, que foi modificada pela Lei nº 12.435, de 2011, para fins de aferição da renda “per capita". A norma não acompanha a velocidade da evolução da sociedade, bem como a existência de multiplicidade de formas de família, deverá ser considerada a família de acordo com os laços afetivos existentes, desde que estejam presentes os três elementos estruturais: afetividade, estabilidade do vínculo afetivo e publicidade da relação afetiva estável. No presente feito, a controvérsia gira em torno tão-somente do critério econômico, pois o benefício foi cessado por indícios de irregularidade de superação de renda, conforme relatório ID 305449257 – fl. 41. Foi realizada perícia social, por perita de confiança do Juízo. De acordo com o laudo social (ID 348368464), a família do autor, para os fins do art. 20, da Lei nº 8.742/93, é composta por duas pessoas: ele e sua companheira Lourdes Antônio Barbosa, de 66 anos de idade. O autor é portador de portador de Incontinência Fecal desde 2013, sem controle do esfíncter anal, hemorroidas, dor lombar, fibromialgia diabetes mellitus, hipertensão, epilepsia, apresenta dificuldade para deambular e cansaço aos pequenos esforços. Trabalha como como auxiliar de serviços gerais e recebe um salário-mínimo. Sua companheira recebe aposentadoria no valor de um salário-mínimo. Atesta a perita que as despesas da casa são: “Alimentação + produtos higiene e limpeza: R$ 1.000,00, Água: R$ 42,00, Energia elétrica: R$ 180,00, Gás: R$ 110,00, Internet: R$ 100,00, Medicação: R$ 150,00, Total Mensal: R$ 1.582,00”. Vale ressaltar que os gastos com os necessários cuidados com a parte autora, em decorrência de sua deficiência, devem ser levadas em consideração na análise da miserabilidade da família. Ainda de acordo com o laudo socioeconômico, a respeito de sua moradia, trata-se de uma casa simples, em área rural, longe do centro urbano, não conta com serviços básicos, como ruas pavimentadas, possui iluminação pública, de difícil acesso à escola, mercado, unidade básica de saúde, pontos de transportes coletivos entre outros. O §14 do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 exclui do cômputo da renda o benefício assistencial ou previdenciário recebido por idoso acima de 65 anos: Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. ... § 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020) Conforme consta no laudo e foi informado pelo próprio INSS (ID 354917140), a companheira do autor, de 66 anos de idade, percebe um salário-mínimo a título de aposentadoria. Portanto, aplica-se a regra supratranscrita. Dessa forma, entendo caracterizada a situação de miserabilidade. Não obstante a renda per capta superar o limite do artigo 20, §3º, inciso I, da Lei nº 8.742/93, como já mencionado acima, a jurisprudência é firme no sentido de não ser um critério absoluto, podendo a miserabilidade ser aferida a partir de outros elementos comprovados nos autos, como no presente feito e de acordo com a fundamentação supra. Presentes os requisitos da deficiência e hipossuficiência. Por consequência, ausente irregularidade no recebimento do benefício, mostra-se inexigível o débito imputado à parte autora, no montante de R$ 40.074,65, a título de ressarcimento ao Erário, referente ao período de 07.11.2018 a 31.10.2021, conforme ID 305449257 – fl. 168. Ainda que assim não fosse, o STF firmou entendimento de que os valores recebidos de boa-fé a título de benefício previdenciário pelo segurado, dado seu caráter alimentar, são irrepetíveis: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PAGAMENTO A MAIOR. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE PELO SEGURADO AO INSS. ART. 115 DA LEI 8.213/91. IMPOSSILIDADE. BOA-FÉ. NATUREZA ALIMENTAR. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA RESERVA DE PLENÁRIO. INOCORRÊNCIA. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. 1. A violação constitucional dependente da análise do malferimento de dispositivo infraconstitucional encerra violação reflexa e oblíqua, tornando inadmissível o recurso extraordinário. 2. O princípio da reserva de plenário não resta violado, nas hipóteses em que a norma em comento (art. 115 da Lei 8.213/91) não foi declarada inconstitucional nem teve sua aplicação negada pelo Tribunal a quo, vale dizer: a controvérsia foi resolvida com a fundamento na interpretação conferida pelo Tribunal de origem a norma infraconstitucional que disciplina a espécie. Precedentes: AI 808.263-AgR, Primeira Turma Rel. Min. LUIZ FUX, DJe de 16.09.2011; Rcl. 6944, Pleno, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Dje de 13.08.2010; RE 597.467-AgR, Primeira Turma, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI Dje de 15.06.2011 AI 818.260-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Dje de 16.05.2011, entre outros. 3. In casu, o acórdão recorrido assentou: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. COBRANÇA DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. CARÁTER ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. 1. Esta Corte vem se manifestando no sentido da impossibilidade de repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. 2. Hipótese em que, diante do princípio da irrepetibilidade ou da não-devolução dos alimentos, deve ser afastada a cobrança dos valores recebidos indevidamente pelo segurado, a título de aposentadoria por tempo de contribuição. 4. Agravo regimental desprovido. (AI-AgR - AG.REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO, LUIZ FUX, STF.) A jurisprudência do STJ segue a mesma orientação: PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL E AO ART. 154 DO DECRETO 3.048/1999. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. PAGAMENTO INDEVIDO. BOA-FÉ COMPROVADA. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. FUNDAMENTO AUTÔNOMO NÃO IMPUGNADO. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULAS 283 E 284 DO STF. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. REVISÃO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. REQUISITOS. ART. 203, V, DA CF/1988. LEI 8.742/93, ART. 20, § 3º. MISERABILIDADE AFERIDA POR OUTROS CRITÉRIOS QUE NÃO A LIMITAÇÃO DA RENDA PER CAPITA FAMILIAR. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. ANÁLISE PREJUDICADA. 1. Cuida-se, na origem, de ação ordinária em que a parte autora requereu o restabelecimento do benefício de amparo social, bem como a declaração de inexistência de débito perante a Previdência Social. A sentença julgou parcialmente procedente o pedido apenas para declarar a inexistência de débito do autor perante o INSS. RECURSO ESPECIAL DO INSS 2. Em relação aos arts. 884 e 885 do Código Civil e ao art. 154 do Decreto 3.048/1999, a Corte local não emitiu juízo de valor sobre a alegada matéria. É necessária a efetiva discussão do tema pelo Tribunal a quo, ainda que em Embargos de Declaração. O Superior Tribunal de Justiça entende ser inviável o conhecimento do Recurso Especial quando os artigos tidos por violados não foram apreciados pelo Tribunal de origem, a despeito da oposição de Embargos de Declaração, haja vista a ausência do requisito do prequestionamento. Incide, na espécie, a Súmula 211/STJ. 3. Nas razões do Recurso Especial, o INSS sustenta apenas a necessidade de restituição do benefício previdenciário indevidamente pago, sendo esta a interpretação dos arts. 115, II, parágrafo único, da Lei 8.213/1991 e 154, II, § 3°, do Decreto 3.048/1999. Todavia, no enfrentamento da matéria, o Tribunal de origem consignou que "o benefício foi requerido e recebido de boa-fé"e que "não pode agora a autarquia exigir a repetição dos respectivos valores, notadamente por terem caráter alimentar" (fl. 424, e-STJ). 4. Sendo assim, como o fundamento não foi atacado pela parte recorrente e é apto, por si só, para manter o decisum combatido, permite-se aplicar na espécie, por analogia, os óbices das Súmulas 284 e 283 do STF, ante a deficiência na motivação e a ausência de impugnação de fundamento autônomo. 5. Ademais, a jurisprudência do STJ se firmou no sentido de que, em razão do caráter alimentar dos proventos aliado à percepção de boa-fé, é impossível a devolução de valores recebidos a título de benefício previdenciário por razão de erro da Administração, aplicando-se ao caso o princípio da irrepetibilidade dos alimentos. 6. Tendo o Tribunal de origem reconhecido a boa-fé em relação ao recebimento do benefício objeto da insurgência, descabe ao STJ iniciar juízo valorativo a fim de alterar tal entendimento, ante o óbice da Súmula 7/STJ. RECURSO ESPECIAL DO SEGURADO 7. A Terceira Seção do STJ, ao apreciar o REsp 1.112.557/MG, submetido à sistemática do art. 543-C do CPC, firmou a compreensão de que o critério objetivo de renda per capita mensal inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo - previsto no art. 20, § 3°, da Lei 8.742/93 - não é o único parâmetro para aferir hipossuficiência, podendo tal condição ser constatada por outros meios de prova. Precedentes: AREsp 110.176/CE, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 4/6/2013; AREsp 332.275/PR, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 27/5/2013; AREsp 327.814/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 22/5/2013. 8. No presente caso, a negativa de concessão do benefício assistencial não se limitou apenas ao critério objetivo fixado no § 3º do art. 20 da Lei 8.742/1993, porquanto considerou também o contexto fático da situação na qual vive a parte autora. 9. Modificar a conclusão a que chegou a Corte de origem, de modo a acolher a tese do recorrente, demanda reexame do acervo fático-probatório dos autos, inviável em Recurso Especial, sob pena de violação da Súmula 7 do STJ. 10. O óbice da Súmula 7 do STJ atinge também o Recurso Especial interposto com fundamento na alínea c do inciso III do artigo 105 da Constituição da República, porque impede o exame de dissídio jurisprudencial, uma vez que falta identidade entre os paradigmas apresentados e os fundamentos do acórdão, tendo em vista a situação fática do caso concreto, com base na qual a Corte de origem deu solução à causa. CONCLUSÃO 11. Recursos Especiais não conhecidos. ..EMEN: (RESP - RECURSO ESPECIAL - 1666580 2017.00.71255-2, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:30/06/2017). Portanto, a obrigatoriedade de devolução dos valores recebidos a este título dependeria de comprovação de má-fé do segurado, o que, no caso em apreço, não ocorreu. Em face dos impedimentos da parte autora e sua situação socioeconômica, vislumbro, no caso presente, urgência na prestação jurisdicional a ensejar a concessão da tutela de urgência, haja vista a probabilidade do direito, consistente no preenchimento dos requisitos ensejadores do benefício do benefício assistencial à pessoa deficiente e o fundado receio de dano irreparável, em razão da natureza alimentar. Dessa forma, defiro a tutela de urgência para o fim de determinar ao INSS que restabeleça o pagamento do benefício assistencial à pessoa deficiente, no prazo máximo de 45 dias, bem como se abstenha de efetuar atos de cobrança referentes ao débito apurado por suposta irregularidade no seu recebimento, independentemente do trânsito em julgado. Diante do exposto, julgo procedente o pedido, com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, Código de Processo Civil, para 1. declarar a inexistência do débito apurado por suposta irregularidade no benefício nº 87/701.200.079-2; 2. condenar a autarquia previdenciária a: 2.1. restabelecer o benefício de prestação continuada à parte autora nº 87/701.200.079-2, a partir da data da cessação administrativa, em 01.11.2021. 2.2. pagar o valor das parcelas atrasadas, desde quando deveriam ter sido pagas até a competência anterior à prolação desta sentença, com correção monetária e juros de mora, nos termos do Manual de Orientações de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, de acordo com a Resolução nº 784/2022, do Conselho da Justiça Federal. Poderá fazer o desconto das quantias recebidas no período em razão da tutela de urgência. Ratifico a tutela parcialmente deferida (ID 306895447). O valor da condenação deve ser apurado pelo réu e apresentado, para fins de expedição de ofício requisitório / precatório, no prazo de 45 dias do trânsito em julgado. Para efeito de pagamento administrativo, a DIP deve ser fixada na data da presente sentença. Condeno o INSS ao pagamento dos honorários advocatícios, os quais arbitro no percentual mínimo de um dos incisos do § 3º do art. 85 do CPC, a ser definido quando da liquidação da sentença, observado o disposto na Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça, corrigidos monetariamente até a data do efetivo pagamento, nos termos da tabela das ações condenatórias em geral do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal (Resolução n.º 784/2022 do Conselho da Justiça Federal), de acordo com o artigo 85, §§ 3º e 4º, inciso II do Código de Processo Civil. A autarquia previdenciária deverá reembolsar as despesas processuais comprovadas, incluídos os honorários periciais, nos termos do artigo 14, § 4º da Lei nº 9.289/96. Sentença não sujeita a remessa necessária, nos termos do art. 496, §3º, inciso I do Código de Processo Civil, diante do valor atribuído à causa com base no montante da RMI do benefício, o qual não ultrapassa 1000 salários mínimos. Registrada neste ato. Publique-se. Intimem-se.
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