Processo nº 5000147-39.2025.4.03.6112
ID: 336849919
Tribunal: TRF3
Órgão: 1ª Vara Federal de Presidente Prudente
Classe: HABEAS CORPUS CRIMINAL
Nº Processo: 5000147-39.2025.4.03.6112
Data de Disponibilização:
29/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
DANILO OLIVEIRA DE PAULA
OAB/SP XXXXXX
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GABRIEL MACIEL ALVES SANTOS
OAB/SP XXXXXX
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LUCAS GRISOLIA FRATARI
OAB/SP XXXXXX
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HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5000147-39.2025.4.03.6112 / 1ª Vara Federal de Presidente Prudente PACIENTE: T. M. Advogados do(a) PACIENTE: DANILO OLIVEIRA DE PAULA - SP471100, GABRIEL MACIEL ALVES …
HABEAS CORPUS CRIMINAL (307) Nº 5000147-39.2025.4.03.6112 / 1ª Vara Federal de Presidente Prudente PACIENTE: T. M. Advogados do(a) PACIENTE: DANILO OLIVEIRA DE PAULA - SP471100, GABRIEL MACIEL ALVES SANTOS - SP498282, LUCAS GRISOLIA FRATARI - SP354977 IMPETRADO: S. D. P. F. D. S. P., D. G. D. P. C. D. E. D. S. P., C. G. D. P. M. D. E. D. S. P. FISCAL DA LEI: M. P. F. -. P. S E N T E N Ç A I – Relatório: T. M., qualificado nos autos, impetra ordem de habeas corpus preventivo em face do SUPERINTENDENTE DA POLÍCIA FEDERAL EM SÃO PAULO, do DELEGADO GERAL DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SÃO PAULO e do COMANDANTE GERAL DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO, visando salvo conduto para importar até 218 sementes e cultivar até 182 mudas de cannabis sativa e delas extrair óleo de canabidiol para tratamento médico que lhe foi prescrito, sem que sofra persecução penal e apreensão das plantas, sementes, óleo medicinal e apetrechos necessários à sua extração pelas Autoridades Impetradas. Diz o Impetrante que tem autorização da Anvisa para importação do medicamento (óleo de canabidiol), mas que em razão do alto custo da medicação necessita cultivar e extrair artesanalmente o óleo medicinal para assegurar a continuidade do tratamento de suas crises de ansiedade e depressão. Aduz que o Poder Público reconhece o uso medicinal da cannabis sativa e seus derivados, citando normativos da Anvisa expedidos desde o ano de 2015 que permitem a prescrição médica e importação de medicamentos contendo canabidiol e tetraidrocanabinol, com o que estaria afastada a elementar normativa “sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar” constante da legislação penal antidrogas, quando existe prescrição médica, caso do presente writ. Postergada a análise do pedido de liminar (ID 351339179). As autoridades apontadas como coatoras prestaram informações, em suma, nos seguintes termos: o Superintendente da Polícia Federal de São Paulo aduz que a pretensão refoge à orbita criminal, demanda dilação probatória e deve ser buscada na esfera cível (ID 356340948); o Delegado Geral da Polícia Civil levanta inadequação do habeas corpus, asseverando que somente a União tem competência para autorizar o cultivo de maconha e ressaltando a dificuldade na delimitação de parâmetros para realizar o controle sanitário de eventual plantação judicialmente autorizada e para desenvolver fiscalização periódica desse cultivo (ID 357038196); o Comandante Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo requer a extinção por ausência de interesse em razão da promulgação da Lei Paulista nº 17.618, de 31.01.2023 e sua regulamentação pelo Decreto nº 68.233, de 22.12.2023, preconizando o fornecimento gratuito de medicamentos e produtos industrializados à base de canabidiol para fins medicinais, relatando ainda riscos da produção da planta in natura para tratamento de doenças, dado que nas preparações caseiras e artesanais não há garantia de observância de concentração máxima de 0,2% de THC, substância canabinoide com efeito alucinógeno (IDs 357532205, 357532206, 357532207, 357532209 e 357532212). O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pela denegação da ordem, em razão da inadequação da via eleita e ausência de interesse, aduzindo que o Estado fornece o medicamento postulado de forma gratuita (ID 358809873). É o relatório. DECIDO. II – Fundamentação: Rejeito inicialmente a preliminar de falta de interesse de agir em razão da alegada possibilidade de fornecimento da medicação pleiteada, nos termos da Lei Paulista nº 17.618/2023 e sua regulamentação, haja vista que adstrita a tratamentos de doenças outras, e não a que acomete o Impetrante. Ainda a propósito das doenças abarcadas pela regulamentação, cito o seguinte aresto de julgamento: PENAL. PROCESSUAL PENAL. REMESSA NECESSÁRIA. HABEAS CORPUS. CONCESSÃO DE SALVO-CONDUTO PARA IMPORTAÇÃO DE SEMENTES, PLANTIO E UTILIZAÇÃO ÓLEO DE CANNABIS MEDICINAL. PARCIAL PROVIMENTO DA REMESSA NECESSÁRIA. 1. O objetivo da presente impetração é a concessão de salvo-conduto para que o paciente possa importar sementes de cannabis, suficientes para o cultivo de plantas, para uso exclusivo medicinal e terapêutico, pois foi diagnosticado com Ansiedade generalizada, Episódios depressivos, Distúrbios do sono, Dor crônica (CID10 F41.1, F32, G47 e R52.2), conforme descrito no relatório médico, minimizados com a cannabis medicinal. 2. Comprovação do estado de saúde do paciente e autorização pela ANVISA da importação de medicamento à base de óleos e derivados da cannabis. 3. Em que pese a edição da Lei 17.618/2023 do Estado de São Paulo e sua regulamentação pelo Decreto n 68.233/2023, somente os pacientes que fazem tratamento para as síndromes de Dravet, Lennox-Gastaut e para Esclerose Tuberosa serão os primeiros a ter acesso aos novos fármacos. Outras doenças, como, por exemplo, as psicológicas, oncológicas, bem como as dores crônicas, ainda não foram abrangidas. Não se pode restringir o acesso à saúde, diante da omissão do Poder Público em regulamentar o adequado acesso ao uso medicinal da cannabis, pois, conforme preceitua o art. 196 da CF/88, a saúde é direito de todos e dever do Estado. 4. Inexistência de indicativos de que o emprego da cannabis será para fins recreativos ou para quaisquer outras atividades indevidas. 5. Permitida a importação de 120 sementes ao ano para o cultivo da produção do óleo medicinal integral de cannabis de uso terapêutico e exclusivamente pessoal e com fins medicinais e para que o salvo conduto tenha sua validade atrelada à apresentação de prescrição médica e à autorização de importação da ANVISA válidas, sem a necessidade de impetração de novas ordens de habeas corpus, ressalvada a possibilidade de fiscalização pelas autoridades competentes. 6. Remessa necessária parcialmente provida. (TRF 3ª Região - Remessa Necessária Criminal nº 5010072-80.2024.4.03.6181, Quinta Turma, rel. Des. Federal Paulo Fontes, Intimação via sistema 26.3.2025 – destaquei) Quanto ao mérito, essa matéria era bastante controversa na jurisprudência, notando-se que mesmo no seio do e. Superior Tribunal de Justiça ainda não havia consenso, tanto que dissentiam as Turmas constitutivas da Terceira Seção, com competência criminal. Com efeito, assim se manifestava a Quinta Turma: PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. 1. MANDAMUS SUBSTITUTIVO DO RECURSO PRÓPRIO. DESVIRTUAMENTO DE GARANTIA CONSTITUCIONAL. 2. PEDIDO DE SALVO-CONDUTO. PLANTIO DE MACONHA. FINS MEDICINAIS. RELEVÂNCIA DO TEMA. DIREITO À SAÚDE. 3. REPRESSÃO AO TRÁFICO. EFEITOS DELETÉRIOS DAS DROGAS. NECESSIDADE DE CONTROLE. 4. PEDIDO DE SALVO-CONDUTO. FUNDAMENTO NO DIREITO À SAÚDE. LIMITES DA COMPETÊNCIA PENAL. VIA ESTREITA DO HABEAS CORPUS. 5. TIPICIDADE DOS CRIMES DA LEI DE DROGAS. ELEMENTOS NORMATIVOS. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO. DISCORDÂNCIA COM DETERMINAÇÃO LEGAL OU REGULAMENTAR. OBTENÇÃO DE AUTORIZAÇÃO DO ÓRGÃO COMPETENTE. DESNECESSIDADE DE SALVO-CONDUTO. 6. AUTORIZAÇÃO QUE DEPENDE DE CRITÉRIOS TÉCNICOS. INCUMBÊNCIA DOS ÓRGÃOS DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. EXAME QUE ESCAPA À COMPETÊNCIA JUDICIAL PENAL. 7. NECESSIDADE DE SUBMISSÃO DA MATÉRIA À AUTARQUIA COMPETENTE. NEGATIVA OU MORA QUE DEVE SER IMPUGNADA NO JUÍZO CÍVEL. PRECEDENTE. 8. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. RECOMENDAÇÃO DE EXAME PELA ANVISA. 1. Diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, o STJ passou a acompanhar a orientação da Primeira Turma do STF, no sentido de ser inadmissível o emprego do writ como sucedâneo de recurso ou revisão criminal, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. 2. O agravante pretende a expedição de salvo conduto, de modo a permitir o cultivo da planta para a extração do óleo medicinal de Cannabis na quantidade necessária para o controle de sua doença e consequente melhora na sua qualidade de vida. De início, esclareço que não se desconhece a existência de inúmeros estudos científicos que comprovam a eficácia da chamada terapia canábica no tratamento de doenças relacionadas a epilepsia, paralisia cerebral, dentre outras. 3. Não se pode ignorar, no entanto, que além de a Constituição Federal atribuir ao Poder Público a adoção de políticas públicas voltadas à promoção da saúde também determina a repressão ao tráfico de drogas. Assim, o controle do cultivo e da manipulação da maconha deve ser limitado, haja vista os conhecidos efeitos deletérios atribuídos a algumas substâncias contidas na planta. 4. Embora o pedido seja de expedição de salvo-conduto criminal, a causa de pedir diz respeito ao direito à saúde, cuja competência para exame, nos termos do Regimento Interno desta Corte, é das turmas que compõem a 1ª Seção. Dessa forma, apesar de reconhecer a relevância da fundamentação trazida pelo agravante, o exame deve se ater ao seu conteúdo penal e os limites do mandamus. 5. No campo penal, os tipos penais descritos no art. 33 bem como no art. 28, ambos da Lei n. 11.343/2006, condicionam a tipicidade dos delitos listados à ausência de autorização ou à discordância com determinação legal ou regulamentar. Nesse contexto, bem como diante do disposto no próprio parágrafo único do art. 2º da Lei de Drogas, tem-se que a pretensão do agravante deve ser direcionada à obtenção de autorização do órgão competente, o que, por si só, torna a conduta atípica, tornando desnecessária eventual expedição de salvo-conduto. 6. Esse tipo de autorização depende de critérios técnicos, cuja análise incumbe aos órgãos de vigilância sanitária. Isso porque uma decisão desse tipo depende de estudo de diversos elementos relativos à extensão do cultivo, número de espécimes suficientes para atender à necessidade da recorrente, mecanismos de controle da produção do medicamento, dentre outros fatores, cujo exame escapa ao conjunto de competências técnicas do magistrado, em especial do criminal. 7. A melhor solução é, inicialmente, submeter a questão ao exame da autarquia responsável pela vigilância sanitária e, em caso de demora ou de negativa, apresentar o tema ao Poder Judiciário, devendo o pleito ser direcionado à jurisdição cível competente. (RHC 123.402/RS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 23/03/2021, DJe 29/03/2021) 8. Agravo regimental a que se nega provimento. Recomenda-se à Agência Nacional de Vigilância Sanitária, caso provocada, que analise e decida se é viável autorizar o paciente a cultivar plantas de Cannabis sativa L. para fins medicinais. (AgRg no HC nº 652.646/SP, Quinta Turma, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, j. 13.4.2021, DJe 19.4.2021 – destaques do original) A e. Sexta Turma tinha o mesmo entendimento, pois negava à unanimidade salvo conduto ao fundamento de que não cabe ao Poder Judiciário autorizar o cultivo da planta para fins medicinais em sede de juízo criminal (v.g. AgRg no RHC nº 157.190/CE, rel. Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), j. 29.3.2022, DJe 1.4.2022). Porém, também à unanimidade, passou a decidir em sentido oposto, mudando seu entendimento e desfazendo o consenso da Corte até então existente: RECURSO ESPECIAL. CULTIVO DOMÉSTICO DA PLANTA CANNABIS SATIVA PARA FINS MEDICINAIS. HABEAS CORPUS PREVENTIVO. RISCO PERMANENTE DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. SALVO-CONDUTO. POSSIBILIDADE. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. DESNECESSIDADE. ANVISA. AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO ESPECÍFICA. ATIPICIDADE PENAL DA CONDUTA. PRINCÍPIO DA LESIVIDADE. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. O art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 apresenta-se como norma penal em branco, porque define o crime de tráfico a partir da prática de dezoito condutas relacionadas a drogas – importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer –, sem, no entanto, trazer a definição do elemento do tipo “drogas”. 2. A definição do que sejam “drogas”, capazes de caracterizar os delitos previstos na Lei n. 11.343/2006, advém da Portaria n. 344/1998, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde. A Cannabis sativa integra a “Lista E” da referida portaria, que, em última análise, a descreve como planta que pode originar substâncias entorpecentes e/ou psicotrópicas. 3. Uma vez que é possível, ao menos em tese, que os pacientes (ora recorridos) tenham suas condutas enquadradas no art. 33, § 1º, da Lei n. 11.343/2006, punível com pena privativa de liberdade, é indiscutível o cabimento de habeas corpus para os fins por eles almejados: concessão de salvo-conduto para o plantio e o transporte de Cannabis sativa, da qual se pode extrair a substância necessária para a produção artesanal dos medicamentos prescritos para fins de tratamento de saúde. 4. Também há o risco, pelo menos hipotético, de que as autoridades policiais tentem qualificar a pretendida importação de sementes de Cannabis no tipo penal de contrabando (art. 334-A do CP), circunstância que reforça a possibilidade de que os recorridos se socorram do habeas corpus para o fim pretendido, notadamente porque receberam intimação da Polícia Federal para serem ouvidos em autos de inquérito policial. Ações pelo rito ordinário e outros instrumentos de natureza cível podem até tratar dos desdobramentos administrativos da questão trazida a debate, mas isso não exclui o cabimento do habeas corpus para impedir ou cessar eventual constrangimento à liberdade dos interessados. 5. Efetivamente, é adequada a via eleita pelos recorridos – habeas corpus preventivo – haja vista que há risco, ainda que mediato, à liberdade de locomoção deles, tanto que o Juiz de primeiro grau determinou a apuração dos fatos narrados na inicial do habeas corpus pela Polícia Federal, o que acabou sendo expressamente revogado pelo Tribunal a quo, ao conceder a ordem do habeas corpus lá impetrado. 6. A análise da questão trazida a debate pela defesa não demanda dilação probatória, consistente na realização de perícia médica a fim de averiguar se os pacientes realmente necessitam de tratamento médico com canabidiol. A necessidade de dilação probatória – circunstância, de fato, vedada na via mandamental – foi afastada no caso concreto, tendo em vista que os recorridos apresentaram provas pré-constituídas de suas alegações, provas essas consideradas suficientes para a concessão do writ pelo Tribunal de origem, dentre as quais a de que os pacientes estavam autorizados anteriormente pela Anvisa a importar, com objetivo terapêutico, medicamento com base em extrato de canabidiol, para tratamento de enfermidades também comprovadas por laudos médicos, devidamente acostados aos autos. 7. Se para pleitear aos entes públicos o fornecimento e o custeio de medicamento por meio de ação cível, o pedido pode ser amparado em laudo do médico particular que assiste a parte (STJ, EDcl no REsp n. 1.657.156/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, 1ª S., DJe 21/9/2018), não há razão para se fazer exigência mais rigorosa na situação dos autos, em que a pretensão da defesa não implica nenhum gasto financeiro ao erário. 8. Há, na hipótese, vasta documentação médica atestando a necessidade de o tratamento médico dos pacientes ser feito com medicamentos à base de canabidiol, inclusive com relato de expressivas melhoras na condição de saúde deles e esclarecimento de que diversas vias tradicionais de tratamento foram tentadas, mas sem sucesso, circunstância que reforça ser desnecessária a realização de dilação probatória com perícia médica oficial. 9. Não há falar que a defesa pretende, mediante o habeas corpus, tolher o poder de polícia das autoridades administrativas. Primeiro, porque a própria Anvisa, por meio de seu diretor, afirmou que a regulação e a autorização do cultivo doméstico de plantas, quaisquer que sejam elas, não fazem parte do seu escopo de atuação. Segundo, porque não se objetiva nesta demanda obstar a atuação das autoridades administrativas, tampouco substituí-las em seu mister, mas, apenas, evitar que os pacientes/recorridos sejam alvo de atos de investigação criminal pelos órgãos de persecução penal. 10. Embora a legislação brasileira possibilite, há mais de 40 anos, a permissão, pelas autoridades competentes, de plantio, cultura e colheita de Cannabis exclusivamente para fins medicinais ou científicos (art. 2º, parágrafo único, da Lei n. 11.343/2006; art. 2º, § 2º, da Lei n. 6.368/1976), fato é que até hoje a matéria não tem regulamentação ou norma específica, o que bem evidencia o descaso, ou mesmo o desprezo – quiçá por razões morais ou políticas – com a situação de uma número incalculável de pessoas que poderiam se beneficiar com tal regulamentação. 11. Em 2019, a Diretoria Colegiada da Anvisa, ao julgar o Processo n. 25351.421833/2017-76 – que teve como objetivo dispor sobre os requisitos técnicos e administrativos para o cultivo da planta Cannabis exclusivamente para fins medicinais ou científicos –, decidiu pelo arquivamento da proposta de resolução. Ficou claro, portanto, que o posicionamento da Diretoria Colegiada da Anvisa, à época, era o de que a autorização para cultivo de plantas que possam originar substâncias sujeitas a controle especial, entre elas a Cannabis sativa, é da competência do Ministério da Saúde, e que, para atuação da Anvisa, deveria haver uma delegação ou qualquer outra tratativa oficial, de modo a atribuir a essa agência reguladora a responsabilidade e a autonomia para definir, sozinha, o modelo regulatório, a autorização, a fiscalização e o controle dessa atividade de cultivo. 12. O Ministério da Saúde, por sua vez, a quem a Anvisa afirmou competir regular o cultivo doméstico de Cannabis, indicou que não pretende fazê-lo, conforme se extrai de Nota Técnica n. 1/2019-DATDOF/CGGM/GM/MS, datada de 19/8/2019, em resposta à Consulta Dirigida sobre as propostas de regulamentação do uso medicinal e científico da planta Cannabis, assinada pelo ministro responsável pela pasta. O quadro, portanto, é de intencional omissão do Poder Público em regulamentar a matéria. 13. Havendo prescrição médica para o uso do canabidiol, a ausência de segurança, de qualidade, de eficácia ou de equivalência técnica e terapêutica da substância preparada de forma artesanal – como se objeta em desfavor da pretendida concessão do writ – torna-se um risco assumido pelos próprios pacientes, dentro da autonomia de cada um deles para escolher o tratamento de saúde que lhes corresponda às expectativas de uma vida melhor e mais digna, o que afasta, portanto, a abordagem criminal da questão. São nesse sentido, aliás, as disposições contidas no art. 17 da RDC n. 335/2020 e no art. 18 da RDC n. 660/2022 da Anvisa, ambas responsáveis por definir “os critérios e os procedimentos para a importação de Produto derivado de Cannabis, por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para tratamento de saúde”. 14. Em 2017, com o advento da Resolução n. 156 da Diretoria Colegiada da Anvisa, a Cannabis Sativa foi incluída na Lista de Denominações Comuns Brasileiras – DCB como planta medicinal, marco importante em território nacional quanto ao reconhecimento da sua comprovada capacidade terapêutica. Em dezembro de 2020, o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes – UNODC acolheu recomendações feitas pela Organização Mundial de Saúde sobre a reclassificação da Cannabis e decidiu pela retirada da planta e da sua resina do Anexo IV da Convenção Única de 1961 sobre Drogas Narcóticas, que lista as drogas consideradas como as mais perigosas, e a reinseriu na Lista 1, que inclui outros entorpecentes como a morfina – para a qual a OMS também recomenda controle –, mas admite que a substância tem menor potencial danoso. 15. Tanto o tipo penal do art. 28 quanto o do art. 33 se preocupam com a tutela da saúde, mas enquanto o § 1º do art. 28 trata do plantio para consumo pessoal (“Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica”), o § 1º, II, do art. 33 trata do plantio destinado à produção de drogas para entrega a terceiros. 16. A conduta para a qual os recorridos pleitearam e obtiveram salvo-conduto no Tribunal de origem não é penalmente típica, seja por não estar imbuída do necessário dolo de preparar substâncias entorpecentes com as plantas cultivadas (nem para consumo pessoal nem para entrega a terceiros), seja por não vulnerar, sequer de forma potencial, o bem jurídico tutelado pelas normas incriminadoras da Lei de Drogas (saúde pública). 17. O que pretendem os recorridos com o plantio da Cannabis não é a extração de droga (maconha) com o fim de entorpecimento – potencialmente causador de dependência – próprio ou alheio, mas, tão somente, a extração das substâncias com reconhecidas propriedades medicinais contidas na planta. Não há, portanto, vontade livre e consciente de praticar o fim previsto na norma penal, qual seja, a extração de droga, para entorpecimento pessoal ou de terceiros. 18. Outrossim, a hipótese dos autos também não se reveste de tipicidade penal – aqui em sua concepção material –, porque a conduta dos recorridos, ao invés de atentar contra o bem jurídico saúde pública, na verdade intenciona promovê-lo – e tem aptidão concreta para isso – a partir da extração de produtos medicamentosos; isto é, a ação praticada não representa nenhuma lesividade, nem mesmo potencial (perigo abstrato), ao bem jurídico pretensamente tutelado pelas normas penais contidas na Lei n. 11.343/2006. 19. Se o Direito Penal é um mal necessário – não apenas instrumento de prevenção dos delitos, mas também técnica de minimização da violência e do arbítrio na resposta ao delito –, sua intervenção somente se legitima “nos casos em que seja imprescindível para cumprir os fins de proteção social mediante a prevenção de fatos lesivos” (SILVA SANCHEZ, Jesus Maria. Aproximación al derecho penal contemporâneo. Barcelona: Bosch, 1992, p. 247, tradução livre). 20. O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada pela própria Constituição Federal à generalidade das pessoas (Art. 196. “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”). 21. No caso, uma vez que o uso pleiteado do óleo da Cannabis Sativa, mediante fabrico artesanal, se dará para fins exclusivamente terapêuticos, com base em receituário e laudo subscrito por profissional médico especializado, chancelado pela Anvisa na oportunidade em que autorizou os pacientes a importarem o medicamento feito à base de canabidiol – a revelar que reconheceu a necessidade que têm no seu uso –, não há dúvidas de que deve ser obstada a iminente repressão criminal sobre a conduta praticada pelos pacientes/recorridos. 22. Se o Direito Penal, por meio da “guerra às drogas”, não mostrou, ao longo de décadas, quase nenhuma aptidão para resolver o problema relacionado ao uso abusivo de substâncias entorpecentes – e, com isso, cumprir a finalidade de tutela da saúde pública a que em tese se presta –, pelo menos que ele não atue como empecilho para a prática de condutas efetivamente capazes de promover esse bem jurídico fundamental à garantia de uma vida humana digna, como pretendem os recorridos com o plantio da Cannabis sativa para fins exclusivamente medicinais. 23. Recurso especial do Ministério Público não provido, confirmando-se o salvo-conduto já expedido em favor dos ora recorridos. (REsp nº 1.972.092/SP, Sexta Turma, rel. Ministro Rogério Schietti Cruz, j. 14.6.2022, DJe 30.6.2022) Na mesma sessão foi julgado no mesmo sentido também o RHC nº 147.169/SP, rel. Ministro Sebastião Reis Júnior (j. 14.6.2022, DJe 20.6.2022) e, em sessão que se seguiu, foi reafirmado o posicionamento no AgRg no RHC nº 153.768/MG, rel. Ministra Laurita Vaz (j. 28.6.2022, DJe 1.7.2022), sempre à unanimidade. Aberto o dissenso, a matéria foi levada à Terceira Seção, que, por maioria de votos, consolidou o posicionamento da Corte: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CULTIVO DOMÉSTICO DA PLANTA CANNABIS SATIVA PARA FINS MEDICINAIS. HABEAS CORPUS PREVENTIVO. UNIFORMIZAÇÃO DO ENTENDIMENTO DAS TURMAS CRIMINAIS. RISCO DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. DIREITO A SAÚDE PÚBLICA E A MELHOR QUALIDADE DE VIDA. REGULAMENTAÇÃO. OMISSÃO DA ANVISA E DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. ATIPICIDADE PENAL DA CONDUTA. 1. O conjunto probatório dos autos aponta que o uso medicinal do óleo extraído da planta Cannabis sativa encontra-se suficientemente demonstrado pela documentação médica, pois foram anexados Laudo Médico e receituários médicos, os quais indicam o uso do óleo medicinal (CBD Usa Hemp 6000mg full spectrum e Óleo CBD/THC 10%). 2. O entendimento da Quinta Turma passou a corroborar o da Sexta Turma que, na sessão de julgamento do dia 14/6/2022, de relatoria do Ministro Rogério Schietti Cruz, por unanimidade, negou provimento ao Recurso Especial n. 1.972.092-SP do Ministério Público, e manteve a decisão do Tribunal de origem, que havia concedido habeas corpus preventivo. Então, ambas as turmas passaram a entender que o plantio e a aquisição das sementes da Cannabis sativa, para fins medicinais, não se trata de conduta criminosa, independente da regulamentação da ANVISA. 3. Após o precedente paradigma da Sexta Turma, formou-se a jurisprudência, segundo a qual, “uma vez que o uso pleiteado do óleo da Cannabis sativa, mediante fabrico artesanal, se dará para fins exclusivamente terapêuticos, com base em receituário e laudo subscrito por profissional médico especializado, chancelado pela ANVISA na oportunidade em que autorizou os pacientes a importarem o medicamento feito à base de canabidiol - a revelar que reconheceu a necessidade que têm no seu uso -, não há dúvidas de que deve ser obstada a iminente repressão criminal sobre a conduta praticada pelos pacientes/recorridos” (REsp n. 1.972.092/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 14/6/2022, DJe de 30/6/2022). 4. Os fatos, ora apresentados pelos agravantes, não podem ser objeto da sanção penal, porque se tratam do exercício de um direito fundamental garantido na Constituição da República, e não há como, em matéria de saúde pública e melhor qualidade de vida, ignorar que “a função judicial acaba exercendo a competência institucional e a capacidade intelectual para fixar tais conceitos abstratos, atribuindo significado aos mesmos, concretizando-os, e até dando um alcance maior ao texto constitucional, bem como julgando os atos das outras funções do Poder Público que interpretam estes mesmos princípios” (DUTRA JÚNIOR, José Felicio. Constitucionalização de fatos sociais por meio da interpretação do Supremo Tribunal Federal: Análise de alguns julgados proativos da Suprema Corte Brasileira. Revista Cadernos de Direito, v. 1, n. 1, UDF: Brasília, 2019, págs. 205-206). 5. Agravo regimental provido, para conceder o habeas corpus, a fim de garantir aos pacientes o salvo-conduto, para obstar que qualquer órgão de persecução penal turbe ou embarace a aquisição de 10 (dez) sementes de Cannabis sp., bem como o cultivo de 7 (sete) plantas de Cannabis sp. e extração do óleo, por ser imprescindível para a sua qualidade de vida e saúde. Oficie-se à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e ao Ministério da Saúde. (AgRg no HC nº 783.717/PR, Terceira Seção, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), j. 13.9.2023, DJe 3.10.2023 – destaques do original) Deveras, são bastante relevantes os fundamentos de oposição quanto ao cabimento da medida postos pelas Autoridades Impetradas e pelo parquet, ainda na linha de entendimento até então expressado da Quinta Turma e dos votos divergentes nesse julgamento da Terceira Seção. A exemplo o voto do e. Min. Messod Azulay Neto: “O Poder Judiciário, especialmente em sede de ‘habeas corpus’, não possui, portanto, competência para substituir a análise da autoridade técnica e permitir, em caso específico, o plantio, cultivo e extração da ‘Cannabis sativa’, ainda que para finalidade puramente medicinal. Isso porque eventual autorização passa, necessariamente, pela implementação de critérios, controles e procedimentos técnicos específicos reservados à autoridade sanitária. Assim, longe de subestimar a complexidade da questão, entendo que o ‘habeas corpus’ preventivo não é via adequada para conceder salvo-conduto para exercício de atividade potencialmente ilegal, uma vez que não se configura restrição ou ameaça indevida à liberdade individual a prática de ato, em tese, vedado pelo ordenamento jurídico penal. Não entrevejo justificativa para o ativismo que, em última instância, interfere na esfera de atribuição de outros poderes. Há, na sistemática jurídica, autoridade cuja competência é exatamente a regulação e definição das substâncias proibidas e sujeitas a controle. Não cabe ao Poder Judiciário agir para além do que estabelecem as leis e normas regulamentadoras, em respeito ao processo democrático de produção de seus conteúdos e efeitos. Não nego, todavia, a viabilidade de controle jurisdicional sobre a temática. Obviamente, é inafastável a jurisdição. A questão é que esse controle não está inserto na esfera de competência do juízo criminal, mormente na via estreita do ‘habeas corpus’”. O presente habeas corpus realmente não é a via adequada para autorizar a produção de cannabis sativa com fins terapêuticos, haja vista que a questão de fundo tem forte cunho administrativo. Ainda que o Paciente busque um salvo conduto de natureza criminal para que não venha a sofrer consequências penais, o fim último da presente impetração é a concessão de autorização para importação de sementes, cultivo de maconha e produção do óleo com finalidade medicinal. Ocorre que, de fato, não compete ao Poder Judiciário definir ou delimitar os requisitos para eventual cultivo da cannabis sativa, assim como para qualquer outro vegetal ou insumo utilizado para produção de qualquer outro remédio, tratando-se de questão estritamente técnica que deve ser submetida aos órgãos de saúde e de vigilância sanitária, seja a Anvisa ou algum departamento do Ministério da Saúde – ressalvada, evidentemente, a atuação sucessiva do Judiciário pelo princípio da inafastabilidade da jurisdição. Nessa ótica, ressalte-se que o Paciente detém autorização da Anvisa para importar produto farmacêutico derivado da cannabis sativa, com validade até setembro de 2026 (ID 351290356 e 351290358). Alega, porém, que o alto custo do medicamento que contém produto dela derivado impede a continuidade do tratamento de saúde já iniciado, o que lhe priva do acesso ao direito à saúde, constitucionalmente previsto. Mas esse impeditivo poderia ser contornado por outras providências que lhe assegurassem o direito à saúde, como, por exemplo, pleito de fornecimento pelo Poder Público de medicação de alto custo ou mesmo ação cível em face da União ou Anvisa, ante a inércia dos órgãos governamentais. Isso tudo a indicar que o fim último realmente não é apenas o de se forrar de vir a sofrer todas as consequências de persecução penal estatal, mas sim a outorga de autorização individual para o plantio, nela incluída a importação de sementes, colheita e produção de maconha, que sob aspecto penal e estritamente literal se traduzem em condutas típicas previstas na lei antidrogas vigente no Brasil. O pedido de concessão da ordem, tal como formulado, em princípio imporia a análise de questões técnicas acerca da quantidade de plantas e extensão da produção artesanal para extração do óleo de canabidiol na proporção correta, sem que se corra o risco de extrair, também, por imperícia, outras substâncias canabinoides de caráter alucinógeno presentes na planta, ou em concentração maior que a permitida, como ocorre com o THC – Tetraidrocanabinol, cuja formulação, de acordo com a Resolução da Diretoria Colegiada da Anvisa RDC 327/2019, não pode exceder a 0,2% (art. 4º) – como ventilado nas informações técnicas trazidas pelo Comandante da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Assim, é plausível considerar que a via mais adequada para discussão da questão é a administrativa e, sucessivamente, a judiciária cível, se não houver atendimento do pleito do interessado, inclusive porque, como se depreende, a matéria posta em juízo afeta apenas secundariamente o direito de locomoção do paciente. No entanto, ainda que de forma secundária, é certo que há sim risco ao Paciente quanto a vir a sofrer represálias no campo criminal, bastando ver o teor das informações prestadas pelas Autoridades, que reafirmam a proibição e o caráter penal da conduta, invocando os multicitados art. 28, § 1º, relativo ao uso próprio das substâncias proibidas, e art. 33, § 1º, relativo ao tráfico. É o caso, assim, de se estipular delimitações quanto ao alcance do provimento judicial a ser prolatado. Primeiramente, a concessão de ordem neste caso, evidentemente, não atingiria os órgãos da administração, os quais permanecerão com sua competência regulatória e fiscalizatória preservada, significando dizer que a presente sentença não resolve a matéria por esse aspecto, mas exclusivamente pela ótica penal. Observe-se que não deve ser incentivada a produção de medicamentos de forma caseira, de nenhum tipo, em especial quando envolva produtos de alto risco de efeitos colaterais, inclusive dependência, como parece ser o caso. Mas, em segundo ponto, o Juízo não estará concedendo uma autorização para o plantio da cannabis e menos ainda para a produção caseira de medicamento, pois são atribuições desses mesmos órgãos administrativos sanitários. Isso assentado, cabe patentear o cabimento da impetração para afastar a atuação repressiva criminal, ainda que não atinja a atuação sanitária, rejeitando-se as preliminares prejudiciais interpostas pelas dignas Autoridades Impetradas. Sob aspecto estritamente penal, o ponto de maior relevância na análise da questão está vinculado à destinação a ser dada ao produto cujo fabrico pretende o Paciente. Como resta claro, é incontroversa a necessidade do medicamento ora em causa, tanto que foi concedida ao Paciente a autorização de importação pela Anvisa, de modo que a ordem impetrada se destina a resguardar a produção para uso próprio exclusivamente, dado o expressivo valor do medicamento no mercado. Sob essa premissa, de que a produção se dará para exclusivo consumo pessoal, não se há de falar em incidência do art. 33 e seguintes. A incidência, então, seria do art. 28. Tanto em um quanto em outro o plantio é tipificado, mas, uma vez que a própria Lei diferencia a finalidade, o plantio para uso próprio segue a normatividade aplicável ao consumo. A par da decisão do STF acerca de condutas relacionadas ao consumo próprio de drogas (Tema nº 506 – “Recurso extraordinário, em que se discute, à luz do art. 5º, X, da Constituição Federal, a compatibilidade, ou não, do art. 28 da Lei 11.343/2006, que tipifica o porte de drogas para consumo pessoal, com os princípios constitucionais da intimidade e da vida privada”), penso que não há necessidade de se adentrar nessa seara. É que no caso não se fala nem mesmo em tipicidade sob aspecto material, porquanto finalisticamente sequer resta atingido o bem jurídico protegido, qual a saúde pública, como assentado pela Sexta Turma do e. STJ no REsp nº 1.972.092/SP, uma vez que não há dolo no sentido de praticar a conduta ilícita tipificada consubstanciada no uso “recreativo” da droga (itens 16 e 17 da ementa antes transcrita). Transcrevo, por oportuno, trecho do voto do eminente relator, Ministro Rogério Schietti Cruz: “O que justifica hoje, ao menos oficialmente, a permanência da criminalização da maconha – e, de modo geral, de todas as drogas consideradas ilícitas – é a tutela da saúde pública. A ideia é de que tanto o tráfico de drogas quanto o porte para consumo pessoal afetam potencialmente a coletividade como um todo, e não apenas a saúde individual do usuário, uma vez que tais substâncias, além de poderem causar dependência química e, assim, onerar o sistema de saúde, eventualmente podem estimular a prática de outras condutas ilícitas como forma de sustentar o vício (principalmente furtos e roubos). São, por isso, considerados crimes de perigo abstrato. ... No caso dos autos, porém, entendo, após uma análise mais cuidadosa sobre o assunto, que a conduta para a qual os recorridos pleitearam e obtiveram salvo-conduto por parte do Tribunal de origem não é penalmente típica, seja por não estar imbuída do necessário dolo de preparar substâncias entorpecentes com as plantas cultivadas (nem para consumo pessoal nem para entrega a terceiros), seja por não vulnerar, sequer de forma potencial, o bem jurídico tutelado pelas normas incriminadoras da Lei de Drogas (saúde pública). ... Na hipótese, o que pretendem os recorridos com o plantio da Cannabis, à toda evidência, não é a extração de droga (maconha) com o fim de entorpecimento – potencialmente causador de dependência (o que é também questionável) – próprio ou alheio, mas, tão somente, a extração das substâncias com reconhecidas propriedades medicinais contidas na planta. A capacidade de gerar dependência, aliás, está no próprio conceito legal do que se considera como droga, previsto no art. 1º, parágrafo único, da Lei n. 11.343/2006: ‘Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União’. Não há, portanto, vontade livre e consciente de praticar o fim previsto na norma penal, qual seja, a extração de droga, para entorpecimento pessoal ou de terceiros. Outrossim, a hipótese dos autos também não se reveste de tipicidade penal – aqui em sua concepção material –, porque a conduta dos recorridos, ao invés de atentar contra o bem jurídico saúde pública, na verdade intenciona promovê-lo – e tem aptidão concreta para isso – a partir da extração de produtos medicamentosos, isto é, a ação praticada não representa nenhuma lesividade, nem mesmo potencial (perigo abstrato), ao bem jurídico pretensamente tutelado pelas normas penais contidas na Lei n. 11.343/2006.” (destaques do original) No mesmo sentido é o voto do eminente Ministro Sebastião Reis Silva no RHC nº 147.169/SP, antes mencionado: “Ora, considerando que o delito de tráfico traz ínsito à sua descrição típica a busca pelo lucro, o cultivo da planta para fins medicinais encontra-se fora da tipicidade, pois realiza finalidade constitucional e legal, a saber, o direito à saúde. Ganha especial relevo, neste ponto, a noção de ofensa ao bem jurídico como pedra angular da noção de crime. O cultivo de planta psicotrópica para extração de princípio ativo é conduta típica apenas se desconsiderada a motivação e a finalidade. A norma penal incriminadora mira o uso recreativo, a destinação para terceiros e o lucro, visto que, nesse caso coloca-se em risco a saúde pública. A relação de tipicidade não vai encontrar guarida na conduta de cultivar planta psicotrópica para extração de óleo para uso próprio medicinal, visto que a finalidade, aqui, é a realização do direito à saúde, conforme prescrito pela medicina. Nesse ponto, destaca-se que ‘toda previsão legislativa de um tipo penal incriminador [...] é o resultado da ponderação de valores na qual o direito fundamental à liberdade é restringido em benefício da conservação de outros valores de fundamental relevo em sociedade’ (D’Ávila, Fábio Roberto. Ofensividade em direito penal: escritos sobre a teoria como ofensa a bens jurídicos. Porte Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. fl. 70-71).” Neste ponto cabe consignar que a Primeira Seção da e. Corte também se debruçou sobre a questão, sob a ótica, porém, do Direito Administrativo, peculiar ao órgão, em Incidente de Assunção de Competência – IAC assim ementado: INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA - IAC NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO ADMINISTRATIVO. CONCESSÃO DE AUTORIZAÇÃO SANITÁRIA. IMPORTAÇÃO DE SEMENTES, CULTIVO E COMERCIALIZAÇÃO DE CÂNHAMO INDUSTRIAL (HEMP), VARIEDADE DA PLANTA CANNABIS SATIVA L. COM ALTA CONCENTRAÇÃO DE CBD (CANABIDIOL) E BAIXO TEOR DE THC (TETRAHIDROCANABINOL). FINALIDADES MEDICINAIS E INDUSTRIAIS FARMACÊUTICAS. COMPROVADOS BENEFÍCIOS NO TRATAMENTO DE DIVERSOS QUADROS CLÍNICOS. DISTINÇÕES ENTRE AS VARIEDADES DA PLANTA. TEOR DE THC DO CÂNHAMO INFERIOR A 0,3%. PERCENTUAL INCAPAZ DE PRODUZIR EFEITOS PSICOTRÓPICOS. DISCIPLINA DA MATÉRIA EM CONVENÇÕES INTERNACIONAIS. LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. ARTS. 1º, PARÁGRAFO ÚNICO, E 2º, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI N. 11.343/2006 (LEI DE DROGAS). CONCEITO DE DROGAS. ALCANCE NORMATIVO. PLANO REGULAMENTAR. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA - ANVISA. PROSCRIÇÃO DA PLANTA DO GÊNERO CANNABIS, INDEPENDENTEMENTE DO PERCENTUAL DE THC. PORTARIA SVS/MS N. 344/1998 E RDC N. 327/2019. INTERPRETAÇÃO REGULATÓRIA EM DESACORDO COM A TELEOLOGIA DA LEI. PREJUÍZO AO EXERCÍCIO PLENO DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE. POSSIBILIDADE DE CULTIVO DE HEMP PARA FINS EXCLUSIVAMENTE MEDICINAIS E INDUSTRIAIS FARMACÊUTICOS. I - O cânhamo industrial (Hemp) e “maconha” são variedades genéticas distintas da Cannabis sativa L. II - Ambas contêm THC (Tetrahidrocanabinol), componente psicotrópico da Cannabis, responsável pelos efeitos eufóricos ou alterados da percepção, e CBD (Canabidiol), substância presente na planta e incapaz de gerar efeitos psicoativos, utilizada para fins farmacêuticos e medicinais. III - Diferentemente da maconha, o cânhamo industrial não possui concentração de THC capaz de causar efeitos psicotrópicos (inferior a 0,3%), vale dizer, é inservível para produzir drogas, mas possui alto teor de CBD. IV - Pesquisas e estudos nacionais e internacionais indicam o potencial terapêutico ou comprovam a eficácia de derivados da Cannabis na atenuação de sintomas de inúmeras doenças e transtornos humanos, motivando diversos Estados da Federação a aprovarem leis autorizando a distribuição de medicamentos à base de substratos da planta nas respectivas redes públicas de saúde, notadamente em função do elevado custo desses produtos, decorrente, em boa medida, da necessidade de importação dos insumos para sua produção. V - Os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, ao incorporar as Convenções internacionais sobre a matéria de 1961, 1971 e 1988, não apontam nenhum impedimento para o cultivo controlado de cânhamo industrial em território nacional. VI - A Cannabis e suas partes têm a importação, o cultivo e o comércio proibidos no País, independentemente do nível de THC, porquanto a ANVISA não considera as distinções taxonômicas da planta. VII - A partir de interpretação balizada por redução teleológica do alcance normativo dos arts. 1º, parágrafo único, e 2º, caput e parágrafo único, da Lei n. 11.343/2006, a importação de sementes, o cultivo e a comercialização de plantas de cânhamo industrial no País - desde que respeitado percentual menor que 0,3% de THC - não são alcançados pela vedação estabelecida pelos apontados dispositivos legais, razão pela qual as restrições e proibições constantes da Portaria SVS/MS n. 344/1998 e na RDC n. 327/2019 não se aplicam a tais atividades quando se tratar dessa variedade de Cannabis. VIII - Há inércia regulamentar do Poder Público nacional sobre o cultivo e comercialização da Cannabis no País, o que impacta negativamente o acesso a tratamento qualificado de saúde para inúmeros pacientes. IX - O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça firmaram entendimento segundo o qual o Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar a adoção, pela Administração Pública, de medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, sem que isso configure violação do princípio da separação de poderes e da reserva do possível, sendo viável, ainda, a fixação de diretrizes a serem observadas pelo Poder Público para o cumprimento da decisão judicial (cf. STF: Tema RG n. 698, Tribunal Pleno, RE n. 684.612/RJ, Red. p/ acórdão Min. Roberto Barroso, DJe 07.08.2023; STJ: 1ª T., AgInt no AgInt no AREsp n. 2.108.655/CE, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02.04.2024; 2ª T., REsp n. 1.804.607/MS, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 11.10.2019). X - Acórdão submetido ao rito do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015, fixando-se, a teor do disposto nos arts. 947, § 3º, do CPC/2015, e 104-A, III, do RISTJ, as seguintes teses: (I) Nos termos dos arts. 1º, parágrafo único, e 2º, caput, da Lei n. 11.343/2006 (Lei de Drogas), não pode ser considerado proscrito o cânhamo industrial (Hemp), variedade da Cannabis com teor de Tetrahidrocanabinol (THC) inferior a 0,3%, porquanto inapto à produção de drogas, assim entendidas substâncias psicotrópicas capazes de causar dependência; (II) De acordo com a Convenção Única sobre Entorpecentes (Decreto n. 54.216/1964) e a Lei n. 11.343/2006 (Lei de Drogas), compete ao Estado brasileiro estabelecer a política pública atinente ao manejo e ao controle de todas as variedades da Cannabis, inclusive o cânhamo industrial (Hemp), não havendo, atualmente, previsão legal e regulamentar que autorize seu emprego para fins industriais distintos dos medicinais e/ou farmacêuticos, circunstância que impede a atuação do Poder Judiciário; (III) À vista da disciplina normativa para os usos médicos e/ou farmacêuticos da Cannabis, as normas expedidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA (Portaria SVS/MS n. 344/1998 e RDC n. 327/2019) proibindo a importação de sementes e o manejo doméstico da planta devem ser interpretadas de acordo com as disposições da Lei n. 11.343/2006, não alcançando, em consequência, a variedade descrita no item I (cânhamo industrial - Hemp), cujo teor de THC é inferior a 0,3%; (IV) É lícita a concessão de autorização sanitária para plantio, cultivo, industrialização e comercialização do cânhamo industrial (Hemp) por pessoas jurídicas, para fins exclusivamente medicinais e/ou farmacêuticos atrelados à proteção do direito à saúde, observada a regulamentação a ser editada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA e pela União, no âmbito de suas respectivas atribuições, no prazo de 06 (seis) meses, contados da publicação deste acórdão; e (V) Incumbe à Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA e à União, no exercício da discricionariedade administrativa, avaliar a adoção de diretrizes destinadas a obstar o desvio ou a destinação indevida das sementes e das plantas (e.g. rastreabilidade genética, restrição do cultivo a determinadas áreas, eventual necessidade de plantio indoor ou limitação quantitativa de produção nacional), bem como para garantir a idoneidade das pessoas jurídicas habilitadas a exercerem tais atividades (e.g. cadastramento prévio, regularidade fiscal/trabalhista, ausência de anotações criminais dos responsáveis técnicos/administrativos e demais empregados), sem prejuízo de outras medidas para preservar a segurança na respectiva cadeia produtiva e/ou comercial. XI - Recurso especial da empresa parcialmente provido. (REsp nº 2.024.250/PR, Primeira Seção, relatora Ministra Regina Helena Costa, j. 13.11.2024, DJe 19.11.2024 – destaques do original) Como se nota, em causa estava direito de empresa industrial em realizar o cultivo, industrialização e comercialização de hemp (cânhamo industrial), restando estabelecidas teses vinculantes (art. 947 c.c. art. 927, III, do CPC) exclusivamente para essa hipótese e para pessoas jurídicas, inclusive porque não se trata de Seção com competência criminal; ou seja, esse precedente qualificado não se aplica ao caso presente. Entretanto, algumas balizas muito importantes foram fixadas também para a esfera criminal, como a distinção feita entre a hemp e a maconha, restando claro que a primeira não tem potencial psicotrópico, e a estipulação de que as normas da Anvisa “proibindo a importação de sementes e o manejo doméstico da planta devem ser interpretadas de acordo com as disposições da Lei n. 11.343/2006, não alcançando, em consequência, a variedade descrita no item I (cânhamo industrial - Hemp), cujo teor de THC é inferior a 0,3%”. Observe-se que o laudo agronômico carreado pelo Impetrante se refere especificamente ao cânhamo industrial, fazendo inclusive a diferenciação com a maconha (ID 351288796), pelo que se entende que a importação pretendida se refere ao primeiro. Mais não precisa ser dito para atestar a inadequação da criminalização da conduta de plantio da cannabis sativa e da produção do óleo medicinal para uso próprio, diante dos judiciosos fundamentos da Corte Superior, seja pela Terceira Seção quanto pela Primeira. Quanto à importação de sementes, os Tribunais Superiores já pacificaram a questão no sentido de que não comete a conduta tipificada no art. 334-A do Código Penal o importador de pequena quantidade para plantio da maconha para uso próprio. O e. STF assim a definiu: Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Penal e Processual Penal. 3. Importação de sementes de maconha. 4. Sementes que não possuem a substância psicoativa (THC). 5. Reduzida quantidade de substâncias apreendidas. 6. Ausência de justa causa para autorizar a persecução penal. 7. Precedentes. 8. Agravo regimental desprovido. (ARE 1.013.705 AgR, Segunda Turma, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 4.2.2020, DJe-065 19.3.2020) Na mesma linha, decidiu o e. STJ: RECURSO ESPECIAL. IMPORTAÇÃO, POR MEIO DE REMESSA POSTAL, DE PEQUENA QUANTIDADE DE SEMENTES DE MACONHA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. Ao julgar o AgRg no REsp n. 1.658.928/SP (Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura), a Sexta Turma, por maioria, firmou o entendimento de que, “tratando-se de pequena quantidade de sementes e inexistindo expressa previsão normativa que criminaliza, entre as condutas do artigo 28 da Lei de Drogas, a importação de pequena quantidade de matéria-prima ou insumo destinado à preparação de droga para consumo pessoal, forçoso reconhecer a atipicidade do fato”. Ressalva deste relator. 2. Por ocasião do julgamento dos HCs n. 144.161/SP (DJe 14/12/2018) e 142.987/SP (DJe 30/11/2018), ambos impetrados pela Defensoria Pública da União, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu, por maioria de votos, que não se justifica a instauração de investigação criminal – e, por conseguinte, a deflagração de ação penal – nos casos que envolvem importação, em reduzida quantidade, de sementes de maconha, “especialmente porque tais sementes não contêm o princípio ativo inerente à substância canábica”. 3. Recurso especial não provido. (REsp nº 1.658.934/SP, Sexta Turma, rel. Min. Rogério Schietti Cruz, j. 26.4.2022, DJe 3.5.2022) Registro, por fim, que também o e. Tribunal Regional Federal da 3ª Região tem concedido a ordem em casos como o presente, por sua Quarta Seção, sendo exemplo o seguinte julgado em Embargos Infringentes: PENAL. PROCESSO PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. SEMENTES DE CANNABIS. IMPORTAÇÃO. PLANTIO. PRODUÇÃO ARTESANAL DO MEDICAMENTO COM CANABIDIOL (CBD). RELAÇÃO MÉDICO—PACIENTE. HIPOSSUFICÊNCIA. NÃO EXIGÍVEL. 1. O art. 17 da Resolução ANVISA RDC n. 225/2020, determina que, independentemente da autorização de importação pelo órgão regulador, a qualidade, segurança e eficácia dos produtos importados é de responsabilidade integral do paciente e do profissional prescritor. No mesmo sentido, entende o Superior Tribunal de Justiça que “a escolha do fármaco compete a médico habilitado e conhecedor do quadro clínico do paciente, podendo ser tanto um profissional particular quanto um da rede pública”. Portanto, a prescrição de medicamento com canabidiol (CBD), desde que emitida por profissional habilitado e autorizada sua importação pelo órgão regulador competente, não impede a concessão de salvo conduto para a importação de sementes e cultivo da Cannabis sativa, ainda que a produção do fitoterápico prescrito seja caseira ou artesanal (STJ, EDcl no REsp 1801213-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 10.12.19; STJ, RMS 61891-GO, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 19.11.19; STJ, AgInt no AREsp 405126-DF, Rel. Min. Gurgel de Faria, j. 20.09.16). 2. Consta dos autos que o embargante apresenta diagnóstico de distúrbios de sono (CID G47), transtorno de ansiedade (CID F41.1), o que gerou compulsão alimentar e culminou em obesidade mórbida, tendo sido submetido à cirurgia bariátrica e histórico de Síndrome de Burnout (CID QD85). 3. Apesar de não haver comprovação da hipossuficiência financeira, não se verifica que tal requisito seja obrigatório para concessão de salvo-conduto para importação e cultivo de sementes de cannabis com fins medicinais, conforme precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ, AgRg no HC n. 913.386/SP, Rel. Min. Antônio Saldanha Palheiro, j. 20.02.25). 4. Embargos infringentes providos. (EIfNu - EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE - 5000860-35.2024.4.03.6181, rel. Desembargador Federal André Custódio Nekatschalow, j. 18.7.2025, DJEN 22.7.2025) Nesse sentido já é consolidada a jurisprudência das duas Turmas componentes da Quarta Seção. Confiram-se, da Quinta Turma: HCCrim 5012763-54.2022.4.03.0000, rel. Des. Federal Paulo Gustavo Guedes Fontes, j. 24.8.2022, Intimação via sistema 26.8.2022; HCCrim 5013888-57.2022.4.03.0000, rel. Des. Federal André Custódio Nekatschalow (j. 9.8.2022, DJEN 15.8.2022); RemNecCrim 5006655-61.2020.4.03.6181, rel. Des. Federal Maurício Yukikazu Kato (j. 27.7.2021, Intimação via sistema 29.7.2021); e da Décima-Primeira Turma: RSEExOf 5003714-70.2022.4.03.6181, rel. Des Federal Nino Oliveira Toldo, j. 9.9.2022, Intimação via sistema 20.9.2022; CauInomCrim 5015090-69.2022.4.03.0000, rel. Des. Federal José Marcos Lunardelli (j. 26.8.2022, Intimação via sistema 8.9.2022); ReSe 5000827-16.2022.4.03.6181, rel. Des. Federal Fausto Martin de Sanctis (j. 6.6.2022, Intimação via sistema 9.6.2022). Destaco o posicionamento do e. Tribunal no sentido de que, para a importação de sementes, deve esta limitar-se a 120 (cento e vinte) unidades ao ano e, para o plantio, a 24 (vinte e quatro) plantas de forma simultânea, tido como as mínimas, mas suficientes, indicadas por especialistas para fornecer o extrato na quantidade necessária para o tratamento (Quinta Turma), e limitação do salvo-conduto a cinco anos (Décima-Primeira Turma). III – Dispositivo: Isto posto, CONCEDO PARCIALMENTE a ORDEM DE HABEAS CORPUS, em favor de T. M., brasileiro, solteiro, desenvolvedor de software, portador da Cédula de Identidade RG nº 457322330, e de registro no CPF sob nº 379.218.028-69, nascido em 17.12.1989, para garantir-lhe SALVO-CONDUTO a fim de que as Autoridades Impetradas se abstenham de proceder ao cerceamento da sua liberdade pela prática das condutas de aquisição e importação de sementes, cultivo, uso, porte em trânsito e em residência da planta conhecida como hemp (cânhamo industrial) em quantidade suficiente para produção de seu próprio óleo, para fins exclusivamente terapêuticos, bem como para que se abstenham de apreender plantas, substâncias delas extraídas, insumos, equipamentos e afins existentes em sua residência para utilização na produção de medicamento. Fica condicionado o salvo-conduto: - à importação de 120 (cento e vinte) sementes ao ano e ao plantio máximo de 24 (vinte e quatro) plantas de forma simultânea; - ao cultivo exclusivo de hemp (cânhamo industrial), não restando autorizado para a espécie conhecida como maconha; - à destinação exclusiva para uso do próprio Paciente para fins terapêuticos, não restando albergado, portanto, o fornecimento a terceiros, seja das sementes, das plantas ou do medicamento, ainda que de forma gratuita e para o mesmo fim; - à não utilização da planta e de quaisquer produtos dela extraídos para fins não terapêuticos; - ao não consumo da planta in natura; - à observância dos parâmetros de produção do medicamento, quanto às substâncias e concentração, estipulados pela Anvisa na RDC nº 327, de 9.12.2019; - ao prazo de cinco anos, devendo o Paciente à sua expiração buscar nova ordem em que demonstre a efetividade do tratamento nesse período e a persistência da necessidade. Não sendo observadas quaisquer das condições, ficam as Autoridades Impetradas autorizadas a tomar as providências criminais pertinentes. Destaco também, dados os limites da via, que o presente salvo-conduto não implica em autorização para a produção do medicamento, cujo requerimento aos órgãos sanitários não resta dispensado ou superado, reservada que está primordialmente a esses órgãos a concessão, de modo que não resta impedida a atuação administrativa não criminal, inclusive de forma repressiva, pelas autoridades da Saúde competentes. Expeça-se imediatamente o Salvo-Conduto clausulado. Sem custas nesta lide (Lei nº 9.289/96, art. 5º). Sentença sujeita ao duplo grau obrigatório, razão pela qual subam os autos oportunamente ao Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Publique-se. Intimem-se. Oficie-se. Cientifique-se o MPF. Presidente Prudente, 24 de julho de 2025. CLAUDIO DE PAULA DOS SANTOS Juiz Federal
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