Processo nº 0003898-21.2017.4.03.6106
ID: 256832776
Tribunal: TRF3
Órgão: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 0003898-21.2017.4.03.6106
Data de Disponibilização:
15/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANA PAULA SHIGAKI MACHADO
OAB/SP XXXXXX
Desbloquear
SILVIO EDUARDO MACEDO MARTINS
OAB/SP XXXXXX
Desbloquear
OSMAR HONORATO ALVES
OAB/SP XXXXXX
Desbloquear
PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 5ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0003898-21.2017.4.03.6106 RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL AP…
PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 5ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0003898-21.2017.4.03.6106 RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL APELADO: JOSE SOLER PANTANO, FABIO ROGERIO CAMPANHOLO, OLEGARIO DE PAULA DO NASCIMENTO Advogado do(a) APELADO: OSMAR HONORATO ALVES - SP93211-N Advogado do(a) APELADO: SILVIO EDUARDO MACEDO MARTINS - SP204726-A Advogado do(a) APELADO: ANA PAULA SHIGAKI MACHADO - SP132952-A OUTROS PARTICIPANTES: PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 5ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0003898-21.2017.4.03.6106 RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL APELADO: JOSE SOLER PANTANO, FABIO ROGERIO CAMPANHOLO, OLEGARIO DE PAULA DO NASCIMENTO Advogado do(a) APELADO: OSMAR HONORATO ALVES - SP93211-N Advogado do(a) APELADO: SILVIO EDUARDO MACEDO MARTINS - SP204726-A Advogado do(a) APELADO: ANA PAULA SHIGAKI MACHADO - SP132952-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de APELAÇÃO CRIMINAL interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face da sentença, proferida pelo Juízo da 2ª Vara Federal de São José do Rio Preto/SP, que absolveu JOSÉ SOLER PANTANO, FÁBIO ROGÉRIO CAMPANHOLO e OLEGÁRIO DE PAULA DO NASCIMENTO da imputação pela prática do crime previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/93, com fulcro no art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal, em face da insuficiência de provas acerca do dolo das condutas (ID 305669659). Em sede de razões recursais (ID 305669662), a acusação requereu a reforma da r. sentença, a fim de que os recorridos sejam condenados nos exatos termos da denúncia, sob a argumentação de que restaram demonstrados, nos autos, a materialidade, a autoria e o dolo dos acusados em relação à prática do delito do art. 89 da Lei nº 8.666/93. Contrarrazões apresentadas (ID´s 305669667, 305669669 e 305669842). O Exmo. Procurador Regional da República, Dr. Blal Dalloul, manifestou-se pelo desprovimento da apelação Ministerial, a fim de que seja mantida em seus exatos termos a sentença absolutória (ID 306388860). É O RELATÓRIO. À revisão, nos termos regimentais. PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 3ª Região 5ª Turma APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 0003898-21.2017.4.03.6106 RELATOR: Gab. 16 - DES. FED. PAULO FONTES APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL APELADO: JOSE SOLER PANTANO, FABIO ROGERIO CAMPANHOLO, OLEGARIO DE PAULA DO NASCIMENTO Advogado do(a) APELADO: OSMAR HONORATO ALVES - SP93211-N Advogado do(a) APELADO: SILVIO EDUARDO MACEDO MARTINS - SP204726-A Advogado do(a) APELADO: ANA PAULA SHIGAKI MACHADO - SP132952-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O 1. Do caso dos autos. JOSÉ SOLER PANTANO, FÁBIO ROGÉRIO CAMPANHOLO, OLEGÁRIO DE PAULA DO NASCIMENTO e Pedro Peres Ferreira foram denunciados pela prática do crime previsto no art. 89, caput, da Lei nº 8.666/93. Narra a denúncia (ID 305668350 - págs. 03/15) o que se segue.: "Entre os meses de outubro e novembro de 2010, em Bálsamo/SP, JOSÉ SOLER PANTANO, na condição de Prefeito do município à época, com o auxílio de PEDRO PERES FERREIRA, assessor jurídico da prefeitura à época, de forma livre e consciente, inexigiu licitação fora das hipóteses previstas em lei, deixando também de adotar as formalidades pertinentes à inexigibilidade, ao promover a contratação direta das empresas “FOREVER EVENTOS LTDA-ME”, inscrita no CNPJ nº 11.733.455/0001-32, e “VMG VÍDEO PRODUTORA LTDA-ME, inscrita no CNPJ nº 07.173.790/0001-56, mediante o Processo nº 44/2010 (Inexigibilidade nº 04/2010), em benefício de FÁBIO ROGÉRIO CAMPANHOLO, proprietário daquela, e OLEGÁRIO DE PAULA NASCIMENTO, proprietário desta. FÁBIO ROGÉRIO CAMPANHOLO, na qualidade de proprietário da empresa “FOREVER EVENTOS LTDA-ME”, concorreu para a consumação da ilegalidade, beneficiando-se da inexigibilidade ilegal de licitação, a qual resultou na celebração do Contrato de Prestação de Serviços nº 24/2010, no valor de R$ 60.000,00. OLEGÁRIO DE PAULA NASCIMENTO, na qualidade de proprietário da empresa “VMG VÍDEO PRODUTORA LTDA-ME, concorreu para a consumação da ilegalidade, beneficiando-se da inexigibilidade ilegal de licitação, a qual resultou na celebração do Contrato de Prestação de Serviços nº 25/2010, no valor de R$ 20.000,00. No dia 22 de outubro de 2010, JOSÉ SOLER PANTANO, na qualidade de Prefeito do município de Bálsamo/SP, ratificou o Processo nº 44/2010 (Inexigibilidade nº 04/2010), mesmo não se enquadrando o fato nas hipóteses legais de inexigibilidade de licitação. Em 03 de novembro de 2010, JOSÉ SOLER PANTANO, mesmo diante de caso não previsto na legislação para contratação direta, celebrou, na qualidade de Prefeito do município de Bálsamo/SP, o Contrato de Prestação de Serviços Nº 24/2010 com a empresa “FOREVER EVENTOS LTDAME”, para a contratação de show artístico com a dupla sertaneja “Chico Rey e Paraná”, no valor de R$ 60.000,00, e o Contrato de Prestação de Serviços nº 25/2010, com a empresa “VMG VÍDEO PRODUTORA LTDA-ME”, para a contratação da “Banda Opus 6”, no valor de R$ 20.000,00, os quais decorreram do procedimento de inexigibilidade acima citado. PEDRO PERES FERREIRA, na qualidade de assessor jurídico do município de Bálsamo/SP, no dia 22 de outubro de 2010, emitiu parecer pela aplicação, ao caso, do artigo 25, III, da Lei nº 8.666/93, sem que o fato em análise se enquadrasse nas hipóteses previstas no referido dispositivo legal. FÁBIO ROGÉRIO CAMPANHOLO, na qualidade de proprietário e administrador da empresa “FOREVER EVENTOS LTDA ME”, bem como OLEGÁRIO DE PAULA NASCIMENTO, na qualidade de proprietário e administrador da empresa “VMG VÍDEO PRODUTORA LTDA-ME”, concorreram para a consumação da ilegalidade, beneficiando-se da inexigibilidade ilegal, para celebrarem contratos com o Poder Público. O Município de Bálsamo/SP, representado pelo denunciado JOSÉ SOLER PANTANO, celebrou com a União, por intermédio do Ministério do Turismo, em 04 de novembro de 2010, o Convênio nº 1.491/2010, registrado no SICONV sob o nº 749925/2010, com início de vigência em 13 de novembro de 2010 e término em 13 de fevereiro de 2011, que teve como objeto incentivar o turismo através do apoio à realização da 6ª Festa das Nações de Bálsamo/SP." A denúncia foi recebida em 05/10/2017, ocasião em que também foi declarada extinta a punibilidade de Pedro Peres Ferreira, em razão da prescrição da pretensão punitiva (ID 305668350 - págs. 13/14). Após devida instrução processual, sobreveio sentença, proferida pelo Juízo da 2ª Vara Federal de São José do Rio Preto/SP, que absolveu JOSÉ SOLER PANTANO, FÁBIO ROGÉRIO CAMPANHOLO e OLEGÁRIO DE PAULA DO NASCIMENTO da imputação pela prática do crime previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/93, com fulcro no art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal (ID 305669659), conforme a seguir.: "... No que toca à tipicidade, cumpre observar que o tipo penal descrito no artigo 89 da Lei nº 8.666/93 não se trata de crime de mera conduta, não bastando que o agente dispense ou não exija licitação fora das hipóteses legais ou que deixe de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade. Para a caracterização do delito, é necessária a demonstração do dolo específico, ou seja, a vontade livre e consciente do agente de causar dano ao erário com a indevida dispensa da licitação. Nesse sentido, consolidou-se a jurisprudência das Cortes Superiores... A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica também no sentido de que a configuração do crime em referência exige a efetiva ocorrência de efetivo prejuízo aos cofres públicos, de modo a reconhecer a dispensa ilegal de licitação como crime de natureza material. Desta feita, em consonância com o entendimento das Cortes Superiores, entendo que, para a configuração do crime previsto no artigo 89, caput e parágrafo único, da Lei nº 8.666/93, é indispensável a comprovação do dolo específico do agente e do prejuízo efetivo ao erário. Da análise do conjunto probatório dos autos, não é possível extrair elementos bastantes para reconhecer o especial fim de agir por parte dos réus, tampouco há elementos concretos a demonstrar a configuração de lesão objetiva ao erário. Embora se verifique a irregularidade na forma de dispensa das contratações, que não foram devidamente formalizadas, as provas produzidas neste feito não indicam que os acusados tenham agido com a finalidade de lesar o erário ou promover o enriquecimento ilícito seu ou de terceiros (empresários contratados). Não há elementos que indiquem o agir criminoso dos réus, como o vínculo subjetivo com os sujeitos contratados, ou a inobservância de parecer jurídico lavrado pelo órgão competente, havendo relato das testemunhas, conforme mencionado anteriormente, no sentido de que a administração municipal se baseava em parecer de assessoria jurídica para dispensar licitações no caso de contratações de cantores reconhecidos. Ademais, verificou-se que o ex-prefeito de Bálsamo, o acusado José Soler Pantano, seguindo entendimento da consultoria jurídica do município, autorizou a dispensa de licitação no caso da contratação dos shows artísticos, sendo enviadas as cartas de exclusividades ao Ministério do Turismo, acreditando que, ainda que se tratassem de detentores de data, tivessem a exclusividade da representação dos artistas contratados na região. Essa versão é perfeitamente crível, pois se trata da forma adotada pela gestão do réu em continuidade com os procedimentos que já vinham sendo realizados por administrações anteriores da Prefeitura de Bálsamo, e que o acusado não cuidava diretamente do processo licitatório, sendo toda a documentação averiguada previamente por setores específicos. No caso, não restou também demonstrado nos autos uma conduta de dispensa de licitação voltada ao favorecimento premeditado das empresas contratadas, de forma a beneficiar os acusados Fábio Rogério Campanholo e Olegário de Paula do Nascimento. Não há comprovação de um liame subjetivo entre os réus, visto que as testemunhas arroladas pela defesa deixaram claro que os artistas apresentados na 6ª Festa das Nações de Bálsamo/SP foram contratados de acordo com os valores e após aprovação pelo Ministério do Turismo. Também ressaltaram que primeiramente foram procurados os empresários diretos dos cantores, os quais repassaram os contatos dos empresários regionais. Do mesmo modo, não restou demonstrado o efetivo prejuízo aos cofres públicos. Os autos não reuniram elementos suficientes nesse sentido, tais como o superfaturamento nos serviços contratados, com preços acima do praticado pelo mercado, inexistindo sequer argumentação na exordial a demonstrar a ocorrência de dano à municipalidade. Além de ter efetivamente ocorrido a apresentação dos artistas contratados, os valores despendidos para a contratação dos shows artísticos se deram de acordo com os valores considerados como padrão pelo Ministério do Turismo, que aprovou o plano de trabalho e repassou os recursos para a efetivação da festa municipal. Nesse diapasão, verifico que os elementos colhidos nos autos não autorizam um decreto de cunho condenatório, vez que não restou demonstrado terem agido os réus com dolo específico ou causado prejuízo ao erário, devendo ser ABSOLVIDOS dos fatos constantes da denúncia, nos termos do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal." Não havendo arguições preliminares, passa-se ao mérito recursal. 2. Do mérito recursal. Consta dos autos, que o Município de Bálsamo/SP, representado pelo então prefeito, JOSÉ SOLER PANTANO, celebrou com a União, por intermédio do Ministério do Turismo, em 04/11/2010, o Convênio nº 1.491/2010, registrado no SICONV sob o nº 74992512010, pelo qual logrou receber a quantia de R$ 100.000 (cem mil reais), com o objeto incentivar o turismo através do apoio à realização da 6ª Festa das Nações de Bálsamo/SP. No caso em apreço, houve contratação direta dos shows da dupla "Chico Rey e Paraná" e da "Banda Opus 6”, tendo sido realizado o processo nº 44/2010 (Inexigibilidade nº 04/2010), o qual resultou na celebração do Contrato de Prestação de Serviços nº 24/2010 com a empresa "Forever Eventos LTDA. ME", administrada por FÁBIO ROGÉRIO CAMPANHOLO, no valor de R$60.000,00 (sessenta mil reais), e do Contrato de Prestação de Serviços nº 25/2010 com a "VMG Vídeo Produtora LTDA. ME", administrada por OLEGÁRIO DE PAULA NASCIMENTO, no valor de R$20.000,00 (vinte mil reais). Adotou-se, nas hipóteses, o disposto no art. 25, inc. III, da Lei nº 8.666/93 para a inexigibilidade das licitações. Os contratos citados foram celebrados no dia 03/11/2010 e os shows artísticos ocorreram nos dias 13/11/2010 (Chico Rey e Paraná) e 14/11/2010 (Banda Opus 6). Após análise de prestação de contas, o Ministério do Turismo constatou irregularidades, em relação à contratação direta dos shows artísticos, mediante inexigibilidade de licitação, haja vista que não foram apresentados os contratos de exclusividade dos artistas com os respectivos empresários contratados. Em decorrência disso, houve aprovação parcial das contas apresentadas pelo Município, com reprovação no tocante às referidas contratações e determinação de devolução no importe de R$80.000,00 (oitenta mil reais). 2.1. Da superveniência da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Anoto, a título de esclarecimento, que, com a superveniência da edição da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, as Seções III (Dos Crimes e das Penas) e IV (Do Processo e do Procedimento Judicial) do Capítulo IV (Das Sanções Administrativas e da Tutela Judicial) da Lei nº 8.666/1993 foram expressamente revogadas na data de sua publicação, sendo que o art. 193 da Lei nº 14.133/2021 dispõe que: Revogam-se: I – os arts. 89 a 108 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, na data de publicação desta Lei. Ao mesmo tempo o art. 178 da Lei nº 14.133/2021 fez incorporar o “CAPÍTULO II-B – DOS CRIMES EM LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS” (arts. 337-E a 337-P) no Título XI da Parte Especial do Código Penal, prevendo, dentre os novos tipos penais, exatamente o delito de “contratação direta ilegal” (art. 337-E) com a seguinte redação: “Art. 337-E. Admitir, possibilitar ou dar causa à contratação direta fora das hipóteses previstas em lei. Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa”. A revogação dos crimes da Lei 8.666/93 não significa, contudo, que, necessariamente, tenha ocorrido “abolitio criminis”. Ao cotejarmos o artigo 337-E com o artigo 89 da Lei 8.666/93, verifica-se uma continuidade normativo - típica, pois o caráter criminoso do fato foi mantido, mas apenas em outro dispositivo penal, com uma exceção apontada pela doutrina no que tange à conduta "deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade" constante do caput do art. 89. Nesse sentido o recente julgado da Décima Primeira Turma desta e. Corte: "PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ANÁLISE DO CASO CONCRETO: (A) IMPOSSIBILIDADE DE SE RECONHECER A ATIPICIDADE DAS CONDUTAS IMPUTADAS (SEQUER EM RAZÃO DA EDIÇÃO DA LEI Nº 14.133, DE 1º DE ABRIL DE 2021); (B) PRESENÇA DE SUPORTE PROBATÓRIO MÍNIMO (JUSTA CAUSA) PARA A DEFLAGRAÇÃO DA PERSECUÇÃO PENAL; E (C) RESPEITO, PELA DENÚNCIA PROTOCOLIZADA, DOS REQUISITOS ASSENTADOS NO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ORDEM DENEGADA. - A possibilidade de trancamento da Ação Penal, por meio do manejo de Habeas Corpus, é medida excepcional, somente admitida quando restar evidenciada dos autos, de forma inequívoca e sem a necessidade do revolvimento do arcabouço fático-probatório, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção de sua punibilidade. Precedentes de nossas C. Cortes Superiores e deste E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. - Adentrando ao caso concreto, mostra-se defeso anuir com os argumentos apresentados pelo impetrante/paciente, de molde que impossível trancar a Ação Penal subjacente por meio da concessão de ordem mandamental de Habeas Corpus, seja porque não se nota, de plano, a atipicidade das condutas que lhe foram imputadas (sequer em razão da edição da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021), seja porque não há que se falar em ausência de suporte probatório mínimo (justa causa) para a deflagração da persecução penal, seja, ainda, porque a exordial acusatória não pode ser acoimada de inepta. - Analisando os elementos fático-probatórios trazidos à colação pelo impetrante/paciente (que se resumem a cópia da denúncia ofertada pelo órgão acusatório e a r. decisão que a recebeu), depreende-se a impossibilidade de se aquiescer com a alegação de que as condutas descritas pelo Parquet federal seriam atípicas, havendo a expressa imputação, segundo visão acusatória e respaldada em anterior investigação, dos delitos de dispensa ou inexigibilidade de licitação fora das hipóteses legais (art. 89 da Lei nº 8.666/1993), de frustração do caráter competitivo do certame (art. 90 da Lei nº 8.666/1993) e de infrações penais estampadas no Decreto-Lei nº 201/1967 (art. 1º, I, II e VII). - Os fatos descritos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL na Ação Penal subjacente não possuiriam por base a criminalização, pura e simples, da atividade de parecerista exercido por advogado público, mas sim a inferência de que, ao que consta e novamente lançando mão do que restou assentado pelo órgão ministerial, aquele parecer então proferido (pela inexigibilidade do certame licitatório), diante do apressamento como os fatos ocorreram e das peculiaridades dos eventos, teria sido executado ao arrepio da legislação de regência (especialmente do art. 25, III, da Lei nº 8.666/1993), de molde a ser etapa, em tese, imperiosa para que os ilícitos enxergados pela acusação pudessem ser perpetrados para a finalidade de se contratar bandas musicais que deveriam tocar no “Carnaval de Rua” do município de Uru/SP no ano de 2009. - Sequer tem o condão de beneficiar o impetrante/paciente o fato de que a Lei nº 8.666/1993 foi revogada, em sua parte criminal, pela edição da Lei nº 14.133/2021, não sendo possível anuir com tese atinente a ocorrência de abolitio criminis. Isso porque o cotejo dos preceitos incriminadores contidos nos arts. 337-E e 337-F, ambos do Código Penal, com aqueles que estavam dispostos nos arts. 89 e 90, ambos da Lei nº 8.666/1993, deixa claro que a sucessão legislativa acerca das condutas ora analisadas não se confunde com o fenômeno da abolitio criminis, reservado para a hipótese em que uma nova lei exclui totalmente a figura típica incriminadora do ordenamento jurídico então vigente, com a supressão formal e material do tipo penal, fazendo com que o fato antes considerado criminoso seja completamente extirpado do âmbito do Direito Penal. A mera supressão formal de um tipo penal, com manutenção substancial em preceito incriminador diverso, não torna insubsistente a criminalização da conduta, devendo incidir, em tal hipótese, o princípio da continuidade normativo-típica, consagrado na jurisprudência tanto do C. Superior Tribunal de Justiça como desta E. Corte Regional. - Para que a persecução penal possa ser instaurada e também para que possa ter continuidade no decorrer de um processo-crime, faz-se necessária a presença de justa causa para a Ação Penal consistente em elementos que evidenciem a materialidade delitiva, bem como indícios de quem seria o autor do ilícito penal. Trata-se de aspecto que visa evitar a instauração de relação processual que, por si só, já possui o condão de macular a dignidade da pessoa e, desta feita, para evitar tal ofensa, imperiosa a presença de um mínimo lastro probatório a possibilitar a legítima atuação estatal. Dentro desse contexto, dispõe o art. 395, III, do Código de Processo Penal, que a denúncia ou a queixa será rejeitada quando faltar justa causa para o exercício da Ação Penal, o que se corporifica pela ausência de substrato probatório mínimo no sentido de comprovar a materialidade delitiva e a autoria da infração penal. - A jurisprudência atual do C. Supremo Tribunal Federal tem analisado a justa causa, dividindo-a em 03 aspectos que necessariamente devem concorrer no caso concreto para que seja válida a existência de processo penal em trâmite contra determinado acusado: (i) tipicidade, (ii) punibilidade e (iii) viabilidade. Nesse diapasão, a justa causa exigiria, para o recebimento da inicial acusatória, para a instauração de relação processual e para o processamento propriamente dito da Ação Penal, a adequação da conduta a um dado tipo penal, conduta esta que deve ser punível (vale dizer, não deve haver qualquer causa extintiva da punibilidade do agente) e deve haver um mínimo probatório a indicar quem seria o autor do fato típico. - Retornando ao caso concreto, verifica-se o pleno implemento dos requisitos firmados pelo C. Supremo Tribunal Federal que demonstram a viabilidade da persecução penal subjacente (Feito nº 0000617-22.2015.403.6108), uma vez que se nota a tipicidade (potencial) dos fatos imputados ao impetrante/paciente, a não ocorrência de extinção de sua punibilidade (portanto, tais fatos, em tese, continuam sendo puníveis) e, por fim, a presença de um arcabouço probatório mínimo a referendar a conclusão ministerial atinente à demonstração de materialidade e de indícios de autoria necessárias à deflagração da persecução penal. - Dispõe o art. 41 do Código de Processo Penal serem requisitos da inicial acusatória (seja ela denúncia, em sede de ação penal pública, seja ela queixa-crime, em sede de ação penal privada) a exposição do fato criminoso (o que inclui a descrição de todas as circunstâncias pertinentes), a qualificação do acusado (ou dos acusados) ou os esclarecimentos pelos quais se faça possível identificá-lo(s), a classificação do crime e o rol de testemunhas (quando tal prova se fizer necessária). A jurisprudência de nossos C. Tribunais Superiores se mostra pacífica no sentido de que, tendo os ditames insculpidos no art. 41 do Código de Processo Penal sido respeitados pela denúncia ou pela queixa, impossível o reconhecimento da inépcia. - Aferindo a denúncia apresentada em 1º grau de jurisdição, depreende-se que o órgão acusatório implementou todos os requisitos elencados no art. 41 do Código de Processo Penal tendo em vista que descreveu pormenorizadamente os fatos que entendeu por bem imputar ao impetrante/paciente, o qualificou, classificou juridicamente os crimes que acreditou terem sido executados e arrolou testemunhas que poderiam comprovar aquelas alegações. - Denegada a ordem de Habeas Corpus." (TRF 3ª Região, 11ª Turma, HCCrim - HABEAS CORPUS CRIMINAL - 5009047-53.2021.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal FAUSTO MARTIN DE SANCTIS, julgado em 14/06/2021, DJE DATA: 18/06/2021). Ademais, há a superveniência de “novatio legis in pejus”, uma vez que as penas cominadas foram agravadas com a nova lei, pois o preceito secundário do artigo 89 era mais benéfico ao acusado, já que previa pena de detenção, em oposição à pena de reclusão agora cominada, não se cogitando, pois, de atipicidade fática. Desta feita, o referido artigo 89 da Lei 8.666/90 goza de ultra-atividade benéfica e deve ser aplicado ao presente caso. 2.2. Do crime do art. 89 da Lei nº 8.666/93. O art. 89 da Lei nº 8.666/93 assim dispunha: “Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade: Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa." Em virtude de situações excepcionais, admitia-se a inexigibilidade do procedimento licitatório, nos moldes do art. 25 do mesmo diploma legal. No caso, imputa-se a violação ao disposto no artigo 25, inc. III, da Lei nº 8.666/93, ao fundamento de que a contratação mediante inexigibilidade de licitação ocorreu de maneira indevida. Consoante o dispositivo mencionado, é inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial, para a contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente, ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública. Cabe ressaltar que, para fins de configuração do delito do artigo 89 da Lei nº 8.666/93, a jurisprudência dos Tribunais Superiores tem oscilado entre dois entendimentos. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça afirmam tratar-se de crime material que se consuma com a lesão ao erário, além do especial fim de agir, enquanto para o Supremo Tribunal Federal bastaria o segundo requisito, ou seja, o dolo específico de causar prejuízo às finanças da Administração Pública. Trago à colação arestos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça: “PENAL. PROCESSO PENAL. AÇÃO PENAL. APELAÇÃO. EX - PREFEITO MUNICIPAL. ATUAL DEPUTADO FEDERAL. DENÚNCIA. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA. INOCORRÊNCIA. CONFORMIDADE COM O ART. 41 DO CPP. ALEGAÇÃO DE NULIDADE PROCESSUAL POR VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. IMPROCEDÊNCIA. MATÉRIA DE MÉRITO. CRIME DE DISPENSA IRREGULAR DE LICITAÇÃO. ART. 89 DA LEI 8.666/93. DELITO FORMAL QUE DISPENSA PROVA DE DANO AO ERÁRIO PARA CONFIGURAÇÃO. DOLO. NECESSIDADE DE INTENÇÃO ESPECÍFICA DE LESAR O ERÁRIO. CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO. INSERÇÃO DE T EX TO NÃO APROVADO PELO PODER LEGISLATIVO LOCAL EM LEI MUNICIPAL. DOLO CONFIGURADO. MATERIALIDADE, AUTORIA, TIPICIDADE OBJETIVA E SUBJETIVA PROVADAS. CONDENAÇÃO MANTIDA. PENA REDUZIDA. BIS IN IDEM. (...) 4. O crime do art. 89 da Lei 8.666/90 é formal, consumando-se tão somente com a dispensa ou in exigibilidade de licitação fora das hipóteses legais. Não se exige, para sua configuração, prova de prejuízo financeiro ao erário, uma vez que o bem jurídico tutelado não se resume ao patrimônio público, mas coincide com os fins buscados pela Constituição da República, ao exigir em seu art. 37, XXI, " licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes". Tutela-se, igualmente, a moralidade administrativa, a probidade, a impessoalidade e a isonomia. 5. Para a configuração da tipicidade subjetiva do crime previsto no art. 89 da Lei 8.666/93, o Supremo Tribunal Federal exige o especial fim de agir, consistente na intenção específica de lesar o erário. Assim, distinguem-se as meras irregularidades administrativas do ato criminoso e deliberado de dispensar licitação quando à toda evidência era ela obrigatória. Destarte, não se confunde o administrador inapto com o administrador ímprobo. Sendo flagrante a ilegalidade da dispensa, mostra-se configurada a intenção específica de lesar o erário, mormente quando outros elementos probatórios apontam nessa direção. 6. Embora seja importante elemento de convicção, o fato de a ilegal dispensa de licitação ter sido embasada em parecer jurídico que afirmava a licitude do proceder não é, por si só, suficiente a descaracterizar o dolo, mormente quando os elementos probatórios indicam, com segurança, que o apelado tinha plena ciência da ilicitude da dispensa. 7. A posterior inserção de conteúdo não aprovado pela Câmara de Vereadores em texto de Lei Municipal, pelo prefeito municipal, com a finalidade de autorizar a utilização de créditos excepcionais não contemplados no texto originalmente aprovado, configura o crime do art. 297, § 1º, do Código Penal. Dolo configurado. 8. Provadas a materialidade, a autoria, a tipicidade objetiva e subjetiva do crime, não havendo causas de exclusão da ilicitude e culpabilidade, a manutenção da condenação é medida que se impõe. 9. O fato de a falsificação recair sobre ato legislativo é revelador de alto grau de censurabilidade, a se refletir na dosimetria da pena. 10. Configura bis in idem valorar negativamente o fato de ser o apelante prefeito Municipal, quando da fixação da pena-base, bem como para enquadramento da conduta prevista no § 1º, do art. 297, do Código Pena. 11. Apelação parcialmente provida, tão somente para reduzir a pena (AP 971, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Primeira Turma, julgado em 28/06/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-217 DIVULG 10-10-2016 PUBLIC 11-10-2016) "AÇÃO PENAL. EX-PREFEITA. ATUAL CONSELHEIRA DE TRIBUNAL DE CONTAS ESTADUAL. FESTA DE CARNAVAL. FRACIONAMENTO ILEGAL DE SERVIÇOS PARA AFASTAR A OBRIGATORIEDADE DE LICITAÇÃO. ARTIGO 89 DA Lei N. 8.666/1993. ORDENAÇÃO E EFETUAÇÃO DE DESPESA EM DESCONFORMIDADE COM A LEI. PAGAMENTO REALIZADO PELA MUNICIPALIDADE ANTES DA ENTREGA DO SERVIÇO PELO PARTICULAR CONTRATADO. ARTIGO 1º, INCISO V, DO DECRETO-LEI N. 201/1967 C/C OS ARTIGOS 62 E 63 DA LEI N. 4.320/1964. AUSÊNCIA DE FATOS TÍPICOS. ELEMENTO SUBJETIVO. INSUFICIÊNCIA DO DOLO GENÉRICO. NECESSIDADE DO DOLO ESPECÍFICO DE CAUSAR DANO AO ERÁRIO E DA CARACTERIZAÇÃO DO EFETIVO PREJUÍZO. - Os crimes previstos nos artigos 89 da Lei n. 8.666/1993 (dispensa de licitação mediante, no caso concreto, fracionamento da contratação) e 1º, inciso V, do Decreto-lei n. 201/1967 (pagamento realizado antes da entrega do respectivo serviço pelo particular) exigem, para que sejam tipificados, a presença do dolo específico de causar dano ao erário e da caracterização do efetivo prejuízo. Precedentes da Corte Especial e do Supremo Tribunal Federal. - Caso em que não estão caracterizados o dolo específico e o dano ao erário. Ação penal improcedente."(AP nº 480/MG, Rel. para acórdão Ministro César Asfor Rocha, Corte Especial, DJe 15/06/2012). “PROCESSUAL PENAL E PENAL. HABEAS CORPUS. DISPENSA DE LICITAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES LEGAIS. ARESTO CONDENATÓRIO QUE RECONHECE A AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO DOLO ESPECÍFICO E DO EFETIVO PREJUÍZO AO ERÁRIO.VERIFICAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. CONCESSÃO DA ORDEM.1. Verifica-se que o paciente, na função de Prefeito Municipal, foi denunciado em razão de ter dispensado a licitação para compra de areia em hipótese não prevista em lei, fracionando a compra e o pagamento em várias etapas. 2. Entende essa Corte que o crime do art. 89 da Lei n.º 8.666/1993 não é de mera conduta, sendo necessária a demonstração do dolo específico de causar dano ao erário e a configuração do efetivo prejuízo ao patrimônio público, o que não foi reconhecido pelo Tribunal a quo. 3. O aresto condenatório consignou apenas que é evidente o dolo genérico da conduta ainda que não se possa provar o efetivo prejuízo causado à administração pública, pelo fato de ter o paciente efetuado contratação direta em hipótese não prevista pela Lei de Licitações, sem prévia orientação técnica e jurídica a respaldar os procedimentos realizados. 4. Não havendo comprovação da ocorrência de prejuízo ou de dolo de causar dano ao erário com as contratações realizadas, deve ser reconhecida a atipicidade da conduta. 5. Ordem concedida a fim de anular a condenação e o respectivo processo de execução penal do paciente”. (HC 377.711/SC, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 09/03/2017, DJe 16/03/2017). Sobre o tema, esta E. 5ª Turma assim decidiu: "PENAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO 89 DA LEI 8666/93. CONTRATAÇÃO POR DISPENSA DE LICITAÇÃO. DOLO. PREJUÍZO. AUSÊNCIA. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. 1. Para configuração do tipo penal mostra-se imprescindível a presença do dolo específico de causar dano ao erário bem como a comprovação do efetivo prejuízo à Administração Pública. Não restou comprovado o dolo específico de causar dano ao erário. 2. A denúncia não apontou e nos autos não se constatou prejuízo ao erário público, ou seja, o valor auferido com a dispensa ou inexigibilidade da licitação. A conduta do agente somente se torna típica se houver dano à administração pública. 3. Apelação desprovida. Sentença mantida." (APELAÇÃO CRIMINAL - 79037 / SP, 0001169-41.2012.4.03.6124, Relator DESEMBARGADOR FEDERAL MAURICIO KATO, e-DJF3 Judicial 1 DATA:02/09/2019). Colaciono aresto do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: “PENAL. DISPENSA INDEVIDA DE LICITAÇÃO.ART.89 DA LEI Nº 8.666/93. ADMITIR OU DAR CAUSA À PRORROGAÇÃO CONTRATUAL SEM AMPARO LEGAL. ART.92 DA LEI 8.666/93. DOLO NÃO COMPROVADO. ABSOLVIÇÃO. ART.386, INCISO III, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. 1.Pratica o delito de que trata o art.89 da Lei nº 8.666/93 aquele que dispensa ou inexige licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixa de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade. 2. Pratica o delito de que trata o art.92 da Lei nº 8.666/93 aquele que admite, possibilita ou dá causa a qualquer modificação ou vantagem, inclusive prorrogação contratual, em favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos celebrados com o Poder Público, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais, ou, ainda, paga fatura com preterição da ordem cronológica de sua exigibilidade. 3. Firma-se no âmbito do Supremo Tribunal Federal entendimento no sentido de que a com figuração do crime previsto no artigo 89 da Lei nº 8.666/93, para além da intenção do agente de dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, exige que o autor tenha o dolo específico de causar prejuízo ao erário. 4. Caso em que os elementos dos autos indicam não estar caracterizado o dolo de causar prejuízo ao erário ou a efetiva concretização do prejuízo, pois, a despeito de possível fornecimento a partidários dos agentes políticos, os pagamentos foram efetuados em contraprestação à efetiva prestação de serviços pela contratada. Ainda, embora nebulosas as contratações, a prorrogação excepcional da avença refletia a hipótese para assegurar a continuidade dos serviços em questão. 5. A ausência de certeza quando ao dolo específico de causar prejuízo ao Erário afasta a tipicidade de conduta, impondo-se a absolvição dos acusados, com base no art.386, inciso III, do Código de Processo Penal” ( ACR 5000866-94.2013.4.04.7120/RS, Relator Des.Fed. Luiz Carlos Canalli, 20/03/2020)”. 2.2.1 Da materialidade, da autoria e do dolo. A materialidade delitiva e a autoria do acusados são incontroversas, restando demonstradas, em especial, pelos documentos a seguir.: a) Convênio MTur/Município de Bálsamo/SP nº 749925/2010 (ID 305668350 -págs. 147/161); b) Prestação de Contas (ID 245314740 - págs. 130/163); c) Procedimentos de Inexigibilidade de Licitação (ID´s 305668350 - págs. 162/163, 48413229 - pág. 12 e 48413545 - pág. 04); d) Contratos de Prestação de Serviços nº 24/2010 e nº 25/2010 (ID 305669350 - págs. 03/06 e 07/10); e) Notas Técnicas de Análise Financeira n° 173/2016 (ID´s 305669350 - pág. 46 e 48423432 - pág. 06) e nº 645/2016 (ID 305669351 - págs. 34/40); bem como pelas declarações prestadas pelas testemunhas arroladas e pelos próprios acusados (ID´s 305668905, 305668906, 305668907 e 305668908). Por outro lado, não há provas suficientes de que os réus agiram com intenção de causar dano ao erário, nem tampouco a existência de prejuízo. Vejamos. As testemunhas arroladas pelas defesas confirmaram, em Juízo, a realização do evento, inclusive dos shows mencionados. Neste ponto, valho-me da transcrição de trechos da sentença recorrida, in verbis.: "Jesus Soler Rodrigues confirmou que, como vereador da cidade, coincidentemente presenciou a assinatura do contrato com a empresa “Forever”, para a realização do show do “Chico Rei e Paraná”. Disse que na época na cidade se falava muito da dupla, mas que não chegou a ser feita uma pesquisa prévia de opinião, foi uma pesquisa no “boca a boca”. Também a testemunha Edna Maria, encarregada de licitação do Município de Bálsamo/SP, disse que houve inexigibilidade de licitação por se tratar de artista consagrado, e que no processo deve ter declaração com firma reconhecida sobre a representação. Também afirmou que as contratações estavam dentro dos valores normalmente praticados, senão o Ministério do Turismo não teria aprovado. A testemunha João Batista Avanço, que trabalha na prefeitura desde 2005, exercendo o cargo de tesoureiro, afirmou que “todos os pagamentos passa por sua mão”, e que o pagamento às empresas foi a última coisa a ser feita, sendo todos os documentos analisados, inclusive autorizados pelo Ministério do Turismo. Disse que existia no processo uma carta de exclusividade com a empresa que prestou serviços, estando assinados pelos cantores das bandas com firma reconhecida. Por fim, confirmou que o show foi realizado e a prestação de contas aprovada. Por fim, a testemunha Osvaldo Palmejiani Filho, também disse que compareceu ao evento pessoalmente, confirmando que as contratações seriam de bandas de renome nacional. Afirmou que o Ministério do Turismo tem uma tabela de valores de contratação, sendo à época aprovado o plano de trabalho apresentado pelo Município, explicando que a contratação tem que ser feita com base nos valores repassados pelo próprio Ministério. Também confirmou que ao Ministério do Turismo foi apresentadas declarações dos empresários como exclusivos para a região. Afirmou que não houve prejuízos, os pagamentos ocorreram corretamente. Questionado, respondeu que somente após a aprovação pelo Ministério do Turismo, a Prefeitura começou a procurar os shows próximos àqueles valores autorizados, ligavam no escritório do artista e eles repassam o empresário regional." Conforme declaração de ID 305669350 - pág. 14, datada de 16/03/2011, a empresa Cristiano Silvério Coelho Banda - ME detinha exclusividade da "Banda Opus 6" em todo território nacional, "com plenos poderes para assinar contratos de shows, eventos ... tudo que diz respeito a Banda", detendo a "VMG Vídeo Produtora LTDA. ME" apenas "exclusividade na data de 14/11/2010 para apresentação ... na cidade de Bálsamo" (Carta de Exclusividade - ID 305669350- págs. 13/14). Por sua vez, Francisco Aparecido de Jesus Gomes (Chico Rey), como representante legal da dupla, detinha exclusividade da "Chico Rey e Paraná", conforme declaração, datada de 15/02/2011 (ID 305669350 - pág. 15), detendo a "Forever Eventos LTDA. ME" apenas "exclusividade de comercializar e produzir ... na data de 13/11/2010, na cidade de Bálsamo/SP, na Festa das Nações" (ID 305668574 - pág. 08). Durante os interrogatórios judiciais, FÁBIO ROGÉRIO CAMPANHOLO e OLEGÁRIO DE PAULA DO NASCIMENTO declararam que eram, à época dos fatos, empresários exclusivos da dupla “Chico Rey e Paraná” e “Banda Opus 6”, respectivamente, na região (ID´s 305668907 e 305668908). FÁBIO esclareceu que tratava diretamente com o “Chico Rey” (Francisco Aparecido de Jesus Gomes), sendo representante da dupla na região, e, por tal razão, foi procurado pela Prefeitura de Bálsamo/SP, após contado com o representante da dupla. No mesmo sentido, OLEGÁRIO afirmou que era representante exclusivo da "Banda Opus 6" e que poderia negociar qualquer data, desde que já não tivesse sido vendida, e seu tratamento era direto com o representante da banda, Cristiano Silvério Coelho. JOSÉ SOLER PANTANO, prefeito do Município à época, declarou ter conhecimento de que as contratações foram realizadas de forma direta, nos termos do artigo 25, inc. III, da Lei nº 8.666/93. Disse que entendeu pela inexigibilidade da licitação por se tratar de artistas consagrados na opinião pública, acreditando que poderia contratar diretamente, em razão de ter sido informado pelos empresários diretos dos cantores que as empresas "Forever" e "VMG" eram as únicas representantes daqueles artistas na região. Informou que a inexigibilidade somente ocorreu após aprovação do Ministério do Turismo acerca de toda documentação, esclarecendo, ainda, que a consultoria jurídica do Município apresentou parecer atestando a regularidade do procedimento. Esclareceu que, para a formalização do convênio com o Ministério do Turismo, foram observadas todas as informações repassadas e, posteriormente, foi tudo aprovado por aquele órgão. Sustentou que, antes da aprovação do Convênio, foi informado, por meio do SINCOV, acerca das cartas de exclusividade das empresas e que ainda sim foi tudo aprovado pelo Ministério do Turismo, o que o levou a acreditar que estava tudo correto, pois, se algo não estivesse, o convênio não teria sido firmado. Declarou que dentre os nomes cogitados os que tinham datas disponíveis era do "Chico Rey e Paraná", sendo que o próprio escritório da dupla repassou o contato do empresário que era representante deles na região. Disse que a Prefeitura pediu a carta de exclusividade. Afirmou, ainda, que feita a proposta, através do Sincov, foi lhe informado o preço a ser contratado estava dentro da tabela de preços do Ministério do Turismo. Afirmou que as cartas de exclusividade foram enviadas pelo Sincov, tendo o Ministério do Turismo ciência desta documentação. Não soube informar sobre a “parte burocrática”, o porquê de ser feita a dispensa da inexigibilidade, tendo parecer do setor jurídico nesse sentido. Por fim, declarou que, no dia do evento, compareceu um fiscal do Ministério do Turismo, o qual não constatou qualquer irregularidade in loco (ID´s 305668905 e 305668906). Com efeito, verifica-se que, de fato, as contratações realizadas, de forma direta, ocorreram fora das hipóteses previstas para tal situação, de modo que não houve comprovação de exclusividade das empresas "VMG Vídeo Produtora LTDA. ME" e "Forever Eventos LTDA. ME", o que fere um dos requisitos previstos no art. 25, inc. III, da Lei nº 8.666/93. Todavia, o conjunto probatório demonstra que os réus acreditavam que não havia qualquer irregularidade na inexigibilidade das licitações. O prefeito JOSÉ SOLER aponta que foram observadas todas as informações repassadas pelo Ministério do Turismo e que as referidas inexigibilidades somente ocorreram após aprovação de toda a documentação enviada, inclusive das cartas de exclusividades constantes dos autos. Sustenta, ainda, que o setor jurídico da Prefeitura municipal apresentou parecer atestando a regularidade dos procedimentos. Na hipótese, apesar de FÁBIO e OLEGÁRIO não serem empresários exclusivos dos artistas contratados, eram seus representantes na região e possuíam autorização para efetivar as respectivas contratações. Desse modo, além de não haver provas suficientes do dolo genérico de deixar de exigir licitação fora das hipóteses legais, também não restou demonstrado o dolo específico de causar dano ao erário. Como bem destacou o Juízo de Primeiro Grau, in verbis.: "não há elementos que indiquem o agir criminoso dos réus, como o vínculo subjetivo com os sujeitos contratados, ou a inobservância de parecer jurídico lavrado pelo órgão competente, havendo relato das testemunhas, conforme mencionado anteriormente, no sentido de que a administração municipal se baseava em parecer de assessoria jurídica para dispensar licitações no caso de contratações de cantores reconhecidos. No caso, não restou também demonstrado nos autos uma conduta de dispensa de licitação voltada ao favorecimento premeditado das empresas contratadas, de forma a beneficiar os acusados Fábio Rogério Campanholo e Olegário de Paula do Nascimento. Não há comprovação de um liame subjetivo entre os réus, visto que as testemunhas arroladas pela defesa deixaram claro que os artistas apresentados na 6ª Festa das Nações de Bálsamo/SP foram contratados de acordo com os valores e após aprovação pelo Ministério do Turismo. Também ressaltaram que primeiramente foram procurados os empresários diretos dos cantores, os quais repassaram os contatos dos empresários regionais." Noutro vértice, o montante pago em decorrência das contratações diretas não pode ser considerado como efetivo prejuízo. Tampouco há demonstração, nos autos, de que os serviços foram contratados por preços superiores aos praticados no mercado. In casu, além de as apresentações terem ocorrido, os valores dos shows artísticos se deram de acordo com os considerados como padrão pelo Ministério do Turismo, que aprovou e repassou os recursos para o Município. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso interposto pelo Ministério Público Federal, mantendo-se as absolvições dos recorridos, com fulcro no art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal. É COMO VOTO. E M E N T A PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 89 DA LEI Nº 8.666/93. MATERIALIDADE E AUTORIA INCONTROVERSAS. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO E COMPROVAÇÃO DO PREJUÍZO. ABSOLVIÇÕES MANTIDAS, NOS TERMOS DO ART. 386, INC. VII, DO CPP. RECURSO IMPROVIDO. 1. Com a superveniência da edição da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, as Seções III (Dos Crimes e das Penas) e IV (Do Processo e do Procedimento Judicial) do Capítulo IV (Das Sanções Administrativas e da Tutela Judicial) da Lei nº 8.666/1993 foram expressamente revogadas na data de sua publicação. Ao mesmo tempo o art. 178 da Lei nº 14.133/2021 fez incorporar o “CAPÍTULO II-B – DOS CRIMES EM LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS” (arts. 337-E a 337-P) no Título XI da Parte Especial do Código Penal, prevendo, dentre os novos tipos penais, exatamente o delito de “contratação direta ilegal” (art. 337-E). A revogação dos crimes da Lei 8.666/93 não significa, contudo, que, necessariamente, tenha ocorrido “abolitio criminis”. Ao cotejarmos o artigo 337-E com o artigo 89 da Lei 8.666/93, verifica-se uma continuidade normativo - típica, pois o caráter criminoso do fato foi mantido, mas apenas em outro dispositivo penal, com uma exceção apontada pela doutrina no que tange à conduta "deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade" constante do caput do art. 89. Ademais, há a superveniência de “novatio legis in pejus”, uma vez que as penas cominadas foram agravadas com a nova lei, pois o preceito secundário do artigo 89 era mais benéfico ao acusado, já que previa pena de detenção, em oposição à pena de reclusão agora cominada, não se cogitando, pois, de atipicidade fática. Desta feita, o referido artigo 89 da Lei 8.666/90 goza de ultra-atividade benéfica e deve ser aplicado ao presente caso. 2. Para fins de configuração do delito do artigo 89 da Lei nº 8.666/93, a jurisprudência dos Tribunais Superiores tem oscilado entre dois entendimentos. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça afirmam tratar-se de crime material que se consuma com a lesão ao erário, além do especial fim de agir, enquanto para o Supremo Tribunal Federal bastaria o segundo requisito, ou seja, o dolo específico de causar prejuízo às finanças da Administração Pública. 3. A materialidade delitiva e a autoria do acusados são incontroversas, restando demonstradas, em especial, pelos documentos a seguir.: a) Convênio MTur/Município de Bálsamo/SP nº 749925/2010; b) Prestação de Contas; c) Procedimentos de Inexigibilidade de Licitação; d) Contratos de Prestação de Serviços nº 24/2010 e nº 25/2010; e) Notas Técnicas de Análise Financeira n° 173/2016 e nº 645/2016; bem como pelas declarações prestadas pelas testemunhas arroladas e pelos próprios acusados. 4. Por outro lado, não há provas suficientes de que os réus agiram com intenção de causar dano ao erário, nem tampouco a existência de prejuízo. Verifica-se que, de fato, as contratações realizadas, de forma direta, ocorreram fora das hipóteses previstas para tal situação, de modo que não houve comprovação de exclusividade das empresas "VMG Vídeo Produtora LTDA. ME" e "Forever Eventos LTDA. ME", o que fere um dos requisitos previstos no art. 25, inc. III, da Lei nº 8.666/93. Todavia, o conjunto probatório demonstra que os réus acreditavam que não havia qualquer irregularidade na inexigibilidade das licitações. Desse modo, além de não haver provas suficientes do dolo genérico de deixar de exigir licitação fora das hipóteses legais, também não restou demonstrado o dolo específico de causar dano ao erário. Noutro vértice, o montante pago em decorrência das contratações diretas não pode ser considerado como efetivo prejuízo. Tampouco há demonstração, nos autos, de que os serviços foram contratados por preços superiores aos praticados no mercado. In casu, além de as apresentações terem ocorrido, os valores dos shows artísticos se deram de acordo com os considerados como padrão pelo Ministério do Turismo, que aprovou e repassou os recursos para o Município. 4. Mantidas as absolvições dos recorridos, com fulcro no art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal. 5. Recurso Ministerial improvido. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quinta Turma, por unanimidade decidiu NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pelo Ministério Público Federal, mantendo-se as absolvições dos recorridos, com fulcro no art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. PAULO FONTES DESEMBARGADOR FEDERAL
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear