Processo nº 5003159-63.2024.8.24.0038
ID: 304967341
Tribunal: TJSC
Órgão: Diretoria de Recursos e Incidentes
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 5003159-63.2024.8.24.0038
Data de Disponibilização:
23/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA
OAB/SC XXXXXX
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JULIO MANUEL URQUETA GOMEZ JUNIOR
OAB/SC XXXXXX
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Apelação Nº 5003159-63.2024.8.24.0038/SC
APELANTE
: EMIDIA POMPEO DOS SANTOS (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: JULIO MANUEL URQUETA GOMEZ JUNIOR (OAB SC052867)
APELANTE
: BANCO PAN S.A. (RÉU)
ADVOGADO(A)
: DENN…
Apelação Nº 5003159-63.2024.8.24.0038/SC
APELANTE
: EMIDIA POMPEO DOS SANTOS (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: JULIO MANUEL URQUETA GOMEZ JUNIOR (OAB SC052867)
APELANTE
: BANCO PAN S.A. (RÉU)
ADVOGADO(A)
: DENNER DE BARROS E MASCARENHAS BARBOSA (OAB SC051063)
DESPACHO/DECISÃO
Adoto o relatório da sentença por retratar com fidelidade os atos processuais (
evento 48, SENT1
):
"Trata-se de "
AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CONTRATO BANCÁRIO, REPETIÇÃO DO INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS
", pelo Procedimento Comum Cível ajuizada por
EMIDIA POMPEO DOS SANTOS
contra BANCO PAN S.A..
A inicial narra os seguintes fatos:
Consta do Extrato Previdenciário da Parte Autora, conforme se confirma do documento “Histórico de Empréstimos Consignados” anexo, a existência dos seguintes contratos bancários: [...] Após a emissão do “Histórico de Empréstimos Consignados”, a parte autora identificou os contratos acima elencados, os quais não realizou, razão pela qual requer a declaração de inexistência. Ante a ausência de informações e conhecimento dos contratos, incumbe à instituição financeira o dever de ressarcir eventuais danos pelos ilícitos praticados. A parte autora suportou e está suportando os descontos, os quais lhe causam significativa redução de renda e constrangimento. Sabe-se que a realização de contrato bancário sem solicitação ou autorização do consumidor, bem como, a omissão de informações, representa falha no serviço da parte requerida. Do mesmo modo, a obtenção de dados pessoais sigilosos de forma irregular, sem o prévio aviso e sem a autorização expressa da parte autora configura prática abusiva, causadora de danos materiais e morais por violar a intimidade, a privacidade e os dados pessoais sigilosos. Oportuno, reforçar, que tais fatos causaram enorme revolta e transtorno à parte autora, pois sente que seus recursos estão sendo furtados. Enorme revolta e transtornos causados também pelo fato de não conseguir resolver de forma administrativa junto à Instituição Financeira, tendo em vista a extrema dificuldade de acesso à informação e resolução amigável dos litígios. Tanto é que os próprios Juízos deixam de designar audiência de conciliação em razão do diminuto número de composições. A parte autora, experimenta de grave transtorno ao judicializar a presente questão para que sua vontade seja respeitada, uma vez que o banco requerido lhe impõe tamanha abusividade, qual seja, arcar com encargos de contratos não realizados ou em desacordo com o que contratou. Considerando a disparidade da condição em que se encontram as partes, ciente da vulnerabilidade e hipossuficiência da parte autora perante Instituição Financeira de enorme poder econômico, não restou alternativa senão ingressar com a presente demanda a fim de que se declare a nulidade dos descontos em razão de não ter havido as contratações. Por tal motivo, procura o Poder Judiciário em busca de justiça
Com base nesse enredo fático, requer a declaração da inexistência da relação contratual, repetição do indébito e danos morais.
Deferido o benefício da justiça gratuita à parte autora (e. 4).
A parte autora apresentou embargos de declaração (e. 8).
Os embargos foram rejeitados (e. 10).
Por sua vez, a parte ré apresentou contestação nos autos (e. 25), impugnando a justiça gratuita deferida à parte autora e o valor da causa, bem como, sustentando, preliminarmente, a advocacia predatória, a inépcia da inicial por perda do objeto e a a irregularidade na representação. No mérito, teceu comentários sobre a legalidade do contrato pactuado com a parte autora, de modo que não configurado dano moral e material passível de indenização. Requereu, ao final, a improcedência da demanda. Juntou procuração e documentos.
Réplica apresentada no e. 30.
A Comarca de Joinville declinou da competência e remeteu os autos à Comarca de São Miguel do Oeste (e. 32).
O feito foi saneado no e. 41, oportunidade em que foram afastadas as preliminares e a parte ré foi instada a se manifestar expressamente sobre a pretensão de produzir prova grafotécnica.
A parte ré demonstrou desinteresse na produção da prova técnica (e. 45)."
Sobreveio sentença de parcial procedência, constando da parte dispositiva:
"[...]
JULGO
PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos iniciais para:
a)
declarar
inexistente a relação jurídica entre as partes, no tocante aos contratos objeto dos presentes autos (Cédulas de Crédito Bancárias n. 313249528-8 [Evento 25, OUT2] e n. 313071557-0 [Evento 25, OUT7]), com consequente retorno das partes ao
status quo ante
;
b)
condenar
a parte ré a devolver à parte autora, em
dobro
, os valores descontados indevidamente de seu benefício previdenciário,
após 30/3/2021
;
até 30/3/2021
a restituição deve ocorrer de forma simples. Os valores devem ser atualizados monetariamente pelo INPC e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a partir de cada desembolso (Súmula 54, STJ) até o dia
29-8-2024 (
nos termos da Circular CGJ n. 345/2024). A partir de
30/8/2024
, incide a correção monetária pelo IPCA e os juros de mora pela SELIC com a dedução do IPCA, de acordo com a nova redação dos arts. 389 e 406, § 1°, do Código Civil.
Como consequência da restituição das partes ao
status
quo ante
, deverá a parte autora restituir à instituição financeira eventuais valores recebidos a título do empréstimo objeto da ação.
Autorizo
também a compensação de créditos e débitos, como forma de satisfazer ambas as partes.
Em razão da sucumbência recíproca,
condeno
a parte autora e o banco réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, na proporção de 20% para a parte autora e 80% para o banco réu, fixada a verba sucumbencial em 15% sobre o valor da condenação, observado o mínimo de R$ 400,00, conforme art. 85, §2º, do Código de Processo Civil. Fica suspensa a exigibilidade em relação à parte autora, ante o deferimento da gratuidade judiciária (evento 4)."
Os embargos de declaração opostos pelo requerido foram rejeitados (
evento 60, SENT1
).
Insatisfeitas, as partes interpuseram apelação.
O requerido, no recurso do
evento 69, APELAÇÃO1
, alega, em síntese, a validade da contratação, a liquidação dos contratos desde o ano de 2023, a impossibilidade de devolução em dobro dos valores descontados e a excessividade dos honorários advocatícios sucumbenciais.
A autora, no apelo do
evento 71, APELAÇÃO1
, sustenta, em suma, a inviabilidade de compensação, a necessidade de restituição em dobro de todos os valores descontados de seu benefício previdenciário, o cabimento dos danos morais e o dever da instituição financeira arcar com a integralidade das custas processuais e honorários advocatícios.
Juntadas as contrarrazões (
evento 82, CONTRAZAP1
e
evento 83, CONTRAZ1
), os autos vieram conclusos.
Inicialmente, verifica-se que o requerido defende a inadmissibilidade do recurso de apelação cível interposto pela autora em razão da ofensa ao princípio da dialeticidade.
Razão não lhe assiste.
Há muito o Superior Tribunal de Justiça alberga entendimento no sentido de que a repetição dos argumentos elencados na petição inicial ou na contestação não implica, por si só, a ausência de requisito objetivo de admissibilidade do recurso de apelação - princípio da dialeticidade -, caso conste no apelo os fundamentos de fato e de direito evidenciadores do desejo de reforma da sentença. É o que se infere, pois, do julgado destacado abaixo:
1. Um dos pressupostos de admissibilidade da apelação é a exposição das razões do inconformismo da parte (causa de pedir recursal). Não se pode, todavia, prestigiar o formalismo. A repetição dos argumentos deduzidos na contestação não impede, por si só, o conhecimento do recurso de apelação, notadamente quando suas razões deixam claro o interesse pela reforma da sentença.
2. Havendo impugnação específica dos fundamentos que motivaram a sentença, contendo a apelação os nomes e a qualificação das partes, os fundamentos de fato e de direito e o pedido de nova decisão, ficam preenchidos os requisitos previstos no art. 514 do CPC.
3. Na hipótese, o não-conhecimento do recurso, sob o fundamento de que houve mera reprodução da contestação, constitui rigor excessivo e injustificado" (STJ, REsp 1156982/PR, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 15/03/2011).
Sem destoar da orientação pretoriana, citam-se julgados desta Corte:
Mera repetição dos argumentos já elencados na peça inicial não configura afronta à dialeticidade
,
desde que combatam os fundamentos do decisório e demonstrem o interesse recursal. [...] (TJSC, Apelação n. 0008133-95.2008.8.24.0005, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. 23/05/2016).
Com efeito, é possível a repetição das mesmas argumentações em sede de recurso, desde que suficientes a demonstrar os motivos do descontentamento e a refutar os supedâneos decisivos. Assim, estando as razões do apelo relacionadas à fundamentação da sentença e tendo a recorrente deixado claro o interesse pela sua reforma, deve ser afastada a prefacial. [...] (TJSC, Apelação Cível n. 0313988-43.2018.8.24.0033, de Itajaí, rel. Des. Jairo Fernandes Gonçalves, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 06-08-2019).
[...] PRELIMINAR EM CONTRARRAZÕES DA AUTORA. SUSCITADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. ARGUMENTO DE REPETIÇÃO NAS RAZÕES RECURSAIS DAS ALEGAÇÕES CONSTANTES NA PEÇA EXORDIAL. INOCORRÊNCIA. REITERAÇÃO DE ARGUMENTOS QUE NÃO ENSEJA A AUTOMÁTICA INADMISSÃO RECURSAL. TESES DE FATO E DE DIREITO DEVIDAMENTE PRESENTES NO RECLAMO. OPOSIÇÃO SUFICIENTE AOS TERMOS DA DECISÃO COMBATIDA. EXEGESE DO ART. 1.010, II E III, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. PREFACIAL AFASTADA. (TJSC, Apelação Cível n. 0308200-51.2017.8.24.0011, de Brusque, rel. Des. Carlos Roberto da Silva, Sétima Câmara de Direito Civil, j. 27-02-2020).
CONTRARRAZÕES DOS APELADOS VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE, POR AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA E REPETIÇÃO DE ARGUMENTOS LANÇADOS EM PEÇAS ANTERIORES. TESE INACOLHÍVEL. RAZÕES RECURSAIS QUE, NO CASO, SE MOSTRAM SUFICIENTES PARA COMBATER OS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA GUERREADA. [...] (TJSC, Apelação Cível n. 0300512-56.2017.8.24.0005, de Balneário Camboriú, desta relatora, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 25-06-2019).
[...] CONTRARRAZÕES DOS RÉUS/APELADOS. SUSCITADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. REJEIÇÃO. REPETIÇÃO DE ARGUMENTOS NA PEÇA DE DEFESA QUE NÃO ENSEJA AUTOMÁTICA INADMISSÃO RECURSAL. FUNDAMENTOS DE FATO E DE DIREITO DEVIDAMENTE PRESENTES NO APELO. ATENDIMENTO AOS REQUISITOS EXPRESSOS NO ART. 1.010, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. CONHECIMENTO QUE SE IMPÕE. "Essa Corte pacificou o entendimento no sentido de que a repetição dos argumentos trazidos na petição inicial ou na contestação não implica, por si só, em ofensa ao princípio da dialeticidade, caso constem do apelo os fundamentos de fato e de direito evidenciadores da intenção de reforma da sentença" (STJ, AgRg nos EDcl no AREsp 760.065/SC, rel. Min. Assusete Magalhães, j. 10-3-2016). [...] (TJSC, Apelação Cível n. 0008969-47.2013.8.24.0020, de Criciúma, rel. Des. Carlos Roberto da Silva, Sétima Câmara de Direito Civil, j. 12-12-2019).
A par da jurisprudência, portanto, dessume-se que a simples repetição dos argumentos anteriormente deduzidos não importa, por si só, em ofensa ao princípio da dialeticidade
,
sobretudo quando há impugnação específica dos fundamentos que motivaram a sentença, contendo a apelação o pedido de reforma da decisão.
No caso, a autora expôs os argumentos pelos quais postula a reforma da sentença: impossibilidade de compensação entre os valores descontados de seu benefício e aqueles disponibilizados em sua conta, já que estes decorreram de fraude, o cabimento da restituição dobrada em virtude da instituição financeira não ter justificado os descontos de maneira lícita, o abalo moral sofrido em decorrência da falha de prestação dos serviços e a impossibilidade de ser condenada ao pagamento dos ônus sucumbenciais, pois, segundo defende, decaiu de parte mínima dos pedidos.
Logo, verifica-se que inexiste ofensa ao princípio da dialeticidade.
Assim, os recursos preenchem os requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual devem ser conhecidos.
Adianto que o feito comporta julgamento monocrático definitivo.
Isso porque, além de estar em consonância com os incisos do art. 932 do Código de Processo Civil e com os incisos XV e XVI do artigo 132 do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça, que permite ao relator julgar monocraticamente o recurso, quando a questão debatida já esteja pacificada, o julgamento monocrático busca dar mais celeridade à prestação jurisdicional e prestigiar a duração razoável do processo.
O Código de Processo Civil assim dispõe:
Art. 932. Incumbe ao relator:
[...]
III - não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida;
IV - negar provimento a recurso que for contrário a:
a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;
b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a:
a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;
b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
[...]
VIII - exercer outras atribuições estabelecidas no regimento interno do tribunal.
E, o Regimento deste Tribunal de Justiça do mesmo modo estabelece:
Art. 132. São atribuições do relator, além de outras previstas na legislação processual:
[...]
XIII – negar seguimento a recurso nos casos previstos em lei;
XIV – não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida;
XV – negar provimento a recurso nos casos previstos no inciso IV do art. 932 do Código de Processo Civil ou quando esteja em confronto com enunciado ou jurisprudência dominante do Tribunal de Justiça;
XVI – depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento a recurso nos casos previstos no inciso V do art. 932 do Código de Processo Civil ou quando a decisão recorrida for contrária a enunciado ou jurisprudência dominante do Tribunal de Justiça;
Saliente-se ainda que, qualquer que seja a decisão do relator no julgamento monocrático, poderá a parte, nos termos do art. 1.021 do CPC, interpor agravo interno.
Este também é o entendimento sedimentado pelo STJ:
"Nos termos do art. 932, III e IV, do Código de Processo Civil de 2015, combinado com os arts. 34, XVIII, a e b, e 255, I e II, do Regimento Interno desta Corte, o Relator está autorizado, por meio de decisão monocrática, respectivamente, a não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida, bem como a negar provimento a recurso ou a pedido contrário à tese fixada em julgamento de recurso repetitivo ou de repercussão geral (arts. 1.036 a 1.041), a entendimento firmado em incidente de assunção de competência (art. 947), à súmula do Supremo Tribunal Federal ou desta Corte ou, ainda, à jurisprudência dominante acerca do tema, consoante Enunciado da Súmula n. 568/STJ:O Relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema. Em que pesem as alegações trazidas, os argumentos apresentados são insuficientes para desconstituir o acórdão recorrido, no qual foi mantido o montante arbitrado a título de danos morais, consoante trecho que ora transcrevo (fl. 646e)" (STJ - REsp: 1950187 PR 2021/0227312-5, Relator: Ministra REGINA HELENA COSTA, Data de Publicação: DJ 31/03/2022).
"Preliminarmente, esclareço que, consoante a jurisprudência desta Corte, a legislação vigente (art. 932 do CPC e Súmula 568 do STJ) permite ao relator julgar monocraticamente recurso inadmissível ou, ainda, aplicar a jurisprudência consolidada deste Tribunal. 2. Ainda que assim não fosse, eventual vício ficaria superado, mediante a apreciação da matéria pelo órgão colegiado no âmbito do agravo interno (AgInt no REsp n. 1.984.153/MG, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 6/6/2022, DJe de 8/6/2022).
"Consoante a jurisprudência deste STJ, a legislação processual (art. 557 do CPC/73, equivalente ao art. 932 do CPC/15, combinados com a Súmula 568 do STJ) permite ao relator julgar monocraticamente recurso inadmissível ou, ainda, aplicar a jurisprudência consolidada deste Tribunal. Ademais, a possibilidade de interposição de recurso ao órgão colegiado afasta qualquer alegação de ofensa ao princípio da colegialidade. Precedentes (AgInt no REsp n. 1.255.169/RJ, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 20/6/2022, DJe de 24/6/2022- grifei).
"A jurisprudência deste STJ, a legislação processual (932 do CPC/15, c/c a Súmula 568 do STJ) permite ao relator julgar monocraticamente recurso inadmissível ou, ainda, aplica a jurisprudência consolidada deste Tribunal. Ademais, a possibilidade de interposição de recurso ao órgão colegiado afasta qualquer alegação de ofensa ao princípio da colegialidade" (AgInt no AREsp 1.389.200/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, julgado em 26/03/2019, DJe de 29/03/2019). [...] 5. Agravo interno improvido (AgInt no AREsp n. 2.025.993/PE, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 20/6/2022, DJe de 1/7/2022).
Assim, por se tratar o presente caso de matéria pacificada e tendo em vista que o presente recurso não teria outra conclusão, caso fosse submetido ao Órgão colegiado, o que, aliás, apenas imotivadamente tardaria o julgamento do feito, autorizado está o julgamento monocrático da presente insurgência por esta relatora.
Na espécie, infere-se que a autora teve atrelado ao seu benefício previdenciário contratos que aduz jamais ter firmado.
O demandado, por sua vez, apresenta narrativa divergente. Defendeu a legalidade das contratações e, para corroborar, acostou instrumentos contratuais referentes aos negócios jurídicos questionados.
A questão cinge-se, portanto, quanto à realização ou não dos contratos de empréstimo entre as partes e possíveis danos materiais e morais sofridos em decorrência desses. É o que se passa a analisar.
Inexistência da relação contratual
A autora, por aduzir que desconhece a origem das transações, encontra-se impossibilitada de comprovar a não contratação, visto que não é possível produzir prova negativa. Isto é, não há como comprovar que não realizou as contratações que originaram os descontos em seu benefício previdenciário.
Já em sede de contestação, o réu apresentou contratos relativos aos débitos impugnados nos autos, documentos estes que estão em nome da autora e possuem assinatura atribuída a ela (
evento 25, OUT2
e
evento 25, OUT7
). Não obstante, em réplica, a demandante impugnou as assinaturas constantes nos contratos, sustentando que não reconhece a sua veracidade.
O juízo
a quo
determinou a intimação do requerido para manifestar interesse na produção da prova pericial, oportunidade em que o demandado dispensou a referida prova (
evento 45, PET1
).
Diante disso, julgando antecipadamente a lide, o magistrado singular considerou que a prova que demonstraria a existência dos negócios jurídicos restou prejudicada por culpa do réu, razão pela qual entendeu que o pleito de declaração de inexistência do débito deveria ser acolhido.
Pois bem.
Acerca da prova documental, mais especificamente sobre a força probante dos documentos, dispõe o artigo 411 do Código de Processo Civil:
Art. 411. Considera-se
autêntico
o documento quando:
I - o tabelião reconhecer a firma do signatário;
II - a autoria estiver identificada por qualquer outro meio legal de certificação, inclusive eletrônico, nos termos da lei;
III -
não houver impugnação da parte contra quem foi produzido o documento.
(grifou-se)
De forma complementar, versa o artigo 428, também do Diploma Processual:
Art. 428. Cessa a fé do documento particular quando:
I -
for impugnada sua autenticidade e enquanto não se comprovar sua veracidade;
II - assinado em branco, for impugnado seu conteúdo, por preenchimento abusivo. (grifou-se)
Desse modo, extrai-se da letra da lei que a
autenticidade
do documento relaciona-se com a sua
autoria
. Ou seja, o documento será autêntico quando puder ser constatada a identidade daqueles que anuíram com seu conteúdo. A partir do momento em que houver impugnação, isto é, quando uma das partes contraditar a participação que lhe é atribuída, cessa a autenticidade do documento até que fique esclarecida a sua veracidade.
Havendo dúvidas acerca da fidedignidade documental, o art. 429 do Código de Processo Civil assim disciplina o ônus da prova:
Art. 429. Incumbe o ônus da prova quando:
I - se tratar de
falsidade
de documento ou de preenchimento abusivo,
à parte que a arguir
;
II - se tratar de impugnação da
autenticidade
,
à parte que produziu o documento
. (grifou-se)
Nesse sentido, leciona Elpídio Donizetti:
Contestada a assinatura do documento particular, cessa-lhe a fé, independentemente da arguição de falsidade, cabendo o ônus da prova, nesse caso, à parte que produziu o documento (art. 429, II). (DONIZETTI, Elpídio.
Curso de Direito Processual Civil
. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2021, p. 580).
Logo, no caso de uma parte utilizar-se como meio probatório um documento supostamente assinado pela outra, havendo impugnação da assinatura, competirá àquela que produziu o documento o ônus da prova a fim de demonstrar a veracidade da escrita ali contida.
No mesmo sentido, o STJ consolidou, no Tema Repetitivo 1061, a seguinte tese:
Na hipótese em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura constante em contrato bancário juntado ao processo pela instituição financeira, caberá a esta o ônus de provar a autenticidade (CPC, arts. 6º, 369 e 429, II) (REsp 1846649/MA, julgado em 24/11/2021).
Na situação em comento, a parte ré de fato acostou documentos com assinatura supostamente da requerente indicando ter efetuado os negócios jurídicos objeto da lide. Entretanto, sua autenticidade foi questionada pela autora, de forma que passou a ser ônus do réu a comprovação de sua veracidade.
Não obstante, a despeito da previsão legal e da sua intimação, o demandado peticionou sustentando desinteresse na realização do exame pericial, não sendo, portanto, capaz de comprovar a origem das contratações.
Salienta-se, novamente, que a requerente não tem como comprovar que não efetuou as contratações, no entanto, o réu teria total possibilidade de demonstrá-las.
Portanto, limitando-se a argumentar que as contratações foram legítimas, o requerido não se desincumbiu de demonstrar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da demandante (art. 373, inciso II, CPC).
Já decidiu esta Corte:
APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA.
APELO DA CASA BANCÁRIA
AVENTADA A INEXISTÊNCIA DE ATO ILÍCITO. INSUBSISTÊNCIA.
IMPUGNAÇÃO DA AUTORA ACERCA DA ASSINATURA APOSTA NO CONTRATO
. PEDIDO DE PERÍCIA GRAFOTÉCNICA DEFERIDO. REQUERIDA QUE INTIMADA MANIFESTOU-SE PELA DESNECESSIDADE DO EXAME E
NÃO APRESENTOU O ORIGINAL DO PACTO
. ÔNUS QUE LHE INCUMBIA. EXEGESE DO ART. 429, II, DO CPC .
AUSÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DO DOCUMENTO ORIGINAL QUE INVIABILIZOU A REALIZAÇÃO DA PERÍCIA.
INCIDÊNCIA DO ART. 400, I, DO CPC. FRAUDE PRATICADA POR TERCEIRO QUE NÃO AFASTA A RESPONSABILIDADE CIVIL DA RÉ. FALTA DE DILIGÊNCIA DA DEMANDADA. CASO FORTUITO INTERNO. ATO ILÍCITO CARACTERIZADO. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE AS PARTES CONFIGURADA. RECONHECIMENTO DE NULIDADE DA AVENÇA.
RECURSO ADESIVO DA AUTORA
PLEITO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. REJEIÇÃO. AUSÊNCIA DE INSCRIÇÃO NOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO OU DE QUALQUER OUTRA CIRCUNSTÂNCIA VEXATÓRIA. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS QUE NÃO CARACTERIZA, POR SI SÓ, ABALO ANÍMICO. SITUAÇÃO QUE NÃO REPERCUTIU NA ESFERA ÍNTIMA DA RECORRENTE A PONTO DE OFENDER A SUA HONRA E DIGNIDADE. MERO DISSABOR. DEVER DE INDENIZAR NÃO CARACTERIZADO. SENTENÇA MANTIDA. HONORÁRIOS RECURSAIS. CABIMENTO. RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS. (TJSC, Apelação n. 0300576-40.2014.8.24.0080, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, desta relatora, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 04-11-2021) (grifou-se).
Também:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C CONDENAÇÃO EM DANOS MORAIS.
DESCONTO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DECORRENTE DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO NÃO CONTRATADO.
SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA.
(...)
ALEGADA INEXISTÊNCIA DE ATO ILÍCITO. INSUBSISTÊNCIA. IMPUGNAÇÃO DO AUTOR ACERCA DA ASSINATURA APOSTA NO CONTRATO. PEDIDO DE PERÍCIA GRAFOTÉCNICA DEFERIDO. DEMANDADO QUE, INTIMADO, INFORMOU QUE A VIA ORIGINAL DO INSTRUMENTO DO NEGÓCIO JURÍDICO HAVIA SIDO DESCARTADA, EM VIRTUDE DA DIGITALIZAÇÃO DESTA. NECESSIDADE DE, PREVIAMENTE AO DESCARTE, AVERIGUAR SE A ELIMINAÇÃO PODERIA IMPEDIR A PRODUÇÃO DE PROVAS (ART. 10, §2º, RESOLUÇÃO N. 4.474/16 DO BACEN). DEVER DE GUARDA DO DOCUMENTO ATÉ QUE OCORRA A PRESCRIÇÃO OU DECADÊNCIA (ART. 1.194, CÓDIGO CIVIL).
AUSÊNCIA DE APRESENTAÇÃO DA VIA ORIGINAL QUE INVIABILIZOU A REALIZAÇÃO DA PERÍCIA.
PARECER EMITIDO POR PREPOSTA DO RÉU, ACERCA DA QUAL NÃO SE TEM INFORMAÇÕES SOBRE SUA FORMAÇÃO OU QUAIS TÉCNICAS E MÉTODOS CIENTÍFICOS FORAM EMPREGADOS, QUE NÃO POSSUI O CONDÃO DE ATESTAR A INEXISTÊNCIA DE FRAUDE.
ÔNUS DE COMPROVAR A AUTENTICIDADE DA ASSINATURA QUE CABIA AO RÉU. EXEGESE DO ART. 429, II, DO CPC.
DEPÓSITO DA QUANTIA REFERENTE AO EMPRÉSTIMO NA CONTA DO REQUERENTE QUE NÃO É SUFICIENTE PARA COMPROVAR O VÍNCULO JURÍDICO. ENVIO DE SERVIÇO, SEM SOLICITAÇÃO PRÉVIA DO CONSUMIDOR, QUE CONFIGURA PRÁTICA ABUSIVA (ART. 39, III, CDC) E, PARA QUE HAJA DESCONTO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, SE FAZ NECESSÁRIO O CONSENTIMENTO DO APOSENTADO (ART. 2º, §1º, LEI N. 10.820/03). ADEMAIS, HOUVE DEPÓSITO EM JUÍZO DO RESPECTIVO VALOR. ATO ILÍCITO CARACTERIZADO. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE AS PARTES CONFIGURADA. SENTENÇA MANTIDA.
(...)
RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
(TJSC, Apelação n. 5003141-84.2021.8.24.0058, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, desta relatora, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 07-06-2022) (grifou-se).
Frisa-se, ainda, que não é possível considerar que houve a formalização do negócio jurídico apenas porque o demandado efetuou a transferência das quantias atinentes aos empréstimos para conta de titularidade da autora.
Em primeiro, é considerada como prática abusiva o envio, sem solicitação prévia, de qualquer serviço ao consumidor (art. 39, inc. III, CDC). Em segundo, por se tratar de transação financeira com desconto em benefício previdenciário, seria imprescindível a autorização do aposentado para tanto (art. 2º, §1º, Lei n. 10.820/03), além de ser necessária a verificação dos termos pactuados, como juros e encargos. Dessa forma, não comprovada a solicitação do serviço e inexistindo manifestação de vontade autorizando os descontos, não há falar em existência da relação jurídica.
Logo, diante da não contratação dos empréstimos objeto dos autos, deve ser mantida a decisão atacada que declarou a nulidade dos negócios, ainda que as parcelas já tenham sido totalmente descontadas, até porque não houve prescrição.
Por consequência, diante da nulidade, a ordem de restituição dos valores indevidamente descontados do benefício da ordem mostra-se correta.
O direito à repetição está inserto no art. 876 do Código Civil:
Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição.
Tratando-se de relação regida pelas normas do Código de Defesa do Consumidor, incide o previsto no art. 42 deste diploma:
Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.
Não obstante, a jurisprudência desta Corte alinhava-se no sentido de que, somente em caso de má-fé comprovada por parte daquele que se beneficia da indevida cobrança é que se autorizaria a devolução de forma duplicada. Isto é, considerando a presunção de boa-fé, apenas haveria restituição em dobro nos casos em que ficasse comprovada, de forma concreta, a existência de dolo daquele que cobrou indevidamente.
Entretanto, não se pode olvidar a decisão recente da Corte Especial do STJ que modificou este entendimento, oportunidade em que concluiu pela incidência em dobro mesmo sem má-fé, mas modulando os efeitos dessa orientação:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO CONSUMIDOR. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA.
HERMENÊUTICA DAS NORMAS DE PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CDC.
REQUISITO SUBJETIVO. DOLO/MÁ-FÉ OU CULPA. IRRELEVÂNCIA. PREVALÊNCIA DO CRITÉRIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. MODULAÇÃO DE EFEITOS PARCIALMENTE APLICADA. ART. 927, § 3º, DO CPC/2015.
IDENTIFICAÇÃO DA CONTROVÉRSIA 1. Trata-se de Embargos de Divergência que apontam dissídio entre a Primeira e a Segunda Seções do STJ acerca da exegese do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor - CDC. A divergência refere-se especificamente à necessidade de elemento subjetivo para fins de caracterização do dever de restituição em dobro da quantia cobrada indevidamente. (...)
TESE FINAL 28. Com essas considerações, conhece-se dos Embargos de Divergência para, no mérito, fixar-se a seguinte tese:
A REPETIÇÃO EM DOBRO, PREVISTA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CDC, É CABÍVEL QUANDO A COBRANÇA INDEVIDA CONSUBSTANCIAR CONDUTA CONTRÁRIA À BOA-FÉ OBJETIVA, OU SEJA, DEVE OCORRER INDEPENDENTEMENTE DA NATUREZA DO ELEMENTO VOLITIVO.
MODULAÇÃO DOS EFEITOS 29. Impõe-se
MODULAR OS EFEITOS
da presente decisão para que o entendimento aqui fixado - quanto a indébitos não decorrentes de prestação de serviço público -
se aplique somente a cobranças realizadas após a data da publicação do presente acórdão.
(...)
(EAREsp 600.663/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, julgado em 21/10/2020, DJe
30/03/2021
) (grifou-se).
Acerca da modulação dos efeitos da decisão, o Min. Herman Benjamin, em seu voto vista, esclarece que:
(...)
A novel legislação processual prevê, portanto, a possibilidade de modulação de efeitos não somente quando alterada a orientação firmada em julgamento de recursos repetitivos, mas também quando modificada jurisprudência dominante no STF e nos tribunais superiores.
(...)
Na hipótese aqui tratada, a jurisprudência da Segunda Seção, relativa a contratos estritamente privados, seguiu compreensão (critério volitivo doloso da cobrança indevida) que, com o presente julgamento, passa a ser superada, o que faz sobressair a necessidade de privilegiar os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança dos jurisdicionados.Parece prudente e justo, portanto, que se deva modular os efeitos da presente decisão, de maneira que
o entendimento aqui fixado seja aplicado aos indébitos
de natureza contratual não pública
pagos
após a data da publicação deste acórdão.
(EAREsp 600.663/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Rel. p/ Acórdão Ministro HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, julgado em 21/10/2020, DJe 30/03/2021, p. 71-72). (grifou-se)
Assim sendo, para as parcelas cobradas e pagas antes de 30/03/2021 (publicação do julgado), a repetição deve se dar de forma simples, exceto se comprovada a má-fé na cobrança. Já as prestações que foram adimplidas após a referida data, a repetição passa a ser feita em dobro nos casos de conduta contrária à boa-fé objetiva, independente do elemento volitivo daquele que cobrou.
Desse modo, considerando que a sentença observou os requisitos acima, não merece reparos.
Isso porque, ainda que o réu tenha indevidamente descontado valores do benefício previdenciário em razão das avenças não contratadas, não consta qualquer comprovação de que houve má-fé, não se vislumbrando razão para a devolução em dobro antes do acórdão publicado pelo STJ.
Mormente por se tratar de relação de consumo, a falha do banco ao não demonstrar as efetivas negociações da autora que justificariam as deduções mensais de seu benefício previdenciário é suficiente para caracterizar a inexistência das relações jurídicas e a inexigibilidade dos débitos oriundos destas. Entretanto, não se trata de situação em que se vislumbra má-fé ou dolo, ou seja, não restou provado ser hipótese em que o requerido, por vontade, sabendo que os negócios jurídicos não havia sido concretizados pela demandante, passou a descontar valores de seu benefício.
Além disso, a autorização da compensação dos valores deve ser mantida, porquanto, além de o reconhecimento da inexistência dos contratos ter como consequência lógica o retorno das partes ao
statu quo ante
, a devolução de valores recebidos em razão dos pactos desfeitos evita o enriquecimento sem causa da parte autora.
Neste sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. FRAUDE NA CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA.
INSURGÊNCIA DE AMBAS AS PARTES.
APELO DO BANCO RÉU. DEFENDIDA A VALIDADE DA CONTRATAÇÃO E A INEXISTÊNCIA DE FRAUDE. INSUBSISTÊNCIA. BANCO DEMANDADO QUE NÃO LOGROU ÊXITO EM DEMONSTRAR A LEGALIDADE DA CONTRATAÇÃO. ÔNUS QUE LHE INCUMBIA (ART. 373, II, DO CPC/2015). MANTIDA DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DO DÉBITO ORIUNDO DO CONTRATO SUB EXAMINE.
Nas demandas declaratórias de inexistência de débito, em razão de sua natureza negativa, o ônus probatório compete ao réu pela impossibilidade de o autor, por razões lógicas, comprovar a inexistência de relação negocial. Ademais, se questionada a assinatura aposta no contrato confeccionado pela instituição financeira, a esta cabe comprovar sua veracidade. [...] (TJSC, Apelação Cível n. 0003626-58.2008.8.24.0113, de Camboriú, rel. Des. João Batista Góes Ulysséa, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 10-11-2016).
PEDIDO DE AFASTAMENTO DA DEVOLUÇÃO EM DOBRO DOS VALORES DESCONTADOS INDEVIDAMENTE DOS PROVENTOS DO AUTOR. NÃO ACOLHIMENTO. RESTITUIÇÃO EM DOBRO CABÍVEL QUANDO A COBRANÇA INDEVIDA CONSUBSTANCIAR CONDUTA CONTRÁRIA À BOA-FÉ OBJETIVA. ATUAL ORIENTAÇÃO DO STJ (EARESP 676.608/RS). DESNECESSIDADE DE PROVA DE MÁ-FÉ.
PLEITO DE COMPENSAÇÃO DO VALOR DO EMPRÉSTIMO COM O VALOR A SER PAGO A TÍTULO DE RESTITUIÇÃO DAS PARCELAS COBRADAS. ACOLHIMENTO. QUANTIA QUE PERTENCE À CASA BANCÁRIA E QUE DEVE SER RESTITUÍDA À DEMANDADA APÓS A LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA.
RECURSO DA PARTE AUTORA. PRETENDIDA CONDENAÇÃO DA RÉ EM RESSARCIR OS DANOS MORAIS SUPOSTAMENTE SOFRIDOS. PEDIDO AFASTADO. DESCONTOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. AUSÊNCIA DE PROVAS DEMONSTRANDO, EFETIVAMENTE, QUE O VALOR DESCONTADO TENHA AFETADO A SUBSISTÊNCIA DA DEMANDANTE OU CONFIGURADO ALGUMA SITUAÇÃO CAPAZ DE LHE ENSEJAR REPARAÇÃO PECUNIÁRIA POR ABALO MORAL. INEXISTÊNCIA DE GRAVE OFENSA AOS VALORES FUNDAMENTAIS INERENTES AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE. INCÔMODO TÍPICO DA VIDA EM SOCIEDADE. SENTENÇA MANTIDA INALTERADA NO PONTO. HONORÁRIOS RECURSAIS. CABIMENTO EM FAVOR DO PROCURADOR DO REQUERIDO. ORIENTAÇÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (EDCL NO AGINT NO RESP N. 1.573.573/RJ, REL. MIN. MARCO AURÉLIO BELIZZE).RECURSO DO BANCO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. APELO DA AUTORA CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5004095-07.2020.8.24.0175, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. José Agenor de Aragão, Quarta Câmara de Direito Civil, j. 02-06-2022- grifei).
A autora sustenta, ainda, o cabimento dos danos morais.
Como é sabido, a Constituição da República prevê a compensação por danos morais no título referente aos direitos e garantias fundamentais, mais precisamente nos incisos V e X do art. 5º,
in verbis
:
Art. 5º (...)
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem;
(...)
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Os elementos da responsabilidade civil nas relações de consumo consistem na conduta, dano e nexo de causalidade entre eles, excluída aqui a culpa ou dolo, visto que se trata de responsabilidade objetiva. Portanto, para que haja o dever de indenizar, é preciso verificar a presença desses pressupostos.
Acerca da conduta, verifica-se que ocorreram descontos no benefício previdenciário da demandante por conta de empréstimos não contratados por ela. O ato ilícito foi reconhecido em primeiro grau e mantido em sede recursal.
Não obstante, o reconhecimento de um dos pressupostos do dever de indenizar não é suficiente, por si só, para condenação da parte adversa ao pagamento de danos morais. É necessário, pois, prosseguir com a análise dos requisitos.
Em relação ao segundo pressuposto da responsabilidade civil, cuida-se de situação em que o dano depende de prova concreta e objetiva, não se aplicando, no caso, a presunção de abalo moral.
Sobre o tema, Sérgio Cavalieri Filho leciona que:
O dano é o grande vilão da responsabilidade civil, encontra-se no centro da obrigação de indenizar. Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não fosse o dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano. O dever de reparar só ocorre quando alguém pratica ato ilícito e causa dano a outrem. Em outras palavras, a obrigação de indenizar pressupõe o dano e sem ele não há indenização devida. Não basta o risco de dano, não basta a conduta ilícita. Sem uma consequência concreta, lesiva ao patrimônio econômico ou moral, não se impõe o dever de reparar. (CAVALIERI FILHO, Sérgio.
Programa de responsabilidade civil
. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2020, p. 86)
Imprescindível, portanto, avaliar as peculiaridades do caso, a fim de verificar se houve prejuízos extrapatrimoniais capazes de ensejar a indenização.
Na espécie, a autora não comprovou que as deduções de R$17,10 e R$ 69,00 em seu benefício previdenciário comprometeram sua vida financeira a ponto de ficar impossibilitada de adimplir alguma dívida, adquirir algum produto que fosse de sua conveniência ou, ainda, que tenha ocorrido impacto financeiro em seu orçamento.
Aliás, frisa-se que a demanda foi proposta em 29/01/2024 e os descontos findaram em 01/2023 e 12/2022 (
evento 1, EXTR5
), o que faz presumir que não estavam afetando significativamente a condição financeira da autora, já que ocorreram por longo período.
De mais a mais, deve ser considerado que haverá a restauração do
status quo ante
e as quantias indevidamente debitadas serão restituídas, de modo que a requerente não experimentará qualquer prejuízo financeiro.
É claro que a dedução mensal indevida, oriunda de contratações fraudulentas, é situação que gera indignação por parte da vítima que percebeu descontos em seu benefício previdenciário sem sua autorização. Entretanto, é preciso ter em mente que, para que seja configurado o dever de indenizar, o evento noticiado precisa ter gerado efetivo dano à personalidade.
Nesse sentido, Sérgio Cavalieri Filho ensina que:
(...) só deve ser reputado como dano moral a agressão a um bem ou atributo da personalidade que cause dor, vexame, sofrimento ou humilhação; que fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos. (CAVALIERI FILHO, Sérgio.
Programa de responsabilidade civil
. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2020, p. 102)
Portanto, mais do que alegar que sofreu inúmeros transtornos e que os prejuízos decorrentes dos descontos são notórios, a requerente precisaria ter relatado as peculiaridades do seu caso concreto a fim de demonstrar, efetivamente, o dano sofrido em decorrência do ilícito praticado pelo requerido. Como na espécie não consta dos autos a narrativa de situação particular e tampouco comprovação da ocorrência do abalo anímico, não é possível vislumbrar a existência de dano a ser indenizado.
É este o entendimento desta Câmara em casos semelhantes:
RESPONSABILIDADE CIVIL - DANOS MORAIS E RESTITUIÇÃO DE INDÉBITO - EMPRÉSTIMO CONSIGNADO -
DÉBITO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO
- ATO ILÍCITO CONFIGURADO -
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS
- DESCABIMENTO -
ABALO ANÍMICO NÃO EVIDENCIADO
Os descontos indevidos promovidos por entidade financeira no benefício previdenciário do aposentado, sem que tenha este demonstrado forte perturbação ou afetação à sua honra ou tranquilidade de vida, não configuram danos morais indenizáveis.
Afinal, consoante entende este Tribunal, "embora não se elimine o aborrecimento sofrido pela demandante, por conta do desconto indevido em seu benefício previdenciário,
tal fato, por si só, não faz presumir a existência de dano moral indenizável, sobretudo à falta de prova de evento grave que possa expor a vítima à humilhação, vexame ou abalo psicológico significativo
" (AC n. 0301583-51.2015.8.24.0074, Des. João Batista Góes Ulysséa).
(TJSC, Apelação n. 5000937-57.2021.8.24.0029, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Luiz Cézar Medeiros, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 14-12-2021) (grifou-se).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS COM PEDIDO LIMINAR. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO
NÃO CONTRATADO E DESCONTADO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO
. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA.
RECURSO DO RÉU PLEITO DE AFASTAMENTO DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ACOLHIMENTO
. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA INSCRIÇÃO DO NOME DA DEMANDANTE NOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO OU DE QUALQUER OUTRA CIRCUNSTÂNCIA VEXATÓRIA.
COBRANÇA INDEVIDA DA DÍVIDA QUE NÃO CARACTERIZA, POR SI SÓ, O ABALO ANÍMICO
. SITUAÇÃO QUE NÃO REPERCUTIU NA ESFERA ÍNTIMA DA REQUERENTE A PONTO DE OFENDER-LHE A HONRA E A DIGNIDADE. MERO DISSABOR.
DEVER DE INDENIZAR NÃO CARACTERIZADO
. ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. NECESSIDADE DE REDISTRIBUIÇÃO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DESSAS VERBAS EM RELAÇÃO À AUTORA, POR SER BENEFICIÁRIA DA JUSTIÇA GRATUITA, NA FORMA DO ART. 98, § 3º, DO CPC. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJSC, Apelação Cível n. 0302468-38.2016.8.24.0007, de Biguaçu, desta Relatora, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 05-05-2020) (grifou-se).
Portanto, não comprovada a existência de dano, inexiste o dever de indenizar, de forma que não há falar em fixação de danos morais. Dessa forma, a sentença apelada deve ser mantida.
Por sua vez, considerando que a autora restou vencida quanto ao pedido de danos morais, não merece acolhida o pedido de condenação apenas do requerido ao pagamento dos ônus sucumbenciais. Veja-se que a distribuição operada na sentença (80% em desfavor do requerido e 20% em desfavor da autora) está em consonância com as perdas e vitórias das partes.
Quanto aos honorários advocatícios, o valor arbitrado (15% sobre o valor da condenação, observando o mínimo de R$ 400,00) é razoável e remunera adequadamente o trabalho dos procuradores, sendo incabível o pedido da instituição financeira de redução.
Por fim, fixam-se honorários recursais aos advogados das partes em 2% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, §11, do CPC.
Ante o exposto, com amparo no art. 932, VIII, do Código de Processo Civil e no art. 132, XV, do RITJSC, conheço dos recursos e nego-lhes provimento.
Publique-se. Registre-se. Intime-se.
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