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Valdecila Veiga Ferreira x Banco Bmg S.A

ID: 317191638

Tribunal: TJMG Órgão: 2ª Vara Cível da Comarca de Governador Valadares Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 5003659-31.2024.8.13.0105

Data de Disponibilização: 07/07/2025

Polo Ativo:

VALDECILA VEIGA FERREIRA

Polo Passivo:

BANCO BMG S.A

Intimação

Advogados:

ALAN ASCANIO FRANCA COSTA

OAB/MG XXXXXX Desbloquear

LOUIS AUGUSTO DOLABELA IRRTHUM

OAB/MG XXXXXX Desbloquear

FELIPE VALADARES MOURA

OAB/MG XXXXXX Desbloquear

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Governador Valadares / 2ª Vara Cível da Comarca de Governador Valadares Praça do XX Aniversário, sem número, - até … PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Governador Valadares / 2ª Vara Cível da Comarca de Governador Valadares Praça do XX Aniversário, sem número, - até 870/871, Centro, Governador Valadares - MG - CEP: 35010-140 PROCESSO Nº: 5003659-31.2024.8.13.0105 CLASSE: [CÍVEL] PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) ASSUNTO: [Defeito, nulidade ou anulação, Indenização por Dano Moral, Indenização por Dano Material] AUTOR: VALDECILA VEIGA FERREIRA CPF: 077.211.208-88 RÉU: BANCO BMG S.A CPF: 61.186.680/0001-74 Sentença Vistos, etc. Trata-se de AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS C/C TUTELA DE URGÊNCIA ajuizada por VALDECILA VEIGA FERREIRA em face de BANCO BMG S.A. Em exordial sustentou a Autora que recebe benefício assistencial BPC/LOAS de nº 708.918.982-2, no valor de um salário mínimo, e que, sendo pessoa idosa e analfabeta funcional (com ensino fundamental incompleto), jamais solicitou ou utilizou efetivamente o cartão de crédito consignado de nº 5259 2296 4996 8406, emitido pelo Réu. Afirma, contudo, ter percebido, ao analisar extrato de seu benefício, a existência de descontos mensais referentes à Reserva de Margem para Cartão (RMC), desde agosto de 2022, sem que tenha recebido qualquer fatura ou tido ciência da suposta contratação. Diante disso, pugnou pela declaração de nulidade do negócio jurídico em razão da inobservância das formalidades legais para contratação com pessoa analfabeta (art. 595 do Código Civil), além de vício de consentimento. Requereu, ainda, a condenação do Réu à restituição em dobro dos valores indevidamente descontados, totalizando R$ 2.257,06, e ao pagamento de indenização por danos morais no importe de R$ 10.000,00, bem como dos honorários advocatícios contratuais. Requereu, ab initio, a concessão da tutela de urgência para suspensão dos descontos, a inversão do ônus da prova e a prioridade de tramitação em razão de sua idade. A gratuidade da justiça e a prioridade de tramitação foram deferidas pelo Juízo (ID 10169403412). Em Contestação de ID 10180737854, o banco requerido defendeu a regularidade da contratação do cartão de crédito consignado, alegando que a Autora o contratou por iniciativa própria, mediante assinatura eletrônica de Termo de Adesão, Termo de Autorização para Desconto em Folha de Pagamento e Termo de Consentimento Esclarecido. Sustentou que o cartão foi desbloqueado e efetivamente utilizado para saques (totalizando R$ 1.167,00) e compras, conforme faturas e comprovante de TED anexados. Argumentou a legalidade do produto "BMG Card" e sua regulamentação, aduzindo a inexistência de vício de consentimento e a plena observância dos deveres de informação e publicidade. Impugna os pedidos de restituição em dobro e de danos morais, defendendo a ausência de má-fé ou ato ilícito, e requerendo, em pedido contraposto, o depósito judicial pela Autora do valor que lhe fora creditado, sob pena de enriquecimento ilícito. Em decisão de ID 10189145129 indeferiu-se a tutela de urgência para suspensão dos descontos, bem como deferiu a inversão do ônus da prova em favor da Autora e, de plano, acolheu o pedido do Réu para que a Autora depositasse judicialmente o valor de R$ 1.167,00 recebido. A Autora interpôs Agravo de Instrumento (ID 10196109071), atacando o indeferimento da tutela de urgência e a ordem de depósito judicial. Argumentou a impossibilidade de se exigir prova negativa de sua parte, reforçou sua condição de analfabeta e hipossuficiente, e informou que o valor supostamente sacado já havia sido quitado por meio de um refinanciamento da dívida, configurando enriquecimento ilícito da parte Ré caso o depósito fosse exigido. Em decisão monocrática proferida no Agravo de Instrumento nº 1.0000.24.187017-9/001 (ID 10208246516, deu-se provimento ao recurso da Autora. Em Impugnação à Contestação (ID 10192796142), a parte autora reiterou suas alegações de analfabetismo funcional e desconhecimento da contratação, impugnando os documentos eletrônicos juntados pelo Réu (especialmente a selfie e o áudio da "gravação"). Ponderou que o valor de R$ 1.167,00 deveria ser considerado "amostra grátis" (art. 39, III, CDC) ou, subsidiariamente, ser compensado. Em sede de especificação de provas, a requerida informou a ausência de interesse (ID 10197208504; em petição de ID 10202673759, a autora requereu seja realizado o saneamento do processo, para que então possa indicar as provas a serem produzidas. Em decisão de saneamento e organização do feito (ID 10269073367), o Juízo fixou como pontos controvertidos o suposto vício de consentimento na contratação e no saque autorizado, bem como o alegado analfabetismo funcional. Manteve a inversão do ônus da prova, mas ressaltou a necessidade de a Autora comprovar minimamente seu alegado direito. Posteriormente, a Autora foi intimada a juntar extrato bancário de sua conta no Banco Mercantil do Brasil para constatar o recebimento e eventual utilização do saque autorizado (ID 10249875927). Os extratos foram acostados (ID 10259982144). Ao ID 10320781597 a parte autora pugnou pela aplicação da prova escrita, em domicílio e/ou seja utilizada a metodologia do Inaf (Indicador de Alfabetismo Funcional)1, que avaliará quatro habilidades funcionais nos campos do letramento e do numeramento. Em manifestação de ID 10374300520 o Réu suscitou a preliminar de falta de interesse de agir da Autora, com base no IRDR n. 2922197-81.2022.8.13.0000 do TJMG, que versa sobre a necessidade de comprovação de prévia tentativa de solução extrajudicial da controvérsia em ações de natureza prestacional nas relações de consumo. É, no necessário, o relatório. Fundamento e decido. Feito em ordem, livre de nulidades. As partes estão bem representadas e se fazem presentes os pressupostos processuais e as condições da ação. O feito comporta julgamento antecipado, haja vista que as questões versadas são exclusivamente jurídicas, não carecendo da produção de qualquer outra prova para a sua compreensão – art. 355, I, do CPC. Inicialmente, aprecia-se a preliminar suscitada pelo banco requerido. I – Da Falta De Interesse de Agir da Requerente O requerido, em ID 10374300520, alega a falta de interesse de agir da requerente, uma vez que a autora não recorreu aos métodos de resolução extrajudiciais para dirimir o conflito. Afirma que, para que se possa cogitar o interesse processual, é indispensável que haja, pelo polo passivo, pretensão resistida à lide posta em Juízo. À luz dos princípios do acesso à justiça e da inafastabilidade de jurisdição (art 5º, XXXV, da CR/88), dessume-se que o esgotamento prévio das vias extrajudiciais, certamente, não é requisito essencial para o conhecimento do interesse de agir, tampouco obsta o ajuizamento da ação. Entende o Eg. Tribunal de Minas Gerais: EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO REVISIONAL. PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. REJEIÇÃO. MÉRITO. TUTELA DE URGÊNCIA. SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÃO. COMPARTILHAMENTO DE INFRAESTRUTURA. CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA ELÉTRICA. RESOLUÇÃO CONJUNTA ANEEL N. 04/2014. PREÇO DE REFERÊNCIA. OBSERVÂNCIA. DECISÃO MANTIDA. 1. O esgotamento prévio das vias extrajudiciais não é requisito essencial para o reconhecimento do interesse de agir, à luz dos princípios do acesso à justiça e da inafastabilidade jurisdição (art. 5º, XXXV, da CR/88). 2. Os requisitos para a concessão da tutela de urgência estão elencados no art. 300 do CPC. Exige-se, concomitantemente, a demonstração da probabilidade do direito alegado (fumus boni juris) e o perigo de dano em se aguardar a decisão de mérito (periculum in mora). 3. Existindo divergência entre as partes contratantes em relação ao valor a ser cobrado, deve ser respeitado, a princípio, o preço de referência estabelecido na Resolução da ANEEL 004/2014, porquanto não houve justificativa idônea para a imposição de preço diverso. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.24.420514-2/001, Relator(a): Des.(a) Wagner Wilson , 19ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 12/12/2024, publicação da súmula em 18/12/2024) EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÍVIDA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - PRELIMINAR INTERESSE DE AGIR- PRESCINDIBILIDADE DO ESGOTAMENTO DAS VIAS ADMINISTRATIVAS - NEGATIVA DE CONTRATAÇÃO. INSCRIÇÃO INDEVIDA DO NOME EM ÓRGÃO RESTRITIVO DE CRÉDITO -RELAÇÃO JURÍDICA - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO - RECURSO DESPROVIDO - SENTENÇA MANTIDA. - Conquanto a solução extrajudicial da controvérsia deva ser estimulada, não há de se falar em ausência de interesse de agir, nos casos em que a parte não exaure as vias administrativas, sob pena de afronta ao primado da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, CF). - Não comprovada a contratação, deve ser mantida a declaração de inexistência da relação jurídica e da dívida inscrita em órgão restritivo de crédito. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.23.266361-7/001, Relator(a): Des.(a) Pedro Bernardes de Oliveira , 9ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 21/01/2025, publicação da súmula em 24/01/2025) No mais, o IRDR citado pela parte requerida somente terá força vinculante após seu trânsito em julgado, quando a tese será definitivamente fixada e terá aplicação imediata. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS (IRDR). TEMA 91. INTERESSE DE AGIR. SUSPENSÃO DO PROCESSO. PRESSUPOSTOS ATENDIDOS. DECISÃO MANTIDA. I. CASO EM EXAME 1. Agravo de instrumento interposto contra decisão que determinou a suspensão do processo em razão do Tema 91 do IRDR nº 1.0000.22.157099-7/002, em trâmite no TJMG, que discute a configuração do interesse de agir do consumidor e a exigência de prévia tentativa de solução extrajudicial. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão central consiste em verificar a adequação da decisão de suspensão do processo à luz dos critérios estabelecidos no IRDR Tema 91. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O IRDR, conforme artigo 982, caput, do CPC, busca uniformizar decisões sobre matéria repetitiva com efeitos vinculantes, podendo acarretar a suspensão dos processos que envolvam a mesma controvérsia jurídica. 4. A decisão de suspensão está de acordo com o roteiro delineado pelo relator do IRDR Tema 91, sendo correta a aplicação do artigo 313, IV, do CPC. 5. O recente julgamento do Tema 91 ainda não possui força vinculante, dependendo do trânsito em julgado para aplicação imediata nos casos similares, conforme inteligência do artigo 982, §5º, do CPC. IV. DISPOSITIVO E TESE 9. Recurso desprovido. Tese de julgamento: A suspensão de processos com fundamento em IRDR exige o atendimento aos critérios delineados pelo relator do incidente, sendo cabível apenas quando os atos pendentes não se relacionam à controvérsia submetida ao julgamento repetitivo. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.24.342801-8/001, Relator(a): Des.(a) Maria Lúcia Cabral Caruso , 12ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 23/01/2025, publicação da súmula em 03/02/2025) Diante disso, não há suporte legal para se exigir que a parte autora tenha tentado resolver a situação extrajudicialmente para, posteriormente, ajuizar a ação judicial. Nesse sentido, REJEITO a preliminar de falta de interesse de agir. Superada a preliminar suscitada, passa-se ao mérito da questão. A priori, é patente submeter o caso às regras do direito consumerista, respondendo o Banco Réu objetivamente como fornecedor de serviços, pelos danos causados ao consumidor (art. 14, do CDC), independentemente da perquirição da existência de sua culpa: Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. Cumpre ressaltar ainda o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a respeito, manifestado na Súmula nº 297, segundo o qual: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Para a análise da controvérsia instaurada nos autos, faz-se necessário verificar a existência de negócio jurídico, apto a lastrear margem consignável e efetuar descontos mensais no benefício previdenciário da autora. Pois bem. A autora pretende a declaração de inexistência da contratação do Empréstimo via RMC e a suspensão dos descontos em seu benefício previdenciário. Pretende, ainda, a restituição em dobro dos valores descontados e indenização por danos morais, alegando ser analfabeta funcional e que não possuía ciência da modalidade de contratação, tendo sido induzida a erro, e que a suposta contratação não observou as formalidades legais exigidas. Por sua vez, o Banco requerido sustentou a regularidade do negócio jurídico e dos descontos subsequentes. Em que pese os argumentos controversos, o requerido comprovou a existência de relação jurídica entre as partes. Depreende-se das provas constantes dos autos que a requerente assinou o Termo de Adesão Cartão de Crédito Consignado e Autorização para Desconto em Folha de Pagamento, Seguro de Vida Cartão de Crédito Consignado, Termo de Consentimento Esclarecido do Cartão de Crédito Consignado, Termo de Autorização do Beneficiário – INSS, bem como a autorização para desconto em folha de pagamento, alegando que os referidos documentos foram firmados por meio de selfie e por ligação com representante do banco requerido. Durante a referida ligação, a requerente forneceu dados pessoais como CPF, nome completo, telefone para contato, idade, nome dos genitores e data de nascimento, com o auxílio de sua sobrinha, identificada como “Dayane”, a qual afirma que o objetivo da ligação era o desbloqueio do cartão da requerente. Ressalta-se que a telefonista deixa claro que a chamada seria transferida para o setor responsável pelo desbloqueio do cartão e pelo cadastro da senha de quatro dígitos. Além disso, foram juntadas cópias do documento de identificação da autora, fluxo e fatura do referido cartão, sendo possível observar que para além do saque autorizado, constam nas faturas valores referentes ao uso do plástico em diversos estabelecimentos dessa cidade – Aviário Lacerda, Bete Mercearia, Davi Verduras, Supermercado Oliveira, Supermercado Coelho Diniz. Ademais, há documento que comprova a realização de pagamento TED em favor da autora, no valor de R$ 1.167,00, em conta mantida junto ao Banco Mercantil do Brasil. Apesar da alegação de contratação eletrônica, que, por si só, não é inválida, a peculiaridade do caso reside na condição de analfabetismo funcional da Autora. A presunção de validade da declaração de vontade em ambiente digital é mitigada quando o contratante é pessoa com reduzida capacidade de discernimento sobre a natureza complexa do contrato, mormente se analfabeto ou com baixo grau de instrução. Conquanto a demandante tenha alegado a condição de analfabeta, não se desincumbiu do ônus de comprovar tal circunstância fática, conforme preceitua o artigo 373, inciso I, do Código de Processo Civil. O acervo probatório carece de elementos que corroborem a assertiva, tais como laudos técnicos, declarações médicas e psicopedagógicas, ou ainda documentos que evidenciem a dificuldade na escrita e compreensão textual. A ausência de comprovação do analfabetismo assume relevância crucial para a análise da validade dos instrumentos contratuais, porquanto, não demonstrada tal condição, presume-se a capacidade da contratante para compreender os termos e condições dos ajustes celebrados, ainda que por meio eletrônico mediante utilização de cartão magnético e senha pessoal. No mesmo sentido entende o Eg. TJMG: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - SITUAÇÃO DE ANALFABETISMO NÃO DEMONSTRADA - DOCUMENTOS PESSOAIS CONTENDO ASSINATURA - ALEGAÇÃO DE ANALFABETISMO FUNCIONAL - INEXIGIBILIDADE DE CELEBRAÇÃO POR INSTRUMENTO PÚBLICO OU DE ASSINATURA A ROGO - VÍCIO DE CONSENTIMENTO NÃO DEMONSTRADO - ART. 373, I, CPC. Constatando-se que a parte assina, conforme documentos pessoais por ela apresentados nos autos, não há que se falar em necessidade de celebração por instrumento público ou de assinatura a rogo. A norma do artigo 171, inciso II, do Código Civil, dispõe que é anulável o negócio jurídico por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores. O analfabetismo funcional ou o baixo grau de instrução são circunstâncias que não conduzem, automaticamente, ao reconhecimento de vício de consentimento. Por força do disposto no art. 373, I, do CPC, incumbe ao autor o ônus de comprovar os fatos constitutivos do seu direito" (TJMG, Apelação Cível nº 1.0000.24.228997-3/001, Rel. Des.ª Mônica Libânio, 11ª Câmara Cível, j. 14/07/2024, DJe 17/07/2024). No caso em análise, a parte demonstrou capacidade para assinar sua Identidade (ID. 10168385112), o que evidencia, ao menos, conhecimento rudimentar da escrita. O analfabetismo funcional, caracterizado pela dificuldade de compreensão textual apesar da capacidade de assinatura, não encontra proteção legal específica que exija formalidades adicionais para a validade dos atos jurídicos. Em caso análogo, decidiu o Egrégio Tribunal Mineiro: Ementa: DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE CONTRATUAL C/C INDENIZATÓRIA. CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS. ALEGADO ANALFABETISMO FUNCIONAL. REGULARIDADE DAS CONTRATAÇÕES. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME Recurso de apelação interposto contra sentença proferida em ação declaratória de inexistência de débito c/c indenização por danos morais e repetição de indébito ajuizada em face de instituição financeira, julgada improcedente. A autora alegou que, por ser analfabeta funcional, os contratos não observaram as formalidades legais, sendo nulos. O juízo de origem reconheceu a validade dos contratos firmados mediante biometria facial e presença de documentos pessoais, negando os pedidos indenizatórios e de restituição do indébito. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (i) definir se a alegada condição de analfabeta funcional da autora enseja a nulidade dos contratos de empréstimo consignado firmados com assinatura eletrônica por biometria facial; e (ii) estabelecer se há direito à repetição do indébito e à indenização por danos morais em razão dos descontos realizados. III. RAZÕES DE DECIDIR Ausência de nulidade dos contratos de empréstimo firmados, diante da comprovação de sua formalização por biometria facial, remessa de documentos pessoais e efetivo recebimento dos valores pela contratante em conta bancária de sua titularidade. O analfabetismo funcional, por si só, não torna a consumidora incapaz civilmente, tampouco invalida os contratos firmados, sobretudo quando ela forneceu à instituição financeira documento de identidade devidamente assinado e não ressalvou aquela condição ao formalizar os empréstimos, de cujos valores se beneficiou. Rejeição da preliminar de inépcia recursal por ausência de violação ao princípio da dialeticidade. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso conhecido e desprovido. Tese de julgamento: 1. A formalização de contratos de empréstimo por meio de biometria facial, com transferência dos valores ao contratante e juntada de documentos pessoais, confere validade ao negócio jurídico. 2. A alegada condição de analfabeto funcional, por si só, não acarreta a nulidade do contrato, quando evidenciada a capacidade civil da parte e inexistentes vícios de consentimento. 3. A instituição financeira que comprova a regularidade da contratação e o repasse dos valores não está obrigada à restituição dos descontos nem à indenização por danos morais. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, incisos XXXII e XXXV; CC, arts. 166, IV e 188, I; CPC, arts. 373, I e 85, § 11. Jurisprudência relevante citada: TJMG, Apelação Cível nº 1.0000.24.499461-2/001, Rel. Des. Cavalcante Motta, j. 17.12.2024; TJMG, Apelação Cível nº 1.0000.23.170319-0/001, Rel. Des. José Augusto Lourenço dos Santos, j. 17.11.2023. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.24.514469-6/001, Relator(a): Des.(a) Christian Gomes Lima (JD) , 20ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 15/05/2025, publicação da súmula em 16/05/2025) Desse modo, ainda que a parte autora tenha pugnado pela realização de perícia para aferição de seu grau de analfabetismo funcional, tal circunstância, por si só, não tem o condão de invalidar a capacidade civil da parte para a celebração de contratos. A eventual limitação na compreensão plena de conteúdos escritos não implica, necessariamente, incapacidade jurídica, sobretudo quando não há, nos autos, elementos que demonstrem vício de vontade, coação ou qualquer outro fator que comprometa a livre manifestação de vontade. Ressalte-se, ainda, que o ordenamento jurídico presume a capacidade das pessoas maiores de idade, cabendo à parte interessada o ônus de comprovar eventual incapacidade ou vulnerabilidade concreta que tenha maculado o negócio jurídico firmado. Nesse contexto, a alegação de analfabetismo funcional não é suficiente, por si só, para infirmar a validade do contrato celebrado, devendo ser analisada em conjunto com as demais provas constantes dos autos. Assim, a despeito da alegação de analfabetismo funcional, inexistem elementos probatórios que corroborem tal condição ou demonstrem prejuízo à manifestação de vontade da parte, prevalecendo a presunção de validade do ato jurídico praticado mediante assinatura em documento idôneo. No mais, conforme o extrato bancários juntados pela requerente, restou comprovada a realização de saque pela mesma, referentes aos valores objeto do contrato sub judice, os quais foram depositados em sua conta pelo Banco BMG. Especificamente, foi creditado o montante de R$ 1.167,00 (um mil cento e sessenta e sete reais). Vejamos: Nesse sentido, destaca-se o entendimento do Eg. TJMG: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO C/C DANOS MORAIS. PROVAS SUFICIENTES DA CONTRATAÇÃO. VÍCIO DE CONSENTIMENTO NÃO COMPROVADO. RECURSO DESPROVIDO. - Uma vez apresentados, pela instituição financeira ré, documentos comprobatórios da contratação e utilização, pela consumidora autora, de cartão de crédito com Reserva de Margem Consignável - RMC, tem-se por devidamente comprovado fato desconstitutivo do direito reclamado, nos termos do artigo 373, II do Código de Processo Civil. - Conforme a tese definida pela 2ª Seção Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 73, não será considerada legítima a contratação de cartão de crédito com reserva de margem consignável se demonstrada, no caso concreto, a presença de erro substancial por parte do consumidor, circunstância em que será possível sua anulação. Porém, não configura erro substancial a mera existência de modalidade contratual em tese mais vantajosa para o consumidor, especialmente se as provas dos autos ilustram que a autora, pessoa maior e capaz, utilizou cartão de crédito com RMC para finalidades diversas da função de saque, tais como para compras. - Recurso desprovido. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.24.464046-2/001, Relator(a): Des.(a) Rui de Almeida Magalhães , 11ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 29/01/2025, publicação da súmula em 03/02/2025) (GRIFO NOSSO) Observa-se, ainda, que a autora juntou aos autos os históricos de créditos junto ao INSS e o histórico de empréstimos consignados, os quais demonstram que a parte requerente possui diversos descontos sob a rubrica “Consignação Empréstimo Bancário”, evidenciando que possui familiaridade na contratação de empréstimos. Não há, portanto, indicativos de nulidade das cláusulas contratuais e tampouco vício de consentimento. No mais, a Autora argumenta que o valor de R$ 1.167,00, recebido via TED (ID 10180739995), deveria ser considerado como "amostra grátis" nos termos do art. 39, III e parágrafo único, do CDC, dada a ausência de sua solicitação e anuência informada. Contudo, como já demonstrado, a Autora aderiu ao cartão de crédito consignado de forma livre e consciente, tendo utilizado o referido cartão para saques e compras. O valor de R$ 1.167,00 foi creditado em sua conta como parte do contrato de cartão de crédito consignado, e não como “amostra grátis”. Desse modo, a acepção de “amostra grátis” violaria a vedação ao enriquecimento sem causa, nos termos do artigo 884 do Código Civil. Nesse sentido, é o entendimento do Eg. TJMG: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA CONTRATUAL COM REPETIÇÃO DO INDÉBITO COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COM PEDIDO DE AMOSTRA GRÁTIS - EMPRÉSTIMO CONSIGNADO POR CARTÃO DE CRÉDITO - IRDR TJMG TEMA Nº 73 - TRANSPARÊNCIA DAS INFORMAÇÕES CONSTANTES NO CONTRATO - INDUÇÃO A ERRO QUANTO A SUBSTÂNCIA - NÃO EVIDENCIADA - PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA E FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA - IMPUGNAÇÃO INFUNDADA - REJEIÇÃO - SENTENÇA MANTIDA. Constatada a situação de hipossuficiência da parte autora, e não obstante a sua impugnação pelo demandado, inexistindo provas efetivas e capazes de afastá-la, impõe-se manter a sentença que concedeu os benefícios da assistência judiciária. Não há que se falar amostra grátis em relação aos valores disponibilizados na conta bancária do consumidor, sob pena de se autorizar o enriquecimento ilícito. Atento à multiplicidade de ações que envolviam a mesma matéria de direito, este egrégio Tribunal de Justiça afetou a temática no âmbito da 2ª Seção Cível (09/06/2021), cujo trânsito em julgado das teses jurídicas firmadas se deu em 10/08/2023 nos seguintes termos: "(1) deve ser declarada a nulidade do contrato de cartão de crédito consignado gerador das consignações em folha de pagamento, se assim pedido pelo consumidor, quando configurado o erro substancial; (2) se o consumidor pretendia, de fato, contratar um empréstimo consignado e, induzido a erro pelo banco, contratou o cartão de crédito consignado, em havendo pedido nesse sentido e em possuindo o consumidor margem consignável para suportar o empréstimo consignado, cabe converter o contrato em contrato de empréstimo consignado, ficando o banco obrigado a aplicar a taxa média, indicada pelo Banco Central, para contratações da espécie, na época em que firmada a avença; (...)". - O contrato de cartão de crédito consignado possui natureza jurídica diversa do empréstimo pessoal consignado e, e m decorrência do maior risco assumido pelas instituições de crédito e em razão das práticas comerciais rotineiramente adotadas nesta modalidade contratual, os juros remuneratórios cobrados são mais elevados, não sendo possível equipará-los àqueles aplicados aos contratos de empréstimo pessoal. - No âmbito de abrangência da solidariedade serão alcançadas tanto a boa-fé objetiva, quanto a função social do contrato e, somente quando houver prática de atos sem estes imperativos, é que deve ser considerado o abuso de direito. - Incumbe à parte autora o dever de comprovar que foi induzida a erro substancial com relação a natureza do contrato de empréstimo que estaria sendo por ela firmado, situação que não pode ser presumida. - Comprovada a relação jurídica entre as partes, decorrente do empréstimo na modalidade cartão de crédito consignado, com a estipulação de cláusulas transparentes e com plena observância das regras consumeristas, impõe-se o reconhecer a regularidade dos descontos das parcelas ajustadas e a impossibilidade de restituição e indenização por suposto dano moral. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.25.093999-8/001, Relator(a): Des.(a) Baeta Neves , 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 28/05/2025, publicação da súmula em 29/05/2025) (grifo nosso) Ora. O Banco requerido possui direito à remuneração pelos serviços postos à disposição da autora, em decorrência do contrato celebrado. Para tanto, e se contratado nesse sentido, os descontos em folha de pagamento são lícitos. Contudo, imperioso ressaltar que tais descontos estão sujeitos às limitações estipuladas pela Lei nº 10.820/2003, a qual se aplica aos aposentados e servidores do INSS, nos termos do art. 6º da referida lei. Ainda, com fulcro no art. 4º, incisos III e V da Instrução Normativa INSS/PRES nº 138, de 10 de novembro de 2022, a denominação Reserva de Cartão Consignado – RCC “indica contratação de cartão consignado de benefício”, o qual se trata de “forma de operação concedida por instituição consignatária acordante para contratação e financiamento de bens, de despesas decorrentes de serviços e saques, e concessão de outros benefícios vinculados ao respectivo cartão”. Outrossim, o eventual cancelamento das autorizações dadas pelo consumidor para deduções em folha, antes do pagamento integral do empréstimo, somente poderá ocorrer mediante prévia aquiescência da instituição consignatária e do empregado – art. 12 do Decreto nº 4.840/03. Nesse sentido, decidiu o Eg. Tribunal de Justiça de São Paulo: AÇÃO DECLARATÓRIA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. APELAÇÃO IMPROVIDA. CARTÃO DE CRÉDITO. RMC. VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO. DANOS MATERIAIS E DANOS MORAIS. NÃO CONFIGURAÇÃO. Ação declaratória cumulada com repetição de indébito e pedido de indenização. Sentença de improcedência. Recurso do autor. Validade do negócio jurídico. Contratação do cartão de crédito com a denominada “reserva de margem consignável” (RMC). Consumidor acostumado a lidar com empréstimo consignado (fls. 47/52). Faturas (fls. 237/252) e saque (fls. 225) indicam que o autor usufruiu do produto contratado. Demonstração de que não havia espaço para margem de crédito consignado fora do cartão de crédito. Precedentes da Turma Julgadora. Ausente a abusividade e demonstrada a contratação, não há que se falar em restituição de valores ou em configuração de dano moral indenizável. Ação julgada improcedente. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO." (TJSP – Apelação Cível: 1001570-09.2023.8.26.0063 Barra Bonita, Relator: Alexandre David Malfatti, Data de Julgamento: 01/02/2024, 12ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 01/02/2024) Comprovada a legalidade das cobranças e da relação jurídica subjacente, bem como o fato de que a autora estava ciente do contrato ao qual aderiu livremente, não é possível declarar a inexistência do débito, condenar o requerido a restituir os valores cobrados ou reconhecer a existência de dano moral decorrente de uma cobrança regular. Ademais, não há que se falar em anulação do negócio ao qual a autora voluntariamente anuiu. Por fim, não merece prosperar o pedido da parte autora de ressarcimento dos honorários advocatícios contratuais, destacando-se o seguinte entendimento jurisprudencial do STJ: "A contratação de advogados para defesa judicial de interesses da parte não enseja, por si só, dano material passível de indenização, porque inerente ao exercício regular dos direitos constitucionais de contraditório, ampla defesa e acesso à Justiça" (AgRg no AREsp 516277/SP, QUARTA TURMA, Relator Ministro MARCO BUZZI, DJe de 04/09/2014). Ante o exposto, e considerando o que mais dos autos constam, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos iniciais e JULGO EXTINTO o feito, com resolução de mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. CONDENO a autora ao pagamento das custas e honorários sucumbenciais, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, restando suspensa a exigibilidade destes, por força da justiça gratuita outrora deferida e ora confirmada. Após as formalidades legais, proceda-se baixa na distribuição, levando-se os autos ao arquivo. Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se. GOVERNADOR VALADARES/MG, data da assinatura eletrônica. Anacleto Falci Juiz de Direito da 2ª Vara Cível RM

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