Banco Itau Consignado S.A. x Aladir Genesio Anfiloquio
ID: 310047301
Tribunal: TJSC
Órgão: Diretoria de Recursos e Incidentes
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 5022186-23.2023.8.24.0020
Data de Disponibilização:
27/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
OSVALDO GUERRA ZOLET
OAB/SC XXXXXX
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LUCAS BORGES LANGUER
OAB/SC XXXXXX
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Apelação Nº 5022186-23.2023.8.24.0020/SC
APELANTE
: BANCO ITAU CONSIGNADO S.A. (RÉU)
ADVOGADO(A)
: OSVALDO GUERRA ZOLET (OAB SC034641)
APELADO
: ALADIR GENESIO ANFILOQUIO (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: LUCAS…
Apelação Nº 5022186-23.2023.8.24.0020/SC
APELANTE
: BANCO ITAU CONSIGNADO S.A. (RÉU)
ADVOGADO(A)
: OSVALDO GUERRA ZOLET (OAB SC034641)
APELADO
: ALADIR GENESIO ANFILOQUIO (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: LUCAS BORGES LANGUER (OAB SC040598)
DESPACHO/DECISÃO
Trata-se de
recurso de apelação
em que figura como parte apelante
BANCO ITAU CONSIGNADO S.A.
e como parte apelada
ALADIR GENESIO ANFILOQUIO
, interposto contra sentença proferida pelo juízo de origem nos autos n. 5022186-23.2023.8.24.0020.
Em atenção aos princípios da celeridade e economia processual [CF, art. 5º, LXXVIII], adoto o relatório da sentença como parte integrante deste acórdão, por refletir com fidelidade o trâmite processual na origem:
ALADIR GENESIO ANFILOQUIO
aforou ação em face de BANCO ITAU CONSIGNADO S.A., alegando, em síntese, que o réu está descontando de seu benefício previdenciário valores mensais relativo a empréstimo que não teria efetuado, razão pela qual postula o cancelamento dos referidos descontos, a declaração de inexistência do débito, devolução em dobro das quantias descontadas e o pagamento de indenização por danos morais.
Foi deferido o pedido de tutela de urgência para que a demandada cessasse os descontos do empréstimo consignado no benefício previdenciário da requerente (evento 5).
A ré apresentou resposta em forma de contestação, arguindo, preliminarmente. o instituto da prescrição. No mérito sustentou, em resumo, que a contratação é válida e regular, visto a autora ter firmado o contrato de empréstimo, inexistindo ato ilícito a ser indenizado e impugnando os pleitos inaugurais. Em caso de condenação, requereu a compensação dos valores depositados na conta da suplicante.
A autora manifestou-se sobre a resposta ofertada.
Foi produzida prova pericial, com posterior manifestação das partes.
As partes apresentaram suas alegações finais por meio de memoriais.
É o relatório.
Sentença
[
ev. 136.1
]: julgado
s procedentes o
s pedidos formulados na inicial, conforme dispositivo a seguir transcrito:
Pelo exposto, e com base no artigo 373, inciso I do CPC, JULGO PROCEDENTE o pedido e, em consequência:
a) declaro a inexistência do débito da autora junto ao réu ao contrato que originou os descontos no seu benefício previdenciário e por consequência torno definitiva a tutela concedida no evento 5.
b) condeno o réu a pagar à autora a quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de danos morais, valor este corrigido monetariamente e acrescido de juros de mora, tudo a partir desta data.
c) determino que o réu restitua de forma dobrada à demandante os valores dela cobrados relativos a estas contratações, corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de mora desde cada cobrança, o que deverá ser apurado em liquidação de sentença.
Condeno a parte ré no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, conforme art. 85 § 2° do CPC.
Exclua-se a perita dos registros de praxe.
P. R. I.
Razões recursais
[
ev. 151.1
]: a parte apelante requer:
[a]
o afastamento da repetição em dobro do indébito;
[b]
o afastamento da condenação por danos morais, subsidiariamente, a minoração do
quantum
indenizatório;
[c]
o deferimento da compensação de valores;
[d]
a incidência de correção monetária pelo IPCA e juros de mora pela TAXA SELIC, deduzido o IPCA, sobre os valores a serem restituídos.
Contrarrazões
[
ev. 159.1
]: a parte apelada, por sua vez, postula o desprovimento do apelo.
É o relatório.
1.
CABIMENTO DO
JULGAMENTO MONOCRÁTICO
Nos termos do art. 932 do Código de Processo Civil, incumbe ao relator:
IV - negar provimento a recurso que for contrário a:
a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;
b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
V - depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento ao recurso se a decisão recorrida for contrária a:
a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal;
b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
[...]
VIII - exercer outras atribuições estabelecidas no regimento interno do tribunal.
Em linha com a norma processual, o art. 132 do atual Regimento Interno deste Tribunal de Justiça estabelece que compete ao relator, por decisão monocrática:
XV – negar provimento a recurso nos casos previstos no inciso IV do art. 932 do Código de Processo Civil ou quando esteja em confronto com enunciado ou jurisprudência dominante do Tribunal de Justiça;
XVI – depois de facultada a apresentação de contrarrazões, dar provimento a recurso nos casos previstos no inciso V do art. 932 do Código de Processo Civil ou quando a decisão recorrida for contrária a enunciado ou jurisprudência dominante do Tribunal de Justiça;
Outrossim, a Súmula 568 do Superior Tribunal de Justiça prevê que
"o relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema"
.
Dessa forma, viável o julgamento monocrático do recurso de apelação interposto, porquanto a temática discutida nos autos ressoa de forma dominante na jurisprudência desta Corte.
2.
ADMISSIBILIDADE
Preenchidos os pressupostos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, conhece-se do recurso.
3.
MÉRITO
Trata-se de ação deflagrada com a pretensão de reconhecimento da inexistência da relação jurídica [contratação de empréstimo consignado], com a condenação da parte ré à indenização por danos morais e a restituição em dobro dos valores descontados indevidamente.
Julgados procedentes os pedidos, o objeto do recurso interposto pelo réu consiste na reforma da sentença para: [a] afastar a repetição em dobro do indébito porquanto ausente conduta contrária à boa-fé objetiva; [b] afastar a condenação por danos morais porquanto ausente ato ilícito, subsidiariamente, minorar o
quantum
indenizatório, pois exacerbado para reparar adequadamente o dano; [c] deferir a compensação de valores;
[d]
reformar os consectários legais incidente sobre a repetição do indébito para determinar a correção monetária pelo IPCA e juros de mora pela TAXA SELIC, deduzido o IPCA.
3.1. [A]: Repetição em dobro do indébito
Sustenta o apelante, em suma, a impossibilidade de restituição em dobro do indébito, com base no art. 42 do CDC, dada a inexistência de conduta contrária à boa-fé objetiva.
Quanto à repetição do indébito, assim consignou o juízo de origem
ev. 136.1
:
Desta forma, também merece acolhimento o pedido de repetição em dobro das quantias descontadas após o pagamento efetuado, visto que não foi comprovado o engano injustificável da parte ré ao efetuar as cobranças indevidas no empréstimo consignado da autora.
No EARESP 676.608/RS, o Superior Tribunal de Justiça, reconheceu a possibilidade de repetição em dobro, independentemente de comprovação de má fé por parte da demandada, cabendo à esta o ônus de provar engano injustificável, o que no presente caso, não comprovou (art. 373, inciso II do CPC).
Assim, já foi decidido pela Egrégia Corte Catarinense:
“APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DO DÉBITO COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E REPETIÇÃO DO INDÉBITO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTOS INDEVIDOS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO DE AMBAS AS PARTES.RECURSO DO BANCO RÉU.PRETENSA REFORMA DA SENTENÇA. ALEGADA CONTRATAÇÃO VÁLIDA. INSUBSISTÊNCIA. BANCO RÉU QUE NÃO LOGROU ÊXITO EM COMPROVAR DE MANEIRA INEQUÍVOCA A SUPOSTA CONTRATAÇÃO DO EMPRÉSTIMO CONSIGNADO PELO AUTOR. AUSÊNCIA DE DOCUMENTAÇÃO HÁBIL A COMPROVAR A CONTRATAÇÃO. ÔNUS QUE LHE CABIA, NOS TERMOS DO ART. 373, II, DO CPC. DESCONTOS INDEVIDOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DA DÍVIDA QUE DEVE SER MANTIDA.REPETIÇÃO DO INDÉBITO EM DOBRO. PRETENSO AFASTAMENTO. NÃO ACOLHIMENTO. AUTOR QUE COMPROVOU OS DESCONTOS EFETUADOS EM SEU BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA MÁ-FÉ. INEXISTÊNCIA DE PROVA DA CONTRATAÇÃO DOS EMPRÉSTIMOS PELO AUTOR. ÔNUS DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA RÉ DE COMPROVAR O ENGANO JUSTIFICÁVEL. EXEGESE DO ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO DO CDC. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA QUE FIXOU TESE EM EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO SENTIDO DA PRESCINDIBILIDADE DA COMPROVAÇÃO DO ELEMENTO VOLITIVO DO FORNECEDOR QUE COBROU O VALOR INDEVIDO. CONDENAÇÃO EM DOBRO QUE MOSTRA-SE APLICÁVEL NOS CASOS DE CONDUTA CONTRÁRIA À BOA-FÉ OBJETIVA (EARESP 676.608/RS). RESTITUIÇÃO DOS VALORES EM DOBRO DEVIDA. SENTENÇA MANTIDA. DANO MORAL. ALMEJADO O AFASTAMENTO. ACOLHIMENTO. DESCONTO INDEVIDO QUE, POR SI SÓ, NÃO GERA A PRESUNÇÃO DO DEVER DE INDENIZAR. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE O EVENTO TENHA CAUSADO CONSEQUÊNCIA GRAVE E LESIVA À DIGNIDADE DO AUTOR. SITUAÇÃO QUE NÃO DESBORDA O MERO ABORRECIMENTO. AUTOR QUE NÃO LOGROU ÊXITO EM COMPROVAR SITUAÇÃO EXCEPCIONAL ADVINDA DA NARRATIVA DOS FATOS. ABALO ANÍMICO NÃO EVIDENCIADO. DEVER DE INDENIZAR NÃO CONFIGURADO. SENTENÇA REFORMADA.RECURSO DO AUTOR PREJUDICADO.REDISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS, NA FORMA DA FUNDAMENTAÇÃO.FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS EM DESFAVOR DO AUTOR. SUSPENSA A EXIGIBILIDADE, CONTUDO, DIANTE DO DEFERIMENTO DA JUSTIÇA GRATUITA.RECURSO DO BANCO RÉU CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO DO AUTOR PREJUDICADO. (TJSC, Apelação n. 5014751-43.2020.8.24.0039, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Rubens Schulz, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 05-08-2021)."
A conclusão consignada na sentença proferida pelo juízo de primeiro grau deve ser parcialmente reformada, por não corresponder ao entendimento fixado na orientação jurisprudencial predominante nesta Corte.
No ponto, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sedimentou-se no sentido de compreender como irrelevante o elemento volitivo da parte para a caracterização da obrigação de devolução dobrada.
No âmbito do julgamento dos Embargos de Divergência em Agravo em Recurso Especial n. 676.608/RS, relator min. Og Fernantes, Corte Especial, em 21/10/2020, restou fixada a seguinte tese:
A restituição em dobro do indébito (parágrafo único do artigo 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que realizou a cobrança indevida, revelando-se cabível quando a referida cobrança consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva.
Na mesma decisão, todavia, houve modulação dos efeitos para determinar a aplicação do entendimento para situações verificadas
após a data da publicação do acórdão
, na data de 30/03/2021:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. TELEFONIA FIXA. COBRANÇA INDEVIDA. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO DE TARIFAS. 1) RESTITUIÇÃO EM DOBRO DO INDÉBITO (PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 42 DO CDC). DESINFLUÊNCIA DA NATUREZA DO ELEMENTO VOLITIVO DO FORNECEDOR QUE REALIZOU A COBRANÇA INDEVIDA. DOBRA CABÍVEL QUANDO A REFERIDA COBRANÇA CONSUBSTANCIAR CONDUTA CONTRÁRIA À BOA-FÉ OBJETIVA. 2) APLICAÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL DECENAL DO CÓDIGO CIVIL (ART. 205 DO CÓDIGO CIVIL). APLICAÇÃO ANALÓGICA DA SÚMULA 412/STJ. 3) MODULAÇÃO PARCIAL DOS EFEITOS DA DECISÃO
.
CONHECIMENTO E PROVIMENTO INTEGRAL DO RECURSO. 1. Trata-se de embargos de divergência interpostos contra acórdão em que se discute o lapso prescricional cabível aos casos de repetição de indébito por cobrança indevida de valores referentes a serviços não contratados, promovida por empresa de telefonia. Discute-se, ainda, acerca da necessidade de comprovação da má-fé pelo consumidor para aplicação do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor. (...)
Modulam-se os efeitos da presente decisão - somente com relação à primeira tese - para que o entendimento aqui fixado quanto à restituição em dobro do
indébito
seja aplicado apenas a partir da publicação do presente acórdão. A modulação incide unicamente em relação às cobranças indevidas em contratos de consumo que não envolvam prestação de serviços públicos pelo Estado ou por concessionárias, as quais apenas serão atingidas pelo novo entendimento quando pagas após a data da publicação do acórdão.
(STJ - EAREsp n. 676.608/RS, relator Ministro Og Fernandes, Corte Especial, julgado em 21/10/2020, DJe de 30/3/2021 - grifei e suprimi).
É certo que o acórdão exarado em sede de embargos de divergência pelo Superior Tribunal de Justiça não vincula obrigatoriamente o exame das instâncias ordinárias, senão pelo regime de afetação, na sistemática própria de formação dos precedentes qualificados, para fixação de teses aplicáveis em recursos de natureza repetitiva.
Ainda assim, o próprio Superior Tribunal de Justiça, ao delimitar o conceito de
"jurisprudência dominante"
, para a finalidade de estabelecer as hipóteses de cabimento do pedido de uniformização de interpretação de lei federal, conforme previsto no art. 14 da Lei 10.259/01, alargou a abrangência do instituto processual e inseriu os acórdãos proferidos pela Corte de Uniformização Federal em sede de embargos de divergência, fixando a seguinte tese:
4. À falta de baliza normativo-conceitual específica, tem-se que
a locução "jurisprudência dominante", para fins do manejo de pedido de uniformização de interpretação de lei federal (PUIL), deve abranger não apenas as hipóteses previstas no art. 927, III, do CPC, mas também os acórdãos do STJ proferidos em embargos de divergência e nos próprios pedidos de uniformização de lei federal por ele decididos
, como proposto no alentado voto-vista da Ministra Regina Helena Costa, unanimemente acatado por este Colegiado. (PUIL 825/RS. 1ª Seção, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 5/6/23).
Logo, a observância da orientação estabelecida e modulada pelo acórdão exarado pela Corte Especial do STJ no EAREsp n. 676.608/RS decorre não do efeito vinculante próprio dos precedentes qualificados, senão do próprio princípio da segurança jurídica e da estabilidade das relações sociais, porquanto se amolda ao conceito jurídico da
"jurisprudência dominante"
.
Ora, se o próprio Tribunal da Cidadania deliberou no sentido de modular os efeitos do seu pronunciamento, delimitando a incidência temporal da tese
"unicamente em relação às cobranças indevidas em contratos de consumo que não envolvam prestação de serviços públicos pelo Estado ou por concessionárias"
, a lógica recomenda idêntico procedimento pelas instâncias ordinárias.
Sobre a vinculação das instâncias ordinárias aos pronunciamentos dos Tribunais Superiores, é de se registrar a posição de Gustavo Mascarenhas Lacerda Pedrina, em artigo publicado no site Consultor Jurídico:
No fim, melhor seria que a jurisprudência do Supremo ensejasse respeito absoluto das demais instâncias, obedecendo-se o modelo de
Judicial Review
.
Ainda que tomadas em processos abstratos e sem caráter vinculante, as decisões do órgão máximo deveriam significar o rumo do sistema, evitando-se desvios de rota que causem retrabalho e demora na prestação jurisdicional. Se os Tribunais locais entendessem nisso não uma violação ao livre convencimento motivado, mas sim uma
forma
de promoção da segurança jurídica e de economia dos meios da Justiça, teríamos, ao mesmo tempo, à diminuição expressiva no número de impetrações e o fortalecimento do sistema de justiça penal enquanto via estruturada de resolução de conflitos.
(
Por que o sistema não fecha: a necessidade de se seguir entendimentos dos tribunais superiores
. Revista Consultor Jurídico. p. 27/08/2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-ago-27/pensando-habeas-necessidade-seguir-entendimentos-tribunais-superiores. Acesso em 12/09/2023).
Assim, considerando a cobrança dos valores tanto em momento anterior quanto posterior à publicação do acórdão do STJ supracitado (parcelas descontadas entre os anos de 2020 e 2023, durante o curso da demanda -
ev. 1.9
e
ev. 5.1
), reconhece-se o parcial provimento ao apelo da parte ré para que as cobranças realizadas em momento anterior a 30/03/2021 sejam devolvidas de forma simples, corrigidas e acrescidas de juros de mora.
No ponto, necessário ressalvar que o acolhimento do pleito está atrelado ao fato de se tratar de hipótese de contratação fraudulenta, inexistindo a demonstração da má-fé da casa bancária.
Nesse sentido, já decidiu este Tribunal:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DESCONTOS INDEVIDOS DE VALORES EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO NÃO CONTRATADO. PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. INSURGÊNCIA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA RÉ. [...]
REPETIÇÃO
DE
INDÉBITO
. PLEITEADA A DEVOLUÇÃO
SIMPLES
DO VALOR INDEVIDAMENTE COBRADO. TESE PARCIALMENTE ACOLHIDA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE ENGANO JUSTIFICÁVEL PELA DEMANDADA. EXEGESE DO ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. OBRIGAÇÃO DE DEVOLUÇÃO EM DOBRO MANIFESTA. NECESSIDADE, TODAVIA, DE ADOÇÃO DA DECISÃO TOMADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO ÂMBITO DOS AUTOS DO EARESP N. 600.663/RS, NA QUAL HÁ CONVERGÊNCIA COM A SUPRACITADA TESE, MAS COM MODULAÇÃO DOS EFEITOS. APLICABILIDADE DO ENTENDIMENTO APENAS AOS VALORES INDEVIDAMENTE COBRADOS APÓS A DATA DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO PROFERIDO PELO STJ. COBRANÇAS OCORRIDAS ANTERIORMENTE À DECISÃO QUE DEVEM SER OBJETO DE RESTITUIÇÃO NA FORMA
SIMPLES
.
[...]
SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. REDISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. HONORÁRIOS RECURSAIS INCABÍVEIS.
RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
(TJSC, Apelação n. 5021623-34.2020.8.24.0020, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Osmar Nunes Júnior, Sétima Câmara de Direito Civil, j. 01-02-2024).
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA.
INSURGÊNCIA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA RÉ.
EMPRÉSTIMO CONSIGNADO COM DESCONTO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. [...]
IMPUGNADO O DEVER DE INDENIZAR OS DANOS MATERIAIS NA FORMA DOBRADA. PARCIAL ACOLHIMENTO. CONSECTÁRIO LÓGICO DA INEXIGIBILIDADE DO DÉBITO COBRADO. AUSÊNCIA DE ENGANO JUSTIFICÁVEL. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO PROFERIDA PELO STJ NO EARESP N. 600.663/RS. RESTITUIÇÃO DEVIDA EM DOBRO TÃO SOMENTE APÓS 30-3-2021. PARCELAS DEBITADAS NO CASO DOS AUTOS A PARTIR DE OUTUBRO DE 2020 ATÉ MAIO DE 2021. PONTUAL REFORMA DA SENTENÇA PARA A
REPETIÇÃO
SIMPLES
DAS PARCELAS ANTERIORES AO MARCO ESTABELECIDO PELA CORTE CIDADÃ.
[...]
RECURSO DO RÉU CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. APELO DA AUTORA CONHECIDO E DESPROVIDO.
(TJSC, Apelação n. 5000923-45.2021.8.24.0006, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Carlos Roberto da Silva, Sétima Câmara de Direito Civil, j. 01-02-2024).
Logo, dá-se parcial provimento ao apelo, no ponto.
3.2. [B]: Danos morais
Alega a parte apelante a inexistência de ato ilícito sujeito à reparação moral, porquanto não comprovado o abalo anímico.
O recurso comporta provimento, no ponto.
O juízo da origem acolheu a pretensão indenizatória, fundando as razões de decidir na comprovação do abalo anímico sofrido pela autora.
A conclusão consignada na sentença proferida pelo juízo de primeiro grau deve ser reformada, por não corresponder ao entendimento fixado na orientação jurisprudencial predominante nesta Corte.
A propósito da condenação da parte demandada ao pagamento de indenização por danos morais em situações tais como a presente, é assente a jurisprudência deste Tribunal, fixada no TEMA 25 em IRDR pelo Grupo de Câmaras de Direito Civil, no sentido de que a mera realização de descontos, ainda que indevidos, no benefício previdenciário do aposentado ou pensionista é insuscetível de, por si só, gerar abalo moral.
Nesse sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DESCONTOS INDEVIDOS DE VALORES EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO NÃO CONTRATADO. PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. INSURGÊNCIA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA RÉ. [...]
DANO MORAL. PLEITO DE
AFASTAMENTO
DA
CONDENAÇÃO
A TÍTULO DE
DANOS
MORAIS
, AO FUNDAMENTO DE QUE INEXISTE ABALO ANÍMICO INDENIZÁVEL NA HIPÓTESE. ACOLHIMENTO. DANO EXTRAPATRIMONIAL DECORRENTE DE DESCONTO INDEVIDO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO QUE NÃO É PRESUMIDO. MATÉRIA SEDIMENTADA PELO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO CIVIL DESTA CORTE DE JUSTIÇA NO JULGAMENTO DO IRDR REFERENTE AO
TEMA
25
. VALORES INDEVIDAMENTE DEBITADOS QUE REPRESENTAVAM MENOS DE 5% DOS RENDIMENTOS DA AUTORA. IMPACTO FINANCEIRO IRRELEVANTE. EPISÓDIO QUE NÃO TEVE MAIORES DESDOBRAMENTOS. NÃO CONFIGURAÇÃO DE SITUAÇÃO APTA A GERAR DANO EXTRAPATRIMONIAL. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR AFASTADA.
SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. REDISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. HONORÁRIOS RECURSAIS INCABÍVEIS.
RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
(TJSC, Apelação n. 5000474-45.2021.8.24.0020, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Osmar Nunes Júnior, Sétima Câmara de Direito Civil, j. 01-02-2024).
CONSUMIDOR. DECLARATÓRIA DE NULIDADE CONTRATUAL C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMOS CONSIGNADOS NÃO CONTRATADOS. PARCIAL PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. RECURSO DO AUTOR. [...]
DANO MORAL. AUSÊNCIA DE PRESUNÇÃO, CONFORME DIRETRIZES FIXADAS POR ESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA [IRDR,
TEMA
25]. CASO CONCRETO. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA AUTORAL SEM LASTRO EM FATOS PARA ALÉM DOS PRÓPRIOS DESCONTOS. DESCABIMENTO.
ÔNUS SUCUMBENCIAIS. REDISTRIBUIÇÃO NECESSÁRIA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
(TJSC, Apelação n. 5001655-05.2022.8.24.0034, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Alexandre Morais da Rosa, Oitava Câmara de Direito Civil, j. 19-09-2023).
APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. DESCONTOS INDEVIDOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO DE AMBAS AS PARTES. [...]
DANOS
MORAIS
. DESCONTO INDEVIDO QUE NÃO FAZ PRESUMIR O DANO MORAL. AUSÊNCIA DE PROVAS QUANTO AOS PREJUÍZOS CONCRETOS SUPORTADOS PELA AUTORA, A EXEMPLO DE COMPROMETIMENTO DE PARCELA SIGNIFICATIVA DA RENDA. DEVER DE INDENIZAR INEXISTENTE. SENTENÇA REFORMADA.
[...]
ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA REDISTRIBUÍDOS. RECURSO DA PARTE RÉ PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA EXTENSÃO, PROVIDO EM PARTE. RECURSO DA AUTORA PREJUDICADO.
(TJSC, Apelação n. 5002529-51.2020.8.24.0004, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Eduardo Gallo Jr., Sexta Câmara de Direito Civil, j. 08-08-2023).
No caso vertente, os descontos efetuados pela ré, no importe de R$ 16,48 (dezesseis reais e quarenta e oito centavos), resultam em comprometimento inferior à 2% do valor do benefício previdenciário da autora, na ordem de R$ 1.278,60 (mil duzentos e setenta e oito reais e sessenta centavos), considerando as informações constantes no histórico de créditos do mês de julho de 2023, anterior ao ajuizamento da demanda (
ev. 1.10
).
Resta evidente, portanto, a inexistência de comprometimento das condições de subsistência da parte autora, afastando a hipótese de cabimento da indenização por danos morais.
Em conclusão, no ponto, o recurso deve ser provido.
3.3. [C]: Compensação de valores
A parte apelante postula a compensação
de valores
decorrentes da repetição de indébito com o montante disponibilizado à consumidora em razão do contrato reputado fraudulento
O desfazimento do contrato ou até mesmo o reconhecimento de sua inexistência tem, como consequência lógica, o retorno das partes ao
status quo ante
, acarretando a exigibilidade da devolução de valores recebidos em razão do pacto, até mesmo para evitar o enriquecimento sem causa.
Aliás, preceitua o art. 182, do Código Civil:
"Anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente".
No mesmo norte, a jurisprudência deste Tribunal autoriza a compensação entre os valores disponibilizados na conta bancária do consumidor e os descontos indevidos, com a restituição de eventual saldo. Nesse sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE DIREITO COM RESTITUIÇÃO DE VALORES E OBRIGAÇÃO DE FAZER. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. [...]
RECURSO DA PARTE AUTORA.
PLEITOS DE AFASTAMENTO DA DETERMINAÇÃO DE COMPENSAÇÃO DE VALORES. INSUBSISTÊNCIA. RECEBIMENTO DE CRÉDITO EM FAVOR DA AUTORA NÃO CONTROVERTIDO NA INSURGÊNCIA. RETORNO AO STATUS QUO ANTE E VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DA DEMANDANTE. COMPENSAÇÃO DOS VALORES IMPERATIVA.
PRETENSÃO DE MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA. SUBSISTÊNCIA. VALOR DA CONDENAÇÃO IRRISÓRIO. ALTERAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO PARA O VALOR ATUALIZADO DA CAUSA.
RECURSO DO DEMANDADO PARCIALMENTE CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. INSURGÊNCIA DA AUTORA CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA.
(TJSC, Apelação n. 5025855-21.2022.8.24.0020, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Carlos Roberto da Silva, Sétima Câmara de Direito Civil, j. 25-01-2024).
CONSUMIDOR. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. NEGATIVA DE CONTRATAÇÃO. DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. RECURSO DO RÉU. CONTRATO JUNTADO AOS AUTOS. IMPUGNAÇÃO DA ASSINATURA. INTIMAÇÃO DO RÉU PARA ESPECIFICAR AS PROVAS QUE PRETENDIA PRODUZIR. PEDIDO TÃO SOMENTE DE DESIGNAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. AUTENTICIDADE DA ASSINATURA NÃO COMPROVADA. ÔNUS QUE INCUMBIA AO RÉU [CPC, ART. 429, II]. RELAÇÃO JURÍDICA INEXISTENTE. DESCONTOS INDEVIDOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. REPETIÇÃO EM DOBRO DO INDÉBITO. COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ. DESNECESSIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 42 DO CDC. POSSIBILIDADE, PORÉM, SOMENTE QUANTO AOS DESCONTOS EFETIVADOS A PARTIR DE 30.03.2021, CONFORME MODULAÇÃO DOS EFEITOS DETERMINADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO JULGAMENTO DO EARESP 676.608. ALTERAÇÃO NO PONTO.
VALORES TRANSFERIDOS PELA CASA BANCÁRIA. COMPENSAÇÃO AUTORIZADA.
TESE RECURSAL DE QUE OS VALORES NÃO ABARCAM A TOTALIDADE DO PROVEITO ECONÔMICO OBTIDO. INEXISTÊNCIA DE PROVA NESSE SENTIDO. DANO MORAL. AUSÊNCIA DE PRESUNÇÃO, CONFORME DIRETRIZES FIXADAS POR ESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA [IRDR, TEMA 25]. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL NÃO COMPROVADA. IMPROCEDÊNCIA QUE SE IMPÕE. ÔNUS SUCUMBENCIAIS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. REDISTRIBUIÇÃO NECESSÁRIA. RECURSO PROVIDO EM PARTE.
(TJSC, Apelação n. 5003612-59.2021.8.24.0007, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Alexandre Morais da Rosa, Oitava Câmara de Direito Civil, j. 28-11-2023).
Assim, determina-se a compensação dos valores decorrentes da repetição de indébito com o montante disponibilizado à consumidora em razão do contrato reputado fraudulento, para evitar o indevido enriquecimento da requerente.
Logo, no ponto, o recurso deve ser provido.
3.4. [D]: Consectários legais incidente sobre a repetição do indébito
A parte apelante postula a incidência de correção monetária pelo IPCA e juros de mora pela TAXA SELIC, deduzido o IPCA, sobre os valores a serem restituídos.
Sobre o tema, assim consignou o Juízo de origem -
ev. 136.1
:
Pelo exposto, e com base no artigo 373, inciso I do CPC, JULGO PROCEDENTE o pedido e, em consequência:
[...]
c) determino que o réu restitua de forma dobrada à demandante os valores dela cobrados relativos a estas contratações, corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de mora desde cada cobrança, o que deverá ser apurado em liquidação de sentença.
Em relação aos consectários legais, impende ressaltar que o Código Civil foi alterado pela Lei nº 14.905/2024, que entrou em vigor em 30/08/2024. A partir dessa data, os índices de correção monetária e juros de mora passaram a ser, respectivamente, o IPCA e a SELIC, sendo esta última deduzida do primeiro.
Eis o inteiro teor dos dispositivos a respeito da temática:
Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros, atualização monetária e honorários de advogado.
Parágrafo único. Na hipótese de o índice de atualização monetária não ter sido convencionado ou não estar previsto em lei específica, será aplicada a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apurado e divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou do índice que vier a substituí-lo.
[...]
Art. 406. Quando não forem convencionados, ou quando o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, os juros serão fixados de acordo com a taxa legal.
§ 1º A taxa legal corresponderá à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), deduzido o índice de atualização monetária de que trata o parágrafo único do art. 389 deste Código.
§ 2º A metodologia de cálculo da taxa legal e sua forma de aplicação serão definidas pelo Conselho Monetário Nacional e divulgadas pelo Banco Central do Brasil.
§ 3º Caso a taxa legal apresente resultado negativo, este será considerado igual a 0 (zero) para efeito de cálculo dos juros no período de referência.
Logo, sobre o referido valor devem incidir juros de mora pela SELIC deduzida do IPCA, a partir do evento danoso (Súmula 54 do STJ), ou seja, desde a data do primeiro desconto indevido, além de correção monetária pelo IPCA a contar da data de publicação deste acórdão, nos termos da Súmula 362 do STJ.
Nesse sentido, já decidiu este Tribunal:
EMENTA: DIREITO DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. INTERRUPÇÃO NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. FUMO. IMPOSIÇÃO AO AUTOR DO DEVER DE ADQUIRIR GERADOR ALTERNATIVO DE ENERGIA. INSUBSISTÊNCIA. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. RECURSO PROVIDO.
I. CASO EM EXAME:
1. Apelação interposta contra sentença que julgou parcialmente procedente pedido de indenização por danos materiais em razão de interrupção no fornecimento de energia elétrica. Em suas razões, o autor requer o afastamento do fundamento de que lhe incumbia mitigar o próprio prejuízo.
II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO:
2. Há três questões em discussão: (i) definir se o consumidor tem o dever de adquirir gerador alternativo de energia elétrica, a fim de mitigar os próprios prejuízos; (ii) analisar os consectários legais incidentes; e (iii) verificar a necessidade de redistribuição ou não do ônus sucumbencial.
III. RAZÕES DE DECIDIR:
3. A responsabilidade da concessionária é objetiva, conforme previsto no CDC e na Constituição Federal, não podendo ser transferida ao consumidor.
4. A tese de que incumbiria ao consumidor mitigar os próprios prejuízos, mediante aquisição de gerador alternativo, não se sustenta, pois a obrigação de prestar um serviço contínuo, adequado e eficaz é da concessionária, não sendo razoável impor ao usuário tal ônus.
5. O valor da indenização deve ser fixado no montante de R$ 9.819,92, conforme apurado no laudo pericial, acrescido de correção monetária a partir do evento danoso (INPC) e de juros de mora de 1% ao mês, contados desde a citação.
6.
Os consectários legais incidirão até a entrada em vigor da Lei n. 14.905/2024, sendo que, a partir de então, aplicar-se-á o IPCA como índice de correção monetária, e a taxa de juros corresponderá à Selic, com dedução do IPCA.
7. Diante da reforma da sentença, impõe-se a redistribuição do ônus sucumbencial, que passa a recair integralmente sobre a parte ré.
IV. DISPOSITIVO:
8. Recurso conhecido e provido, com redistribuição da sucumbência.
Dispositivos relevantes citados: CF, arts. 5º, LXXVIII, e 37, § 6º; CDC, art. 22; CC, arts. 186, 187, 389, 405, 406 e 927; CPC, arts. 85, §§ 2º e 11, e 86, parágrafo único.
Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no AREsp n. 2.093.321/RJ, rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, julgado em 26/2/2024, DJe de 29/2/2024; TJSC, Apelação n. 5001000-22.2024.8.24.0015, rel. Des. Eduardo Gallo Jr., Sexta Câmara de Direito Civil, j. 13/5/2025; TJSC, Apelação n. 0300186-81.2019.8.24.0052, rel. Des. Alex Heleno Santore, Oitava Câmara de Direito Civil, j. 4/2/2025; TJSC, Apelação n. 5001431-47.2021.8.24.0052, rel. Des. Marcos Fey Probst, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 25/10/2022.
(TJSC, Apelação n. 5000472-45.2020.8.24.0009, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Mauro Ferrandin, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 24-06-2025).
Logo, dá-se provimento ao apelo, no ponto.
4.
ÔNUS SUCUMBENCIAL
Diante da alteração do julgado neste grau de jurisdição, caracterizada a hipótese de sucumbência recíproca, conforme a fundamentação supra, necessária a redistribuição dos encargos sucumbenciais.
Inicialmente, a base de cálculo da verba honorária devida para os causídicos atuantes na demanda merece ser revista, de ofício.
O Superior Tribunal de Justiça firmou posição no sentido de que
"os honorários advocatícios, enquanto consectários legais da condenação principal, possuem natureza de ordem pública, podendo ser revistos a qualquer momento e até mesmo de ofício, sem que isso configure reformatio in pejus"
(AgInt nos EDclno Agravo em Recurso Especial n. 1.336.265/SP, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 25/3/2019).
A respeito dos honorários advocatícios, o art. 85, § 2º, do Código de Processo Civil, dispõe:
Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
[...]
§ 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:
I - o grau de zelo do profissional;
II - o lugar de prestação do serviço;
III - a natureza e a importância da causa;
IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
Considerando a inviabilidade de utilização do valor da condenação como base de cálculo dos honorários advocatícios, porquanto irrisório [repetição simples e em dobro do indébito] bem como a ordem preferencial estabelecida no art. 85, § 2º do CPC, altera-se, de ofício, a base de cálculo da verba honorária devida aos causídicos da autora para incidir sobre o proveito econômico obtido.
Isso porque, a autora decaiu em relação ao pleito condenatório por danos morais [R$ 8.000,00], mostrando-se viável a fixação da verba sobre o referido valor, mantido o percentual estabelecido pelo juízo de origem [15%], porquanto alcança a quantia aproximada, e não corrigida, de R$ 1.200,00.
Por sua vez, altera-se, de ofício, a base de cálculo da verba honorária devida ao causídico do réu para incidir sobre o valor atualizado da causa, também no percentual de 15%.
Desta forma, o réu arcará com 70% das despesas processuais e dos honorários advocatícios devidos aos patronos da parte contrária.
Por sua vez, caberá à autora suportar o pagamento de 30% das despesas processuais e dos honorários advocatícios devidos à patrona da parte contrária, ficando suspensa a exigibilidade em face do benefício da justiça gratuita.
Não obstante, o presente caso não se enquadra como situação de alta complexidade, não demandando extensa dilação probatória.
Salienta-se terem sido observados os critérios definidos no art. 85, §§ 2º, do CPC (grau de zelo profissional, lugar da prestação do serviço, natureza e importância da causa, trabalho realizado pelo advogado e tempo exigido para o seu serviço).
Logo, no ponto, o recurso deve ser parcialmente provido.
5.
HONORÁRIOS RECURSAIS
Sobre os honorários recursais, o Superior Tribunal de Justiça fixou os requisitos cumulativos exigidos para viabilizar a fixação da verba adicional, conforme o disposto no art. 85, § 11, do Código de Processo Civil:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. OMISSÃO CONFIGURADA. ACOLHIMENTO DOS EMBARGOS PARA SANAR O VÍCIO. CABIMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS. REQUISITOS.
I - Para fins de arbitramento de honorários advocatícios recursais, previstos no § 11 do art. 85 do CPC de 2015, é necessário o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos:
1. Direito Intertemporal: deve haver incidência imediata, ao processo em curso, da norma do art. 85, § 11, do CPC de 2015, observada a data em que o ato processual de recorrer tem seu nascedouro, ou seja, a publicação da decisão recorrida, nos termos do Enunciado 7 do Plenário do STJ: "Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC";
2. o não conhecimento integral ou o improvimento do recurso pelo Relator, monocraticamente, ou pelo órgão colegiado competente;
3. a verba honorária sucumbencial deve ser devida desde a origem no feito em que interposto o recurso;
4. não haverá majoração de honorários no julgamento de agravo interno e de embargos de declaração oferecidos pela parte que teve seu recurso não conhecido integralmente ou não provido;
5. não terem sido atingidos na origem os limites previstos nos §§ 2º e 3º do art. 85 do Código de Processo Civil de 2015, para cada fase do processo;
6. não é exigível a comprovação de trabalho adicional do advogado do recorrido no grau recursal, tratando-se apenas de critério de quantificação da verba. [...] [STJ. EDcl no AgInt no REsp n. 1.573.573/RJ. Relator: Min. Marco Aurélio Bellizze. Julgado em 04.04.2017].
Parcialmente provido o recur
so, não há incidência de honorários recursais.
5.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, com fulcro no art. 932, VIII, do CPC c/c art. 132, XVI, do RITJSC,
dou parcial provimento
ao recurso para: [a] determinar que as cobranças realizadas em momento anterior a 30/03/2021 sejam devolvidas de forma simples, corrigidas e acrescidas de juros de mora; [b] afastar a condenação por danos morais; [c] autorizar a compensação de valores, nos termos da fundamentação; [d] determinar que, sobre os valores a serem restituídos, deverão incidir juros de mora pela SELIC deduzida do IPCA, além de correção monetária pelo IPCA, nos termos da fundamentação; [e] redistribuir o ônus sucumbencial; [f] de ofício, alterar a base de cálculo da verba honorária devida aos causídicos atuantes na demanda.
Intimem-se.
Transitado em julgado, proceda-se à baixa definitiva.
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