Processo nº 5000957-83.2024.4.02.5107
ID: 320650835
Tribunal: TRF2
Órgão: 5ª Turma Recursal do Rio de Janeiro
Classe: RECURSO INOMINADO CíVEL
Nº Processo: 5000957-83.2024.4.02.5107
Data de Disponibilização:
09/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
JOSE ANTONIO TAVARES DE ALMEIDA
OAB/RJ XXXXXX
Desbloquear
ROSILENE DO NASCIMENTO JOSEPHINO
OAB/RJ XXXXXX
Desbloquear
JERSICA DE PINHO HOLANDA
OAB/RJ XXXXXX
Desbloquear
RECURSO CÍVEL Nº 5000957-83.2024.4.02.5107/RJ
RECORRENTE
: OLIVIA ANA DA CUNHA (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: JERSICA DE PINHO HOLANDA (OAB RJ171136)
ADVOGADO(A)
: ROSILENE DO NASCIMENTO JOSEPHINO (OAB RJ242…
RECURSO CÍVEL Nº 5000957-83.2024.4.02.5107/RJ
RECORRENTE
: OLIVIA ANA DA CUNHA (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: JERSICA DE PINHO HOLANDA (OAB RJ171136)
ADVOGADO(A)
: ROSILENE DO NASCIMENTO JOSEPHINO (OAB RJ242456)
ADVOGADO(A)
: JOSE ANTONIO TAVARES DE ALMEIDA (OAB RJ237039)
DESPACHO/DECISÃO
DECISÃO MONOCRÁTICA
ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA.
A SENTENÇA JULGOU O PEDIDO IMPROCEDENTE.
FAMÍLIA INTEGRADA PELA AUTORA (71 ANOS, SEM RENDA) E SEU MARIDO (71 ANOS, RENDA DE R$ 1.595,73 NA DER). RENDA
PER CAPITA
INFERIOR AO PARÂMETRO LEGAL DE 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO, PREVISTO NO ART. 20, §3º, DA LEI 8.742/1993. INTERPRETAÇÃO EM CONJUNTO COM O ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 10.741/2003.
RECURSO INTERPOSTO PELA PARTE AUTORA PROVIDO.
1. Trata-se de recurso interposto contra a seguinte sentença (
evento 46, SENT1
):
II.3 - DO CASO CONCRETO
O processo administrativo foi juntado no evento 16.
O benefício foi indeferido por renda per capita superior a 1/4 de salário mínimo (fl. 42 do evento 16). Passo ao exame do caso concreto.
Do requisito etário.
A parte autora comprovou a idade mínima necessária (Evento 1, ANEXO6).
Da condição sócio-econômica.
No estudo social (
evento 24
), a assistente social fez os seguintes apontamentos:
"LAUDO SOCIAL
Trata-se de família nuclear, composta pela requerente
OLIVIA ANA DA CUNHA
, brasileira, casada, do lar, RG n° 09882420-4, expedido pelo IFP/RJ, CPF n° 032.399.097- 58, do lar, desempregada e seu cônjuge, senhor OZIAS PIRES DA CUNHA, CPF: 57174733700, RG: 048526636, aposentado. Valor da renda, R$ 1.595,73.
No que tange a subsistência da parte autora, ela é mantida com a aposentadoria percebida por seu cônjuge, valor R$ 1.595,73.
No que tange ao núcleo extenso, a autora possui dois filhos, a citar: JOSIELTON PIRES DA CUNHA, CPF: 08391753700, data de nascimento, 01/09/1976 ( residente em RIO DA OSTRAS) E JOSIAS PIRES DA CUNHA (desaparecido há 3 anos).
A família apresenta despesas básicas, a citar:
Alimentação: - Valor gasto mensal R$ 801,15 DIESSE\ 05/24
Gás Cozinha: - Valor gasto mensal: R$ 100,00
Luz: - Valor gasto mensal: R$ 175,40
Telefone: - Valor gasto mensal: R$ 20,00
IPTU: - Valor gasto mensal: R$ 43,00
Água: - Valor gasto mensal: R$ 99,34
Medicação: - Valor gasto mensal: R$ 244,09
Ressaltamos que o valor de R$801,15. De alimentação, é o valor considerado pelo (DIESSE), Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, no mês de abril /23, como valor mínimo para que o trabalhador tenha uma alimentação, minimamente, digna.
Quanto à residência da autora, a mesma e PROPRIA, de fácil acesso. Espacialmente dividido em 02 quartos, 01 sala, cozinha e banheiro. Local com todos os bens básicos, piso frio, revestimento de parede, chuveiro elétrico . Mas todos simplórios. O imovel apresenta problemas de fiação e infiltração.
No tocante aos moveis e utensílios, eles não são novos, mas estão em bom estado de conservação. A família possui todos os itens necessários ao bom funcionamento de uma residência.
Em consulta ao CADÙNICO (Sistema de consultas ao programa de benefícios do Governo Federal), ela está cadastrada.
Em ora, considerando os parâmetros avaliados pela assistente social, levando em consideração a receita e as despesas, indicamos que a requerente está em situação de vulnerabilidade social.
Sem ter mais nada digno de nota a acrescentar à presente perícia, damos a mesma por encerrada. Respeitosamente, apresentando-a a apreciação do MM Juízo desta Vara Federal.
"
O núcleo familiar é composto pela
parte autora e seu cônjuge
.
Vale destacar que o esposo da requerente é titular de aposentadoria por invalidez, recebendo a quantia equivalente a R$1.595,73 (CNIS no evento 41, ANEXO2).
Embora o cônjuge possua mais de 65 anos, o benefício não é pago no valor de 1 salário mínimo.
Não há que se falar em exclusão da renda mensal de benefício, na forma do art. 20, §14 da LOAS -
O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário
no valor de até 1 (um) salário-mínimo
concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade
ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo.
Nesses termos, assim se posiciona a jurisprudência:
PEDILEF n. 200663060074275, JUIZ EDILSON NOBRE, DJU 03.09.2008.) PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ESTATUTO DO IDOSO. ARTIGO 34, 'CAPUT' E PARÁGRAFO ÚNICO. APLICAÇÃO ANALÓGICA. CÔNJUGE QUE PERCEBE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO SUPERIOR AO VALOR MÍNIMO. 1. O parágrafo único do art. 34 da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) pode ser aplicado por analogia à hipótese em que o benefício percebido pelo cônjuge é de natureza previdenciária. 2. Embora esta Turma Nacional de Uniformização já tenha decidido que o parágrafo único do art. 34 da Lei nº 10.741/2003 possa ser interpretado de maneira extensiva, a fim de excluir do cálculo da renda familiar não só o benefício assistencial, percebido por outro idoso integrante do grupo familiar, mas também a aposentadoria deste,
não se tem admitido tal interpretação quando o valor da aposentadoria supere o do salário mínimo.
3. Precedente desta TNU no Processo nº 2006.63.06.00.7427-5. 4. Pedido de Uniformização não provido. (PEDILEF n. 200870950009582, JUÍZA FEDERAL JOANA CAROLINA LINS PEREIRA, DJ 25/03/2010)
Logo, a renda per capita é de R$797,86, quantia superior a 1/2 salário mínimo.
A parte alega gastos excepcionais com medicamentos, elencados a seguir:
OZIAS PIRES (cônjuge) -
Losartana; Clortalidona; Carvedilol; Anlodipino; Glibenclamida; Sustrate; Finesterida; Pantoprazol; Tansulosina e Propatilnitrato;
OLIVIA ANA (autora) -
Amitriptilina e Fluxon.
A LOAS dispõe da seguinte forma sobre a dedução de gastos médicos:
Na avaliação de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e a situação de vulnerabilidade de que trata o §11 do art. 20 desta Lei, serão considerados os seguintes aspectos para ampliação do critério de aferição da renda familiar mensal per capita de que trata o §11-A do referido artigo:
I – o grau da deficiência;
II – a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária; e
III – o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 desta Lei exclusivamente com gastos médicos, com tratamentos de saúde, com fraldas, com alimentos especiais e com medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados gratuitamente pelo SUS, ou com serviços não prestados pelo Sus, desde que comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida.
Dessa forma, para fins de redução da renda familiar, é necessário o implemento dos seguintes requisitos:
Medicação não fornecida pelo sus;
Medicação prescrita em receituário; e
Prova de gastos/aquisição.
A perita social aponta no laudo o total de R$244,09 referentes aos remédios usados pela parte autora e seu esposo.
De toda forma, considerando todos os medicamentos relacionados pela parte autora, apenas
Fluxon, Sustrate e Pantoprazol/omeprazol
não são fornecidos
pelo SUS, possuem prescrição médica e gastos de aquisição comprovados (fls. 19/20 do evento20-procadm4).
Os gastos devidamente comprovados pela parte autora são de R$69,29.
Portanto, considerada a referida dedução, a renda total da família passa ao valor de R$1.524,44, com renda per capita de R$762,22, ainda assim acima de 1/2 salário mínimo.
O art. 20, §3º não pode ser interpretado de forma isolada, devendo o Juiz analisar as circunstâncias fáticas do caso concreto na aferição da miserabilidade.
A jurisprudência entende que não há necessidade de vinculação ao critério objetivo do art. 20 §3º da Lei n° 8.742/93, conforme decidiu o STJ, no AgRg no REsp nº 94.6253, de 16/10/2008:
“O preceito contido no art. 20, §3º, da Lei nº 8.742/93 não é o único critério válido para comprovar a condição de miserabilidade. A renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo deve ser considerada como um limite mínimo, um quantum objetivamente considerado insuficiente à subsistência do portador de deficiência e do idoso, o que não impede que o julgador faça uso de outros fatores que tenham o condão de comprovar a condição de miserabilidade do autor”.
Destaco que a exigência de provas sobre a condição socioeconômica reside no fato de que o beneficio de prestação continuada (BPC) é destinado àqueles que não podem viver sem auxílio imediato do Estado (e não ao complemento de renda), cuja concessão depende da demonstração de que a família do pretenso beneficiário não tenha condições de prover a sua subsistência. É por esta razão que a simples alegação de dificuldades financeiras ou insuficiência de recursos, ainda que transcrita na verificação social, não conduz à presunção de veracidade se não houver outros elementos que confirmem o alegado.
Portanto, por estar ausente o requisito objetivo (miserabilidade), não faz o autor jus ao benefício pleiteado.
III – DISPOSITIVO
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido, na forma do artigo 487, I, do Código de Processo Civil
.
A parte autora, em recurso (
evento 53, RECLNO1
), alega que está em situação de vulnerabilidade social.
2. OS CRITÉRIOS PARA O DEFERIMENTO DO BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA DEVEM SER AQUELES PREVISTOS EM LEI.
O art. 203, V, da CRFB/1988 estabelece o direito a benefício assistencial de prestação continuada, nos termos da lei.
Cabe ao Poder Legislativo quantificar os recursos financeiros disponíveis e, no exercício de opção política, escolher quais necessidades sociais serão priorizadas, mediante critérios uniformes para racionalizar a distribuição de renda.
O critério do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 para a aferição de miserabilidade para fins de recebimento do benefício assistencial de prestação continuada – renda
per capita
inferior a um quarto do salário mínimo – foi reafirmado sucessivamente pelas Leis 9.720/1998, 10.741/2003, 12.435/2011 e 12.470/2011. As Leis 13.982/2020 e 14.176/2021 promoveram sutil alteração, para admitir renda
per capita
inferior OU IGUAL a um quarto do salário mínimo.
Registre-se que a Lei 13.981/2020, publicada em 24/03/2020, pretendeu alterar o critério para renda
per capita
inferior a 1/2 salário mínimo. Ocorre que
(i)
o Ministro Gilmar Mendes do STF, em 03/04/2020, deferiu liminar na ADPF 662, para suspender a eficácia dessa alteração
"enquanto não sobrevier a implementação de todas as condições previstas no art. 195, § 5°, da CF, art. 113 do ADCT, bem como nos arts. 17 e 24 da LRF e ainda do art. 114 da LDO"
e
(ii)
a Lei 13.982/2020, publicada em 02/04/2020, resgatou, pelo menos até 31/12/2020, o parâmetro de renda
per capita
inferior ou igual a 1/4 do salário mínimo.
Em 22/04/2020, o Senado aprovou o PL 873/2020, que alteraria novamente o § 3º do art. 20 da LOAS para adotar o parâmetro de renda
per capita
inferior ou igual a 1/2 salário mínimo. Todavia, ao sancionar a Lei 13.998/2020, esse dispositivo recebeu veto do Presidente da República, com as seguintes razões:
"A propositura legislativa, ao manter de forma objetiva o valor do critério para a percepção do Benefício de Prestação Continuada (BPC) no valor de 1/2 salário mínimo, a partir de 1º de janeiro de 2021, extrapola a decisão liminar exarada pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 6357 e institui obrigação ao Poder Executivo, além de criar despesa obrigatória ao Poder Público, sem que se tenha indicado a respectiva fonte de custeio, ausente ainda o demonstrativo do respectivo impacto orçamentário e financeiro no exercício corrente e nos dois subsequentes, violando assim, as regras do art. 113 do ADCT, bem como do arts. 16 e 17 da Lei de Responsabilidade Fiscal e ainda do art. 116 da Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2020 (Lei 13.898, de 2019). Ademais, o dispositivo contraria o interesse público ao não se permitir a determinação de critérios para a adequada focalização do benefício."
A MP 1.023, de 31/12/2000, convertida na Lei 14.176/2021, ratificou o parâmetro de 1/4 do salário mínimo no § 3º do art. 20 da Lei 9.742/1993 e inseriu nova regra no § 11-A, segundo o qual
"O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei."
3. O CRITÉRIO PREVISTO NO ART. 20, § 3º, DA LEI 8.742/1993 (RENDA
PER CAPITA
IGUAL OU INFERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO) É ADEQUADO, COMO NORMA GERAL E ABSTRATA, PARA A PROTEÇÃO DAS PESSOAS EM SITUAÇÃO DE MISERABILIDADE.
O parâmetro legal de miserabilidade não é um valor fixo em reais, e sim um percentual do salário mínimo (25%).
Como na última década o valor do salário mínimo tem sido majorado anualmente em patamar igual ou superior aos índices oficiais de inflação, o programa assistencial se torna progressivamente mais abrangente e inclusivo sempre que o reajuste do SM excede a inflação. Em 2006, o SM atingiu US$ 160.00 e nunca caiu aquém desse patamar; desde 2009, equivale a no mínimo US$ 200.00 (de 2016 a 2019, equivaleu a US$ 250.00).
O objetivo do benefício assistencial de prestação continuada é amparar pessoas em situação de miserabilidade (menos de US$ 1.25 por dia – US$ 37.50 por mês) e de pobreza extrema (menos de US$ 2.00 por dia – US$ 60.00 por mês), dando-lhes condições mínimas de alimentação e moradia, e não propiciar acréscimo de recursos financeiros a pessoas em situação de pobreza moderada ou classe média baixa.
Como o salário mínimo manteve-se igual ou acima de US$ 200.00 na última década, o critério legal de miserabilidade (1/4 do SM) tem assegurado pelo menos US$ 50.00 mensais por pessoa. Logo, dentro da realidade orçamentária brasileira, é uma parâmetro adequado para a finalidade específica de abarcar as pessoas em situação social e financeira extrema; as demais pessoas carentes são destinatárias de outros programas assistenciais.
4. A IMPOSIÇÃO CONSTITUCIONAL DE PROTEÇÃO SUFICIENTE AOS DESTINATÁRIOS DA NORMA DO ART. 203, V, DA CRFB/1988 AUTORIZA OS MAGISTRADOS, EM SITUAÇÕES DE FATO EXCEPCIONAIS, AFERIDAS EM LAUDO DE CONSTATAÇÃO DE CONDIÇÕES SÓCIO-ECONÔMICAS, A SE DISTANCIAREM UM POUCO DO CRITÉRIO LEGAL (STF, RE 567.985 E RE 580.963). ART. 20, §§ 11 E 11-A C/C ART. 20-B
DA LEI 8.742/1993.
O STF, no julgamento do RE 567.985, declarou a inconstitucionalidade da redação do § 3º do art. 20 da Lei 8.742/1993 sem nulidade da norma, por considerar que o uso isolado do critério “renda” é imperfeito e, em algumas situações específicas, a serem aferidas caso a caso, acarreta proteção insuficiente a alguns dos destinatários da norma do art. 203, V, da CRFB/1988. Consequentemente, o STF permitiu que, por outros critérios (que não exclusivamente a renda), os magistrados possam aferir se existe a alegada imprescindibilidade do benefício assistencial para a sobrevivência da parte que o requereu. Essa interpretação do STF foi incluída pela Lei 13.146/2015 no § 11 do art. 20 da Lei 8.742/1993:
“Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento”
(o regulamento ainda não foi editado).
O mesmo fundamento de proibição de proteção insuficiente levou o STF, ao julgar o RE 580.963, a declarar a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, sem nulidade da norma, de modo a permitir a sua interpretação extensiva para abranger também os idosos que recebem aposentadoria ou pensão por morte, reservando-lhe um salário mínimo (a parte do benefício que exceder esse montante pode ser considerada renda dos demais familiares). O STJ, ao julgar, em março de 2015, o REsp 1.355.052, definiu, em interpretação extensiva do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, que, para fins de recebimento de benefício assistencial de prestação continuada, deve ser excluído do cálculo da renda da família o benefício de um salário mínimo que tenha sido concedido a idoso ou a pessoa com deficiência. Essa interpretação judicial foi incluída pela Lei 13.982/2020 no § 14 do art. 20 da Lei 8.742/1993:
"O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo."
Regulamentando essa decisão, a Lei 14.176/2021, conversão da MP 1.023/2020, mediante introdução do §11-A no art. 20 da Lei 8.742/1993 (
"O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei."
) estabeleceu um "teto" para a flexibilização, segundo o caso concreto, do critério legal de aferição da miserabilidade: a renda igual ou superior a 1/2 salário mínimo necessariamente conduz à inexistência de direito ao benefício assistencial de prestação continuada. A flexibilização do critério de renda inferior ou igual a 1/4 do salário mínimo, por sua vez, deverá observar os critérios postos no art. 20-B da Lei 8.742/1993.
5. OS CRITÉRIOS DE DELIMITAÇÃO DOS BENEFICIÁRIOS DE OUTROS PROGRAMAS ASSISTENCIAIS NÃO PODEM SER EMPREGADOS EM SUBSTITUIÇÃO AO ART. 20, § 3º, DA LEI 8.742/1993.
Como cada benefício assistencial tem um foco específico, os critérios de delimitação dos beneficiários em função da renda familiar variam de um para outro.
O critério de renda
per capita
inferior a meio salário mínimo é próprio do Bolsa-Família (Lei 10.836/2004) e não pode, em hipótese alguma, ser estendido para o benefício de prestação continuada; tanto é assim que a Lei 12.435/2011, posterior à Lei do Bolsa-Família e ao Estatuto do Idoso, expressamente reafirmou o critério de renda
per capita
inferior a um quarto do salário mínimo.
É importante registrar que, no julgamento dos RE 567.985 e 580.963, nenhum dos Ministros do STF admitiu que o critério legal – renda
per capita
inferior a 1/4 do salário mínimo – cedesse vez ao critério de 1/2 salário mínimo; pelo contrário, a Corte Constitucional autorizou os juízes a flexibilizarem o critério legal (sem dele se distanciar significativamente) apenas como medida pontual, excepcional, à luz de elementos de fato que, no caso concreto, denunciem a miserabilidade (laudo detalhado que aponte moradia em condições sub-humanas, despesas extraordinárias e necessidades específicas), justamente porque renda não é um critério plenamente adequado. Como esclareceu o Ministro MARCO AURÉLIO, os juízes não estão autorizados a substituir o critério legal por outro parâmetro genérico baseado em renda (como, por exemplo, 1/2 salário mínimo): se a razão de decidir é a impossibilidade de aferir a miserabilidade única e exclusivamente a partir do critério de “renda”, a flexibilização da regra do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 depende de situação de fato alegada e comprovada pela parte autora.
6. DESPESAS ORDINÁRIAS DA FAMÍLIA NÃO ASSUMEM, EM REGRA, RELEVÂNCIA NA APURAÇÃO DA SUA SITUAÇÃO SOCIAL-ECONÔMICA. APENAS DESPESAS COM TRATAMENTOS DE SAÚDE, REMÉDIOS, FRALDAS, ALIMENTOS ESPECIAIS E SERVIÇOS NÃO FORNECIDOS PELO PODER PÚBLICO PODEM SER DEDUZIDAS DA RENDA FAMILIAR (ART. 20-B DA LEI 8.742/1993).
As despesas ordinárias (água, luz, gás, telefone, vestuário, alimentação e remédios fornecidos pelo SUS – que podem ser demandados judicialmente, em caso de omissão estatal), em regra, não podem ser descontadas para a apuração da renda familiar
per capita,
seja porque a lei não alude a “renda líquida”, seja porque o objetivo do tratamento assistencial aos idosos e pessoas com deficiência é justamente assegurar-lhes recursos financeiros para fazer frente a tais gastos.
Em casos excepcionais, despesas excessivas e justificáveis podem ser consideradas para a configuração da miserabilidade, como, por exemplo, quando a longa distância ou dificuldades geográficas impedem o acesso regular dos interessados a posto de saúde, ou quando o tratamento necessário não é sequer oferecido e integralmente custeado pela rede pública. O art. 20-B da Lei 8.742/1993, introduzido pela Lei 14.176/2021, conversão da MP 1.023/2020, admite a dedução, da renda familiar, de despesas com tratamentos de saúde, remédios, fraldas e alimentos especiais desde que não fornecidos pelo SUS ou com serviços não prestados pelo SUAS - o que reafirma que outras despesas não podem ser deduzidas.
7. O CRITÉRIO DE DELIMITAÇÃO DO NÚCLEO FAMILIAR PARA APURAÇÃO DA RENDA PREVISTO NO ART. 20, § 1º, DA LEI 8.742/1993 É CONSTITUCIONAL, COMO NORMA GERAL E ABSTRATA; ENTRETANTO, NÃO É APLICÁVEL AOS CASOS EM QUE HOUVER PARENTES COM RENDA SIGNIFICATIVA, MESMO QUE CASADOS E/OU RESIDINDO SOB OUTRO TETO, SITUAÇÃO NA QUAL PREVALECE O DEVER DE PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS ENTRE PARENTES.
A redação atual do art. 20, § 1º, da Lei 8.742/1993 (dada pela Lei 12.435/2011) delimita o núcleo familiar, para apuração da renda
per capita
, como o
“requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto"
.
Não há mais limite de idade para os filhos (e enteados) e irmãos, passando a ser relevante que sejam solteiros, e houve inclusão da madrasta e do padrasto. Não devem ser computados, para nenhum fim (nem para computar a renda nem para divisão da renda
per capita
), os tios, os irmãos casados (que já eram excluídos, por parte da jurisprudência, por constituírem núcleo familiar diverso) e os agregados.
Os irmãos, filhos e enteados que vivem em união estável não são solteiros e, ademais, constituíram núcleo familiar diverso (ainda que sob o mesmo teto).
A LOAS mitigou o princípio da atuação subsidiária do Estado e o dever de ajuda recíproca entre familiares, com a finalidade de excluir do cômputo de renda os parentes que constituíram novo núcleo familiar (parentes que vivem sob outro teto, filhos casados
etc
), pois, em regra, vinculá-los ao sustento do núcleo originário acarretaria ciclo de perpetuação da pobreza, subtraindo da nova célula os recursos financeiros imprescindíveis a garantir oportunidade de ascensão social das gerações futuras. Contudo, nos casos específicos em que houver um parente de renda significativa, mesmo que casado e sem residir sob o mesmo teto, a interpretação do art. 20, § 1º, da Lei 8.742/1993 conforme os arts. 226 a 230 da CRFB/1988 não autoriza a proteção excessiva, cedendo espaço ao dever de alimentos a que aludem os arts. 1.695 a 1.697 do Código Civil.
8.1. A RENDA FAMILIAR
PER CAPITA
IGUAL OU INFERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO GERA PRESUNÇÃO RELATIVA DE QUE A FAMÍLIA É MISERÁVEL, EXTREMAMENTE POBRE OU EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE SOCIAL. SE O LAUDO SÓCIO-ECONÔMICO APONTAR EM SENTIDO CONTRÁRIO, O BPC NÃO SERÁ DEVIDO, POIS O ART. 203, V, DA CRFB/1988 NÃO AUTORIZA PROTEÇÃO EXCESSIVA QUE TRANSFIGURE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL EM PROGRAMA DE RENDA MÍNIMA.
Os precedentes do STF e o § 11 do art. 20 da Lei 8.742/1993 deixam claro que os requisitos para o deferimento do benefício assistencial de prestação continuada à família do requerente idoso ou com deficiência são a miserabilidade ou pobreza extrema e a vulnerabilidade. A renda seria mero meio de prova do implemento desses requisitos.
Entretanto, assim como o meio de prova “renda familiar” não pode ser tomado de forma absoluta para evitar situações de proteção insuficiente (isto é, pode haver situações em que, mesmo com renda
per capita
superior a 1/4 do salário mínimo, estariam preenchidos os requisitos da miserabilidade e da vulnerabilidade), a renda
per capita
igual ou inferior a 1/4 do salário mínimo resulta em presunção
relativa
do implemento desse requisito para gozo do BPC:
PEDIDO NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. MISERABILIDADE. O CRITÉRIO OBJETIVO DE RENDA INFERIOR A ¼ DO SALÁRIO MÍNIMO NÃO EXCLUI A UTILIZAÇÃO DE OUTROS ELEMENTOS DE PROVA PARA AFERIÇÃO DA CONDIÇÃO SÓCIO-ECONÔMICA DO REQUERENTE E DE SUA FAMÍLIA. INEXISTÊNCIA DE PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE MISERABILIDADE, NOS TERMOS DA MAIS RECENTE JURISPRUDÊNCIA DESTA TNU. APLICAÇÃO DA QUESTÃO DE ORDEM N.º 020 DESTE COLEGIADO. CONSECTÁRIOS LEGAIS. INCIDÊNCIA DO NOVO MANUAL DE CÁLCULOS DA JUSTIÇA FEDERAL. INCIDENTE FORMULADO PELO INSS CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (art. 17, incisos I e II, do RITNU).
(TNU, PEDILEF 5000493-92.2014.4.04.7002, Relator Juiz Daniel Machado da Rocha, julgado em 14/04/2016)
Chega-se a este resultado mediante interpretação constitucionalmente adequada (a regra geral e abstrata é constitucional, mas, no caso concreto, incorre em inconstitucionalidade por desconformidade à finalidade do art. 203, V, da CRFB/1988), para evitar que a aplicação do texto literal da regra desnature o papel subsidiário e excepcional da Assistência Social e converta o BPC em programa de renda mínima para pessoas que, apesar de pobres, não são miseráveis, extremamente pobres nem especialmente vulneráveis.
8.2. QUANDO A RENDA FAMILIAR PER CAPITA É IGUAL OU INFERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO POR APLICAÇÃO DO ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DO ESTATUTO DO IDOSO OU DO ART. 20, § 14, DA LEI 8.742/1993, HÁ FORTE PRESUNÇÃO (RELATIVA) DE DIREITO À PROTEÇÃO ASSISTENCIAL, QUE SÓ PODE SER ELIDIDA POR PROVA (LAUDO DE AVALIAÇÃO ECONÔMICO-SOCIAL, TESTEMUNHAS, REGISTRO DE BENS IMÓVEIS OU MÓVEIS
ETC
) QUE ATESTE PADRÃO DE VIDA MANIFESTAMENTE INCOMPATÍVEL COM A RENDA FAMILIAR DECLARADA.
O CÁLCULO DO ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 10.741/2003 (ATUAL ART. 20, § 14, DA LEI 8.742/1993) DETERMINA QUE SE TOME A RENDA FAMILIAR TOTAL (DEDUZIDA A RENDA DE CADA IDOSO, ATÉ O LIMITE DE UM SALÁRIO MÍNIMO POR IDOSO), DIVIDIDA PELO NÚMERO DE INTEGRANTES NÃO IDOSOS. A PARTE DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO PERCEBIDO POR IDOSO QUE EXCEDER UM SALÁRIO MÍNIMO SERÁ COMPUTADA NA RENDA FAMILIAR.
O texto do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) estabelece que
"O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas."
O STF, por proibição de proteção insuficiente, no julgamento do RE 580.963, declarou a inconstitucionalidade sem nulidade da norma, de modo a permitir a sua interpretação extensiva para abranger também os idosos que recebem aposentadoria ou pensão por morte, reservando-lhe um salário mínimo.
A TRU da 2ª Região, por ocasião do julgamento em 24/05/2018 do Pedido de Uniformização nº 0152075-11.2014.4.02.5151/01, relator juiz Iorio Siqueira D’Alessandri Forti, ponderou:
- Em média, idosos e pessoas com deficiência têm maiores despesas (principalmente com tratamento de saúde). Considerações sobre o aumento da expectativa de vida e sobre a qualidade de vida e das condições laborativas das pessoas idosas não devem ser feitas pelo Judiciário, e sim pelo Legislativo, no sentido de avaliar a conveniência de diminuir a abrangência da regra do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003 para as pessoas com 70 anos ou mais.
- O Estatuto do Idoso se afastou da questão da simples aferição de miserabilidade, para incentivar que as famílias acolham os seus idosos, para que para que a renda do idoso não impeça o deferimento de BPC a outro integrante idoso ou com deficiência (já que o custo social de amparar os idosos rejeitados por suas famílias seria muito mais elevado).
- A interpretação restritiva da regra do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003, visando à redução da sua abrangência para evitar “proteção assistencial excessiva a famílias não miseráveis” caracterizaria controle de constitucionalidade à luz do art. 203, V, da Lei 10.741/2003 e a interferência do controle do Judiciário sobre a discricionariedade do legislador deve ser maior quando se destina a assegurar a “proteção adequada” (proteção não insuficiente) e mais restritiva quando se destina a evitar a “proteção assistencial excessiva”.
- A regra do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003 concretiza de forma adequada e não excessiva o mandamento do art. 203, V, da CRFB/1988. Os filhos têm o dever de sustentar os pais (art. 229 da CRFB/1988) e, na falta destes, os idosos devem ser sustentados pelo Estado. Não cabe aos idosos de baixa renda o dever de sustentar a família (art. 203, V, da CRFB/1988).
Diante destas considerações, a TRU da 2ª Região firmou a seguinte tese:
“Para o deferimento do benefício assistencial de prestação continuada, o cálculo para a aferição do preenchimento do requisito de renda deve ser feito mediante conjugação necessária do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 com o art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003: toma-se a renda familiar total (deduzida a renda de cada idoso, até o limite de um salário mínimo por idoso), – dividida pelo número de integrantes não idosos. A parte do benefício previdenciário percebido por idoso que exceder um salário mínimo será considerada na renda familiar.”
Na mesma ocasião, a TRU concluiu que, nos casos em que incide a regra do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003 (ou do art. 20, § 14, da LOAS), a renda
per capita
só é inferior a 1/4 do salário mínimo por uma ficção jurídica estabelecida pelo legislador (porque o salário mínimo inteiro do idoso não é computado). Logo, seria um contrassenso se a regra permitisse subtrair o salário mínimo do cálculo da renda
per capita
e, em seguida, o juiz pudesse julgar improcedente o pedido de BPC assistencial porque a moradia e as posses da família foram adquiridas com uma renda familiar que é integrada de fato por esse salário mínimo. Nesses casos, portanto, há forte presunção (ainda que continue a ser relativa) de direito à proteção assistencial, que só pode ser elidida por prova (laudo de avaliação econômico-social, testemunhas, registro de bens imóveis ou móveis
etc
) que ateste padrão de vida manifestamente incompatível com a renda familiar declarada.
Diante disto, convém frisar que ao juiz impõe-se um papel ativo para aferir não só a renda da família como também todos os demais elementos que possam confirmar ou infirmar a alegada miserabilidade/vulnerabilidade, o que leva à adoção do entendimento consagrado pela Súmula 80/TNU:
“Nas ações em que se postula benefício assistencial, é necessária a comprovação das condições socioeconômicas do autor por laudo de assistente social, por auto de constatação lavrado por oficial de justiça ou, sendo inviabilizados os referidos meios, por prova testemunhal.”
A determinação de elaboração do laudo de verificação econômico-social (análise da dimensão o patrimônio, inclusive do próprio imóvel onde a família reside, das condições de conservação da moradia e da disponibilidade ou não de rede de água, esgoto, eletricidade e coleta de lixo, da existência ou não de parentes com renda significativa, mesmo que em outra residência, despesas fixas com tratamento de saúde não oferecido pelo SUS
etc
) é obrigatória, sempre que possível.
8.3. ESTA 5ª TR-RJ RECONHECE (RECURSO 5001833-25.2021.4.02.5113/RJ, J. EM 23/12/2023, RELATOR JF IORIO D'ALESSANDRI; RECURSO 5069290-47.2020.4.02.5101/RJ, J. EM 21/06/2021, RELATOR JF JOÃO MARCELO OLIVEIRA ROCHA) A POSSIBILIDADE DE RENÚNCIA A UM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DE VALOR INFERIOR A UM SALÁRIO MÍNIMO (SEJA COTA DE PENSÃO ALIMENTÍCIA, SEJA AUXÍLIO-ACIDENTE, CONFORME TEMA 253/TNU), MEDIANTE CANCELAMENTO, QUANDO SEU VALOR FOR OBSTÁCULO À OBTENÇÃO DE BPC. É QUE O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO OBTIDO POR CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS NÃO PODE SER UM FARDO; SE O RECEBIMENTO DESSE BENEFÍCIO CAUSA PREJUÍZO AO SEU TITULAR, ELE TEM O INTERESSE DE CANCELÁ-LO E A POSSIBILIDADE JURÍDICA DE FAZÊ-LO (DIREITO À ESCOLHA DO MELHOR BENEFÍCIO DA SEGURIDADE SOCIAL).
CONTUDO, NO JULGAMENTO DO PROCESSO Nº 5000165-30.2023.4.02.5119 FIXOU O ENTENDIMENTO DE QUE NÃO SE ADMITE A REUNÚNCIA À PENSÃO ALIMENTÍCIA, PORQUE É OBRIGAÇÃO DECORRENTE DO DIREITO DE FAMÍLIA:
BPC EM FAVOR DE PESSOA IDOSA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA, PORQUE A AUTORA RECEBE PENSÃO ALIMENTÍCIA DE R$ 468,36 DO EX-MARIDO (0,35 SALÁRIO MÍNIMO).
A IRMÃ DA AUTORA TEM 89 ANOS E RECEBE UM SALÁRIO MÍNIMO (BPC) E O IRMÃO TEM 70 ANOS E RECEBE UM SALÁRIO MÍNIMO (BPC); CADA UM MORA EM SEU PRÓPRIO IMÓVEL, UM CONTÍGUO AO OUTRO, NO MESMO TERRENO. NA FORMA DO ART. 20, § 14, DA LEI 8.742/1991, ESSES IRMÃOS IDOSOS COM RENDA DE UM SALÁRIO MÍNIMO ESTÃO DISPENSADOS DE PRESTAR AUXÍLIO FINANCEIRO À AUTORA.
ESTA 5ª TR-RJ RECONHECE (RECURSO 5001833-25.2021.4.02.5113/RJ, J. EM 23/12/2023, RELATOR JF IORIO D'ALESSANDRI; RECURSO 5069290-47.2020.4.02.5101/RJ, J. EM 21/06/2021, RELATOR JF JOÃO MARCELO OLIVEIRA ROCHA) A POSSIBILIDADE DE RENÚNCIA A UM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DE VALOR INFERIOR A UM SALÁRIO MÍNIMO (SEJA COTA DE PENSÃO POR MORTE, SEJA AUXÍLIO-ACIDENTE, CONFORME TEMA 253/TNU), MEDIANTE CANCELAMENTO, QUANDO SEU VALOR FOR OBSTÁCULO À OBTENÇÃO DE BPC (DIREITO À ESCOLHA DO MELHOR BENEFÍCIO DA SEGURIDADE SOCIAL).
A PENSÃO ALIMENTÍCIA RECEBIDA PELA AUTORA DECORRE DE OBRIGAÇÃO FUNDADA NO DIREITO DE FAMÍLIA, ISTO É, NÃO SE TRATA DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. NÃO HÁ COMO ADMITIR A RENÚNCIA, POR PARTE DA AUTORA, À PENSÃO ALIMENTÍCIA PARA HABILITAR-SE AO RECEBIMENTO DO BPC, POIS A ASSISTÊNCIA SOCIAL É SUBSIDIÁRIA RELAÇÃO AOS MEIOS DE SUSTENTO FAMILIAR.
O PARÂMETRO LEGAL PARA A OBTENÇÃO DO BPC CONTINUA SENDO RENDA
PER CAPITA
IGUAL OU INFERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. NO CASO CONCRETO, A RENDA DECORRENTE DA PENSÃO ALIMENTÍCIA É DE 0,35 (POUCO MAIS DE 1/3) DO SALÁRIO MÍNIMO. NÃO HÁ RAZÃO PARA FLEXIBILIZAR O REQUISITO LEGAL ALÉM DESSE PARÂMETRO, VISTO QUE, COMO CONSTA DA AVALIAÇÃO SOCIAL, A AUTORA DECLAROU QUE O IMÓVEL EM QUE RESIDE É PRÓPRIO (NÃO PAGA ALUGUEL), NÃO TEM PROBLEMAS DE SAÚDE GRAVES, NÃO PRECISA DE REMÉDIOS NÃO FORNECIDOS PELO SUS NEM DE CUIDADOS ESPECIAIS.
RECURSO INTERPOSTO PELA AUTORA DESPROVIDO.
(Processo nº 5000165-30.2023.4.02.5119, de relatoria do Juiz Iorio Siqueira D'Alessandri Forti, julgado em 28/03/2025).
9. DA IMPRESCINDIBILIDADE DA INSCRIÇÃO NO CADÚNICO A PARTIR DA MP 871/2019
Desde 1998, o § 8º do art. 20 da Lei 8.742/1993 prevê que "A renda familiar mensal a que se refere o § 3º deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido".
Em atenção à delegação feita pelo § 8º do art. 20 da LOAS ao regulamento, o Decreto 8.805/2016 passou a exigir inscrição no CadÚnico. Contudo, como o requisito não constava da lei, a jurisprudência considera que a prova da miserabilidade poderia ser feita por outro meio.
A MP 871/2019 e a Lei 13.846/2019 incluíram a exigência de inscrição no cadastro no § 12 do art. 20 da Lei 8.742/1993. Por isso, de 18/01/2019 em diante, a regularidade cadastral passou a ser requisito essencial para a concessão e manutenção do BPC.
Acrescente-se que o art. 7º do Decreto 6.135/2007 estabelece que “as informações constantes do CadÚnico terão validade de dois anos, contados a partir da data da última atualização, sendo necessária, após este período, a sua atualização ou revalidação, na forma disciplinada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome”. Noutros termos, a atualização em intervalos não superiores a cada dois anos é imprescindível para a continuidade do pagamento do BPC pelo INSS.
10. O CASO CONCRETO.
10.1. A requerente tinha 70 anos de idade na data em que formalizou o requerimento administrativo, de maneira que inegavelmente foi atendido o requisito etário previsto no
caput
do art. 20 da Lei 8.742/1993 (idade igual ou superior a 65 anos).
10.2. Consta da verificação social (
evento 23, LAUDO1
) que a família é integrada pela autora (71 anos, sem renda) e seu marido (71 anos, renda de R$ 1.595,73 na DER).
A família reside em imóvel próprio, em estado de conservação razoável e a mobília é simples.
Há dois adultos vivendo com uma renda mensal pouco superior ao salário-mínimo. Contudo, considerando o entendimento da TRU da 2ª Região, verifica-se que, para o deferimento do benefício assistencial de prestação continuada, o requisito de renda deve ser interpretado a partir da conjugação do art. 20, §3º, da Lei 8.742/1993 com o art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003.
Dessa forma, toma-se a renda familiar total, com a dedução da renda de cada idoso, até o limite de um salário-mínimo por idoso, dividindo-a pelo número de integrantes do grupo familiar.
No caso concreto, deduzindo o valor de um salário-mínimo da renda do marido da autora, restaria valor de R$ 183,73 a ser dividido. Nesse contexto, conclui-se que a renda
per capita
é inferior ao parâmetro legal de 1/4 do salário-mínimo.
Ainda, em consulta ao SAT/EXTERNO/INSS, verifica-se que a aposentadoria por invalidez recebida pelo marido da autora foi cessada em 14/05/2025:
Nesse contexto, configura-se quadro de miserabilidade, o que caracteriza o alegado direito ao recebimento do benefício assistencial.
11. Decido DAR PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELA PARTE AUTORA para condenar o INSS a implantar o BPC assistencial em favor dela no prazo de vinte dias úteis (deferindo-se, para tanto, tutela antecipada) e a pagar, após o trânsito em julgado, os atrasados devidos desde a DER, com correção monetária pelo IPCA-e (RE 870.947) e juros de mora, desde a citação, na forma do art. 1º-F da Lei 9.494/1997. Sem condenação em honorários, porque provido o recurso (art. 55 da Lei 9.099/1995).
Intimem-se. Após o trânsito em julgado, dê-se baixa e remetam-se os autos ao juízo de origem.
TABELA PARA CUMPRIMENTO PELA CEAB
Cumprimento
Implantar Benefício
NB
Espécie
Benefício Assistencial Idoso
DIB
26/02/2024
DIP
Primeiro dia do mês da decisão que determinou a implantação/restabelecimento do benefício
DCB
RMI
1.412,00
Segurado Especial
Não
Observações
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear