Processo nº 0004337-71.2013.4.01.3311
ID: 306936861
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 0004337-71.2013.4.01.3311
Data de Disponibilização:
25/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ALVARO LUIZ FERREIRA SANTOS
OAB/BA XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0004337-71.2013.4.01.3311 PROCESSO REFERÊNCIA: 0004337-71.2013.4.01.3311 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: PEDRO JACKSON BRANDA…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0004337-71.2013.4.01.3311 PROCESSO REFERÊNCIA: 0004337-71.2013.4.01.3311 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: PEDRO JACKSON BRANDAO ALMEIDA REPRESENTANTE(S) POLO ATIVO: ALVARO LUIZ FERREIRA SANTOS - BA9465-A POLO PASSIVO:Ministério Público Federal RELATOR(A):MARCOS AUGUSTO DE SOUSA PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0004337-71.2013.4.01.3311 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Trata-se de apelação interposta por PEDRO JACKSON BRANDÃO ALMEIDA contra a sentença que julgou parcialmente procedente o pedido para condenar os réus pela prática de atos de improbidade previstos no art. 10, I e XI, e art. 11, caput e I, ambos da Lei 8.429/1992, nos seguinte termos: a) o réu PEDRO SACKSON BRANDÃO ALMEIDA, nas sanções de (1) ressarcimento integral do dano, no valor total de R$ 195.721,25 (cento e noventa e cinco mil, setecentos e vinte e um reais e vinte e cinco centavos), a ser devidamente corrigido e acrescido de juros na forma do Manual de Cálculos da Justiça Federal; (2) suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos; (3) pagamento de multa civil no importe de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), devidamente atualizado na forma do Manual de Cálculos; b) o réu MURILO MATOS MONTEIRO, nas sanções de (I) ressarcimento integral do dano, no valor total de R$ 195.721,25 (cento e noventa e cinco mil, setecentos e vinte e um reais e vinte e cinco centavos), devidamente corrigido e acrescido de juros na forma do Manual de Cálculos da Justiça Federal; (2) suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos; (3) pagamento de multa civil num importe de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), devidamente atualizado na forma do Manual de Cálculos; c) os réus MARIA HELENA LIMA SENA SANTOS - ME (COMERCIAL LIMA) e JOSÉ ACLIDES OLIVEIRA VIANA, nas sanções de (1) ressarcimento integral do dano, no valor total de R$ 195.721,25 (cento e noventa e cinco mil, setecentos e vinte e um reais e vinte e cinco centavos), devidamente corrigido e acrescido de juros na forma do Manual de Cálculos da Justiça Federal; (2) pagamento de multa civil no importe de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), devidamente atualizado na forma do Manual de Cálculos, a ser paga por cada um dos agentes; (3) proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários, pelo prazo de 05 (cinco) anos; bem corno com fulcro no art. 11, caput, c/c art. 12, III, ambos da Lei nº 8429/92, condenar d) a ré MARIA DA CONCEIÇÃO AGUIAR OLIVEIRA, nas sanções de (1) suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos; (2) Pagamento de multa civil correspondente a cinco vezes a remuneração percebida pelo agente à época dos fatos, devidamente atualizado na forma do Manual de Cálculos. Condeno os referidos réus ao pagamento de custas e honorários advocatícios, que ora fixo em 10% sobre o valor da condenação. Os réus foram condenados, ainda, ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. Sustenta o réu, primeiramente, que a decisão de arquivamento da ação criminal ajuizada pelo MPF pelos mesmos fatos ora objeto de exame, reconhecendo a inexistência de fato que configure ilícito praticado pelo apelante e a não comprovação da autoria na prática dos atos, deve influir no resultado desta ação. Afirma que não se pode admitir a manutenção da sentença que preferiu condenar o réu, por não ter ele logrado comprovar que os fatos que lhe foram imputados não existiram, pois seria a imposição de produção de prova diabólica. Sustenta que, embora a argumentação do MPF, acolhida pelo Juízo de origem, se embase na alegação de que os pagamentos foram desacompanhados de licitação prévia ou de procedimento de justificação de dispensa, não havendo base contratual para justificá-los, constam dos autos a Tomada de Preços 002/2007 e o Contrato 044/2007, que, em princípio, formalizam, de forma regular, o vínculo contratual. Alega que o depoimento prestado em Juízo justifica os diálogos frutos de escuta telefônica, pois vários Secretários do Governo tinham autorização para solicitar o fornecimento de materiais à pessoa jurídica Comercial Lima, deixando a Administração acumular o débito, para, de acordo com a disponibilidade de recursos, fazer, então, os empenhos dos produtos fornecidos, avisando o fornecedor para emitir a fatura e receber o crédito. Alega, ainda, que todos os produtos foram de fato fornecidos. Assevera que o disposto no art. 62, § 4º, da Lei 8.666/1993 prevê a compra de bens de pronta entrega sem a necessidade de formalização de contratos e processos administrativos. Afirma que os valores das compras isoladamente encontram-se dentro do limite definido para compra direta, previsto no art. 24, I, da Lei 8.666/1993. Acresce, ademais, a falta de adequação típica em relação aos atos de improbidade, não havendo descrição da conduta do ex-prefeito que se enquadre nos dispositivos da Lei 8.429/1992, e aponta a punição excessiva na sentença, que não justificou a dosimetria adotada. Com contrarrazões. O Ministério Público Federal opina pelo não provimento do recurso de apelação. É o relatório. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0004337-71.2013.4.01.3311 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Os réus Pedro Jackson Brandão Almiera, Murilo Matos Monteiro, Maria Helena Lima Sena Santos - ME (Comercial Lima), José Aclides Oliviera Viana e Maria da Conceição Aguiar Oliveira foram condenados pela prática de atos de improbidade, durante os anos de 2007 e 2008, tipificados no art. 10, I e XI, e art. 11, caput, ambos da Lei 8.429/1992, em razão de malversação de recursos públicos federais, oriundos de diversos programas e repasses ao Município de Itapé/BA, mediante a utilização de notas fiscais ideologicamente falsas, no valor total de R$ 195.721,25 (cento e noventa e cinco reais e setecentos e vinte e um reais e vinte e cinco centavos), acarretando graves danos ao erário e violação aos princípios da Administração Pública. Segundo o MPF, instaurou-se o IP 308/2011 para investigar fatos relacionadas à Administração Municipal de Itapé/BA, em cujo feito teriam sido reunidas provas contundentes da prática de atos de improbidade administrativa pelos réus, advindas notadamente de regular interceptação telefônica e de cumprimento de mandados de busca e apreensão. Em síntese, o MPF afirma ter sido apurado que o então Prefeito executou sessenta e oito (68) ordens de pagamento, sem prévia licitação, contrato administrativo ou procedimento de justificação de dispensa de licitação e, também, sem a devida contraprestação de produtos ou serviços em favor da pessoa jurídica Maria Helena Lima Sena Santos - ME (Comercial Lima), controlada pelo réu José Aclides Oliveira Viana. Afirma que as notas fiscais eram adquiridas pelo então Prefeito, pela ré Maria da Conceição Aguiar Oliveira, então Secretária de Educação do Município, e pelo réu Murilo Matos Monteiro, então Secretário de Finanças, para embasar despesas irregulares. Na sentença, o magistrado concluiu pela procedência parcial do pedido inicial, pontuando o seguinte: Debruçando-me sobre a prova documental carreada aos fólios, verifico a existência de ordens de pagamento determinadas pelo requerido Pedro Jackson, nas quais figurou como credora a empresa ré Maria Helena Lima Sena Santos - ME (Comercial Lima), conforme se vê dos anexos II e III (em apenso), sendo que tais pagamentos foram desacompanhados de licitação prévia ou procedimento de justificação de dispensa. De fato, há provas no inquérito policial nº 308/2011, notadamente diálogos interceptados durante as investigações (anexo, I), demonstrando que- as notas fiscais da empresa Comercial Lima eram fornecidas pelo requerido José Aclides ao ex-prefeito-Pedro Jackson, que as encomendava com valores preestabelecidos. Nos áudios transcritos na inicial, com mídia das interceptações acostada à fl. 23, o requerido Pedro Jackson negocia diretamente com José Aclides o fornecimento de notas fiscais ideologicamente falsas, em valores diversos. Note-se que, em alguns casos, o requerido Pedro Jackson (Pedrão) chegai a - combinar encontro em sua casa, com a finalidade de repassar o cheque de pagamentos diretamente ao Sr. José Aclides de Oliveira Viana (Deco), o que demonstra o trato nada republicano em que se negociavam os pagamentos de supostos débitos atrasados do Município de Itapé. Durante os exercícios de 2007 e 2008, a empresa acionada recebeu da Prefeitura Municipal de Itapé recursos públicos, totalizando o montante de R$ 195.721,25 (cento e noventa e cinco mil, setecentos e vinte e um reais e vinte e cinco centavos), conforme as 68 (sessenta e oito) ordens de pagamento, com base nas notas fiscais ideologicamente falsas. Ressalte-se que não houve contrato ou procedimento licitatório com, a requerida Comercial Lima, assim como inexiste comprovante de entrega dos bens supostamente contratados. Como visto, os réus foram condenados pela prática de atos capitulados no art. 10, I e XI, da Lei 8.429/1992, antes das alterações levadas a efeito pela Lei 14.230/2021, o qual se encontrava expresso nos seguintes termos: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei; (...) XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular; (...). Com a redação dada pela nova lei, o dispositivo ficou assim redigido: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: I - facilitar ou concorrer, por qualquer forma, para a indevida incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, de rendas, de verbas ou de valores integrantes do acervo patrimonial das entidades referidas no art. 1º desta Lei; (...) XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular; (...). Analisando a questão, verifico que a ação de improbidade foi proposta ainda sob a redação original da Lei 8.429/1992, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, podendo esta ser aplicada às hipóteses anteriores à sua vigência, em circunstâncias específicas, respeitadas as balizas estabelecidas pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR, com repercussão geral (Tema 1.199). O STF, no mencionado julgamento, fixou, dentre outras, as seguintes teses após exame da Lei 14.230/2021: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; (...). Extrai-se do entendimento fixado pelo STF, primeiramente, que a nova lei exige que o elemento subjetivo “dolo” seja demonstrado nos tipos legais descritos nos arts. 9º, 10 e 11. Segundo, que a lei nova revogou a ação de improbidade na modalidade culposa trazida no antigo artigo 10 (dano ao erário - único que até então admitia a condenação também por culpa), em caráter irretroativo. No entanto, essa revogação não alcançará ações iniciadas sob a égide da Lei 8.429/1992, que tiverem transitado em julgado. Cabe destacar, por oportuno, que o STF nada dispôs sobre a questão alusiva à revogação de alguns tipos da anterior Lei 8.429/1992, nem quanto às alterações introduzidas pela nova lei em certos tipos legais, até porque não era objeto do RE 843.989/PR. Não obstante, pode-se inferir, numa interpretação lógico-sistemática, ser possível a aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao réu, previsto no art. 5º, XL, da CF, aos casos em que houve revogação ou modificação de tipos legais, para as ações ainda em curso, a exemplo do quanto admitido para aquelas originadas por atos de improbidade culposos. O STJ, por sua vez, entendeu recentemente ser possível a aplicação da Lei 14.230/2021, com relação à exigência do dolo específico para a configuração do ato ímprobo, aos processos em curso: REsp 2.107.601/MG, 1ª Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/05/2024. Destaque-se, ainda, que o artigo 1º, § 4º, da nova lei expressamente estabelece a aplicação ao sistema da improbidade dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador, os quais incidem retroativamente em benefício da parte ré. No presente caso, restou comprovado nos autos que, durante os anos de 2007 e 2008, a Prefeitura Municipal de Itapé/BA realizou diversos pagamentos à pessoa jurídica Maria Helena Lima Sena Santos - ME (Comercial Lima), com recursos públicos de origens distintas, no montante total de R$ 195.721,25 (cento e noventa e cinco reais e setecentos e vinte e um reais e vinte e cinco centavos), sem prévia licitação ou procedimento de justificação de dispensa de licitação e também sem o respectivo contrato administrativo. Com base no que foi apurado no inquérito policial, notadamente nos diálogos colhidos nas escutas telefônicas, considerou o Juízo de origem comprovadas as supostas compras de notas fiscais pelos réus, com recursos públicos, nos valores combinados entre eles, com o intuito de justificar despesas irregulares realizadas pela Prefeitura. Neste ponto, anoto que o apelante, em suas razões de apelação, afirma que vários Secretários do Governo tinham autorização para solicitar o fornecimento de materiais à pessoa jurídica Comercial Lima, deixando a Administração acumular o débito, para, de acordo com a disponibilidade de recursos, fazer, então, os empenhos dos produtos fornecidos, avisando o fornecedor para emitir a fatura e receber o crédito. Alega, ainda, que todos os produtos foram de fato fornecidos. A despeito de tais alegações, o apelante não logrou comprovar a ocorrência de urgência apta a justificar a dispensa da licitação, já que era previsível a necessidade de aquisição de material de papelaria para a Prefeitura, nem mesmo restou atestado o recebimento pela Prefeitura dos produtos supostamente adquiridos. Cabe registrar, de todo modo, que, em execução da medida cautelar de busca e apreensão, a Polícia Federal apreendeu, conforme o Relatório de Análise de Materiais Apreendidos - Laudo 429/2010-SETEC/SR/DPF/BA, o Contrato 044/2007, datado de 12/02/2007, firmado entre a Prefeitura Municipal de Itapé/BA e a pessoa jurídica Comercial Lima - Maria Helena Lima Sena Santos, referente à Tomada de Preços 002/2007, no valor de R$ 45.861,50 (quarenta e cinco mil e oitocentos e sessenta e um reais e cinquenta centavos). Em relação aos valores remanescentes, ainda que constem dos autos informações de que não tenha havido licitação nem procedimento de dispensa, não resta indene de dúvidas o intuito dos réus de lesar o erário, notadamente porque, de acordo com o que afirmado pelo magistrado a quo na sentença, não restou demonstrada a apropriação de tais valores. O que se extrai dos autos é que, a despeito das irregularidades formais detectadas, os fatos decorreram de negligência dos gestores de darem cumprimento ao procedimento legalmente previsto, efetuando inúmeras compras de material de escritório, de forma parcelada, sem licitação ou procedimento de dispensa, a fim de que a aquisição se desse pelo menor preço e da melhor forma para a Prefeitura. Nesse contexto, não estando comprovado o dolo de beneficiamento, tampouco a clara intenção de causar dano ao erário mediante a não realização de licitação, não há que se falar em dolo específico. Assim, não há nos autos elementos que apontem para a ocorrência efetiva de dano, uma vez que não foi comprovada a não aplicação das verbas nas finalidades públicas a que se destinavam. Esta Corte já decidiu que a dispensa indevida de licitação deve acarretar perda patrimonial efetiva, não havendo mais que se falar em dano presumido. Precedentes: AC 0011852-47.2014.4.01.3304 e AC 0027450-02.2009.4.01. 3600. Conforme mencionado, a nova redação da Lei de Improbidade exige a atuação do agente com dolo específico de causar dano ao erário, assim como a efetiva ocorrência de dano, o que não restou comprovado no caso. A efetiva ocorrência de lesão aos cofres públicos é necessária quando se trata de dano ao erário, já que é requisito objetivo para a configuração do tipo, sendo incabível o dano presumido (dano in re ipsa). Porém, o parquet não se desincumbiu do ônus de comprovar a perda patrimonial concreta. Nesse sentido, citem-se os julgados desta Corte: ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 10, CAPUT, E ART 11, VI, DA LEI 8.429/92 NA REDAÇÃO ANTERIOR À LEI 14.230/2021. EX-PREFEITO MUNICIPAL. OMISSÃO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS. AUSÊNCIA DE EFETIVO PREJUÍZO AO ERÁRIO E DE DOLO NA CONDUTA. MERAS IRREGULARIDADES. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NÃO OCORRÊNCIA. APELAÇÃO DESPROVIDA. (...) 3. Com a superveniência da Lei 14.230/2021, que introduziu consideráveis alterações na Lei 8.429/92, para que o agente público possa ser responsabilizado por ato de improbidade administrativa, faz-se necessária a demonstração do dolo específico, conforme o artigo 1º, §2º, da Lei 8.429/92, ao dispor: "§ 2º considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos artigos 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente". 4. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 1.199 (ARE 843989 RG, Relator Ministro Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, publicado em 04.03.2022), após analisar as questões submetidas ao respectivo tema em decorrência da superveniência da Lei 14.230/2021 que introduziu as alterações promovidas na Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), fixou as seguintes teses :"1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei." 5. Diante de toda prova colhida, não resta evidenciado nos autos prejuízo ao erário, sequer dolo específico na conduta do réu, uma vez realizada a prestação de contas pelo ex-gestor municipal, assim como construída a obra objeto do convênio firmado pelo município com a FUNASA. 6. Ainda que tenha havido pendências na prestação de contas, não há que se falar em conduta típica do inciso VI do art. 11 da LIA, pois, de fato, as contas foram prestadas. Tampouco restou demonstrada conduta dolosa com a finalidade de ocultar irregularidades na execução do convênio. 7. As irregularidades técnicas apontadas não são suficientes para condenar por ato de improbidade que causa dano ao erário. Ademais, não se colhe dos autos, como alhures dito, a prova do dolo específico na conduta do requerido, elemento exigido pela norma de regência. 8. A improbidade administrativa é uma espécie de moralidade qualificada pelo elemento desonestidade, que pressupõe a conduta intencional, dolosa, a má-fé do agente ímprobo. A má-fé, caracterizada pelo dolo, é que deve ser apenada. Não se podem confundir meras faltas administrativas com as graves faltas funcionais de improbidade, sujeitas às sanções da Lei n. 8.429/92. Todo ato ímprobo é um ato ilícito, irregular, mas nem todo ilícito ou irregularidade constitui-se em ato de improbidade. 9. Apelação provida, julgando-se improcedente o pedido inicial. (ACP 0001264-33.2009.4.01.3311, TRF1, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Cesar Jatahy, PJe 20/05/2024) ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/1992. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI 14.230/2021. TEMA 1199. ART. 10, CAPUT, E ART. 11, VI, AMBOS DA LIA. NÃO COMPROVAÇÃO DE EFETIVO PREJUÍZO AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DO DOLO ESPECÍFICO DE OCULTAR IRREGULARIDADES. ATO DE IMPROBIDADE NÃO CARACTERIZADO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. (...) 4. A Lei 14.230/2021 deixou expresso no texto da Lei de Improbidade Administrativa a necessidade de efetivo e comprovado prejuízo ao Erário e a demonstração do elemento subjetivo (dolo) para configuração de ato de improbidade previsto no art. 10, bem como não mais se admite a responsabilização por ato lesivo na forma culposa. 5. O dano in re ipsa não mais serve como fundamento para condenação em ato ímprobo, uma vez que, como já mencionado, o art. 10, caput, da LIA, passou a exigir a comprovação do efetivo dano ao erário para configuração do ato ímprobo. (...) 7. Não há prova de que os recursos federais repassados pelo FNDE foram aplicados em fins alheios ao interesse público ou em proveito próprio do citado ex-prefeito ou de terceiro, também não há prova que demonstre a existência de irregularidades na utilização dos recursos federais repassados ao Ente Municipal. 8. O réu/apelado foi condenado tão somente porque deixou de prestar contas ao FNDE, não havendo prova de que ele teria deixado de prestar contas para ocultar irregularidades. Assim, não é o caso de sua condenação pela prática de ato ímprobo descrito no art. 11, inciso VI, da Lei 8.429/1992. 9. Posicionamento do STF, em recente julgado, entendeu que as alterações da Lei 14.230/2021 devem ser aplicadas às ações em curso, excetuando-se apenas aquelas em que já houve o trânsito em julgado (ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22/08/2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 05-09-2023 PUBLIC 06-09-2023). 10. Recurso de apelação não provido. (AC 1001217-78.2018.4.01.3100, TRF1, Décima Turma, Rel. Des. Fed. Solange Salgado da Silva, PJe 24/05/2024). Ademais, é de conhecimento geral que o sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa visa proteger a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de garantir a integridade do patrimônio público e social, nos termos da lei. A jurisprudência também é firme no sentido de que a improbidade administrativa não se confunde com a mera ilegalidade do ato ou a inabilidade do agente público que o pratica, porquanto o ato ímprobo, além de ilegal, é pautado pela desonestidade, deslealdade funcional e má-fé. A propósito: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DISPENSA DE LICITAÇÃO. PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA. SUPERFATURAMENTO NÃO EVIDENCIADO. PROGRAMA PAB FIXO. APLICAÇÃO DE RECURSOS EM PROCEDIMENTOS DE MÉDIA E ALTA COMPLEXIDADE. IRREGULARIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO. DOLO NÃO DEMONSTRADO. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO AFASTADA. PROVIMENTO DAS APELAÇÕES. SENTENÇA REFORMADA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. 1. A ação foi proposta pelo Ministério Público Federal em face dos apelantes (ex-prefeito de Araguaiana/MT e particular), em razão de suposta dispensa indevida de licitação para a aquisição de medicamentos (Programa de Assistência Farmacêutica), com indicativo de superfaturamento de preços; e em face apenas do ex-prefeito, por desvio de finalidade na aplicação dos recursos da Atenção Básica (Programa PAB Fixo), utilizados em procedimentos de média e alta complexidades. 2. A sentença julgou parcialmente procedente o pedido, condenando ambos os apelantes nas seguintes sanções (art. 12, II, da lei n. 8.429/92): (i) ressarcimento ao erário, no valor de R$ 20.857,57, relativo ao Programa de Assistência Farmacêutica, a ser corrigido; (ii) suspensão dos direitos políticos, pelo prazo de 5 (cinco) anos; e (iii) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos. Aplicou, ainda, ao ex-prefeito as sanções de ressarcimento do valor de R$ 71.127,59, relativo ao Programa PAB Fixo, a ser corrigido; e pagamento de multa civil no valor de 3 (três) remunerações do cargo de prefeito, relativo à época dos fatos. (…) 5. O art. 10, caput, da Lei n. 8.429/92, com a redação dada pela Lei n. 14.230/21, estabelece que "Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei: [...]", referindo-se em seu inciso VIII à conduta de "frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva". 6. A despeito da impropriedade apontada pela CGU - dispensa de licitação para aquisição de medicamentos em único estabelecimento farmacêutico no município -, o fato é que a frustração à licitação, presente no inciso VIII do art. 10 da Lei n. 8.429/92, está atrelada à existência de conduta dolosa, apta a ensejar perda patrimonial efetiva, não se configurando com ilações ou eventuais inconformidades formais no procedimento licitatório. 7. Não há nos autos demonstração de inexecução do objeto do Programa, ou de danos efetivos aos cofres públicos. Os fatos expressam meras desconformidades formais licitatórias, sem propósitos malsãos, o que configura uma atipicidade administrativa que não teve, nas circunstâncias do caso, o condão de assumir o qualificativo de ato de improbidade administrativa, que pressupõe má-fé e desonestidade do agente no trato da coisa pública, o que não ficou comprovado. 8. O fato de terem sido apurados, pela CGU, em relação a alguns itens confrontados, valores menores do que os praticados pela farmácia contratada, não comprova ipso facto a existência de superfaturamento: não há evidências de fraude na coleta de preços, mediante combinação e/ou ajuste entre os demandados, com o dolo de causar enriquecimento ilícito, desvio de verbas ou perda patrimonial efetiva. 9. Ao autor competia, em prova pericial, demonstrar que os preços oficiais, nos quais se baseou a Controladoria, deveriam ser amplamente utilizados e, ainda, que os valores orçados pelo estabelecimento farmacêutico teriam sido inadequados ou incompatíveis com os preços praticados no mercado (levando-se em conta o fato de o município estar localizado fora da região metropolitana). 10. No que diz com a imputação de conduta ímproba ao ex-prefeito em razão da aplicação das verbas do Programa de Atendimento Básico - PAB em despesas não elegíveis (serviços de média e alta complexidade), embora o fato seja indicativo de irregularidade formal, não comprova a existência de improbidade, à míngua de demonstração de dano. Não obstante a impropriedade vê-se que restou mantida a destinação pública de tais recursos, uma vez que aplicados em benefício da população. 11. A ausência de registro do nome dos pacientes e dos exames efetuados nas notas fiscais expedidas e nos respectivos empenhos afeiçoa-se à mera irregularidade, que não se eleva à categoria de atos de improbidade administrativa, mormente porque não evidenciada a prática de conduta dolosa. 12. Não se pode confundir meras faltas administrativas com as graves faltas sujeitas às severas sanções da Lei n. 8.429/92, aplicadas apenas quando a atuação do administrador destoe nitidamente dos princípios que regem a Administração Pública, em especial, a legalidade e a moralidade, transgredindo os deveres de retidão e lealdade ao interesse público. Todo ato ímprobo é um ato ilícito, irregular, mas nem todo ato ilícito ou irregular constitui ato de improbidade. 13. Os relatórios da CGU têm muita importância como início de prova, para dar base à propositura da ação, mas, documentos unilaterais elaborados sem os auspícios do contraditório, por si só, não são aptos (em princípio) a conduzir a uma condenação por atos de improbidade, devendo, mesmo como peças administrativas revestidas de presunção juris tantum de legitimidade, receber o apoio de outros meios de prova, que não foram produzidos. 14. Tal como ocorre na ação penal, onde a insuficiência de provas leva à absolvição (art. 386, VII - CPP), o mesmo deve suceder na ação de improbidade administrativa, dado o estigma das pesadas sanções previstas na Lei n. 8.429/92, econômicas e políticas, e até mesmo pela dialética do ônus da prova. 15. Preliminar de prescrição afastada. Apelações providas. Sentença reformada. Improcedência (in totum) da ação. (AC 0027450-02.2009.4.01.3600, TRF1, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Olindo Menezes, e-DJF1 20/04/2023). Para configuração do ato de improbidade previsto no caput do art. 10 e nos seus incisos da Lei 8.429/1992, com as alterações promovidas pela Lei 14.230/2021, ficou afastado o elemento culposo, persistindo a necessidade da demonstração do elemento subjetivo doloso, considerando o dolo específico. Sendo assim, não comprovada a existência de dano, tampouco o dolo específico dos réus na prática da conduta, deve ser afastada a condenação pela prática de ato ímprobo previsto no art. 10 da LIA. Ressalte-se, outrossim, que nos autos do Inquérito Policial 2009.01.00.050221-9/BA, instaurado para apurar a responsabilidade criminal por supostas fraudes envolvendo a Prefeitura de Itapé/BA, o MPF deixou de ratificar a denúncia ofertada e requereu o arquivamento das investigações, por inexistência de evidências suficientes da ocorrência de conduta penalmente relevante, o que foi acolhido pela então Relatora, Desembargadora Federal Mônica Sifuentes. De outra banda, observo que o apelante também foi condenado pela prática de ato ímprobo previsto no art. 11, caput e inciso I, da LIA. Ocorre que inexiste hoje a possibilidade de enquadramento da conduta somente no caput do art. 11, porque tal dispositivo, isoladamente, não traz em si nenhum ato ou conduta que possa ser considerada ímproba e, portanto, só existe se vinculado a algum de seus incisos. Precedentes do TRF 1ª Região: AC 0011428-36.2009.4.01.3900, AC 0004242-33.2016. 4.01.3312 e EDAC 0003493-86.2016.4.01.4000. Cabe asseverar que os incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, após o ingresso da Lei 14.230/2021 ao mundo jurídico, passaram a ostentar caráter taxativo e não meramente exemplificativo como anteriormente, de sorte que a configuração da improbidade por violação aos princípios da administração pública somente ocorrerá ante a perfeita subsunção do fato específico aos tipos legais. Nesse contexto, esta Corte, em casos de condenação pelo art. 11, caput e seus incisos revogados, tem assim se posicionado: DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR. AFASTAMENTO DAS CONDUTAS CULPOSAS. ART. 11, CAPUT. REVOGAÇÃO. CONDUTA INEXISTENTE. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. A Lei 8.429/1992, alterada pela Lei 14.230/2021, passou a vigorar na data da sua publicação, em 26/10/2021. As controvérsias em torno da aplicação imediata das novas disposições legais devem ser analisadas em relação às questões de natureza processual e material. Às questões de ordem processual são aplicáveis as leis em vigor no momento em que prolatado o decisum na instância a quo, em obediência ao princípio tempus regit actum (art. 14 do CPC e, por analogia, art. 2º do CPP). Já às questões de natureza material, a nova lei tem aplicação imediata aos feitos em andamento, nos termos do art. 1º, § 4º, que dispõe: aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador. O direito administrativo sancionador, como sub-ramo do Direito Administrativo, expressa o poder punitivo do Estado ante o administrado, seja ele o próprio servidor público ou o particular. Daí decorre sua aplicação aos atos de improbidade administrativa - notadamente para reconhecer a aplicação imediata de seus preceitos a condutas antes tidas como suficientes para caracterizar o ato de improbidade, e agora tidas como irrelevantes, ou atípicas. A opção legislativa de revogar alguns preceitos da lei de improbidade administrativa é válida, pois decorre de previsão constitucional contida no art. 37, § 4º, o qual preceitua que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. Desde a alteração promovida pela Lei 14.230/2021, os incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa deixaram de lado o caráter exemplificativo e passaram a ostentar caráter taxativo, motivo pelo qual somente será configurada a improbidade por violação aos princípios, a prática das condutas expressamente indicadas no rol do referido dispositivo legal. Os incisos I e II do art. 11 da Lei 8.429/1992 foram revogados. A referida norma se aplica ao caso concreto, visto que atinge as ações em curso, considerando que o artigo 1º, §4º, determina expressamente a aplicação imediata de seus dispositivos em razão dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador que comporta aplicação retroativa. Desde a vigência plena da Lei 14.230/2021, a conduta imputada aos requeridos deixou de ser típica (art. 11, caput, da Lei 8.429/1992). Agravo de instrumento a que se nega provimento. (AG 1033687-14.2022.4.01.0000, TRF1, Terceira Turma, Rel. Des. Fed. Maria do Carmo Cardoso, PJe 14/06/2023). Assim, também deve ser decotada a condenação com fundamento no art. 11, caput e inciso I, da LIA, em razão das alterações legislativas promovidas pela Lei 14.230/2021. Observo, ainda, que os demais réus também foram condenados pela prática dos atos de improbidade previstos nos arts. 10, I e XI, e 11, caput e inciso I, da LIA, mas não apresentaram recurso de apelação. Ocorre que, tendo sido afastada a prática dos atos de improbidade previstos nos arts. 10, I e XI, e 11, caput e inciso I, da LIA, em relação ao apelante, diante da impossibilidade superveniente de condenação a título de culpa e de condenação autônoma no tipo, com base no efeito extensivo previsto no art. 1.005 do CPC e no art. 17, § 11, da Lei 8.249/1992, deve ser afastada, de ofício, as condenações impostas também aos corréus. Ante o exposto, dou provimento à apelação para, reformando a sentença, julgar improcedente o pedido, afastando, de ofício, a condenação imposta também aos demais réus. É o voto. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0004337-71.2013.4.01.3311 APELANTE: PEDRO JACKSON BRANDAO ALMEIDA Advogado do(a) APELANTE: ALVARO LUIZ FERREIRA SANTOS - BA9465-A APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL EMENTA ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ALTERAÇÕES NA LEI 8.429/1992 PELA LEI 14.230/2021. RETROATIVIDADE. POSSIBILIDADE, NO CASO CONCRETO. STF, ARE 843.989/PR. TEMA 1.199. ART. 10 DA LIA. DANO AO ERÁRIO NÃO COMPROVADO. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. ART. 11, CAPUT, DA LIA. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO ISOLADA. ATIPICIDADE. SENTENÇA REFORMADA. APELAÇÃO PROVIDA. EXTENSÃO, DE OFÍCIO, DA IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO AOS DEMAIS RÉUS. 1. Apelação interposta contra sentença que condenou os réus pela prática de atos de improbidade, durante os anos de 2007 e 2008, tipificados no art. 10, I e XI, e art. 11, caput, ambos da Lei 8.429/1992, em razão de malversação de recursos públicos federais, oriundos de diversos programas e repasses ao Município de Itapé/BA, mediante a utilização de notas fiscais ideologicamente falsas, no valor total de R$ 195.721,25 (cento e noventa e cinco reais e setecentos e vinte e um reais e vinte e cinco centavos), acarretando danos ao erário e violação aos princípios da Administração Pública. 2. O STF, no julgamento do RE 843.989/PR (Tema 1.199), fixou tese no sentido de que: “1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10, 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente”. 3. É possível a aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao réu, previsto no art. 5º, XL, da CF, aos casos em que houve revogação ou modificação de tipos legais, para as ações de improbidade administrativa ainda em curso. Ademais, o STJ entendeu recentemente ser possível a aplicação da Lei 14.230/2021, com relação à exigência do dolo específico para a configuração do ato ímprobo, aos processos em curso. Precedente: REsp 2.107.601/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/05/2024. 4. A efetiva ocorrência de lesão aos cofres públicos é necessária quando se trata de dano ao erário, já que é requisito objetivo para a configuração do tipo, sendo incabível o dano presumido (dano in re ipsa). 5. A improbidade administrativa não se confunde com a mera ilegalidade do ato ou a inabilidade do agente público que o pratica, porquanto o ato ímprobo, além de ilegal, é pautado pela desonestidade, deslealdade funcional e má-fé. 6. A despeito das irregularidades formais detectadas, consistentes na ausência de realização de licitação ou de procedimento de dispensa, não resta indene de dúvidas o intuito dos réus de lesar o erário, notadamente porque, conforme consta da sentença, não foi demonstrada a apropriação de tais valores. Os fatos decorreram de negligência dos gestores de darem cumprimento ao procedimento legalmente previsto, efetuando inúmeras compras de material de escritório, de forma parcelada, sem licitação ou procedimento de dispensa, a fim de que a aquisição se desse pelo menor preço e da melhor forma para a Prefeitura. 7. De toda forma, não restou comprovado o dolo de beneficiamento, tampouco a clara intenção de causar dano ao erário mediante a não realização de licitação, não havendo que se falar em dolo específico. Também não há nos autos elementos que apontem para a ocorrência efetiva de dano, uma vez que não foi comprovada a não aplicação das verbas nas finalidades públicas a que se destinavam e, em consequência, a efetiva perda patrimonial do ente público. 8. Não comprovada a existência de dano ao erário, tampouco o dolo específico na prática da conduta, resta inviabilizada a condenação pela prática de ato ímprobo. 9. A partir da alteração promovida pela Lei 14.230/2021, os incisos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa deixaram de lado o caráter exemplificativo e passaram a ostentar caráter taxativo, não sendo possível o enquadramento da conduta do agente somente no caput do art. 11, dado que tal dispositivo, isoladamente, não traz em si nenhum ato ou conduta que possa ser considerada ímproba e, portanto, só existe se vinculado a algum de seus incisos. 10. Apelação provida. Extensão, de ofício, da improcedência do pedido aos demais réus. ACÓRDÃO Decide a Turma, por unanimidade, dar provimento à apelação e estender, de ofício, a improcedência do pedido aos demais réus. 4ª Turma do TRF da 1ª Região - 10/06/2025 (data do julgamento). Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator
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