Processo nº 1005064-25.2024.8.11.0042
ID: 298324554
Tribunal: TJMT
Órgão: Terceira Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1005064-25.2024.8.11.0042
Data de Disponibilização:
13/06/2025
Polo Passivo:
Advogados:
JOSE ANTONIO TEODORO ROSA JUNIOR
OAB/PA XXXXXX
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EVERTON CANDIDO SILVA OLIVEIRA
OAB/MT XXXXXX
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DHIEIDER BATISTA GONCALVES
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1005064-25.2024.8.11.0042 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Tráfico de Drogas e Condutas Afins, Promoção, constit…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1005064-25.2024.8.11.0042 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Tráfico de Drogas e Condutas Afins, Promoção, constituição, financiamento ou integração de Organização Criminosa] Relator: Des(a). GILBERTO GIRALDELLI Turma Julgadora: [DES(A). GILBERTO GIRALDELLI, DES(A). JUANITA CRUZ DA SILVA CLAIT DUARTE, DES(A). LUIZ FERREIRA DA SILVA] Parte(s): [GUILHERME DE JESUS RODRIGUES - CPF: 079.620.182-08 (APELANTE), EVERTON CANDIDO SILVA OLIVEIRA - CPF: 999.158.981-34 (ADVOGADO), ISMAEL APARECIDO DE OLIVEIRA SANTANA - CPF: 089.781.171-20 (APELANTE), JEFERSON OLIVEIRA DE SOUSA - CPF: 717.288.061-78 (APELANTE), JOSE ANTONIO TEODORO ROSA JUNIOR - CPF: 004.030.422-16 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), DHIEIDER BATISTA GONCALVES - CPF: 057.882.351-97 (ADVOGADO)] A C Ó R D à O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). LUIZ FERREIRA DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO DE UM DOS RÉUS E DESPROVEU O RECURSO DOS DEMAIS CORRÉUS. E M E N T A DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. TRÁFICO DE DROGAS. LAVAGEM DE CAPITAIS. COMPETÊNCIA DA 7.ª VARA CRIMINAL DE CUIABÁ. VALIDADE PROBATÓRIA DOS DADOS EXTRAÍDOS DOS CELULARES APREENDIDOS. PRELIMINAR REJEITADA. MÉRITO. MANTIDAS AS CONDENAÇÕES POR ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO E TRÁFICO DE DROGAS. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM NA CONDENAÇÃO SIMULTÂNEA PELOS CRIMES DO ART. 2.º DA LEI N.º 12.850/2013 E ART. 35 DA LEI N.º 11.343/2006. CONTEXTOS FÁTICOS E SUBJETIVOS DISTINTOS. PRESENÇA DE DESÍGNIOS AUTÔNOMOS NAS CONDUTAS. INAPLICABILIDADE DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. DEDICAÇÃO A ATIVIDADES DELITUOSAS E ENVOLVIMENTO COM ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. LAVAGEM DE CAPITAIS. ABSOLVIÇÃO. FALTA DE PROVA QUANTO À PRESENÇA DE DOLO NA CONDUTA. DETRAÇÃO E ABRANDAMENTO DO REGIME PRISIONAL. IMPOSSIBILIDADE. REINCIDÊNCIA. LIBERDADE PROVISÓRIA. INDEFERIMENTO. RECURSOS DE DOIS APELANTES DESPROVIDOS. RECURSO DE UM APELANTE PARCIALMENTE PROVIDO. I. Caso em exame 1. Recursos de apelação criminal interpostos por 3 réus contra sentença proferida pela 7.ª Vara Criminal de Cuiabá/MT, que os condenou por delitos de organização criminosa, associação para o tráfico, tráfico de drogas e lavagem de capitais. II. Questão em discussão 2. As questões em discussão consistem em analisar: (i) se o Juízo da 7.ª Vara Criminal Especializada da Capital possuía competência para julgar o feito, a despeito de os crimes terem ocorrido no interior do Estado; (ii) se as extrações dos dados contidos nos celulares apreendidos são nulas, em decorrência da incompetência do juízo anterior que deferiu a cautelar; (iii) se as provas são suficientes para ratificar as condenações pelos crimes de organização criminosa, tráfico de drogas e associação para o tráfico; (iv) se houve bis in idem nas condenações simultâneas pelos delitos de organização criminosa e associação para o narcotráfico; (v) se um dos apelantes faz jus à aplicação do tráfico privilegiado; (vi) se as provas bastam para atestar a materialidade e autoria de um dos apelantes pelo delito de lavagem de capitais; (vii) se um dos recorrentes faz jus à detração do tempo de prisão provisória e abrandamento do regime prisional; (viii) se é possível conceder a liberdade provisória a um dos apelantes. III. Razões de decidir 3. Por força do Provimento n.º 004/2008/CM e da Resolução n.º 11/2017/TP, expedidos por este Tribunal de Justiça dentro da sua prerrogativa de auto-organização, compete ao Juízo da 7.ª Vara Criminal Especializada da Comarca de Cuiabá/MT processar e julgar infrações penais envolvendo organizações criminosas, ainda que os delitos tenham se consumado no município de Confresa/MT. 4. Antes mesmo da decisão proferida pelo Juízo Criminal do interior do Estado, em que este autorizou busca exploratória no celular apreendido com um dos réus, o juízo competente desta Capital já havia exercido jurisdição cautelar no inquérito e deferido a mesma providência acautelatória, não havendo assim o que se falar em nulidade da prova produzida por juízo sabidamente incompetente; mesmo porque, ainda que assim não fosse, seria possível a ratificação posterior dos atos processuais praticados pelo julgador que à época aparentava ser competente para atuar no feito. 5. Os depoimentos prestados em juízo pelos policiais, corroborados que estão por confissão extrajudicial, imagens captadas por câmeras de videomonitoramento, drogas confiscadas em poder dos réus e vasta gama de dados extraídos dos aparelhos celulares apreendidos, atestam que os apelantes se agremiaram de forma estruturalmente ordenada e com divisão funcional de tarefas ao Comando Vermelho, visando objetivo comum de obter vantagem mediante a prática de infrações penais graves, assim como se associaram entre si e a terceiros para o tráfico de drogas e difundiram entorpecentes ilícitos na cidade de Confresa/MT, impondo-se assim ratificar as condenações pelos crimes do art. 2.º da Lei n.º 12.850/2013 e art. 33 e art. 35, ambos da Lei n.º 11.343/2006. 7. Não há bis in idem na condenação simultânea dos apelantes pelos crimes de organização criminosa e de associação para o tráfico de drogas, diante da pluralidade de vínculos associativos, em diferentes contextos fáticos, já que, na hipótese, as provas permitem discernir nitidamente a autonomia dos desígnios e as conjunturas imiscíveis que envolviam as condutas distintas dos recorrentes. 8. A dedicação do agente a atividades delituosas, evidenciada a partir da sua condenação pelo delito de associação para o tráfico, bem como o seu pertencimento à organização criminosa Comando Vermelho, obstam a aplicação da minorante de pena relacionada ao tráfico privilegiado. 9. Para a caracterização do delito de lavagem de capitais, é essencial a comprovação do dolo voltado a ocultar ou dissimular a natureza, origem ou movimentação de ativos provenientes de infração penal, o que não se verificou na hipótese, pois há dúvida se, ao transferir dinheiro oriundo do narcotráfico, de sua própria conta bancária, para as contas de membros hierarquicamente superiores do Comando Vermelho, o acusado intencionava concorrer para futuro branqueamento e reciclagem dos valores ou se estava apenas a se desincumbir do seu encargo no âmbito da facção (recolhimento das “taxas” devidas pelos traficantes locais e repasse de tais quantias aos líderes). 10. Se o desconto do período de prisão provisória não daria azo ao abrandamento do regime inicial no momento da sentença, tal providência deve ser reservada ao juízo da fase de execução, nos moldes do art. 66, III, c, da Lei n.º 7.210/84 (LEP). 11. O réu reincidente, sancionado com pena superior a quatro anos, deve iniciar o cumprimento da reprimenda em regime fechado. 12. O risco à ordem pública, aferido a partir da gravidade em concreto da conduta, assim como a probabilidade de reiteração delitiva decorrente da reincidência e dos maus antecedentes do agente, justificam a manutenção da prisão preventiva, especialmente considerando que o apelante permaneceu segregado durante toda a instrução criminal e foi condenado ao regime inicial fechado. IV. Dispositivo e tese 13. Recursos de ISMAEL e JEFERSON desprovidos. Recurso de GUILHERME parcialmente provido. Teses de julgamento: “1. Compete ao Juízo da 7.ª Vara Criminal Especializada da Comarca de Cuiabá/MT processar e julgar infrações penais envolvendo organizações criminosas, ainda que consumadas em Confresa/MT. 2. É possível que o juízo dotado de competência ratifique atos processuais eventualmente praticados pelo juízo aparente que o antecedeu. 3. Os depoimentos dos policiais, somados à confissão parcial, às imagens gravadas por câmeras de segurança, às substâncias confiscadas com os réus e à vasta gama de dados extraídos dos celulares apreendidos, formam arcabouço probatório suficiente para manter as condenações por organização criminosa, tráfico e associação para o tráfico. 5. Não há bis in idem na condenação simultânea do acusado pelos delitos de organização criminosa e de associação para o tráfico de drogas, diante da pluralidade de vínculos associativos, em diferentes contextos fáticos, com desígnios autônomos. 6. O tráfico privilegiado é inaplicável a agente que se dedica a atividades delitivas e integra organização criminosa. 7. Para a caracterização do delito de lavagem de capitais, é essencial a comprovação do dolo de ocultar ou dissimular a natureza, origem ou movimentação de ativos provenientes de infração penal. 8. Se o desconto do período de prisão provisória não daria azo ao abrandamento do regime inicial no momento da sentença, tal providência deve ser reservada ao juízo da execução. 9. O réu reincidente, sancionado com pena superior a quatro anos, deve iniciar o cumprimento da reprimenda em regime fechado. 10. Uma vez constatada a subsistência dos requisitos da prisão preventiva, deve ser indeferido o pleito de liberdade provisória”. Dispositivos relevantes citados: CF, art. 5.º, LIII; CPP, arts. 69, 70 e 83, art. 108, §1.º, art. 155, caput, in fine, art. 387, §2.º; Lei n.º 12.850/2013, art. 2.º; Lei n.º 11.343/2006, arts. 33 e 35; Lei n.º 9.613/1998, art. 1.º, §4.º. Jurisprudência relevante citada: STF, ADI: 4414 AL, Rel. Min. LUIZ FUX, j. 31/05/2012; STJ, AgRg no AgRg no HC n. 885.042/MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 2/9/2024, HC 404.507/PE, Rel. Min. FELIX FISCHER, j. 10/04/2018, AgRg nos EDcl no HC n. 788.543/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 9/10/2023, AgRg no HC n. 773.018/RJ, Rel. Min. Carlos Cini Marchionatti j. 13/5/2025; TJMT, N.U 1003173-23.2023.8.11.0003, DES. LUIZ FERREIRA DA SILVA, j. 04/12/2024; TJMG, Apelação Criminal: 00181804320198130525 1.0000.24.215983-8/001, Des. Rubens Gabriel Soares, j. 02/07/2024. R E L A T Ó R I O APELANTE(S): ISMAEL APARECIDO DE OLIVEIRA SANTANA APELANTE(S): JEFERSON OLIVEIRA DE SOUSA APELANTE(S): GUILHERME DE JESUS RODRIGUES APELADO(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI Egrégia Câmara: Trata-se de recursos de apelação criminal interpostos pelos réus ISMAEL APARECIDO DE OLIVEIRA, JEFERSON OLIVEIRA DE SOUSA e GUILHERME DE JESUS RODRIGUES contra a r. sentença proferida pelo d. Juízo da Sétima Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT na ação penal n.º 1005064-25.2024.8.11.0042 (“Operação Fuzarca”), que os condenou nos seguintes termos: 1. GUILHERME DE JESUS RODRIGUES, vulgo “TALIBÔ, “POSSUÍDO” e “PROFESSOR”, foi sancionado com pena de 16 (dezesseis) anos e 01 (um) mês de reclusão, no regime inicial fechado, mais pagamento de 1.226 (mil, duzentos e vinte e seis) dias-multa, unitariamente arbitrados na mínima fração legal, pela prática dos delitos de organização criminosa, “lavagem” de capitais majorada, tráfico de drogas e associação para o tráfico (art. 2.º, da Lei n.º 12.850/2013; art. 1.º, §4.º, da Lei n.º 9.613/1998; art. 33 e art. 35, ambos da Lei n.º 11.343/2006); 2. ISMAEL APARECIDO DE OLIVEIRA SANTANA, vulgo “FIOTE”, “FOGUETEIRO” e “CHARÁ”, foi sancionado com pena de 11 (onze) anos, 04 (quatro) meses e 25 (vinte e cinco) dias de reclusão, no regime inicial fechado, mais pagamento de 1.210 (mil, duzentos e dez) dias-multa, unitariamente arbitrados na mínima fração legal, pela prática dos delitos de organização criminosa, tráfico de drogas e associação para o tráfico (art. 2.º, da Lei n.º 12.850/2013; art. 33 e art. 35, ambos da Lei n.º 11.343/2006); 3. JEFERSON OLIVEIRA DE SOUSA foi sancionado com pena de 05 (cinco) anos de reclusão, no regime inicial fechado, mais pagamento de 500 (quinhentos) dias-multa, unitariamente arbitrados na mínima fração legal, pela prática do crime de tráfico de drogas (art. 33 da Lei n.º 11.343/2006). Nas razões recursais disponíveis no ID 265527920, por intermédio da Defensoria Pública Estadual, o apelante ISMAEL suscita, preliminarmente, arguições de inconstitucionalidade e de ilegalidade parciais da norma administrativa constante da Resolução n.º 11/2017 do Tribunal Pleno do TJMT, no específico ponto em que atribui à 7.ª Vara Criminal da Capital a competência para processar e julgar crimes praticados por organização criminosa “com jurisdição em todo o Estado”, por ofensa ao art. 5.º, LIII, e art. 22, I, ambos da CF e ao art. 69, I, a art. 83, todos do CPP, tudo com o subsequente pedido de remessa dos autos ao juízo competente, situado na Comarca de Porto Alegre do Norte/MT, que abrange o município de Confresa, onde os delitos teriam se consumado, inclusive por se tratar do juízo prevento. Alternativamente, caso afastada a preliminar anterior, postula o reconhecimento da nulidade de todos os atos processuais realizados pela autoridade judiciária de Porto Alegre do Norte/MT, notadamente da medida cautelar de extração dos dados dos celulares apreendidos, que teria sido deferida por magistrado sabidamente incompetente, afastando-se assim a teoria do juízo aparente. No mérito, ISMAEL busca a absolvição dos delitos de organização criminosa e de associação para o tráfico de drogas, com fulcro no princípio in dubio pro reo, alegando que as provas são insuficientes para atestar a sua autoria delitiva e a presença das elementares que constituem os tipos penais, ao que acrescenta ainda o pedido subsidiário de absolvição do delito do art. 2.º da Lei n.º 12.850/2013, sob pena de bis in idem, conservando-se apenas a condenação pelo delito do art. 35 da Lei n.º 11.343/2006, com esteio no princípio da especialidade. Já nas razões recursais registradas no ID 265527947, mediante o patrocínio de advogado constituído, o apelante JEFERSON almeja o reconhecimento da atenuante relacionada à confissão espontânea, com a subsequente redução da pena. Cumulativamente, JEFERSON vindica a detração do período de prisão provisória; o abrandamento do regime inicial fechado para o semiaberto; e, por fim, pleiteia a concessão do direito de recorrer em liberdade, ainda que condicionada a outras medidas cautelares menos severas, argumentando que não mais subsistem os requisitos da prisão preventiva. Por sua vez, nas razões recursais acostadas no ID 267296260, também através de advogado particular, o apelante GUILHERME pretende a absolvição das imputações contidas na denúncia, com esteio no art. 386, II ou VII, do CPP, sob o argumento de que as provas coligidas ao feito não são suficientes para respaldar a prolação do édito condenatório. Outrossim, especificamente no que toca ao crime de tráfico, almeja a aplicação da minorante prevista no art. 33, §4.º, Lei n.º 11.343/06 (tráfico privilegiado), em seu patamar máximo. Nas contrarrazões vistas no ID 265527972, ID 265527973 e ID 270502863, o Ministério Público rechaças as pretensões defensivas e requer seja negado provimento aos apelos. Instada a se manifestar, a i. Procuradoria-Geral de Justiça, por meio do parecer encartado no ID 273053895, opina pela rejeição das preliminares e, no mérito, recomenda o desprovimento dos recursos. É o relatório. À douta Revisão. V O T O R E L A T O R V O T O (PRELIMINAR DE NULIDADE ARGUIDA PELA DEFESA – INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO SENTENCIANTE E NULIDADE DAS PROVAS PRODUZIDAS PERANTE JUÍZO SABIDAMENTE INCOMPETENTE) EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI (RELATOR) Egrégia Câmara: Os recursos em apreço são tempestivos, foram interpostos por quem tinha interesse e legitimidade para fazê-lo, e os meios de impugnação empregados afiguram-se necessários e adequados para se atingirem as finalidades colimadas, motivos pelos quais, estando presentes os seus requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade, CONHEÇO dos apelos manejados pelos réus. Todavia, antes de adentrar no mérito das insurgências, tem-se que o apelante ISMAEL APARECIDO DE OLIVEIRA SANTANA suscita, preliminarmente, arguições de inconstitucionalidade e de ilegalidade parciais da Resolução n.º 11/2017 do Tribunal Pleno do TJMT, por ofensa, respectivamente, ao art. 5.º, LIII, e art. 22, I, ambos da CF e ao art. 69, I, e art. 70, ambos do CPP, no específico ponto em que aquela norma administrativa confere à Sétima Vara Criminal de Cuiabá/MT a competência para processar e julgar crimes praticados por organização criminosa “com jurisdição em todo o Estado”, argumentando que apenas a União poderia legislar em matéria processual, ao passo que a lei federal (CPP) determina que competência seja firmada pelo local da infração, de modo que o Juízo Especializado desta Capital, que sentenciou o feito, seria incompetente para tanto. Com arrimo nestes argumentos, o apelante requer o reconhecimento da nulidade, com a subsequente remessa dos autos à Vara Criminal da Comarca de Porto Alegre do Norte/MT, que abrange a cidade de Confresa, onde as infrações penais teriam se consumado, para que o juízo daquela unidade judiciária julgue o processo, inclusive por se tratar do juízo prevento, nos termos do art. 83 do CPP. Alternativamente, caso rechaçada a arguição, ISMAEL postula o reconhecimento da nulidade de todos os atos processuais praticados pela autoridade judiciária de Porto Alegre do Norte /MT, notadamente do conteúdo resultante da extração de dados dos celulares apreendidos, alegando que o juízo em questão era sabidamente incompetente à época em que deferiu a cautelar, o que afastaria a teoria do juízo aparente. Em que pesem os judiciosos argumentos da d. defesa, a preliminar não comporta acolhimento. Com efeito, extrai-se dos autos que a investigação originária da presente ação penal teve início na cidade de Confresa, razão pela qual o delegado do referido município foi quem, em 23/01/2024, representou pela prisão preventiva, busca e apreensão domiciliar e afastamento do sigilo dos dados telefônicos de diversos alvos, dentre os quais o apelante ISMAEL APARECIDO DE OLIVEIRA SANTANA e os corréus GUILHERME DE JESUS RODRIGUES e JEFERSON OLIVEIRA DE SOUSA. A aludida Representação foi tombada no Sistema PJE sob o n.º 1001220-67.2024.8.11.0042 e endereçada pela autoridade policial ao Juízo do Núcleo de Inquéritos Policiais de Cuiabá (NIPO), tendo em vista os indícios de envolvimento dos representados com organização criminosa e a competência daquele juízo para processar e julgar inquéritos relativos a grupo criminal organizado, com jurisdição em todo o Estado. Na sequência, após manifestação favorável do GAECO-MT, o d. Juízo do NIPO, em 19/02/2024, deferiu a representação do delegado, decretou a prisão preventiva de ISMAEL e GUILHERME, assim como deferiu medida de busca e apreensão em seus endereços e autorizou análise direta e acesso imediato, pela própria equipe policial, aos dados armazenados em quaisquer aparelhos ou instrumentos de mídia físico ou virtual, inclusive com extração de dados do dispositivo através de ferramenta forense (busca exploratória), se necessário, conforme cópia da decisão trasladada para este feito principal (ID 265527782 - Pág. 23/45). A ordem judicial, como já dito, foi proferida em 19/02/2024 pelo Juízo do NIPO, nos autos incidentais n.º 1001220-67.2024.8.11.0042, e culminou na operação policial deflagrada em Confresa alguns dias depois, em 28/02/2024. No entanto, neste ínterim, especificamente em 22/02/2024, o recorrente ISMAEL foi preso em flagrante em poder de entorpecentes, conjuntura em que o d. Juízo da 3.ª Vara da Comarca de Porto Alegre do Norte/MT, com jurisdição abrangente sobre o município de Confresa, atuou no feito, tendo presidido a audiência de custódia, em 23/02/2024, na qual converteu o flagrante em prisão preventiva e autorizou a busca exploratória e extração dos dados armazenados no celular apreendido com o autuado (ID 65527778 - Pág. 60 e ss.). Posteriormente, em 27/03/2024, o Juízo da 3.ª Vara da Comarca de Porto Alegre do Norte/MT veio a declinar da competência para a 7.ª Vara Criminal de Cuiabá/MT, determinando a remessa dos autos a este juízo, haja vista a tramitação de feito conexo, referente aos mesmos fatos, já existente nesta Capital mato-grossense, conforme se depreende dos seguintes fundamentos, in verbis: “Trata-se de auto de prisão em flagrante de ISMAEL APARECIDO DE OLIVEIRA SANTANA, autuado pela suposta prática do crime previsto no art. 33 da Lei 11343/06. Devidamente concluído o inquérito policial correspondente aos fatos deste procedimento autos - 1001106- 77.2024.811.0059, aportou naqueles autos manifestação ministerial pelo arquivamento do procedimento ante litispendência, vez que foram distribuídos os autos 10005064-25.2024.811.0042 em trâmite na 7° Vara Criminal de Cuiabá-MT, pelos mesmos fatos apurados neste procedimento. Dessa forma, DECLINO DA COMPETÊNCIA e, via de consequência, determino a imediata remessa dos presentes autos à 7ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá-MT”. (ID 148766158 - Pág. 1) – Destaquei. Desta feita, em 09/04/2024, o Juízo Especializado da 7.ª Vara Criminal da Capital recebeu os autos e os encaminhou ao Juízo do Núcleo de Inquéritos Policiais de Cuiabá – NIPO (ID 151868549 - Pág. 1), o qual, na mesma data, anexou-os ao inquérito conexo já em trâmite perante a sua unidade judiciária, isto é, PJE n.º 1005064-25.2024.8.11.0042, originário da presente ação penal (ID 151936632 - Pág. 1/2). Com o término do procedimento administrativo, os autos foram remetidos para processamento e julgamento da ação penal na 7.ª Vara Criminal de Cuiabá, ante a competência deste juízo especializado no que tange a delitos perpetrados por organização criminosa, com jurisdição em todo o território estadual, excepcionados apenas os polos abrangidos pela 4.ª Vara Criminal da Comarca de Cáceres e pela 5.ª Vara Criminal da Comarca de Sinop, conforme Resolução n.º 11/2017/TP, com atualizações promovidas pela Resolução n.º 14/2023/OE, de 23 de novembro de 2023. Esclareça-se que, dentre os polos englobados pela jurisdição da 7.ª Vara Criminal de Cuiabá, insere-se o Polo XI – Região Nordeste – São Félix do Araguaia, que, por sua vez, abarca justamente as Comarcas de Porto Alegre do Norte, Vila Rica, Querência e Ribeirão Cascalheira, razão pela qual o órgão do Ministério Público com atribuições perante a 7.ª Vara Criminal da Capital (GAECO) ofertou denúncia em desfavor dos acusados (ID 265527833), a qual foi recebida pelo aludido Juízo Especializado (ID 265527834), que então instruiu o processo e sentenciou a lide. Como se vê, inexiste qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade na dinâmica processual desencadeada na instância de origem, devendo assim ser rechaçada a questão preliminar de nulidade suscitada pelo apelante ISMAEL. Isto porque, em que pese o entendimento diverso da d. defesa, é possível que este Tribunal de Justiça, no âmbito de sua prerrogativa de auto-organização, especialize varas judiciais para o processamento de feitos restritos por matéria, inclusive com abrangência sobre todo o território estadual. Aliás, a respeito do tema, esta Corte já se manifestou, em reiteradas oportunidades, tanto por meio de suas Câmaras Criminais Isoladas quanto por meio da Turma de Câmaras Criminais Reunidas, que é competente a Sétima Vara Criminal da Capital para processar e julgar a ação penal em que se apura suposta prática do crime de organização criminosa, ainda que cometido no interior do Estado. Nesse sentido: “É competente a 7ª Vara Criminal de Cuiabá para processar e julgar a ação penal em que se apura suposta prática do crime de organização criminosa cometido na Comarca de Cáceres, por força do que dispõe a Resolução n. 11/2017, do Tribunal Pleno. Precedentes desta Corte e do STJ”. (N.U 1006902-03.2022.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 07/06/2022, Publicado no DJE 15/06/2022) – Negritei. “Por força do Provimento n.º 004/2008/CM e da Resolução n.º 11/2017/TP, expedidos por este Tribunal de Justiça dentro da sua prerrogativa de auto-organização, compete ao Juízo da 7.ª Vara Criminal Especializada da Comarca de Cuiabá/MT processar e julgar infrações envolvendo organizações criminosas, com jurisdição em todo o território estadual.” (N.U 1012395-92.2021.8.11.0000, CÂMARAS CRIMINAIS REUNIDAS, GILBERTO GIRALDELLI, Turma de Câmaras Criminais Reunidas, Julgado em 07/10/2021, Publicado no DJE 20/10/2021) – Destaquei. No mesmo sentido se posiciona o Superior Tribunal de Justiça: “I - A jurisprudência desta eg. Corte, alinhando-se ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, é a de autorização para que Tribunais locais procedam à especialização de Varas para o processamento de feitos restritos por matéria. Assim, apesar de terem sido cometidos os delitos na Comarca de Rondonópolis, o julgamento perante a Vara Especializada contra o Crime Organizado, os Crimes contra a Ordem Tributária e Econômica e os Crimes contra a Administração Pública se mostra acertado porquanto prevalece o Juízo especializado em razão da matéria. Precedentes. (...)”.(AgRg no REsp n. 1.611.615/MT, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 10/4/2018, DJe de 16/4/2018) – Grifei. Também assim já se manifestou o Supremo Tribunal Federal: “(...) II. Não há violação aos princípios constitucionais da legalidade, do juiz natural e do devido processo legal, visto que a leitura interpretativa do art. 96, I, a , da Constituição Federal admite que haja alteração da competência dos órgãos do Poder Judiciário por deliberação dos Tribunais. Precedentes. III. A especialização de varas consiste em alteração de competência territorial em razão da matéria, e não alteração de competência material, regida pelo art. 22 da Constituição Federal. IV. Ordem denegada”. (STF - HC: 113018 RS, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 29/10/2013, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-225 DIVULG 13-11-2013 PUBLIC 14-11-2013) – Grifei. “Atribuição, à Vara especializada, de competência territorial que abrange todo o território do Estado-membro. Suscitação de ofensa ao princípio da territorialidade. Improcedência. Matéria inserida na discricionariedade do legislador estadual para tratar de organização judiciária. (...). 1. Os delitos cometidos por organizações criminosas podem submeter-se ao juízo especializado criado por lei estadual, porquanto o tema é de organização judiciária, prevista em lei editada no âmbito da competência dos Estados-membros (art. 125 da CRFB). Precedentes. (...). 10. O princípio do juiz natural não resta violado na hipótese em que Lei estadual atribui a Vara especializada competência territorial abrangente de todo o território da unidade federada, com fundamento no art. 125 da Constituição, porquanto o tema gravita em torno da organização judiciária, inexistindo afronta aos princípios da territorialidade e do Juiz natural”. (STF - ADI: 4414 AL, Relator: LUIZ FUX, Data de Julgamento: 31/05/2012, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 17/06/2013) – Destaquei. Assim, embora os delitos de tráfico de drogas e associação para o tráfico tenham se consumado em Confresa, distrito judiciário da Comarca de Porto Alegre do Norte/MT, considerando que o feito apura também o envolvimento dos réus com organização criminosa, a competência para exercer jurisdição cautelar no inquérito e para processar e julgar a ação penal, de fato, recaía mesmo sobre os juízos do Núcleo de Inquéritos Policiais de Cuiabá (NIPO) e da 7.ª Vara Criminal Especializada da Capital, respectivamente. Ad argumentandum tantum, destaque-se que o vício de incompetência territorial alegado pelo apelante, ainda que procedente fosse – o que não é o caso –, daria azo à nulidade meramente relativa, cujo reconhecimento exige a demonstração de efetivo prejuízo à parte, sem o qual prevalecerá o princípio da instrumentalidade das formas (pas de nullité sans grief), positivado no art. 563 do CPP, o que não se verificou na espécie. Isto porque, a especialização das Varas possui como móvel precípuo garantir a otimização e a eficiência na instrução e condução dos feitos que apurem delitos de determinada natureza, materializando os princípios da celeridade e economia processuais, assim como a viabilização de um mais especializado e técnico provimento jurisdicional às partes integrantes da lide e interessadas na celeuma, seja por facilitar o acesso ao Judiciário, seja por ofertar maiores oportunidades de defesa. Portanto, a meu ver, a instrução e o sentenciamento do feito pelo d. Juízo Especializado contra o Crime Organizado de Cuiabá, em detrimento do d. Juízo da Vara Criminal comum, não acarretou qualquer prejuízo ao recorrente. Com relação à tese preliminar alternativa, o apelante ISMAEL alega que, caso reconhecida a competência do juízo sentenciante, isto é, da 7.ª Vara Criminal Especializada de Cuiabá, seria de rigor reconhecer a nulidade, por ilicitude probatória, das provas obtidas através das medidas cautelares decretadas pelo juízo da Comarca de Porto Alegre do Norte/MT, notadamente dos dados extraídos do celular do réu, porquanto este magistrado seria sabidamente incompetente à época em que autorizou a busca exploratória, o que afastaria a teoria do juízo aparente e impossibilitaria a ratificação dos atos processuais por ele praticados. Sem razão. Isto porque, como dito, o Juízo Criminal situado nesta Capital mato-grossense, qual seja, o magistrado titular do Núcleo de Inquéritos Policiais (NIPO-MT), foi quem exerceu jurisdição cautelar no feito, tendo deferido, no dia 19/02/2024, a Representação PJE n.º 1001220-67.2024.8.11.0042, apresentada pela autoridade policial de Confresa em 23/01/2024, e autorizado a busca e apreensão domiciliar e a análise e extração de dados dos celulares eventualmente apreendidos com ISMAEL, GUILHERME e JEFERSON, assim como decretado a prisão preventiva dos dois primeiros, as quais foram cumpridas na operação deflagrada pela Polícia Civil em 28/02/2024, no referido município interiorano. Deste modo, as providências acautelatórias que resultaram na obtenção de provas, a exemplo do confisco de drogas nos domicílios e dos dados coletados nos aparelhos telefônicos, foram determinadas justamente pela autoridade judiciária competente para jurisdicionar no inquérito, sendo aqueles elementos, portanto, plenamente válidos para a formação do convencimento do juízo sentenciante. Neste ponto, friso não ignorar que, mesmo que tangencialmente, o Juízo da 3.ª Vara de Porto Alegre do Norte (Comarca que engloba Confresa) também exerceu, em alguma medida, jurisdição cautelar na investigação, já que, no ínterim entre o deferimento da Representação do delegado pelo Juízo do NIPO de Cuiabá (19/02/2024) e a deflagração da operação policial em Confresa (28/02/2024), ISMAEL foi preso em flagrante por tráfico de drogas, neste último município, no dia 22/02/2024 (APFD PJE n.º 1000700-56.2024.8.11.0059). Por tal razão, ao presidir a audiência de custódia no dia seguinte (23/02/2024), o Juízo da 3.ª Vara de Porto Alegre do Norte, além de converter o flagrante em prisão preventiva, autorizou o afastamento do sigilo dos dados telefônicos contidos no celular do autuado ISMAEL. No entanto, reitere-se que a mesma medida cautelar já havia sido deferida dias antes pelo juízo dotado de competência para tanto, isto é, o Juízo do NIPO de Cuiabá, em 19/02/2024, ao acolher a Representação do delegado. Logo, o Juízo Criminal desta Capital/MT, além de prevalente sobre os demais, em razão da matéria especializada, ainda teve a sua competência prorrogada pelo instituto da prevenção, conforme estipula o art. 83 do CPP, cuja redação dispõe que “Verificar-se-á a competência por prevenção toda vez que, concorrendo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa”. Tanto é assim que, tão logo deparou-se com a existência de litispendência e de procedimento conexo em trâmite nesta Capital pelos mesmos fatos, o Juízo da 3.ª Vara de Porto Alegre do Norte fez justamente declinar na competência em favor do Juízo Especializado de Cuiabá. Ad argumentandum tantum, mesmo que assim não fosse, repise-se que, ao ser detido em flagrante no dia 22/02/2024 e submetido à audiência de custódia no dia 23/02/2024, as suspeitas que recaíam sobre o autuado naquele momento específico restringiam-se ao crime de tráfico de drogas, conforme se depreende do respectivo APFD (ID 265527478 - Pág. 2 e ss.) e da ata da solenidade (ID 265527778 - Pág. 60). Deste modo, na audiência de apresentação, o Juízo da 3.ª Vara de Porto Alegre do Norte aparentava realmente ser o magistrado competente para decretar o afastamento do sigilo dos dados telefônicos do celular apreendido na posse do suspeito, já que, só depois disso, sobreveio notícia acerca de prévio procedimento em trâmite nesta Capital em desfavor do investigado, inclusive pela suposta prática do delito de organização criminosa, além de tráfico e associação. Assim sendo, mesmo que o Juízo do NIPO não fosse o magistrado prevento e não tivesse antecedido o Juízo de Porto Alegre do Norte no decreto de medidas cautelares, ainda assim, seria plenamente aplicável à espécie a teoria do juízo aparente, com possibilidade de ratificação dos atos processuais já praticados pelo julgador que até então aparentava ser competente para atuar no processo. Nesse sentido: “Nesse contexto, não há ilegalidade na tramitação de ação penal deflagrada inicialmente no interior e, depois, remetida para o Juízo da 7ª Vara Criminal da Comarca de Cuiabá-MT, já que este é especializado quanto à matéria, e prevalece sobre os demais juízos, conforme regulamentação administrativa do tribunal”. (N.U 1018752-88.2021.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RONDON BASSIL DOWER FILHO, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 17/11/2021, Publicado no DJE 19/11/2022) – Destaquei. “2. É cediço que o princípio do juiz natural deve ser examinado com cautela na fase investigativa, sobremaneira no curso de investigações complexas em que não se mostram integralmente definidos, de plano, as imputações, os agentes envolvidos e a competência. Deste modo, é possível a ratificação de medidas cautelares autorizadas por Juízo que, em momento posterior, fora declarado incompetente. Vale frisar que, mesmo nos casos de incompetência absoluta, se admite a ratificação dos atos decisórios”. (AgRg no AREsp n. 2.295.067/MG, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 8/8/2023, DJe de 14/8/2023) – Destaquei. É também o que preceitua o art. 108, § 1.º, do Código de Processo Penal, segundo o qual, se “(...) for aceita a declinatória, o feito será remetido ao juízo competente, onde, ratificados os atos anteriores, o processo prosseguirá”. – Negritei. Com tais considerações, REJEITO a preliminar arguida. É como voto. V O T O (MÉRITO) EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI (RELATOR) Egrégia Câmara: Extrai-se da denúncia que, entre os meses de fevereiro de 2022 e fevereiro de 2023, em Confresa/MT e região, os apelantes GUILHERME DE JESUS RODRIGUES, vulgo “Talibã”, “Possuído” e “Professor”, ISMAEL APARECIDO DE OLIVEIRA SANTANA, vulgo “Fiote”, “Fogueteiro”, “Chará”, “Lampião” e “2K”, e JEFERSON OLIVEIRA DE SOUSA constituíram e integraram organização criminosa, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas entre si, com o objetivo de praticar crimes, notadamente tráfico de drogas, associação para o tráfico e lavagem de capitais (FATO 01 – organização criminosa). Depreende-se da exordial acusatória, também, que, no período compreendido entre outubro de 2023 e fevereiro de 2024, em Confresa/MT e região, os recorrentes GUILHERME DE JESUS RODRIGUES e ISMAEL APARECIDO DE OLIVEIRA SANTANA associaram-se para o fim de praticar o tráfico de entorpecentes, bem assim que, nas mesmas circunstâncias de tempo e local, GUILHERME, ISMAEL e JEFERSON DE OLIVEIRA SOUSA tiveram em depósito substâncias entorpecentes, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar (FATO 02 – tráfico de drogas e associação para o tráfico). Outrossim, infere-se da peça incoativa que, no período compreendido entre os meses de janeiro e junho de 2022, em Confresa/MT, o apelante GUILHERME DE JESUS RODRIGUES ocultou ou dissimulou a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infrações penais (FATO 03 – lavagem de capitais). Segundo a proposição ministerial, as investigações tiveram início com a prisão em flagrante de terceiro indivíduo (Antônio Juvenal Lima dos Santos, vulgo “Sangue Bom”) pela prática de narcotráfico, após o que se desenvolveram para apurar a conduta dos ora apelantes, redundando na conclusão de que os três integravam a facção Comando Vermelho, no âmbito da qual GUILHERME exercia o papel de liderança local e ISMAEL, além de ocupar os cargos de “Disciplina” e “Fornecedor” do grêmio delinquente, ainda exercia a função de “braço direito” do líder local, executando e fiscalizando o cumprimento das ordens por este emanadas; ao passo que JEFERSON atuava como “Colaborador” e “Revendedor”, contribuindo para o ajuntamento com a administração de uma “boca de fumo” e comercialização de entorpecentes. Ainda de acordo com o Parquet, GUILHERME era quem autorizava e coordenava a distribuição de entorpecentes na região de Confresa e, para tanto, contava com o auxílio direto de ISMAEL, sendo que ambos integravam grupos de WhatsApp de faccionados, voltados a tratar de assuntos do interesse do Comando Vermelho, nos quais os recorrentes interagiam mediante a utilização de linguagem codificada, própria dos membros do “CV-MT”. A preambular pontua ainda que, após a morte da pessoa de Rudiney Rodrigues dos Santos, vulgo “Pinguim” e “Motoqueiro”, em 24/10/2023, o qual figurava como um dos chefes estaduais do Comando Vermelho, o organismo infrator articulou queima simultânea de fogos em várias cidades do Estado de Mato Grosso, para homenagear o faccionado falecido, sendo que GUILHERME e ISMAEL foram os responsáveis por comprar os fogos de artifício em Confresa e tomaram parte da queima, evento que causou pânico e temor aos moradores do município. A prefacial narra ainda que, além de integrarem a organização criminosa, GUILHERME e ISMAEL também se associação para o narcotráfico e distribuíram entorpecentes ao consumo alheio, contexto em que mantinham planilhas de controle das negociações de narcóticos, tendo eles inclusive autorizado e intermediado a entrega dos quase 500g (quinhentos gramas) de maconha que foram apreendidos em poder do terceiro Antônio Juvenal Lima dos Santos, vulgo “Sangue Bom”, por ocasião de sua prisão em flagrante, no dia 16/11/2023. Tanto é assim que, arremata o órgão ministerial, GUILHERME foi surpreendido em poder de 25 (vinte e cinco) porções de substância análoga à maconha e 06 (seis) porções de substância análoga à cocaína, todas já fracionadas, embaladas e prontas para comercialização; ao passo que ISMAEL foi detido com 04 (quatro) unidades de maconha, pesando cerca de 500g (quinhentos gramas); e JEFERSON, por sua vez, foi pego com 06 (seis) porções de maconha e 16 (dezesseis) porções de “crack”. Por fim, a petição inaugural descreve que o recorrente GUILHERME repassava os valores arrecadados com o tráfico de drogas às pessoas de Fabíola Rodrigues Oliveira e Fabiana Rodrigues Oliveira (processadas por lavagem de dinheiro em ação penal diversa), com a finalidade de ocultar a origem ilícita do dinheiro. Nessa conjuntura, o Relatório de Inteligência Financeira (RIF) n.º 89961.131.12181.14551, confeccionado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), aponta que, entre 01/02/2022 e 29/03/2022, Fabíola movimentou recursos expressivos incompatíveis com sua capacidade (R$ 406.555,21), dos quais R$ 3.020,00 advieram de GUILHERME, em 09 (nove) transações; enquanto, no período de 01/05/2022 a 26/06/2022, Fabiana recebeu em sua conta o incompatível montante de R$ 594.720,84, dos quais R$ 65.066,00 foram repassados por GUILHERME, via 114 (cento e quatorze) transações, tudo no afã de dissimular os proventos obtidos com a venda de entorpecentes. Diante destes fatos, os apelantes foram denunciados, ao que se sucedeu o devido processo legal, culminando na parcial procedência da pretensão punitiva estatal e na condenação de GUILHERME e ISMAEL pela prática dos delitos de organização criminosa, tráfico de drogas e associação para o tráfico (art. 2.º, Lei n.º 12.850/2013; arts. 33 e 35, Lei n.º 11.343/2006), incursionando-se GUILHERME, também, nas penas do crime de lavagem de dinheiro (art. 1.º, §4.º, Lei n.º 9.613/1998); ao passo que JEFERSON, por seu turno, restou condenado pelo crime de tráfico de drogas (art. 33, Lei n.º 11.343/06) e absolvido do delito de organização criminosa. Nesse contexto, os recorrentes agora exsurgem inconformados perante esta instância ad quem, nos termos já relatados. Feitas essas breves digressões, passo à análise do mérito. 1. Dos pedidos de absolvição do delito de organização criminosa (apelantes GUILHERME e ISMAEL): Como se sabe, a teor do que preceitua o art. 1.º, §1.º, da Lei n.º 12.850/2013, considera-se organização criminosa a associação pré-estabelecida de 04 (quatro) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão ainda que informal de tarefas, tudo com o objetivo comum de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 04 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional. Tem-se, pois, que, para a subsunção do fato à norma, é necessário que o conjunto de 04 (quatro) ou mais indivíduos se agremie de maneira ordenada e organizada, como sugere a própria etimologia do tipo, ou seja, por meio de alguma forma de hierarquia e escalonamento entre superiores e subordinados, todos com objetivos comuns no âmbito da delinquência, equiparando-se a estrutura organizacional do grupo infrator a verdadeiros métodos de dinâmica empresarial, em meio à qual chefes e chefiados, cada qual com atribuições divididas e tarefas compartimentalizadas, mesmo que informalmente, realizam empreendimentos criminosos voltados a auferir vantagens de qualquer natureza. Nesse contexto, para além de definir o conceito de organização criminosa, a já mencionada Lei n.º 12.850/2013 tipifica, no seu art. 2.º, o delito consistente em “promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa”. Trata-se de tipo penal classificado pela doutrina como formal, o que significa dizer que a sua ocorrência material prescinde do resultado naturalístico e a conduta ilícita se consuma independentemente da consecução ou concretização dos delitos visados pelo grupo; e de perigo abstrato, cuja potencialidade lesiva é legalmente presumida com a mera reunião durável e organizada de pessoas voltada ao desiderato iníquo; conceituando-se ainda como crime comum e de forma livre, ou seja, que pode se cometido por qualquer pessoa e por qualquer meio eleito pelo agente, respectivamente; e também permanente, isto é, a sua consumação se prolonga no tempo na medida em que perdura o ajuntamento de seus membros. Outrossim, o delito de organização criminosa não admite a forma culposa e tem como elemento subjetivo o dolo, de modo que é indispensável a comprovação do liame volitivo do agente e da sua vontade livre e consciente de congregar-se, ou seja, do animus voltado ao agrupamento organizado permanente e estável, promovendo-o, financiando-o, constituindo-o ou simplesmente o integrando. É de se apontar que o tipo exige ainda o elemento subjetivo específico implícito no próprio conceito de organização criminosa e consubstanciado na obtenção de vantagem ilícita de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais graves, de modo que não basta que o sujeito ativo da infração se alie aos demais com a finalidade de cometer crimes per se, mas também que atue com a finalidade especial de obter alguma vantagem. Em outras palavras, o crime do art. 2.º da Lei n.º 12.850/2013 é de natureza formal e se consuma mediante a simples associação organizada da coligação, com o escopo de praticar futuras infrações penais, ou seja, as infrações pretendidas são indefinidas, em oposição ao propósito inerente à mera coautoria, que se destina a um ou vários crimes certos, de maneira que a organização criminosa não necessita praticar essas infrações penais ou alcançar a vantagem almejada, bastando que o objetivo seja esse. Partindo dessas premissas, no caso concreto, a materialidade da infração penal está comprovada por meio dos boletins de ocorrência (ID 265527465 - Pág. 2/4, ID 265527478 - Pág. 7/9, ID 265527482 - Pág. 7/9 e ID 265527486 - Pág. 7/9); do Relatório de Investigação n.º 2023.13.91652 (ID 265527460 - Pág. 3/19); do Relatório de Investigação n.º 2023.13.95234, contendo a análise dos dados extraídos do celular pertencente ao terceiro Antônio Juvenal Lima dos Santos (ID 265527462 - Pág. 3/23); do Auto de Constatação Provisória de Drogas (ID 265527465 - Pág. 20/21); do Laudo Pericial de Pesquisa em Droga de Abuso (ID 265527465 - Pág. 73/78); dos Termos de Apreensão (ID 265527465 - Pág. 34/35, ID 265527478 - Pág. 20/21 e ID 265527486 - Pág. 15/16); do ofício expedido pela Operadora CLARO (ID 265527467); do Relatório de Investigação n.º 2024.13.5306 (ID 265527470); e da Representação por medidas cautelares formulada pela autoridade policial (ID 265527472). A materialidade delitiva pode ser inferida ainda do Laudo Pericial de Constatação, atestando que os 04 (quatro) tabletes apreendidos com o apelante ISMAEL resultaram positivo para maconha (ID 265527478 - Pág. 32 e Pág. 37/43); do Auto Circunstanciado de Busca e Apreensão e do Laudo Pericial de Constatação, atestando que as 06 (seis) porções e o pedaço grande contendo 16 (dezesseis) “pedras”, apreendidos com o réu JEFERSON, resultaram positivo para maconha e pasta-base de cocaína, respectivamente (ID 265527482 - Pág. 13/15, Pág. 48/50 e Pág. 74/79); e do Auto de Constatação Provisória de Drogas e Laudo Pericial de Pesquisa em Droga de Abuso, ambos atestando que as 25 (vinte e cinco) porções e as 06 (seis) trouxinhas apreendidas com o recorrente GUILHERME resultaram positivo para maconha e cocaína, respectivamente (ID 265527486 - Pág. 22/24 e ID 265527486 - Pág. 72/77). Outrossim, a ocorrência material do crime é extraída do Relatório de Inteligência Financeira (RIF) n.º 89961.131.12181.14551 (ID 265527489 e ID 265527490); do Relatório de Investigação n.º 2024.13.60161, contendo a análise dos dados extraídos do aparelho celular do apelante GUILHERME (ID 265527809); do Relatório de Investigação n.º 2024.13.56801, contendo a análise dos dados extraídos do aparelho celular do réu JEFERSON (ID 265527820); do Relatório n.º 2024.7.67212, contendo a análise dos dados extraídos do aparelho celular do apelante ISMAEL (ID 265527824); além da prova oral colhida na fase extrajudicial e em juízo. Ainda no que concerne à ocorrência material do delito, pontue-se que não há dúvida in casu quanto à presença das elementares elencadas pelo art. 1.º, §1.º, da Lei n.º 12.850/2013, seja o número mínimo de integrantes, seja a gravidade dos crimes aspirados pelo grupo, pois é de conhecimento geral a existência, no Estado de Mato Grosso, da organização criminosa autointitulada “Comando Vermelho”, cujo número de membros supera sobremaneira a quantidade de 04 (quatro) indivíduos e cujos planos se voltam à prática de uma miríade de delitos diversos, como tráfico de drogas, associação para o tráfico etc., exatamente como se viu na espécie. Dito de outra forma, é induvidosa a materialidade do crime de organização criminosa praticado pelos faccionados do “Comando Vermelho”, cuja estrutura hierárquica, divisão de tarefas, com poder de mando distribuído por lideranças, estatuto e disciplina rígida não só confirmam o seu caráter estrutural autônomo, mas também lhe conferem capacidade de domínio sobre um contingente imensurável de indivíduos fora e dentro do sistema prisional. Tanto é que as Cortes Superiores há muito vêm caracterizando tal facção como “notória”, conforme se infere do precedente a seguir: “2. Caso em que o acusado encontra-se submetido à notória facção do crime organizado denominada ‘Comando Vermelho’, comercializando maconha e cocaína, além de atuar e coordenar diversas empreitadas criminosas que aterrorizam a população local”. (RHC n. 56.943/RJ, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 25/8/2015, DJe de 1/9/2015) – Grifei. Além disso, a realidade atual tampouco deixa espaço para dúvida quanto ao elemento subjetivo específico dos integrantes do aludido organismo infrator, isto é, sua especial vontade de obter vantagem de qualquer natureza, notadamente o domínio e o monopólio da própria facção sobre a criminalidade nas regiões em que atua, tudo mediante a prática de delitos graves e violentos. Não por outra razão, aliás, os faccionados amiúde externam que a perseverança do “Comando Vermelho” em si, com hegemonia sobre a delinquência em seus territórios, traduz vantagem para os próprios membros individualmente, que se consideram parte de um todo e que crescem junto à medida que a facção se expande, tudo com a especial finalidade e dolo específico de que a “Família” (CV-MT) persista e avance, já que tal resultado inegavelmente beneficia e confere vantagem a seus membros, seja ela locupletamento patrimonial, ascensão nos quadros da facção, prestígio e renome no âmbito da delinquência etc. Quanto à autoria, por sua vez, nota-se a presença de provas suficientes e aptas a implicar os apelantes GUILHERME DE JESUS RODRIGUES e ISMAEL APARECIDO DE OLIVEIRA SANTANA no delito e a demonstrar que integravam o “Comando Vermelho” e compunham a célula da organização criminosa na cidade de Confresa/MT, à época dos fatos. Com efeito, extrai-se do Relatório de Investigação n.º 2023.13.91652 que, no dia 24/10/2023, por volta das 21h00min, em Confresa, ocorreu uma queima generalizada de fogos de artifício, que atemorizou e causou pânico aos moradores locais, razão pela qual a polícia decidiu apurar o fato e desvelou que o evento consistiu em uma homenagem da organização criminosa Comando Vermelho, motivada pela morte de um seus membros de alta patente no Estado, qual seja, a pessoa de Rudiney Rodrigues dos Santos, vulgo “Pinguim” e “Motoqueiro”, que ocupava o cargo de “Juiz do Tribunal do Crime” na facção e havia falecido naquela mesma data (24/10/2023), em decorrência de ferimentos sofridos enquanto empreendia fuga da Penitenciária Major Eldo Sá Corrêa (“Mata Grande”), em Rondonópolis. Após o falecimento de um de seus líderes estaduais, a autointitulada “Vice-Presidência” do Comando Vermelho encaminhou mensagens aos demais membros, determinando que faccionados em todas as regiões de Mato Grosso, tanto na Capital quanto nos municípios do interior, realizassem uma queima simultânea de fogos de artifício, às 21h00min do dia 24/10/2023, como forma de tributo ao falecido, consoante se depreende das capturas de tela e das mensagens de WhatsApp obtidas pelos investigadores, nas quais se lê, in verbis: “E por essa grande perda em nossa família, o nosso vise previdente, nos informa através deste a todos da região sul, norte, leste, oeste de MT que as 21:00 de hoje simultaneamente que todos façam uma minuto de silêncio e uma queima de fogos em todo cidade MT e quebradas aqui na capital, por respeito e memória do nosso nobre irmão Rudney vulgo motoqueiro e que Deus coloque ele em um bom lugar assim seja. SS: CVMT”. (Sic – ID 265527460 - Pág. 5). “LUTO EM RESPEITO AO FALECIMENTO DO MANO BIÉ EM DESPEDIDA QUEIMA DE FOGOS AS 21HS DA NOITE EM TODAS AS KBRADAS”. (Sic – ID 265527460 - Pág. 5). Nessa conjuntura, as câmeras de videomonitoramento de Confresa registraram que, entre as 19h57min e 20h25min da data em questão (24/10/2023), os apelantes GUILHERME e ISMAEL foram justamente os dois faccionados que, em um veículo conduzido pelo primeiro, dirigem-se ao estabelecimento “Comercial Andrade” e adquirem o valor de R$ 900,00 (novecentos reais) em fogos de artifício, conforme ilustram as imagens captadas pelas câmeras internas e externas do mencionado mercado (ID 265527460 - Pág. 6/8). De acordo com o referido Relatório Policial, em diligências, os investigadores desvelaram que foi feita a “compra de 14 caixas de fogos de artifício/foguetes da marca São João, 12X1 fogos, sendo cada caixa contendo 6 unidades e da marca Piromania Fogos 14X3 fogos, contendo 6 unidades em cada caixa. O valor total da compra foi de R$ 900 reais, pagos em dinheiro”. (ID 265527460 - Pág. 11). Desta feita, utilizando-se do mesmo automóvel, os recorrentes efetuaram a distribuição dos fogos para outros membros do Comando Vermelho de Confresa, a fim de que todos tomassem parte na queima simultânea (ID 265527460 - Pág. 9). Ademais, quando inquirido pela autoridade policial, o apelante ISMAEL admitiu que, juntamente com recorrente GUILHERME, comprou os fogos de artifício e os distribuiu aos demais faccionados da região, para que pudessem prestar homenagem ao integrante do Comando Vermelho que havia falecido naquela data: “Que o interrogando deseja apresentar sua versão dos fatos; Quem perguntado se integra a facção do CV-MT, ficou em silêncio; Que perguntado se comprou fogos de artifícios para homenagear a morte do faccionado do CV, vulgo PINGUIM, morto após tentar fugir da penitenciária Mata Grande em Rondonópolis em outubro de 2023, afimou que sim, que foi até o supermecado Andrade e comprou vários fogos de artifício, juntamente com o TALIBà (GUILHERME); Que após comprar os fogos saíram distribuindo para os demais faccionados na cidade; (...)”. (Sic – ID 265527476) – Destaquei. Embora ISMAEL tenha exercido seu direito ao silêncio em relação a este fato quando foi interrogado em juízo, o Enunciado Orientativo n.º 11 da Jurisprudência Uniformizada da Turma de Câmaras Criminais Reunidas do TJMT preceitua que “A confissão feita no inquérito policial, embora retratada em juízo, tem valor probatório sempre que confirmada por outros elementos de prova”. (Incidente de Uniformização de Jurisprudência n.º 101532/2015. DJE n.º 9998, de 11/04/2017, publicado em 12/04/2017) – Negritei. In casu, a confissão do réu na delegacia vai ao encontro das imagens gravadas pelas câmeras de videomonitoramento do mercado em que os fogos foram comprados, as quais captaram o exato momento em que GUILHERME e ISMAEL adquirem as girândolas (ID 265527460 - Pág. 6/9), de modo que, tratando-se os vídeos de prova de natureza não repetível, nos moldes do art. 155, caput, in fine, do CPP, prestam-se plenamente a conferir respaldo à confissão extrajudicial. Tal cenário, sem dúvida, enreda os apelantes GUILHERME e ISMAEL como participantes do Comando Vermelho, na medida em que, após receberem ordem de membro hierarquicamente superior da organização criminosa, determinando que os faccionados mato-grossenses realizassem queima simultânea de fogos de artifício, os recorrentes prontamente se dirigiram até estabelecimento comercial, adquiriram as girândolas e as distribuíram aos demais integrantes na cidade de Confresa, a fim de que a determinação da chefia fosse cumprida, tudo no interesse do organismo infrator, especificamente para homenagear outro integrante que havia falecido naquela data, o que evidencia o elemento subjetivo dos acusados e o ânimo de pertencimento ao grêmio delinquente, inclusive em uma capacidade extrínseca ao simples tráfico de drogas. Ainda a evidenciar o pertencimento dos apelantes ao CV-MT, além das provas acima mencionadas, têm ainda as circunstâncias da prisão em flagrante do indivíduo Antônio Juvenal Lima dos Santos, vulgo “Sangue Bom”, detido em poder de um tablete de maconha, com peso aproximado de 500g (quinhentos gramas), que ele pretendia fracionar para revender e havia adquirido dos recorrentes ISMAEL e GUILHERME, sendo que, ao que consta daquela ocorrência, Antônio informou aos policiais que havia obtido o entorpecente com “um pessoal do Comando Vermelho”. Nos termos registrados no APFD lavrado em face de Antônio, este “disse que comprou o tablete de entorpecente pelo valor de R$ 500.00 (quinhentos reais) para pagar com 15 dias, que essa droga um pessoal do comando vermelho quem lhe vendeu, que segundo o suspeito iria pagar a droga após a venda, que da peça de maconha conseguiria fazer após a venda a quantia aproximada de R$ 2.000,00 (dois mil reais), que a droga é cortada em tamanhos pequenos e vendida a R$ 10.00, R$ 20.00, R$30,00, R$ 50,00 e R$ 100,00, que toda distribuição é feita no distrito de Santo Antonio do Fontoura”. (ID 265527465 - Pág. 13/15) – Grifei. Ora, considerando que Antônio, vulgo “Sangue Bom”, havia adquirido o entorpecente justamente dos apelantes GUILHERME e ISMAEL – consoante se exporá adiante neste aresto, na análise do crime de associação para o tráfico –, o fato de ele admitir que comprou a droga de “um pessoal do Comando Vermelho” certamente corrobora o pertencimento dos recorrentes à aludida facção. Além disso, por ocasião de sua prisão, o apelante GUILHERME foi detido na posse do aparelho celular por ele utilizado (ID 265527486 - Pág. 15), cujos dados foram posteriormente extraídos e analisados pelos agentes de segurança pública, mediante autorização judicial, e não deixam dúvida de que os recorrentes integravam a organização criminosa Comando Vermelho. Com efeito, em um diálogo travado entre GUILHERME e a pessoa de Edvaldo através do aplicativo WhatsApp, o primeiro procura pela pessoa de Zé Filho, com quem consegue falar por meio do terminal do segundo, contexto em que ambos se queixam a respeito do elevado número de viaturas em patrulhamento e Zé Filho se compromete a repassar o quanto antes determinada quantia em dinheiro para o recorrente, em face do que GUILHERME responde que precisa não só do dinheiro que lhe é devido, para que possa se esconder (“cair fora pra quebrada”), mas também da taxa destinada à facção Comando Vermelho, chamada por ele de “família” (“e o dinheiro da família”). Tal interação demonstra não só a espessura e perenidade do vínculo nutrido por GUILHERME com a organização criminosa, à qual se refere como “família”, mas também evidencia que o apelante se incumbia de recolher os repasses pecuniários em prol da facção e de encaminhar as quantias aos membros hierarquicamente superiores. A propósito: “Zé Filho, diz: Oi meu filho, é eu, estou aqui, meu filho, pá o bagulho que está é doido, hein? Tá louco, menino, cê Vê o tanto de viatura que parou aqui ainda agora aqui, menino do céu, Ave Maria, eu estou esperando ali, DEVAN chegar bem ali que eu vou mandar o dinheiro aí para você, viu? Valeu! (Áudio: PTT-20240228-WA0276) Guilherme diz: Pois é, Zé Filho. Eu ia falar pra tu mesmo, mano. Eu tô precisando daquele dinheiro lá que eu tenho na tua mão pra me cair fora, pra quebrada. E o dinheiro da família pra me pagar também, mano. Bagulho tá louco, louco, louco mesmo, véi. Ei, manda ficar de olho naquele meu barraco lá embaixo lá, ver se eles vão invadir lá, viu, Zé Filho? (Áudio: PTT-20240228- WA0282)”. (ID 265527809 - Pág. 7) – Destaquei. Para corroborar a conclusão de que GUILHERME recolhia as taxas pecuniárias devidas ao Comando Vermelho, o Relatório de Investigação 2024.13.60161 aponta ainda que tanto Edvaldo (dono do telefone pelo qual Zé Filho fala com o réu) quanto Adervan (mencionado por Zé Filho na conversa) realizaram transferências bancárias não só para empresas de fachada investigadas em procedimentos policiais diversos por possível vínculo com a facção, mas também para a conta do próprio recorrente, destacando o documento policial que “foram localizados diversos comprovantes de transferência bancária em nome de ADERVAN e EDIVALDO para as pessoas de GUILHERME DE JESUS RODRIGUES e sua esposa JACIRA MACHADO CHAVES”. (ID 265527809 - Pág. 9/11). Na mesma toada, o Relatório de Inteligência discrimina as inúmeras pessoas que, em curto período, transferiram montantes de origem inexplicada que remontam milhares de reais para as contas bancárias de GUILHERME e sua esposa (ID 265527809 - Pág. 22/30 e Pág. 33). Na sequência, Zé Filho e GUILHERME interagem ainda a respeito da aquisição de armas de fogo, na medida em que o primeiro diz que vai repassar o dinheiro assim que encontrar a pessoa de Adervan, a qual estaria com “os meninos [que] compraram uns ferros lá”, o que leva a concluir que o envolvimento do recorrente nas atividades ilícitas do grupo infrator não se restringia à traficância e abrangia também empreitadas relacionadas a artefatos bélicos. Na pasta de “Documentos” contida no celular de GUILHERME foram localizadas ainda diversas listas de controle da traficância local, com a natureza da droga vendida, notadamente cocaína (“ori” ou “origem”), os nomes ou apelidos dos adquirentes e a respectiva situação de pagamento, isto é, se o comprador estava quite ou não, demonstrando assim o nível organizacional com que o acusado que promovia o recolhimento dos valores (ID 265527809 - Pág. 15/16). Ademais, através de seu aparelho telefônico, verificou-se que GUILHERME participava de grupos de WhatsApp composto por faccionados e voltados a tratar de assuntos do interesse do Comando Vermelho, como é o caso do ambiente virtual dissimuladamente intitulado “Mecânica Confresa”, no qual o apelante deixava patente sua ligação com o referido grêmio delinquente. Deveras, no mencionado grupo, os participantes compartilham informações acerca do patrulhamento policial, a fim de dificultar eventuais apurações e evitar embaraços nas atividades ilícitas dos confeccionados, sendo que, em certa ocasião, novamente aludindo ao Comando Vermelho como sua “família” e utilizando de linguagem codificada característica da facção (“tudo 2” ou “2” para dizer “tranquilo” ou “tudo bem”), o próprio GUILHERME informa aos demais que não havia monitoramento das forças de segurança no Centro da cidade, dizendo “Centro tá 2 família”. (ID 265527809 - Pág. 20). No mesmo ambiente virtual, outros membros mencionam a necessidade de aplicação de “salves” ou castigos físicos em face de integrantes indisciplinados, como quando o participante Cj Sorriso desta que “vamos cortar a língua dessas Lingua Souta” (sic – ID 265527809 - Pág. 20), referindo-se a indivíduos que possivelmente colaboraram com a polícia e delataram atividades da organização. Depreende-se ainda que o grupo virtual era utilizado pelos agentes para exaltação do Comando Vermelho e enaltecimento dos “irmãos” que se encontrassem em “sintonia” e também para viabilização de serviços advocatícios e assistência jurídica para membros que fossem pegos, a exemplo do episódio em que Cj Sorriso pergunta se “alguém te um advogado bom mn pra ver minha situação”, em face do que o contato Jd imediatamente se prontifica para ajudar (ID 265527809 - Pág. 21). Da mesma forma, assim como GUILHERME, o apelante ISMAEL também foi detido na posse de seu telefone celular (ID 265527478 - Pág. 20) e os dados posteriormente extraídos do aparelho são contundentes a confirmar a sua condição de integrante do Comando Vermelho. Com efeito, nas conversas travadas por ISMAEL, nota-se que ele também promovia o recolhimento das taxas periódicas devidas por outros traficantes à facção Comando Vermelho e o posterior repasse a membros hierarquicamente superiores da facção, a exemplo da conversa em que terceiro se compromete com o recorrente a pagar, o quanto antes, a aludida taxa, chamada por eles de “lojinha” (Aí eu dou um jeito de pagar a lojinha aí” – ID 265527824 - Pág. 8). Ademais, no celular de ISMAEL, é possível perceber que ele também participava de canais de WhatsApp de faccionados, destinados a tratar de assuntos do Comando Vermelho, como o grupo disfarçadamente intitulado “JBV Construtora CFS”, em que, aliás, o recorrente saúda dos demais membros usando linguagem codificada própria da facção, chamando a si mesmo de “irmão” (“ir”) e referindo-se ao grupo infrator como sua “família” (“fml”), ao dizer “Boa tarde pra todos sem exceção da parte do ir 2k Tmj fml”. (ID 265527824 - Pág. 19). No mesmo grupo virtual, também composto pelo recorrente GUILHERME, este se identifica como “Professor Rodrigues” e, igualmente, dirige-se à facção dizendo “Boa tarde Família” (ID 265527824 - Pág. 20). O grupo de WhatsApp integrado por ISMAEL e GUILHERME possui ainda controle de pagamento das mensalidades por parte dos faccionados e imagens de exortação ao Comando Vermelho, com bandeiras vermelhas e dizeres como “Tá tudo 2 Tá lindo” e “Bora acelerar FML” (ID 265527824 - Pág. 20/21), além de disseminação da ideologia da organização criminosa, intimamente ligada à apologia ao crime, consoante se depreende da mensagem remetida pelo contato Signal, in verbis: “Tem uns mano que entra no crime na organização No começo é só alegria depois qualquer coisinha quer caçar é trabalho quer ir trabalhar para tentar passar batido mas crime meus irmãos não é brincadeira o bagulho é de verdade é sério tem que fazer as coisas na inteligência tem que ter cautela entendeu o negócio não pode parar”. (ID 265527824 - Pág. 21) – Grifei. Outrossim, no grupo em questão, os participantes compartilham vídeo da execução de um homem, aparentemente em contexto de “salve” (homicídio por “decreto” da facção), e enviam o rol de “DEZ MANDAMENTOS DO COMANDO VERMELHO”, a “CARTILHA CVRL MT” e uma espécie de “regimento” da facção, cujos artigos balizam as diretrizes para formação dos Conselhos, os quais, segundo a pretensa “norma”, “serão formados por 13 conselheiros do mais alto grau de conhecimento de nossas regras, capacidade moral e senso de imparcialidade, dentre eles o Presidente do Conselho, vice Presidente, Porta voz e Tesoureiro”, ressaltando-se ainda que, embora a palavra de todos os integrantes sejam válidas e dignas de análise, “a palavra final em qualquer questão será sempre do Conselho”. (ID 265527824 - Pág. 22/23 e Pág. 29). Tais elementos incutem a certeza de que ISMAEL e GUILHERME efetivamente integravam grupo estruturalmente ordenado, revestido de escalonamento hierárquico, caracterizado pela divisão de tarefas e voltado não só ao narcotráfico e à associação para o tráfico, mas a uma série indeterminada de delitos graves, como posse irregular de arma de fogo, lesão corporal, tortura e homicídio. A estrutura organizacional do grêmio delinquente e a respectiva divisão de tarefas entre os membros evidencia-se ainda a partir da troca havida no grupo entre GUILHERME e o contato Mayaka, em que este indaga “meus irmãos” sobre as responsabilidades pelas planilhas e o aludido recorrente responde “Hoje tá tendo só a planilha d monitoramento” e, na sequência, outro contato informa que “Setor Saúde tá 2 Na paz tudo monitorada C ta 2 ta calmo”. (ID 265527824 - Pág. 23). O ordenamento da congregação e sua estrutura hierárquica pode ser inferida também das mensagens denominadas “INFORMATIVO”, repassadas por membros superiores no grupo composto pelos recorrentes GUILHERME e ISMAEL, em que são encaminhadas regras a serem seguidas pelos demais faccionados, como o “NOVO PROJETO DA FAMILIA CVMT”, que proíbe atrasos no repasse das “lojinhas” (taxas mensais devidas pelos traficantes) e agressões físicas entre “irmãos”, assim como prevê o rol de penalidades para cada infração; a proibição de roubos em pontos de ônibus e escolas; e a vedação de relacionamento amoroso entre faccionado e ex-mulher de outro faccionado (ID 265527824 - Pág. 24/28). O envolvimento de todos os membros do grupo virtual com o Comando Vermelho pode ser extraído das diretrizes que condicionavam a própria permanência dos indivíduos naquele ambiente virtual, já que havia mensagens intituladas “Informativo Referente a Conduta do Grupo e Responsabilidade”, que determinava como obrigatório que o celular do membro possuísse senha de bloqueio no aparelho, proibia encaminhamento de áudios e conversas e vedava a capturas de tela ou printscreen (ID 265527824 - Pág. 29). Nesse mesmo sentido, em uma conversa privada entabulada entre ISMAEL e o contato Mayka, este indaga o recorrente “Qual seu antigo vulgo mano Para mim atualizar a planilha”, ao que ISMAEL prontamente responde “Lampião”, o que corrobora ainda mais a longevidade do pertencimento do réu ao Comando Vermelho. A propósito, frise-se que o simples pertencimento dos apelantes aos grupos virtuais em questão, onde os integrantes do “Comando Vermelho”, inclusive os ora recorrentes, enalteciam a facção, alertavam-se entre si sobre patrulhamentos policiais, disseminavam as ideias do organismo infrator, arquitetavam seus planos ilícitos, compartilhavam “salves”, publicavam regras a serem seguidas pelos membros e realizavam as cobranças das taxas mensais devidas pelos faccionados, por si só, denota sobremaneira o dolo dos recorrentes de integrar a organização criminosa, pois deixa inegável que tomavam parte das atividades ilícitas da coligação, inclusive em aptidões que desbordavam do mero tráfico e associação para a traficância. Ademais, como é cediço, as provas de natureza cautelar e não repetível, como diálogos interceptados e dados telefônicos provenientes de SMS ou aplicativo WhatsApp, captados e extraídos mediante autorização judicial e posteriormente reduzidos a termo em relatórios de inteligência da polícia, conforme se deu na hipótese dos autos, submetem-se ao contraditório deferido e se inserem na ressalva do art. 155, caput, in fine, do CPP, bastando, pois, para formação do convencimento do órgão julgador, sem que se possa falar em ofensa ao aludido dispositivo legal. A propósito: “2. Não há se falar, pois, em violação do art. 155 do CPP, uma vez que questiona-se a utilização de provas irrepetíveis, sujeitas ao contraditório diferido, como interceptação de dados telefônicos provenientes de SMS e WhatsApp, busca e apreensão na residência de corréu e interceptações telefônicas constadas em relatórios de inteligência da polícia, sendo todas válidas para a condenação do agravante por ambos os crimes”. (AgRg no AgRg no HC n. 885.042/MG, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 2/9/2024, DJe de 6/9/2024) – Grifei. Mesmo que assim não fosse, as provas cotejadas acima, portanto, o envolvimento dos apelantes com o Comando Vermelho, restaram amplamente confirmadas em juízo, por meio dos depoimentos prestados pelas testemunhas Victor Donizete de Oliveira Pereira, Karla Gregório dos Santos e Welber Francisco Correia, de acordo com os quais GUILHERME e ISMAEL não só traficavam e estavam associados para o tráfico, mas também integravam o Comando Vermelho em outras capacidades, já que GUILHERME exercia papel de liderança local e respondia a membros hierarquicamente superiores situados na Capital, ao passo que o ISMAEL agia como “braço direito” do primeiro e ocupava os cargos de “Disciplina” e de “Depósito”, sendo esta última função ligada ao setor financeiro da facção. Com efeito, a testemunha Victor Donizete de Oliveira Pereira, delegado de Polícia, declarou em juízo que, à época dos fatos, exercia suas funções em Confresa e, durante diversas investigações, identificou GUILHERME e ISMAEL como integrantes de uma organização criminosa. Relatou que, em outubro de 2023, ocorreu uma queima de fogos ordenada pela facção Comando Vermelho para homenagear a morte de um de seus membros de elevada posição hierárquica, que havia falecido, o que gerou temor na população local, assim como destacou que, tanto GUILHERME quanto ISMAEL foram gravados em vídeo por câmeras de monitoramento, no exato momento em que compram quantidade expressiva de fogos de artifício em um supermercado de Confresa, após o que, segundo a testemunha, os recorrentes distribuíram as girândolas para os demais faccionados da cidade, a fim de que tomassem parte na referida homenagem. Esclareceu que as investigações foram intensificadas a partir desse episódio e resultaram na prisão de vários envolvidos, incluindo os apelantes GUILHERME e ISMAEL e o corréu Jeferson, sendo apreendidas drogas e celulares que foram periciados, evidenciando a prática de tráfico e associação criminosa, complementando ainda que, a despeito do cumprimento do mandado de prisão em face de ISMAEL, este já se encontrava segregado à época, dada a sua prisão em flagrante por tráfico, poucos dias antes da deflagração da operação policial. O delegado pontuou que, certa feita, houve a detenção de terceiro indivíduo, de nome Antônio Juvenal, vulgo “Sangue Bom”, em poder de drogas ilícitas em um posto de combustíveis em Confresa, e que a análise do celular do suspeito revelou que aqueles entorpecentes haviam sido negociados pelo preso com GUILHERME e ISMAEL. Afirmou que as irmãs Fabíola e Fabiana foram investigadas por lavagem de capitais e que estas recebiam valores repassados por GUILHERME para dissimular a origem ilícita do dinheiro, com a transferência de quantias para Fabíola, que as aplicava em investimentos, como a aquisição de imóveis. Ressaltou que GUILHERME exercia papel de liderança local da facção em Confresa e era responsável pela liberação de drogas e coordenação das atividades ilícitas, enquanto ISMAEL executava as ordens do líder e Jeferson participava da venda de entorpecentes. Informou que as conversas extraídas dos celulares apreendidos com os apelantes continham tratativas que evidenciavam a participação de ambos na organização criminosa, como o exercício de ambos na função de controle da venda de drogas ilícitas na região e mensagens recebidas de Comando Vermelho, contendo ordens e determinações sobre o que era e o que não era permitido aos membros. Por fim, acrescentou que o crime de lavagem de capitais atribuído a GUILHERME foi caracterizado pela transferência de valores oriundos do narcotráfico à pessoa de Fabíola, que os aplicava em investimentos imobiliários, para dissimular sua origem ilícita. Na mesma toada, o investigador da Polícia Civil Welber Francisco Correia declarou em juízo que os acusados já eram implicados em outros inquéritos policiais e que as presentes investigações tiveram início a partir da morte de um integrante do Comando Vermelho, que ocupava cargo de liderança em nível estadual, pois, em virtude do falecimento, a facção determinou uma queima de fogos como forma de homenagem, sendo que GUILHERME e ISMAEL foram identificados enquanto chegavam a um comércio local e compravam os fogos de artifício para tal finalidade. A este respeito, nos termos colocados pela testemunha em audiência, “o GUILHERME e o ISMAEL foram identificados comprando os fogos em um estabelecimento em frente à delegacia. (...). Eles fizeram o carregamento e o transporte desse material pela cidade de Confresa. Eles foram os responsáveis por fazer a entrega”. (Relatório de Mídias no ID 265527894). A testemunha observou que, em uma outra prisão ocorrida na cidade pelo crime de tráfico de drogas, com apreensão de cerca de um quilograma de entorpecentes, GUILHERME e ISMAEL estavam ligados e atuavam no fornecimento das drogas e controle das entregas, mediante preenchimento de planilhas, ressaltando que, GUILHERME era apontado como suspeito também em relatórios de inteligência financeira, que indicavam transações atípicas, como transferências para as pessoas de Fabíola e Fabiana, as quais seriam líderes do organismo infrator, jamais pisaram em Confresa e gerenciavam as atividades ilícitas por intermédio de GUILHERME, o qual lhes repassava valores. Esclareceu que GUILHERME ocupava cargo alto nos quadros hierárquicos da facção e que, em seu celular, foram encontradas mensagens e conversas características de faccionados, como linguagem específica (frases como “tudo 2 não passa nada”), ícones com bandeira vermelha etc.; ao passo que ISMAEL, além de ser pessoa de confiança do superior, estava ligado ao setor financeiro da facção. Nas palavras do policial civil, “O GUILHERME ele já cumpriu várias funções na cidade de Confresa. (...). Ele já ocupou o quadro de ‘Gerente’, ele já ocupou o quadro de ‘Disciplina’, ele já ocupou o quadro financeiro (...). Entrega e recebimento de dinheiro (...). O ISMAEL na hierarquia e ele sempre foi uma pessoa ligada ao GUILHERME como confiança. (...). O ISMAEL, nessa época, ele ocupava a função de ‘Depósito’, uma pessoa ligada ao financeiro da facção, que era responsável por fazer os depósitos para os líderes, nas contas vinculadas a esses líderes”. (Relatório de Mídias no ID 265527894). Em semelhante diapasão, a testemunha Karla Gregório dos Santos, investigadora de Polícia, declarou em juízo que já vinha acompanhando as atividades da organização criminosa na cidade de Confresa havia algum tempo e que identificou que GUILHERME DE JESUS RODRIGUES, vulgo “Talibã”, e ISMAEL APARECIDO DE OLIVEIRA SANTANA, vulgo “Fiote”, estavam envolvidos no tráfico de drogas e integravam o Comando Vermelho. Relatou que em um evento estadual ocorrido no ano anterior à audiência, conhecido como Queima de Fogos, houve tributo a um integrante importante do Comando Vermelho que faleceu após fuga do presídio. Nessa ocasião, “Talibã” e ISMAEL foram identificados comprando fogos de artifício, no valor aproximado de R$ 900,00, que posteriormente foram distribuídos para outros membros da facção para essa homenagem. A testemunha afirmou que esse movimento foi ordenado por alguém superior aos acusados, que exercia também autoridade sobre faccionados de outras cidades, e que após isso foram realizados levantamentos e prisões. Nas palavras da investigadora, “foi feita a compra desses fogos de artifício pelo ‘Talibã’ e pelo Ismael. Nós conseguimos identificar os dois. E, depois dessa compra, eles distribuíram para outros faccionados, para fazer essa honraria aí para a liderança do Comando Vermelho que havia falecido. (...). Alguém acima deles que mandou que fizessem esse movimento, assim como feito em outras cidades (...) foi até sincronizado o momento da queima”. (Relatório de Mídias no ID 265527894). A testemunha Karla pontuou que, por meio de levantamentos junto aos celulares apreendidos, confirmou-se que GUILHERME se reportava a lideranças situadas em outras cidades e movimentava grande quantidade de drogas, repassando valores para outras lideranças, enquanto ISMAEL, por sua vez, ocupava o cargo de “Disciplina” e executava as ordens emanadas de GUILHERME, inclusive buscando dinheiro e entregando e recebendo entorpecentes. A declarante narrou que tanto os apelantes GUILHERME e ISMAEL quanto o réu Jeferson foram flagrados com drogas ilícitas e que o primeiro tentou fugir no momento de sua prisão, dispensando uma sacola por cima do muro durante a fuga, a qual veio a ser recuperada pelos agentes de segurança pública, com grande quantidade de narcóticos no seu interior. Outrossim, Karla declarou que as investigações desvelaram que as irmãs Fabiana e Fabíola seriam as “lideranças finais” de Confresa, juntamente com o esposo da segunda, e que a elas eram repassados os valores do narcotráfico local, grande parte dos quais era movimentado pelo apelante GUILHERME, situação que perdurou, a despeito de as irmãs se encontrarem em prisão domiciliar. Por fim, a testemunha arrematou que, em virtude das capacidades financeiras não condizentes de GUILHERME, na impressão da depoente, os montantes transferidos para as irmãs eram oriundos do comércio malsão, mesmo porque, as irmãs não exerciam atividade lícita à época, ao passo que GUILHERME chegou a abrir uma empresa de reciclagem apenas formalmente, sem real atividade econômica. Oportunamente, destaque-se que o fato de as testemunhas consistirem no delegado e nos investigadores da Polícia Civil que oficiaram nas apurações não afasta a credibilidade ou a idoneidade dos seus depoimentos, tampouco elide o valor probatório dos seus relatos judiciais, máxime quando inexiste qualquer indicativo nos autos de que, aos agentes de segurança pública, interessaria implicar gratuitamente os réus na empreitada criminosa, exatamente como ocorre in casu. Sobre o tema, a Turma de Câmaras Criminais Reunidas do TJMT editou, em sede de uniformização de jurisprudência, o Enunciado Orientativo n.º 08, cuja redação dispõe que “Os depoimentos de policiais, desde que harmônicos com as demais provas, são idôneos para sustentar a condenação criminal”. (Incidente de Uniformização de Jurisprudência n.º 101532/2015, DJE n.º 9.998, de 11/04/2017). Não discrepa a jurisprudência do e. Superior Tribunal de Justiça: “II - O depoimento dos policiais prestado em Juízo constitui meio de prova idôneo a resultar na condenação do réu, notadamente quando ausente qualquer dúvida sobre a imparcialidade dos agentes, cabendo à defesa o ônus de demonstrar a imprestabilidade da prova, o que não ocorreu no presente caso”. (HC 404.507/PE, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 10/04/2018, DJe 18/04/2018). Especificamente com relação ao ânimo associativo permanente e estável mantido pelos acusados, concluo o comportamento e as condutas comissivas exercitadas pelos recorrentes, assim como o próprio modus operandi da organização criminosa, tais quais extraídos das provas digitais colhidas em sede cautelar e da prova oral angariada em juízo, deixam patente a presença do dolo dos agentes em se agremiarem, de maneira organizada, permanente e estável, para a prática de crimes graves. Dito de outra forma, a análise concatenada de todos os depoimentos e dos dados dos celulares não deixa margem para dúvida de que os apelantes estavam coligados entre si e que o desiderato do ajuntamento não se limitava à mera prática de crimes certos e definidos, mas a uma verdadeira série indeterminada de infrações penais graves, com especial destaque para o monopólio do tráfico de drogas na cidade de Confresa/MT, além de envolvimento e conivência com torturas, lesões corporais, homicídios etc. Deste modo, é evidente a organização estruturalmente ordenada e a divisão de tarefas para a empreitada ilícita, já que os réus, cada qual com seu encargo pré-estabelecido, prontamente agiam com vistas a satisfazer os interesses do Comando Vermelho, não só traficando e se associando para a traficância, mas também mediante repasses e recolhimentos pecuniários periódicos; troca de informações sobre patrulhamento policial; enaltecimento e exortação da “família” em grupos virtuais; compra de fogos de artifício, com subsequente distribuição das girândolas a outros integrantes, para queima simultânea a nível estadual em homenagem a um líder faccionado recém-falecido etc. Em suma, as provas dos autos denotam a habitualidade, estabilidade e permanência com que os recorrentes implementavam a sua vontade livre e consciente de integrar a coligação ilícita, ainda que informalmente, mantendo contatos revestidos de conexão estruturalmente ordenada em cadeias de hierarquia e com divisão funcional de tarefas com outros integrantes (animus associativo), assim como a intenção de auferir vantagem através da prática indeterminada de infrações penais graves (liame volitivo específico). Com tais considerações, mantêm-se as condenações dos apelantes GUILHERME DE JESUS RODRIGUES e ISMAEL APARECIDO DE OLIVEIRA SANTANA pelo crime do art. 2.º da Lei n.º 12.850/2013. 2. Do pedido de absolvição do crime de associação para o tráfico (apelantes GUILHERME e ISMAEL): Cumulativamente, os apelantes GUILHERME e ISMAEL buscam a absolvição do delito do art. 35 da Lei n.º 11.343/2006, por falta de provas quanto à autoria delitiva e ao ânimo associativo permanente e estável na conduta dos agentes, no entanto, neste ponto, a razão tampouco lhes assiste. O crime de associação para o narcotráfico configura-se mediante a associação, de duas ou mais pessoas, voltada para o fim (liame subjetivo) de praticar, reiteradamente ou não, algum ou vários dos crimes previstos no artigo 33, caput e §1º, e artigo 34 da Lei n.º 11.343/06, sendo prescindível, contudo, a efetiva ocorrência material de qualquer das infrações visadas pelos associados. Demais disso, para a subsunção do fato à norma, consentem a jurisprudência e a doutrina pátrias que se exige ainda a estabilidade e a permanência da associação, estreitamente vinculadas à finalidade delituosa específica, de forma que a caracterização deste crime não se contenta com o simples dolo de agir conjuntamente, em concurso, para a prática de um ou mais crimes, sendo indispensável o dolo específico de associar-se de forma permanente e estável. Dito de outra forma, a incursão do agente nas penas de associação para o tráfico de drogas não prescinde da presença da intenção de permanência na societas sceleris, que não deve ser confundida com as hipóteses de mera coautoria. Nessa linha de raciocínio, leciona Guilherme Nucci que “exige-se elemento subjetivo do tipo específico, consistente no ânimo de associação, de caráter duradouro e estável. Do contrário, seria um mero concurso de agentes para a prática do crime de tráfico” (NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. – 8. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 362). Na mesma toada firmou-se a jurisprudência deste e. TJMT: “5. Para a configuração do crime de associação para o tráfico de drogas, impõe-se a comprovação inequívoca da estabilidade e perenidade do ânimo associativo, sendo prescindível, contudo, a efetiva prática da traficância”. (Incidente de Uniformização de Jurisprudência n.º 101532/2015, DJE n.º 9998, de 11/04/2017) – Grifei. In casu, a materialidade da infração penal está comprovada por meio dos boletins de ocorrência (ID 265527465 - Pág. 2/4, ID 265527478 - Pág. 7/9, ID 265527482 - Pág. 7/9 e ID 265527486 - Pág. 7/9); do Relatório de Investigação n.º 2023.13.91652 (ID 265527460 - Pág. 3/19); do Relatório de Investigação n.º 2023.13.95234, contendo a análise dos dados extraídos do celular pertencente ao terceiro Antônio Juvenal Lima dos Santos (ID 265527462 - Pág. 3/23); do Auto de Constatação Provisória de Drogas (ID 265527465 - Pág. 20/21); do Laudo Pericial de Pesquisa em Droga de Abuso (ID 265527465 - Pág. 73/78); dos Termos de Apreensão (ID 265527465 - Pág. 34/35, ID 265527478 - Pág. 20/21 e ID 265527486 - Pág. 15/16); do ofício expedido pela Operadora CLARO (ID 265527467); do Relatório de Investigação n.º 2024.13.5306 (ID 265527470); e da Representação por medidas cautelares formulada pela autoridade policial (ID 265527472). A materialidade delitiva pode ser inferida ainda do Laudo Pericial de Constatação, atestando que os 04 (quatro) tabletes apreendidos com o apelante ISMAEL resultaram positivo para maconha (ID 265527478 - Pág. 32 e Pág. 37/43); do Auto Circunstanciado de Busca e Apreensão e do Laudo Pericial de Constatação, atestando que as 06 (seis) porções e o pedaço grande contendo 16 (dezesseis) “pedras”, apreendidos com o réu JEFERSON, resultaram positivo para maconha e pasta-base de cocaína, respectivamente (ID 265527482 - Pág. 13/15, Pág. 48/50 e Pág. 74/79); e do Auto de Constatação Provisória de Drogas e Laudo Pericial de Pesquisa em Droga de Abuso, ambos atestando que as 25 (vinte e cinco) porções e as 06 (seis) trouxinhas apreendidas com o recorrente GUILHERME resultaram positivo para maconha e cocaína, respectivamente (ID 265527486 - Pág. 22/24 e ID 265527486 - Pág. 72/77). Outrossim, a ocorrência material do crime é aferida no Relatório de Investigação n.º 2024.13.60161, contendo a análise dos dados extraídos do aparelho celular do apelante GUILHERME (ID 265527809); no Relatório de Investigação n.º 2024.13.56801, contendo a análise dos dados extraídos do aparelho celular do réu JEFERSON (ID 265527820); no Relatório n.º 2024.7.67212, contendo a análise dos dados extraídos do aparelho celular do recorrente ISMAEL (ID 265527824); e na prova oral colhida na fase extrajudicial e em juízo. Em relação à autoria delitiva, ao contrário do que foi sustentado pelas i. defesas, o acervo probatório revela com segurança a presença do ânimo associativo permanente e estável que imbuía a conduta de GUILHERME e ISMAEL, que se articulavam habitualmente entre si e a terceiros para a prática e o desenvolvimento do tráfico de drogas, conforme se extrai das provas cautelares e dos dados angariados dos celulares apreendidos e da prova oral colhida durante a instrução criminal. A propósito, já de início, pontue-se que, em 16/11/2023, ou seja, alguns meses antes das prisões de GUILHERME e ISMAEL, ocorreu em Confresa a prisão em flagrante do indivíduo chamado Antônio Juvenal Lima dos Santos, vulgo “Sangue Bom”, o qual foi surpreendido em poder de 01 (um) tablete de maconha destinado à comercialização, com massa de 487,48g (quatrocentos e oitenta e sete gramas, quarenta e oito centigramas), conforme Boletim de Ocorrência n.º 2023.328286 e Laudo de Constatação Definitivo n.º 523.3.10.0131.2023.148178-A01 (ID 265527465 - Pág. 14/15 e Pág. 73/78). Uma vez munidos da devida autorização para tanto (ID 265527463), os investigadores realizaram busca exploratória no telefone celular pertencente ao detido Antônio Juvenal e localizaram no aparelho diversas conversas e diálogos que não só implicavam GUILHERME e ISMAEL como fornecedores da droga ilícita apreendida com Antônio, mas demonstravam também que a dupla de recorrentes estava verdadeiramente associada, mediante o vínculo permanente e estável que caracteriza o tipo do art. 35 da Lei n.º 11.343/06, para o fim específico de juntos praticarem o tráfico de drogas. Os dados armazenados no aparelho em questão foram examinados pelos agentes de segurança pública e a análise foi reduzida a termo no Relatório de Investigação n.º 2023.13.95234, em que se leem inúmeras mensagens comprometedoras trocadas entre Antônio Juvenal e os apelantes GUILHERME e ISMAEL. Oportunamente, pontue-se que o terminal atribuído pelos investigadores a ISMAEL, no aludido relatório, realmente se encontrava sob a titularidade da genitora do réu, Maria Luiza Lopes de Oliveira, conforme ofício encaminhado ao juízo a quo pela Operadora CLARO, ao passo que, quanto ao terminal atribuído a GUILHERME, eventual fato de estar formalmente registrado em nome alheio não elide a sua responsabilização penal. Isto porque, é notório que integrantes de facção criminosa ou indivíduos envolvidos com a criminalidade, como a traficância habitual e duradoura, utilizam-se de chips com números telefônicos de titularidade de terceiros (“laranjas”) para tratar de assuntos ilícitos e estão constantemente a trocar de terminais, tudo no afã de mascarar as atividades delituosas e dificultar a própria identificação por parte das autoridades públicas, não havendo dúvida que este era o caso de GUILHERME. Tanto é assim que, conforme esclareceu em juízo a testemunha Victor Donizete de Oliveira Pereira, delegado que presidiu as investigações, nem mesmo o numeral telefônico do celular que foi efetivamente apreendido na posse de GUILHERME alguns meses depois, por ocasião do cumprimento do seu mandado de prisão em 28/02/2024, estava registrado sob a sua titularidade, o que certamente não significa que ele não usasse o aparelho em questão para perpetrar suas atividades ilícitas. Mesmo porque, além a apreensão do dispositivo eletrônico em seu poder, havia no aparelho vídeo em que a esposa de GUILHERME é filmada enquanto o ajuda a embalar drogas ilícitas, além de diversas mensagens de voz trocadas via WhatsApp pelo usuário do telefone com interlocutores, sendo que os arquivos de áudio foram analisados e transcritos pelos investigadores no respectivo Relatório de Análise, sem qualquer notícia de que a voz porventura fosse incompatível com o timbre do recorrente. Outrossim, há conversas travadas por GUILHERME, através do aludido aparelho celular, na exata data da sua prisão, nas quais os interlocutores tratam justamente a respeito das drogas ilícitas que foram apreendidas em poder do apelante. Se tudo isso não bastasse, em seu interrogatório na delegacia, ISMAEL confirmou que foi quem negociou a entrega da droga para Antônio Juvenal, vulgo “Sangue Bom” (ID 265527476), o que confere ainda mais verossimilhança e autenticidade à vinculação dos numerais telefônicos aos apelantes, nos moldes efetivados pelos policiais civis nos relatórios de inteligência. Em suma, assim como ocorre com os Relatórios de Investigação em que foi consignada a análise dos aparelhos celulares apreendidos com os apelantes ISMAEL e GUILHERME, tampouco há dúvida quanto à fidedignidade das informações contidas no Relatório em que foi materializado o exame dos dados armazenados no celular do terceiro Antônio Juvenal, vulgo “Sangue Bom”, notadamente as informações que atribuem os terminais telefônicos dos interlocutores de Antônio aos ora recorrentes ISMAEL e GUILHERME (ID 265527462 - Pág. 9 e Pág. 21). Feitos tais esclarecimentos, tem-se que, em 13/11/2023, isto é, três dias antes da prisão em flagrante de Antônio por suspeita de narcotráfico, ele conversa por mensagens de áudio com o apelante ISMAEL, no qual este deixa evidente que não alienava drogas ilícitas de maneira esporádica ou isolada, mas em verdadeiro contexto de associação para esta específica finalidade, em estrita observância e obediência ao que havia sido avalizado e anotado por outrem em planilhas de controle do tráfico, in verbis: “Na data 13/11/2023, no horário 05h40min, ANTONIO envia Áudio 1 (PTT-20231113- WA0077.opus), com duração de 0:06 segundos que diz: ‘E ai tem jeito de me soltar cinquenta grama, cinquenta não, duzentas e cinquenta grama de BRAW’. Na mesma data, no horário 05h41min, o interlocutor envia o Áudio 2 (PTT-20231113- WA0078.opus), com duração de 0:05 segundos que diz: ‘Heim tá anotado aqui na planilha que é pra soltar QUINHENTAS pra você uai’”. (ID 265527462 - Pág. 7) – Destaquei. Em face da resposta de ISMAEL, Antônio aceita arcar com a revenda dos 500g (quinhentos gramas) de droga (“meia peça”), dizendo que “se jogar MEIA PEÇA na minha mão eu dou conta do dinheiro sim, pode demorar oito, dez dias por ai assim mais eu dou conta se a MERCADORIA tiver comigo eu não dou fim não” (sic), após o que ISMAEL confirma a quantidade a ser entregue ao varejista, decretando que seriam “500g” (ID 265527462 - Pág. 8). Já no dia 16/11/2023, data da prisão de Antônio, este e ISMAEL novamente interagem e o recorrente intermedia a entrega do entorpecente que haviam negociado, ressaltando que o repasse da mercadoria se daria naquela data, no posto de Confresa, e que a substância ilícita seria levada a Antônio pelo “guri”, imediatamente antes de compartilhar com Antônio o contato telefônico de GUILHERME, sendo que, nas horas que se seguem, ISMAEL deixa nítida a sintonizada articulação com a qual ele e GUILHERME convergiam suas vontades e concorriam para a disseminação ilícita de narcóticos. Isto porque, ISMAEL a todo momento assegura ao comprador que GUILHERME liberará a droga para a entrega e demonstra gozar de igual domínio sobre as condutas do associado, frequentemente dizendo para Antônio frases como “Na hora que você tiver no posto da saída da quebrada aqui tá ligado você me manda mensagem que o Guri vai soltar você e hoje vai dá bom. A MERCADORIA ta ná mão aqui”; “na hora que você chegar no Posto Confresa você manda mensagem que o Guri vai soltar você”; “Dmr O guri vai levar ai” etc. (ID 265527462 - Pág. 11). Ademais, mesmo remotamente, ISMAEL acompanha em tempo real a entrega realizada pelo comparsa, desde as 18h59min daquela tarde até as 21h30min, quando então Antônio informa ao apelante que a entrega havia dado certo e que, dali em diante, o comprador se encarregaria da revenda, dizendo “E ai Jovem só de boa tranquilo a MERCADORIA ta na minha mão daqui pra frente eu me viro só de boa tranquilo Jesus abençoe nóis”. (Sic – ID 265527462 - Pág. 13). Paralelamente, Antônio interagia também com GUILHERME e, dentre as inúmeras conversas que demonstram que este realmente se encarregou de entregar os 500g (quinhentos gramas) de maconha àquele (ID 265527462 - Pág. 18/20), nota-se diálogo demonstrativo da espessura do elo que coligava as vontades dos apelantes para a traficância, pois, em 15/11/2023, quando Antônio indaga GUILHERME se poderia lhe “soltar aquela meia peça hoje”, GUILHERME prontamente diz que para o adquirente consultar ISMAEL (“v com o chará”) e compartilha o contato telefônico deste último (ID 265527462 - Pág. 17). Por oportuno, observe-se que, na delegacia, o próprio ISMAEL admitiu que, à época, identificava-se também através do vulgo “Chará” (ID 265527476). Assim sendo, os protocolos bem definidos e a dependência mútua que revestia a divisão de tarefas entre os recorrentes para o tráfico de drogas, tal qual exemplificado pela dinâmica que envolveu a entrega de drogas para o terceiro Antônio, prestam-se a evidenciar a contento o elemento subjetivo nas condutas e a denotar que ajuntamento voltado à traficância entre eles era duradouro e habitual. Outrossim, meses após o repasse de drogas para o revendedor Antônio, especificamente em fevereiro de 2024, tanto GUILHERME quanto ISMAEL também foram presos e tiveram seus celulares apreendidos e submetidos à análise, sendo que os dados extraídos dos aparelhos não deixam dúvida de que os apelantes se associaram também a terceiros para a prática do comércio malsão e que com eles concorriam, de maneira permanente e estável, para a traficância. A propósito, em um vídeo gravado por GUILHERME e extraído de seu celular, é possível ver que o recorrente ostenta dezenas de invólucros contendo porções de uma substância em formato de pedra de coloração amarelada, possivelmente pasta-base de cocaína, e que, enquanto ele grava, realiza a pesagem das porções e aparenta prestar contas a algum associado a respeito do fracionamento narcóticos. Deveras, na filmagem, GUILLHERME verbaliza “Ôh meu fii. Olha a situação ai, ôh! Docinha ôh.... zero ponto sete... ai ôh, zero ponto cinco... Zero ponto sete... Zero ponto oito... ta ventando aqui... Aí meu fii, olha a situação”. (Relatório de Investigação no ID 265527809 - Pág. 5 – Vídeos originais armazenados nos autos do ID 265527810 ao ID 265527813). Na mesma vertente, em diálogo via WhatsApp entre GUILHERME e o contato T.w., em 28/02/2024, ou seja, data da prisão do primeiro, eles dialogam sobre o repasse e entrega de entorpecentes e demonstram nitidamente o costume corriqueiro com que lidam com tais tratativas, sendo que o interlocutor chega a pedir ao apelante que embale as substâncias conforme a praxe dos associados, para que um terceiro comparsa as oculte, dizendo “Embala bem embaladinho entendeu? Do jeito que tu embala...bacana Só dá pra ele guardar lá. Áudio: PTT-20240228-WA0198”. (ID 265527809 - Pág. 12), sendo de se pontuar que mais tarde naquela data, GUILHERME foi preso justamente com dezenas de porções de entorpecentes, individualmente fracionadas, embaladas e prontas para a comercialização (ID 265527809 - Pág. 12). Em outra interação, ao ser procurado para a aquisição de drogas por um usuário, T.w. diz a GUILHERME que direcionou o comprador para que o aludido recorrente fornecesse os narcóticos (ID 265527809 - Pág. 13). Ademais, no celular de GUILHERME, foram encontradas planilhas que demonstram minucioso controle de entrega de droga e da situação de quitação do pagamento para inúmeros indivíduos identificados pelo nome ou apelido, que abrangem praticamente o mês inteiro de outubro de 2023, o que também corrobora a associação para o tráfico do apelante com outros revendedores, mesmo porque, vários dos destinatários das substâncias se repetem na tabela e muitos deles ainda constavam como inadimplentes, evidenciando assim o nível de confiança e a perenidade do vínculo entre os envolvidos (ID 265527809 - Pág. 15/16). Outrossim, na pasta denominada “Arquivos de Dados – Documentos” do celular de GUILHERME, foram achados diversos comprovantes de pagamento de valores provenientes do tráfico de drogas, realizados em datas diversas entre outubro de 2023 e fevereiro de 2024, por vários indivíduos, demonstrando que o réu mantinha controle sobre o repasse dos montantes ilícitos, o que tonifica ainda mais a conclusão acerca da durabilidade, estabilidade e permanência da associação traficante (ID 265527809 - Pág. 21/30). Na mesma toada, no celular apreendido com ISMAEL, verifica-se que este também estava associado a terceiros, com a finalidade específica de mercancia ilícita, pois o acusado não só guardava e tinha em depósito substâncias entorpecentes, como maconha e cocaína, com a finalidade de entrega ao consumo alheio e as vendia a outrem, incorrendo assim na traficância propriamente dita, mas também não o fazia sozinho. Nesse sentido, à guisa de exemplo, tem-se o diálogo em que ISMAEL prontamente aceita guardar a “mercadoria” de um associado, identificado como Vigarista2 (ID 265527824 - Pág. 4/6), e a conversa travada pelo recorrente com um segundo interlocutor, em que este busca adquirir 50g (cinquenta gramas) de substância entorpecentes, em face do que ISMAEL responde que seu grupo de associados só vende em quantidades superiores, o que fica claro pelo pronome empregado pelo réu, na primeira pessoa do plural, “Nós não solta de 50g. Só de 100g ou 500g”. (ID 265527824 - Pág. 8). Em outra conversa, desta vez travada com o contato Robert Salah, ISMAEL deixa explícito que costuma se utilizar de interpostas pessoas para realizar a entrega dos entorpecentes a compradores e que tal método operacional não acarretava “taxas extras” ao comprador (ID 265527824 - Pág. 14/15), o que corrobora a habitualidade com que concorria junto a terceiros, em divisão de tarefas não esporádica, para a difusão ilícita de drogas. O ânimo associativo permanente e estável para a traficância, que imbuía a conduta ilícita de ISMAEL, é verificado ainda na interação em que ele informa ao interlocutor Uber que estava exercendo a função de “gerência” da comercialização de maconha (“tou na gerência do chá”), incumbência “formal” que certamente extrapola a simples colaboração esporádica com outrem para a traficância; sendo de se destacar que tal informação é corroborada ainda pela fotografia extraída do celular do recorrente, em que é retratada vultosa quantidade de maconha, especificamente 12 (doze) tabletes de maconha, com a legenda “+29k”, provavelmente se referindo ao peso de mais de 29 quilos (ID 265527824 - Pág. 40 e 43). Além dos elementos colhidos dos aparelhos celulares em sede cautelar, as testemunhas ouvidas na fase instrutória foram categóricas ao elucidar que, além de integrarem a organização criminosa Comando Vermelho, os apelantes GUILHERME e ISMAEL, de maneira sólida e perene, também se associaram entre si e a terceiros para difundir entorpecentes ilícitos na cidade de Confresa/MT. Em linhas gerais, o delegado de Polícia Victor Donizete de Oliveira Pereira e os investigadores Welber Francisco Correia e Karla Gregório dos Santos deram conta de que os recorrentes convergiam suas vontades, comungavam esforços e dividiam incumbências para disseminar drogas ilícitas no município e que a congregação entre eles não se limitava à mera concorrência isolada, mas sim à verdadeira associação para o narcotráfico. Nesse sentido, as testemunhas destacaram que ISMAEL e GUILHERME já eram conhecidos das forças de segurança pública de Confresa, por seu envolvimento com o tráfico local, desiderato para o qual um funcionava como “braço direito” do outro, gozando de confiança mútua e distribuindo funções no âmbito do comércio malsão, como a entrega dos entorpecentes a usuários e o recolhimento dos valores adquiridos. Em suma, o arcabouço probatório é pródigo ao atestar que, ao traficarem em conluio entre si e com terceiros, guardando, transportando, preparando, entregando, vendendo e expondo à venda drogas ilícitas, o dolo dos acusados extrapolou o mero concurso de agentes e adquiriu conotações de permanência e de estabilidade que caracterizam a societas criminis. Nesses termos, à luz do princípio do livre convencimento motivado, estou convencido de que as provas coligidas ao feito, em ambas as fases processuais, são suficientes para demonstrar a materialidade do crime de associação para o narcotráfico, com todas as elementares objetivas e subjetivas inerentes ao tipo penal do art. 35 do Lei n.º 11.343/2006, assim como para atestar a respectiva autoria que recai sobre os apelantes GUILHERME DE JESUS RODRIGUES e ISMAEL APARECIDO DE OLIVEIRA SANTANA. Conservam-se, pois, as condenações pelo delito de associação para o tráfico. 3. Do propalado bis in idem entre os crimes de organização criminosa e associação para o tráfico de drogas (apelante ISMAEL): Alternativamente, o apelante ISMAEL APARECIDO DE OLIVEIRA SANTANA busca absolvição do delito de organização criminosa, com fulcro na tese de bis in idem, sustentando que a sua incursão no art. 2.º da Lei n.º 12.850/2013 configuraria dupla punição pelo mesmo fato, haja vista a condenação simultânea pelo crime de associação para o tráfico de drogas, devendo assim, na intelecção defensiva, prevalecer unicamente a infração penal mais específica do art. 35 da Lei n.º 11.343/2006, à luz do princípio da especialidade. Sem razão o recorrente. Acerca do tema, tanto o crime tipificado no art. 35 da Lei n.º 11.343/06 e quanto o crime do art. 2.º da Lei n.º 12.850/13 visam tutelar a paz pública e, não obstante tal identidade de bens jurídicos primários, não é juridicamente impossível a condenação de uma mesma pessoa como incursa nos dois tipos penais, pois, em determinados casos, diante da pluralidade de vínculos associativos, em diferentes contextos fáticos, o mesmo indivíduo pode incorrer concomitantemente tanto no delito de associação para o tráfico de drogas quanto no crime de organização criminosa, voltada à prática de outras infrações penais graves ou de caráter transnacional. Para tanto, é necessário que as provas permitam distinguir, no plano fático e jurídico, os crimes de associação para o tráfico e de organização criminosa, isto é, a dupla condenação exige a demonstração a contento dos liames subjetivos autônomos e simultâneos do mesmo indivíduo, com vistas a realizar a traficância juntamente com outrem de maneira permanente e estável (art. 35, Lei n.º 11.343/06) e, paralelamente, também com vistas a praticar outras infrações graves (incluindo-se aí o próprio narcotráfico) em conluio organizado com terceiros (art. 2.º, Lei n.º 12.850/13). Nesse sentido orienta a jurisprudência do e. Superior Tribunal de Justiça, de acordo com a qual a associação para o tráfico e a organização criminosa constituem tipos penais autônomos e, havendo desígnios independentes e contextos fáticos e subjetivos distintos nas condutas, a condenação simultânea se mostra escorreita, consoante se infere a partir dos seguintes precedentes: “3. O entendimento da Corte local encontra-se em consonância com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que ‘é firme ao asseverar que não configura bis in idem a imputação concomitante da prática dos crimes de associação para o tráfico de drogas e organização criminosa, por se tratar de tipos penais autônomos’. (...) Ademais, não há se falar em duas imputações pelo mesmo fato, porquanto devidamente indicado que havia ‘desígnios autônomos, da integração de organização criminosa (Primeiro Comando da Capital - PCC) e da associação para o tráfico’”. (AgRg nos EDcl no HC n. 788.543/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 9/10/2023, DJe de 11/10/2023) – Destaquei. “3. O fato de o agente, em contextos diversos, integrar uma organização criminosa, que, conforme previsão legislativa, consiste em quatro ou mais pessoas se associarem para o fim de cometer crimes cuja pena máxima ultrapasse quatro anos, não absorve a conduta específica, prevista na Lei n. 11.343/2006, do indivíduo que está associado, de maneira permanente e estável, com diversos agentes com o objetivo de incidir nas condutas criminosas previstas na Lei de Drogas”. (AgRg no HC n. 820.954/SC, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 26/6/2023, DJe de 29/6/2023) – Negritei. Com base nisso, esta Terceira Câmara Criminal tem se orientado no sentido de que, se o arcabouço probatório sugere que o desígnio do agente, ao se agremiar de maneira permanente e estável a outrem, voltava-se exclusivamente à prática do crime de tráfico de drogas em uma mesma conjuntura, não permitindo discernir os contextos fáticos diferentes, a existência de elementos subjetivos autônomos, de vínculos associativos distintos ou vontades independentes do mesmo indivíduo visando várias outras infrações penais (inclusive, eventualmente, o próprio narcotráfico), somente então se estará diante de bis in idem, o que não é o caso dos autos. Isto porque, na espécie, é nítido que, além de se associar a GUILHERME e a terceiros para a prática reiterada do narcotráfico na cidade de Confresa, de maneira permanente e estável, o apelante ISMAEL também se agremiou ao “Comando Vermelho” e integrava a facção em uma capacidade inegavelmente extrínseca àquela traficância, sendo evidente não só os desígnios autônomos em ambas as condutas, mas também a diversidade de vínculos intersubjetivos, já que, na organização criminosa, optou por se inserir em cadeia hierárquica na qual se submetia a outros indivíduos que sequer foram denunciados nesta ação penal, tudo a tornar imiscíveis as conjunturas fáticas. Deveras, conforme as provas já cotejadas nos tópicos anteriores deste aresto, paralelamente à traficância com seus associados, ISMAEL também compunha a organização criminosa “Comando Vermelho”, no âmbito da qual atendia pelos vulgos “Fiote”, “Chará”, “2k” e “Lampião” e, segundo as testemunhas ouvidas em juízo, já havia ocupado cargos como “Depósito”, ligado ao setor financeiro da facção, e “Disciplina”, responsável pela imposição de castigos físicos em face de membros que infringiam as regras do grupo. As testemunhas esclareceram ainda que ISMAEL, por vezes, se incumbia de recolher o dinheiro (“rex”) proveniente da venda de entorpecentes de outros traficantes e de repassar tais valores aos membros superiores da organização, o que é corroborado pelos dados extraídos do seu aparelho celular, de modo que o elo associativo por ele mantido não se limitava àqueles com que estava associado para a mercancia ilícita, mas também abrangia pessoas diversas, a quem ele se submetia hierarquicamente, ou seja, a pluralidade de vínculos intersubjetivos corrobora ainda mais a existência de condutas distintas e imiscíveis por parte do agente. Tal raciocínio é tonificado ainda mais pelo fato de ISMAEL compor um canal digital por meio do qual faccionados discutiam assuntos do interesse do grêmio delinquente, qual seja, o grupo de WhatsApp dissimuladamente intitulado “JBV Construtora CFS”, no qual o recorrente inclusive dirigia-se aos demais participantes como sua “família”, evidenciando-se assim que tomava parte nas atividades ilícitas que eram abordadas, planejadas e exibidas naquele ambiente virtual, a exemplo de “salves” (torturas) e execuções (homicídio), além da traficância em si. Outrossim, o grupo de WhatsApp em questão funcionava como a via através da qual faccionados hierarquicamente superiores não só realizavam cobranças das “taxas” do tráfico de drogas, mas também emanavam e publicavam ordens e diretrizes da organização criminosa, assim como disseminavam a ideologia e o regimento da agremiação ilícita, mediante o envio de “informativos” intitulados “DEZ MANDAMENTOS DO COMANDO VERMELHO”, “CARTILHA CVRL MT” etc. Assim, o exercício, por parte do réu, de outros “cargos” desvinculados do tráfico de drogas e a sua participação em outros ambientes da facção que englobavam não só a mercancia ilícita, mas também outros delitos, a exemplo de lesões corporais e torturas, tudo no interesse do Comando Vermelho, bem como a diversidade de vínculos associativos por ele mantidos, demonstram que o envolvimento de ISMAEL no organismo infrator desbordava da associação para o narcotráfico propriamente dita. Tanto é assim que, consoante exposto alhures, diante da morte de um dos líderes estaduais do Comando Vermelho, em 24/10/2023, a “alta cúpula” da organização emitiu ordem para que os faccionados de todas as regiões de Mato Grosso realizasse uma queima simultânea de fogos de artifício, no afã de homenagear o comparsa falecido, sendo que, em Confresa, o réu GUILHERME e o ora apelante ISMAEL foram os indivíduos que se encarregaram de comprar R$ 900,00 (novecentos reais) em fogos e distribui-los aos faccionados locais, ou seja, o recorrente prontamente acatou e executou a determinação dos membros superiores e tomou parte em atividade do organismo totalmente divorciada do tráfico, o que incute a certeza de que integrava o grêmio infrator em uma aptidão externa e autônoma à associação para traficância. Diante deste cenário probatório, sendo explícita a existência de contextos fáticos distintos, de vínculos subjetivos imiscíveis e de desígnios autônomos nas condutas do apelante, concluo que, in casu, ele pertencia à organização criminosa Comando Vermelho e atuava em prol da facção de maneira extrínseca e que extrapolava a associação para o tráfico, na qual incorria concomitantemente. Portanto, devem ser mantidas as condenações simultâneas do recorrente ISMAEL APARECIDO DE OLIVEIRA SANTANA pelos crimes do art. 2.º da Lei n.º 12.850/2013 e art. 35 da Lei n.º 11.343/2006, em consonância com a linha de precedentes desta e. Corte de Justiça estadual: “Não há bis in idem pela condenação do apelante tanto por organização criminosa quanto por associação para o tráfico de drogas, diante da pluralidade de vínculos associativos, em diferentes contextos fáticos e com condutas distintas”. (TJ-MT - N.U 1011443-50.2022.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, MARCOS MACHADO, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 20/08/2024, Publicado no DJE 26/08/2024) – Grifei. 4. Do pedido de absolvição do crime de tráfico de drogas (apelante GUILHERME): A materialidade do delito de tráfico de drogas perpetrado pelo apelante GUILHERME DE JESUS RODRIGUES está comprovada por meio do Termo de Exibição e Apreensão (ID 265527486 - Pág. 15/16); do Auto de Constatação Provisória de Drogas e do Laudo Pericial de Pesquisa em Droga de Abuso, ambos atestando que as substâncias apreendidas com o recorrente resultaram positivo para maconha e cocaína (ID 265527486 - Pág. 22/24 e ID 265527486 - Pág. 72/77); do Relatório de Investigação n.º 2024.13.60161, contendo a análise dos dados extraídos do aparelho celular do acusado (ID 265527809); e da prova oral colhida na fase extrajudicial e em juízo. Em relação à autoria, por sua vez, não há dúvida de que GUILHERME guardava e tinha em depósito drogas ilícitas, com finalidade de venda e entrega ao consumo de terceiros, devendo assim ser ratificada sua condenação pelo delito do art. 33 da Lei n.º 11.343/2006. Com efeito, o Termo de Exibição e Apreensão e o Laudo Pericial mencionados acima revelam que a prisão do acusado resultou no confisco de 25 (vinte e cinco) porções de maconha, que totalizavam 136,83g (cento e trinta e seis gramas, oitenta e três centigramas), e 06 (seis) porções de cocaína, com massa total de 5,87g (cinco gramas, oitenta e sete centigramas), todas fracionadas de maneira uniforme, embaladas e prontas para a comercialização, conforme registro fotográfico no ID 265527486 - Pág. 24. Não obstante GUILHERME haja exercido seu direito ao silêncio na delegacia (ID 265527486 - Pág. 28/30) e, em juízo, tenha negado a traficância, sustentando que os entorpecentes foram encontrados no terreno externo à sua residência, não há dúvida de que a droga lhe pertencia. Isto porque, a investigadora responsável por dar cumprimento ao mandado de prisão expedido contra GUILHERME, Karla Gregório dos Santos, ao ser ouvida em juízo, declarou que, no momento da diligência, o aludido recorrente tentou foragir e, durante a fuga, dispensou uma sacola por cima do muro, para o terreno vizinho, bem como narrou que a sacola foi recuperada pela guarnição policial, que encontrou no seu interior a grande quantidade de entorpecentes. Nas palavras da testemunha, “o GUILHERME foi uma das pessoas que mais movimentou drogas. (...). A gente tinha mandado de prisão para o GUILHERME, o GUILHERME também foi flagrado com droga. (...). Nós conseguimos fazer a prisão dele, no momento ele até fugiu e jogou a sacola de droga por cima do muro e entrou no meio do mato, só que aí nós conseguimos alcançar e fazer a prisão e pegar essa sacola, que tinha grande quantidade de droga também”. (Relatório de Mídias no ID 265527894) – Negritei. Somem-se a isso as declarações prestadas em juízo pelas testemunhas Victor Donizete de Oliveira Pereira e Welber Francisco Correia, os quais verbalizaram, em linhas gerais, que GUILHERME era contumaz no narcotráfico e que, na data da deflagração da operação policial que culminou na presenta ação penal, o apelante foi surpreendido em poder das drogas, além de concorrer para o controle, liberação e fornecimento dos narcóticos que eram vendidos na cidade de Confresa/MT. A prova oral colhida em juízo encontra respaldo nos elementos de natureza cautelar arrecadados no aparelho celular de GUILHERME, cujos dados atestam não só a posse e propriedade sobre os entorpecentes ilícitos com ele apreendidos na data de sua prisão, mas também a finalidade mercantil das substâncias. A propósito, em mensagens de texto e áudio trocadas com diversos interlocutores, GUILHERME trata acerca da movimentação de psicotrópicos, como quando cobra o contato Cj Sorriso a sua pasta-base de cocaína (“B.A.”); quando se compromete a entregar maconha (“chá”) para o contato T.w.; quando cobra o contato lukasantonio841 o pagamento pela cocaína (“ori”) (ID 265527809 - Pág. 4, 13 e 14). Além disso, no aparelho celular de GUILHERME, foi localizado ainda um vídeo gravado por ele, em que ostenta dezenas de porções em formato de pedra, com coloração amarela e proporções semelhantes, aparentando tratar-se de pasta-base de cocaína (“crack”), individualmente embaladas em pequenos plásticos ziplock, e, durante a filmagem, o réu pesa cada porção em uma balança de precisão, enquanto verbaliza para o destinatário do vídeo o peso unitário das porções: “Ôh meu fii. Olha a situação ai, ôh! Docinha ôh.... zero ponto sete... ai ôh, zero ponto cinco... Zero ponto sete... Zero ponto oito” (ID 265527809 - Pág. 5/6 – Vídeos originais armazenados nos autos do ID 265527810 ao ID 265527813). A referida mídia, sem dúvida, confirma que GUILHERME concorria para disseminar entorpecentes ilícitos para terceiros, na medida em que fracionava, embalava e pesava os narcóticos, a fim de que pudessem ser distribuídos ao consumo alheio e alcançar grande número de usuários. Aliás, para confirmar que os entorpecentes encontrados em poder de GUILHERME possuíam desiderato comercial, tem-se ainda o diálogo mantido pelo recorrente com o indivíduo T.w., em que este concita o réu a preparar as porções de maconha, chamada por eles de “chá”, e embalá-las minuciosamente, antes de repassá-las a um terceiro comparsa, que as guardaria, in verbis: “T.w., diz: — Liguei, pô, vai logo lá, pega os trem lá, leva lá pra casa dele lá, ele vai sair dez e meia agora pra Porto Alegre, acelera lá e dá o chá dele lá Áudio: PTT-20240228-WA0197 T.w., diz: — Embala bem embaladinho entendeu? Do jeito que tu embala...bacana Só dá pra ele guardar lá. Áudio: PTT-20240228-WA0198 Guilherme: — Beleza, beleza. (...). Áudio: PTT20240228-WA0206”. (ID 265527809 - Pág. 12) – Destaquei. Por oportuno, destaque-se que, menos de duas horas após o diálogo transcrito acima, GUILHERME foi preso com dezenas de porções de maconha, uniformemente fracionadas e embaladas com esmero em pequenos plásticos ziplock, além de outras porções de cocaína, em iguais condições de acondicionamento. Em suma, os elementos coligidos ao feito não deixam qualquer margem para dúvida de que GUILHERME guardou, teve em depósito, vendeu, expôs à venda e entregou a consumo entorpecentes de diversas naturezas, inclusive aqueles apreendidas nestes autos, tudo sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, impondo-se assim ratificar a sua condenação pelo delito tráfico de drogas (art. 33, Lei n.º 11.343/2006). 5. Do pedido de aplicação do tráfico privilegiado (apelante GUILHERME): Embora não teça maiores digressões a este respeito no decorrer de suas razões recursais, o apelante GUILHERME, ao final de seu arrazoado, formulou pedido de aplicação da causa de diminuição da pena prevista no art. 33, §4.º, da Lei n.º 11.343/2006, em seu patamar máximo. Como é cediço, a incidência da minorante comumente denominada de “tráfico privilegiado” condiciona-se, por força da própria previsão legal, ao preenchimento cumulativo de quatro requisitos indispensáveis, a saber, (i) que o agente seja primário; (ii) com bons antecedentes; (iii) não se dedique às atividades criminosas; e (iv) não integre organização criminosa. Isto porque, a teleologia do redutor diz respeito ao caráter esporádico da conduta típica realizada pelo agente e pressupõe que o beneficiário não ostente sinais objetivos de que faz do crime uma profissão, circunstância que deverá ser aferida casuisticamente, com base nos múltiplos aspectos que permeiam o caso concreto. Considerando os requisitos cumulativos que condicionam o reconhecimento do privilégio, é evidente que o apelante GUILHERME não faz jus ao benefício, pois as provas são categóricas ao atestar que ele se dedicava a atividades delituosas e que integrava organização criminosa. A propósito, além do delito de narcotráfico, GUILHERME foi condenado também pelo delito de associação para o tráfico, condenação esta que foi mantida nesta instância ad quem, conforme amplamente exposto no item n.º 2 deste aresto, e, como se sabe, a condenação concomitante pelos delitos do art. 33 e art. 35, ambos da Lei n.º 11.343/2006, na mesma ação penal, basta para evidenciar a dedicação do agente a atividades delituosas e, por conseguinte, obstar a aplicação do redutor. Nesse sentido, a jurisprudência do e. STJ é iterativa: “5. Mantida a condenação pelo crime de associação para o tráfico, não há se falar em aplicação da minorante do tráfico privilegiado. De fato, é assente nesta Corte Superior o entendimento no sentido da incompatibilidade entre o benefício destinado a pequenos traficantes e o crime de associação para o tráfico, por evidenciar a dedicação dos acusados a atividades criminosas”. (AgRg no HC n. 830.929/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 8/8/2023, DJe de 14/8/2023) – Grifei. “V - Mantida a condenação por associação para o tráfico de entorpecentes, fica prejudicado o pedido de aplicação da redutora capitulada no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 em favor da paciente, em razão do não preenchimento dos requisitos legais cumulativos”. (AgRg no HC n. 801.329/RJ, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 24/4/2023, DJe de 28/4/2023) – Destaquei. É também o posicionamento deste e. Sodalício estadual: “3. A associação dedicada ao crime de tráfico ilícito de drogas provada na persecução penal, afasta o privilégio do §4º, artigo 33, da Lei 11.343/06”. (N.U 1009177-81.2022.8.11.0045, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RUI RAMOS RIBEIRO, Segunda Câmara Criminal, Julgado em 16/07/2024, Publicado no DJE 19/07/2024) – Negritei. Se não bastasse, GUILHERME também integrava a facção Comando Vermelho, consoante exposto no tópico n.º 1 deste aresto, tanto que sua condenação pelo delito do art. 2.º da Lei n.º 12.850/2013 foi mantida neste grau recursal, o que também impede a incidência da minorante de pena, já que um dos requisitos do privilégio consiste no não envolvimento com organizações criminosas. Aliás, as testemunhas ouvidas em juízo declararam que, no âmbito do organismo infrator, GUILHERME chegou a ocupar papel de destaque e relevância municipal, incumbindo-se, dentre outros encargos, do controle de fornecimento e da liberação das drogas que seriam comercializadas em Confresa, ou seja, atribuições incompatíveis com o pequeno criminoso e traficante de “primeira viagem”. Com tais considerações, refuta-se a aplicação do privilégio. 6. Do pedido de absolvição do crime de “lavagem” de capitais (apelante GUILHERME): O art. 1.º da Lei n.º 9.613/1998, com redação dada pela Lei n.º 12.683/2012, tipifica o delito de “lavagem” de capitais, ao estatuir como conduta penalmente relevante a prática de “Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”. O preceito secundário da norma incriminadora comina pena de reclusão, de 03 (três) a 10 (dez) anos, e multa ao delito em comento, o qual é usualmente classificado pela doutrina como um crime derivado, acessório ou parasitário, porque pressupõe a ocorrência de uma infração penal anterior, no entanto, a despeito disso, trata-se de um tipo penal autônomo. Anteriormente à alteração legislativa, o tipo penal previa em seu preceito primário o elenco de crimes que poderiam anteceder a lavagem de capitais, tais como o tráfico ilícito de drogas, o terrorismo, o contrabando de armas, dentre outros. Porém, com o advento da Lei n.º 12.683/2012, esse rol foi eliminado, passando a legislação brasileira a admitir que qualquer infração penal, seja crime ou contravenção, é apta a anteceder a lavagem de dinheiro. Ademais, de acordo com o disposto no art. 2º, inciso II e §1º, da Lei de regência, a persecução penal do crime de lavagem “independe do processo e julgamento das infrações penais antecedentes (...)”, ressaltando o legislador, apenas, que a denúncia deverá ser instruída com “indícios suficientes da existência da infração penal antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente”. Urge consignar também que a lavagem de dinheiro não se trata de um ato isolado, mas de um processo constituído por diversas etapas, entretanto, não se exige a completude do ciclo para a consumação delitiva, bastando que o agente realize qualquer ato, desde que se verifique, evidentemente, que aquele ato é parte integrante do processo de reciclagem ou branqueamento de ativos. Neste ponto, existe uma linha tênue para a qual o julgador deve se atentar, a fim de distinguir se o ato praticado pelo agente consiste em mero exaurimento do crime antecedente – no caso em apreço, do tráfico ilícito de entorpecentes – ou se se trata de uma das etapas inaugurais do ciclo de lavagem de capitais, pois o simples proveito econômico do produto do crime não configura lavagem de dinheiro, que requer a prática das condutas dolosas de ocultar ou dissimular, ou seja, o fato de o agente depositar o dinheiro em conta de sua própria titularidade, realizar pagamentos ou consumir e usufruir os valores não configura o comportamento típico. Nesse sentido já se manifestou o e. Superior Tribunal de Justiça: “I - O mero proveito econômico do produto do crime não configura lavagem de dinheiro, que requer a prática das condutas de ocultar ou dissimular. Assim, não há que se falar em lavagem de dinheiro se, com o produto do crime, o agente se limita a depositar o dinheiro em conta de sua própria titularidade, paga contas ou consome os valores em viagens ou restaurantes”. (APn n. 458/SP, relator Ministro Fernando Gonçalves, relator para acórdão Ministro Gilson Dipp, Corte Especial, julgado em 16/9/2009, DJe de 18/12/2009) – Negritei. Para melhor compreensão do ciclo da lavagem de capitais, valho-me dos ensinamentos de Gustavo Henrique Badaró e Pierpaolo Cruz Bottini, que resumiram com maestria as etapas do processo criminoso, in verbis: “[O] processo de lavagem de dinheiro tem como antecedente necessário a prática de uma infração penal - momento do nascimento do capital ilícito – e se inicia com a ocultação dos valores ilicitamente aferidos. Desenvolve-se nas diversas operações posteriores para dissimulação da origem dos bens, e se completa pela reinserção do capital na economia formal com aparência lícita. Assim, o processo completo de lavagem de dinheiro é composto por – pelo menos – três fases: ocultação, dissimulação e integração dos bens à economia formal.” (Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais: comentários à Lei 9.613/1998, com as alterações da Lei 12.683/2012. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 26). É também o ensinamento de Renato Brasileiro de Lima: “Em síntese, a lavagem de capitais é o ato ou o conjunto de atos praticados por determinado agente com o objetivo de conferir aparência lícita a bens, direitos ou valores provenientes de uma infração penal. Não se exige, para a caracterização do crime, um vulto assustador das quantias envolvidas, nem tampouco grande complexidade das operações transnacionais para reintegrar o produto delituoso na circulação econômica legal, do mesmo ou de outro país. Apesar de ser muito comum a utilização do sistema bancário e financeiro para a prática da lavagem de capitais, esta pode ser levada a efeito em outras áreas de movimentação de valores e riquezas (v.g., agronegócio, construtoras, igrejas, importação e exportação de bens, loterias, bingos, etc.). (...). Para encobrir a origem ilícita dos lucros, evitando-se uma associação direta deles com a infração antecedente, a lavagem realiza-se por meio de um processo dinâmico que requer o distanciamento dos fundos de sua origem, o disfarce dessas movimentações para dificultar o rastreamento desses recursos e a disponibilização do dinheiro novamente para os criminosos, agora já considerado ‘limpo’. (...). De acordo com o Grupo de Ação Firanceira sobre Lavagem de Dinheiro (GAFI), o modelo ideal de lavagem de capitais envolve três etapas independentes, a saber: a) Colocação (placement): (...) b) Dissimulação ou mascaramento (layering): (...) c) Integração (integration): (...). A despeito da importância do estudo dessas três etapas para que se possa compreender um ciclo completo de lavagem de capitais, é de todo relevante destacar que não se exige a ocorrência dessas três fases para a consumação do delito. Nenhum dos tipos penais exige, para a consumação, que o dinheiro venha a ser integrado com aparência lícita ao sistema econômico formal. A própria redação do tipo penal de lavagem de capitais autoriza a conclusão no sentido de que não é necessário expressamente o exaurimento integral das condutas do modelo trifásico para a consumação do crime. Por isso mesmo, ao conceituarmos a lavagem de capitais, foi dito que se trata do ato ou conjunto de atos praticados pelo agente, com a finalidade de conferir aparência lícita a bens, direitos ou valores provenientes de crime ou contravenção penal antecedente”. (LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada: volume único - 4. ed. rev., atual. e ampl. - Salvador: JusPODIVM, 2016, pág. 288/291) – Destaquei. Não discrepa a orientação da jurisprudência: “12. O tipo penal do art. 1º da Lei 9.613/98 é de ação múltipla ou plurinuclear, consumando-se com a prática de qualquer dos verbos mencionados na descrição típica e relacionando-se com qualquer das fases do branqueamento de capitais (ocultação, dissimulação; reintrodução), não exigindo a demonstração da ocorrência de todos os três passos do processo de branqueamento”. (APn n. 923/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 23/9/2019, DJe de 26/9/2019) – Grifei. Ademais, no sistema processual penal brasileiro, o delito de lavagem de capitais é punido exclusivamente a título de dolo, exigindo-se ainda a demonstração do elemento subjetivo específico do agente, consubstanciado na sua vontade livre e consciente de ocultar ou dissimular a origem ilícita de ativos provenientes de infração penal, conforme se depreende da lição doutrinária: “Para além do mascaramento desses bens, direitos ou valores, também se faz necessária a demonstração dos elementos subjetivos inerentes ao tipo penal em questão, quais sejam, a consciência e a vontade de limpar o capital sujo e reintroduzi-lo no sistema financeiro com aparência lícita. A título de exemplo, por mais que, sob um ponto de vista objetivo, o ato de esconder dinheiro embaixo de um colchão perfaça a ocultação a que se refere o art. 1º, caput, da Lei nº 9.613/98, tal conduta somente poderá ser tipificada como lavagem de capitais se a ela se somar a intenção do agente de reintegrar aquele numerário ao círculo econômico com aparência lícita. (...). No Brasil, não se admite a punição do branqueamento de capitais a título de culpa. O elemento subjetivo dos crimes previstos na Lei 9.613/98 é o dolo, considerado como a consciência e vontade de realizar o tipo objetivo. (...)”. (LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada: volume único - 4. ed. rev., atual. e ampl. - Salvador: JusPODIVM, 2016, pág. 314/317) – Destaquei. Assim também se posiciona esta c. Terceira Câmara Criminal: “3. Recurso do Ministério Público Para a caracterização do delito de lavagem de capitais, é essencial a comprovação do dolo específico de ocultar ou dissimular a natureza, origem ou movimentação de bens provenientes de crime. Logo, o simples usufruto dos lucros do tráfico, como compras e depósitos em contas pessoais do agente, não configura lavagem de dinheiro sem prova inequívoca do dolo de dissimulação, de modo que persistindo dúvidas razoáveis sobre tais condutas, aplica-se o princípio in dubio pro reo, impondo-se, por conseguinte, a manutenção da absolvição dos apelados”. (N.U 1003173-23.2023.8.11.0003, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, LUIZ FERREIRA DA SILVA, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 04/12/2024, Publicado no DJE 09/12/2024) – Grifei. A propósito, por serem de inteira pertinência à situação sub judice, colaciono judiciosos trechos do voto-condutor do paradigma acima mencionado: “Desse modo, o depósito em contas bancárias de titularidade do próprio agente e de terceiros, a aquisição de bens ou mesmo a realização de investimentos para eles próprios sem a demonstração da finalidade específica de conferir aparência de legitimidade aos valores ilícitos não é hábil a caracterizar a realização do delito de lavagem de capitais, consistindo, em vez disso, mero exaurimento do crime antecedente. (...). No caso em análise, os elementos trazidos pelo Ministério Público não foram capazes de comprovar, além de dúvida razoável, que Ronny Wesley, Igor Felipe e Thales tinham a intenção de ocultar a origem ilícita dos bens. Embora haja indícios de que os três apelados tivessem a posse de veículos de alto valor e faziam transações financeiras incomuns, não são suficientes para comprovar o dolo específico exigido para a configuração do delito de lavagem de capitais”. – Destaquei. Idêntica é a hipótese dos autos, pois, após perscrutar minuciosamente todos os elementos de convicção arrecadados ao caderno processual, não constatei a existência de prova do dolo específico na conduta perpetrada pelo acusado GUILHERME. Com efeito, no caso, não há dúvida quanto à ocorrência do crime antecedente, na medida em que GUILHERME foi condenado por tráfico de drogas nesta mesma ação penal e tal condenação foi ratificada por este Tribunal ad quem, conforme se vê no tópico n.º 4 deste aresto. Deste modo, tem-se que o delito de branqueamento de capitais imputado pelo Ministério Público ao recorrente seria aquele perpetrado na modalidade autolavagem (selflaundering), na qual o mesmo agente que comete o crime antecedente incumbe-se de posteriormente reciclar os proventos ilícitos. Por sua vez, a conduta fática propriamente dita atribuída ao apelante que, segundo o Parquet, se amoldaria ao crime do art. 1.º da Lei n.º 9.613/98 consistiu nas transferências bancárias feitas por GUILHERME às pessoas de Fabíola Rodrigues Oliveira e Fabiana Rodrigues Oliveira Alves. A propósito, o Relatório de Inteligência Financeira (RIF) n.º 89961.131.12181.14551 realmente demonstra que, entre 01/02/2022 e 29/03/2022, GUILHERME realizou 09 (nove) transações para Fabíola, totalizando o montante de R$ 3.020,00 (três mil e vinte reais), e, entre 01/05/2022 e 26/06/2022, o apelante transferiu para Fabiana a quantia de R$ 65.066,00 (sessenta e cinco mil e sessenta e seis reais), em 114 (cento e quatorze) transações (ID 265527489 e ID 265527490). Ademais, o delegado que presidiu as investigações, Victor Donizete de Oliveira Pereira, e a policial civil Karla Gregório dos Santos, quando foram ouvidos em juízo, revelaram que as irmãs Fabiana e Fabíola ocupavam elevada posição na organização criminosa e se encarregavam de lavar os valores oriundos do tráfico de drogas, mediante investimentos imobiliários; sendo de se pontuar que, em sentença proferida no dia 14/08/2024 na ação penal n.º 1012886-02.2023.8.11.0042, Fabiana e Fabíola restaram inclusive condenadas justamente pelo delito de lavagem de dinheiro, encontrando-se aquele feito pendente de remessa à 2.ª instância, para análise dos recursos defensivos. Por outro lado, a despeito das suspeitas e vultosas transações financeiras efetuadas por GUILHERME para Fabíola e Fabiana, não há nenhum elemento nos autos a indicar que ele convergia sua vontade para, juntamente com elas, ocultar e dissimular a origem dos ativos por ele transferidos ou mesmo que ele sequer soubesse a destinação dada pelas irmãs aos valores, mesmo porque, nos dados extraídos do aparelho celular do recorrente, não foi encontrada nenhuma interação ou troca de mensagens entre ele e Fabíola e Fabiana ou qualquer diálogo com terceiros que eventualmente denotasse o dolo conjunto do réu, voltado à lavagem de capitais. Ao contrário, as provas são unívocas ao apontar que Fabíola e Fabiana, embora não residissem em Confresa, controlavam a célula do Comando Vermelho naquele município, ao passo que GUILHERME, por sua vez, também na condição de faccionado, era o integrante responsável por recolher os valores oriundos do narcotráfico local e repassar tais montantes aos membros hierarquicamente superiores, como as líderes Fabíola e Fabiana, conforme depoimentos prestados em juízo pelas testemunhas e dados extraídos do celular do apelante. Assim, há dúvida intransponível se, ao realizar as transferências bancárias para Fabíola e Fabiana, GUILHERME era propelido pelo intuito deliberado e ânimo subjetivo de concorrer juntamente com elas para o branqueamento e reciclagem daqueles valores ou se estava apenas a se desincumbir de suas atribuições no âmbito da organização criminosa Comando Vermelho, em que ele se encarregava justamente de recolher os proventos dos traficantes de Confresa e de encaminhá-los aos membros superiores no quadro hierárquico da facção, conforme exposto no tópico n.º 1 deste aresto. Em outras palavras, é possível que, além de integrar o Comando Vermelho e cumprir suas funções de faccionado, ao transferir os valores para as irmãs Fabíola e Fabiana, o réu GUILHERME estivesse imbuído também com o dolo autônomo e específico de, em concurso e convergência de vontades com elas, dissimular a origem ilegal dos ativos e reinseri-los no sistema econômico com aparência de legalidade, mediante investimentos imobiliários. No entanto, à míngua de qualquer prova nos autos que ateste a presença deste possível elemento subjetivo, impõe-se solver a dúvida em favor do acusado, com esteio no princípio in dubio pro reo. Nesse sentido: “A mera fruição de eventuais proveitos de infração penal, com a efetuação de compras e a feitura de depósitos em contas, não basta para caracterizar o crime de lavagem de dinheiro, se ausente a inequívoca comprovação do dolo de dissimulação ou ocultação hábil a evidenciar os desígnios autônomos exigidos pela autolavagem”. (TJ-MG - Apelação Criminal: 00181804320198130525 1.0000.24.215983-8/001, Relator.: Des .(a) Rubens Gabriel Soares, Data de Julgamento: 02/07/2024, 6ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 03/07/2024) – Grifei. “Ausente a demonstração do dolo específico do agente de ocultar e dissimular a origem ilícita de valores obtidos com a prática ilícita de comércio de entorpecentes, descabe a condenação do agente nas sanções art. 1º, caput e § 1º, inciso da I, da Lei nº 9.613/98”. (TJ-MG - Apelação Criminal: 0014453-60.2019.8.13 .0110, Relator.: Des.(a) Rinaldo Kennedy Silva, Data de Julgamento: 02/04/2024, 5ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 03/04/2024) – Destaquei. Com tais considerações, dá-se parcial provimento à insurgência do apelante GUILHERME, tão somente para absolvê-lo do delito de lavagem de capitais (art. 1.º, §4.º, da Lei n.º 9.613/1998). 7. Do pedido de reconhecimento da confissão espontânea (apelante JEFERSON): O pedido do apelante JEFERSON, para que seja considerada a atenuante da confissão espontânea na dosimetria da pena do crime de tráfico, carece de interesse recursal, pois tal providência já foi contemplada na sentença, em que o juízo a quo compensou a referida atenuante com a agravante da reincidência, in verbis: “Presente as agravantes da reincidência, prevista o art. 61, I, do Código Penal, a qual deixo de valorar em razão da presença da atenuante da confissão (art. 65, III, a, do Código Penal, pelo que mantenho a pena em 05 (cinco) anos de reclusão, a qual torno definitiva pela ausência de causas de aumento ou diminuição da pena”. (ID 265527917 - Pág. 9) – Destaquei. Sobre a questão, no Tema Repetitivo 585 (REsp n.º 1.931.145/SP, Terceira Seção, j. em 22/6/2022), o e. STJ assentou a possibilidade de compensação integral, na segunda fase da dosimetria, da atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência, razão pela qual, in casu, não houve alteração na pena-base. Por oportuno, destaque-se que a pena-base do recorrente foi fixada no mínimo legal pelo d. sentenciante, de modo que, ainda que inexistente a reincidência, não seria possível a redução da reprimenda aquém do aludido patamar por força da confissão, conforme regra preconizada do enunciado de Súmula n.º 231 do STJ. Do mesmo modo, quanto ao pedido genérico do apelante JEFERSON, para que seja comunicado o Tribunal Regional Eleitoral sobre o édito condenatório, tampouco existe interesse, pois tal providência, a ser tomada após eventual trânsito em julgado da condenação, já foi determinada na r. sentença recorrida (ID 265527917 - Pág. 13). 8. Do pedido de detração e abrandamento do regime inicial (apelante JEFERSON): A i. defesa do apelante JEFERSON sustenta que “a sentença proferida pelo juiz Jean Garcia de Freitas Bezerra não menciona expressamente a consideração do tempo de prisão provisória para a detração penal, o que configura uma omissão relevante e prejudicial ao réu”, motivo pelo qual reclama a revisão do édito recorrido, “para incluir a detração penal, garantindo que o tempo de prisão provisória seja devidamente considerado” (ID 265527947 - Pág. 8/9). Todavia, a leitura atenta da sentença revela que as alegações defensivas não correspondem à realidade processual, pois, no pronunciamento judicial, o magistrado de primeira instância tratou da detração e consignou que tal providência seria irrelevante, pois não influiria para abrandar o regime prisional fechado, cuja fixação se embasou não apenas no quantum de pena, mas também na reincidência do agente, in verbis: “Repise-se que, levando em consideração o tempo de segregação do réu, preso desde 28/02/2024, a pena ficará no patamar entre de 04 (quatro) e 08 (oito) anos, todavia, fixo o regime inicial fechado para o cumprimento da pena do condenado, com base no art. 33, §2º, “a”, do Código Penal, pois cuida-se de réu reincidente”. (ID 265527916 - Pág. 9) – Destaquei. Com razão o d. juízo sentenciante. Como se sabe, a norma positivada no art. 387, §2.º, do Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei n.º 12.736/2012, determina que, no momento da sentença, o juízo que prolatou a condenação computará o período durante o qual o réu permaneceu preso provisoriamente, para fins de escolha do modo inicial de execução da reprimenda. Significa dizer que tal providência apenas constitui encargo do Juízo da fase de conhecimento se, no momento da sentença, o desconto do tempo de prisão repercutir no regime inicial e resultar no abrandamento da modalidade prisional, caso contrário, incumbirá ao Juízo da fase de execução efetuar a detração, nos termos do art. 66, inc. III, alínea c, da Lei n.º 7.210/1984 (Lei da Execução Penal). É a orientação do Superior Tribunal de Justiça: “1. ‘Com o advento da Lei n. 12.736/2012, o Juiz processante, ao proferir sentença condenatória, deverá detrair o período de custódia cautelar para fins de fixação do regime prisional. Forçoso reconhecer, ainda, que o § 2º do art. 387 do Código de Processo Penal não versa sobre progressão de regime prisional, instituto próprio da execução penal, mas, sim, acerca da possibilidade de se estabelecer regime inicial menos severo, descontando-se da pena aplicada o tempo de prisão cautelar do acusado. As alterações trazidas pelo diploma legal supramencionado não afastaram a competência concorrente do Juízo das Execuções para a detração, nos termos do art. 66 da Lei n. 7.210/1984, sempre que o Magistrado sentenciante não houver adotado tal providência’ (...). 2. Mostra-se irrelevante, na hipótese, a detração do tempo de prisão cautelar, nos termos do art. 387, § 2º, do CPP, tendo em vista que o regime prisional mais gravoso foi estabelecido em razão da reincidência do apenado. 3. Agravo regimental provido. Agravo conhecido para negar provimento ao recurso especial”. (AgRg no AREsp n. 2.037.116/SP, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª REGIÃO), Sexta Turma, julgado em 2/8/2022, DJe de 5/8/2022) – Grifei. “3. Na espécie, todavia, para o acusado, cuja pena se encontrava em patamar superior a 4 e não excedente a 8 anos de reclusão no momento da prolação do acórdão confirmatório da condenação, mostrava-se irrelevante o desconto do período em que permaneceu preso provisoriamente, nos termos do art. 387, § 2º, do CPP, porquanto o meio mais severo de cumprimento da reprimenda foi estabelecido em razão da gravidade concreta do delito, cometido em concurso de agentes (comparsaria) e mediante emprego de violência (e-STJ fls. 285/286), e não apenas do quantum de pena imposto”. (AgRg no AREsp n. 1.930.103/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 19/10/2021, DJe de 25/10/2021) – Destaquei. In casu, JEFERSON foi apenado com 05 (cinco) anos de reclusão e possui condenação definitiva pretérita, com trânsito em julgado anterior ao fato sub judice (PEP n.º 2000105-33.2024.8.11.0029), de modo que eventual desconto do período de prisão provisória seria irrelevante na fase de conhecimento e não ensejaria o abrandamento do regime inicial, já que o modo prisional mais gravoso se deveu à reincidência do apelante. Quanto ao regime eleito propriamente dito, é igualmente certo que, tratando-se de réu reincidente, sancionado com reprimenda fixada entre 04 (quatro) e 08 (oito) anos de reclusão, o regime inicial fechado para a expiação penal se apresenta escorreito e adequado, a despeito do quantum de pena, não havendo o que se falar em necessidade de detração ou modificação para o regime semiaberto. Nesse sentido posiciona-se este TJMT: “O réu reincidente, sancionado com pena superior a quatro anos, deve iniciar o cumprimento da reprimenda em regime fechado”. (N.U 1000009-05.2023.8.11.0018, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RONDON BASSIL DOWER FILHO, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 11/12/2024, Publicado no DJE 16/12/2024) – Destaquei. Ademais, não ignoro que a pena-base do réu foi fixada no mínimo legal, por ausência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, providência que não pode ser alterada nesta instância ad quem, ante a vedação à reformatio in pejus e impossibilidade de agravamento da pena em recurso exclusivo da defesa. Ainda assim, depreende-se do Processo Executivo de Pena que tramita em face de JEFERSON no SEEU (PEP n.º 2000105-33.2024.8.11.0029) que, além da condenação definitiva configuradora da sua reincidência (infração e trânsito em julgado anteriores aos fatos sub judice), o apelante ostenta também outra condenação, por infração anterior ao tráfico ora em apreço, com trânsito em julgado posterior, portanto, a apta a caracterizar maus antecedentes, o que corrobora ainda mais a adequação do regime inicial fechado eleito pelo juízo a quo. A propósito: “10. (...) ao réu reincidente, mostra-se irrelevante a pretendida detração do tempo de prisão provisória para fins de fixação do regime mais brando, porquanto já estabelecida a pena final em patamar não superior a 4 anos, tendo o regime fechado sido fixado diante da reincidência e da presença de circunstância judicial desfavorável, consubstanciada nos maus antecedentes”. (AgRg no HC n. 773.018/RJ, relator Ministro Carlos Cini Marchionatti (Desembargador Convocado TJRS), Quinta Turma, julgado em 13/5/2025, DJEN de 19/5/2025) – Destaquei. Por fim, pontue-se que o apelante JEFERSON possui outras condenações definitivas com reprimendas pendentes de resgate, e, conforme preconizado pelo art. 111 da L.E.P., nesses casos, as penas devem ser unificadas para fins de determinação do regime inicial de cumprimento, o que tonifica ainda mais a conclusão de que tal análise deve ser levada a efeito pelo Juízo da Execução. Assim sendo, incumbe ao Juízo da execução realizar a providência ora almejada, nos termos do art. 66, inc. III, alínea c, da L. E. P. 9. Do pedido de revogação da prisão preventiva: Por fim, o apelante JEFERSON busca a revogação da prisão preventiva e o direito de recorrer em liberdade, alegando que o juízo a quo manteve a segregação cautelar unicamente com esteio na gravidade abstrata do delito de tráfico, fundamentação que, por si só, não bastaria para justificar a custódia, impondo-se assim, na intelecção defensiva, a expedição do alvará de soltura, ainda que condicionada a medidas cautelares mais brandas. Sem razão. Infere-se da sentença que o carcer ad cautelam do recorrente foi mantido com fundamento no risco à ordem pública, aferido a partir da gravidade em concreto da conduta criminosa por ele perpetrada e da probabilidade de reiteração delitiva, ante a reincidência do agente (ID 265527916 - Pág. 9/12). Deveras, o Auto Circunstanciado de Busca e Apreensão e os Laudos de Constatação provisório e definitivo (ID 265527482 - Pág. 13/15, Pág. 48/50 e Pág. 74/79) atestam que JEFERSON foi preso em poder de 06 (seis) porções de maconha, com massa total de 28,07g (vinte e oito gramas, sete centigramas), e 16 (dezesseis) “pedras” de pasta-base de cocaína, cujo peso totalizava 8,13g (oito gramas, treze centigramas). Assim, além da diversidade de substâncias ilícitas difundidas pelo réu, uma das quais de elevado poder deletério à saúde humana, chama a atenção ainda a abrangência da disseminação ilícita praticada pelo acusado, já que os narcóticos estavam fracionados de um modo que possibilitaria alcançar dezenas de usuários. Outrossim, JEFERSON responde ao Processo Executivo de Pena n.º 2000105-33.2024.8.11.0029 (Sistema SEEU), no bojo do qual ostenta 02 (duas) condenações definitivas. Com efeito, na ação penal n.º 0001567-35.2019.8.11.0029, o apelante foi condenado pelo delito de falsidade ideológica, praticado no dia 17/04/2019, com trânsito em julgado em 09/08/2024; ao passo que, na ação penal n.º 1003657-98.2022.8.11.0059, foi condenado pelos crimes de tráfico de drogas, porte ilegal de arma de fogo, posse irregular de arma de fogo e embriaguez ao volante, perpetrados em 26/09/2022, com trânsito em julgado em 13/07/2023. Significa dizer que o apelante é portador de maus antecedentes e reincidente, tratando-se inclusive de reincidente específico no narcotráfico, particularidades concretas que indicam probabilidade de recalcitrância delitiva e, por conseguinte, perigo à ordem pública, justificando a manutenção da custódia cautelar. Em situações semelhantes, o e. STJ tem decidido que “como sedimentado em farta jurisprudência desta Corte, maus antecedentes, reincidência ou até mesmo outras ações penais ou inquéritos em curso justificam a imposição de segregação cautelar como forma de evitar a reiteração delitiva e, assim, garantir a ordem pública”. (RHC n. 156.048/SC, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 15/2/2022, DJe de 18/2/2022) – Grifei. Se não bastasse, o apelante permaneceu segregado pelo curso de toda a instrução criminal, particularidade que, por consectário lógico, obsta a possibilidade de recorrer em liberdade, especialmente diante do regime inicial fechado eleito na sentença e da subsistência dos requisitos ensejadores da prisão cautelar. A propósito: “Tendo o paciente permanecido preso durante toda a instrução processual, não deve ser permitido recorrer em liberdade, especialmente porque, inalteradas as circunstâncias que justificaram a custódia, não se mostra adequada a soltura dele depois da condenação em Juízo de primeiro grau”. (HC 533.433/MG, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 21/11/2019, DJe 03/12/2019) – Negritei. Em suma, estando demonstradas a efetiva necessidade e adequação da prisão preventiva como forma de assegurar a ordem pública, é de se considerar insuficientes, ineficazes e inadequadas as acautelatórias alternativas e mais brandas previstas no art. 319 do CPP, conforme a exegese do art. 282, §6.º, do CPP. Nesse sentido também orienta a jurisprudência do e. STJ: “6. É inviável a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, pois a gravidade concreta do delito demonstra serem insuficientes para acautelar a ordem pública”. (HC 664.175/GO, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 17/08/2021, DJe 27/08/2021) – Negritei. Com isso, mantém-se a prisão preventiva. CONCLUSÃO: Ante todo o exposto, conheço dos recursos de apelação criminal interpostos por ISMAEL APARECIDO DE OLIVEIRA, JEFERSON OLIVEIRA DE SOUSA e GUILHERME DE JESUS RODRIGUES. No mérito, NEGO PROVIMENTO às apelações de ISMAEL APARECIDO DE OLIVEIRA e de JEFERSON OLIVEIRA DE SOUSA e DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação de GUILHERME DE JESUS RODRIGUES, apenas para absolvê-lo do crime de lavagem de capitais (art. 1.º, §4.º, Lei n.º 9.613/1998), mantendo inalterada, nos demais termos, a r. sentença proferida pelo d. Juízo da Sétima Vara Criminal da Comarca de Cuiabá/MT na ação penal n.º 1005064-25.2024.8.11.0042 (“Operação Fuzarca”). É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 09/06/2025
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