Processo nº 8002630-85.2024.8.05.0146
ID: 316030310
Tribunal: TJBA
Órgão: 1ª V CÍVEL E DE REGISTROS PÚBLICOS DE JUAZEIRO
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 8002630-85.2024.8.05.0146
Data de Disponibilização:
04/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 1ª V CÍVEL E DE REGISTROS PÚBLICOS DE JUAZEIRO Processo: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL n. 8002630-85.2024.8.05.0146 Órgão Julgador: 1ª V …
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 1ª V CÍVEL E DE REGISTROS PÚBLICOS DE JUAZEIRO Processo: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL n. 8002630-85.2024.8.05.0146 Órgão Julgador: 1ª V CÍVEL E DE REGISTROS PÚBLICOS DE JUAZEIRO AUTOR: BARBARA ISADORA CAVALCANTI Advogado(s): REU: NU FINANCEIRA S.A. - SOCIEDADE DE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO Advogado(s): FLAVIA PRESGRAVE BRUZDZENSKY (OAB:BA14983) SENTENÇA Vistos, etc. BÁRBARA ISADORA CAVALCANTI, devidamente qualificada na exordial, por meio da DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DA BAHIA, propõe a presente AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, em face de NU FINANCEIRA S.A. - SOCIEDADE DE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (NUBANK), com o objetivo de suspender a cobrança de um valor referente a uma transação Pix via crédito, declarando a inexistência da dívida e pleiteando indenização por danos morais. Alega a demandante que, em 30 de janeiro de 2024, recebeu um e-mail com seus dados pessoais, informando sobre uma compra em processamento no valor de R$ 1.499,99. Menciona que o e-mail indicava um número 0800 para contato caso não reconhecesse a suposta compra. Acreditando que seu cartão havia sido clonado, a postulante ligou para o número indicado, sendo atendida por uma mulher que se identificou como preposta do requerido. A preposta informou que a demandante teria sido vítima de uma fraude e que seria necessário efetuar um protocolo para proteção e bloqueio da conta. Em seguida, a demandante foi instruída a inserir códigos recebidos via WhatsApp no aplicativo do Nubank, com o intuito de impedir a utilização de valores a título de empréstimo, cartão de crédito e saldo da conta. A requerente deixou disponível o saldo para compras no cartão de crédito, no importe de R$ 3.997,40, para que a suposta preposta realizasse o bloqueio e impedisse as tentativas de fraude. A acresce que foi informada de que sua conta estaria normalizada em até 72 horas. No dia seguinte à ligação, a autora percebeu que havia caído em um golpe. Imediatamente, contatou o Nubank e apresentou contestação de transferência Pix via crédito no valor de R$ 3.997,40. Ademais, a demandante também conseguiu bloquear, pelo aplicativo, uma solicitação de empréstimo ocorrida no mesmo dia e horário da transferência Pix. Posteriormente, a autora registrou um boletim de ocorrência. Informa que em 7 de fevereiro de 2024, recebeu a resposta do pedido de contestação, sendo comunicada de que o banco de destino não possuía mais saldo e que não seria possível devolver o valor. A demandante defende que os estelionatários possuíam seus dados pessoais, o que sugere falha na segurança do sistema do Nubank, caracterizando fortuito interno. Acresce que as operações financeiras realizadas, como a transferência Pix via crédito e a tentativa de empréstimo, eram atípicas em relação ao seu perfil de uso, já que nunca havia realizado tais transações em mais de seis anos de vínculo com o Nubank. A demandante fundamenta sua pretensão com os seguintes argumentos: (i) Aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que estabelece a responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços e o direito básico do consumidor à efetiva prevenção e reparação de danos; (ii) A Resolução nº 147 do Banco Central prevê o bloqueio cautelar de valores transferidos via Pix em caso de suspeita de fraude; (iii) A Súmula 479 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabelece a responsabilidade objetiva das instituições financeiras por danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias; (iv) Houve falha na segurança do sistema do Nubank, permitindo o acesso de estelionatários aos dados pessoais da autora e a realização de operações atípicas sem o devido bloqueio cautelar; (v) Negligência do réu em solucionar o problema administrativamente; (vi) O risco da atividade e a vantagem lucrativa das instituições financeiras, que facilitam a abertura de contas e disponibilizam créditos e transações de alto valor via aplicativo, implicam na responsabilidade em casos de fraude; (vii) Inversão do ônus da prova em favor do consumidor hipossuficiente; (viii) Dano moral configurado pelo transtorno, abalo emocional e psicológico sofridos pela autora em decorrência do golpe. Por fim, requer: (a) a concessão e confirmação da tutela de urgência antecipada para que o requerido se abstenha de cobrar o valor de R$ 4.336,17 referente à transação fraudulenta, com vencimento em 15 de março de 2024, e não inscreva a autora em cadastros restritivos de crédito, sob pena de multa diária; (b) a condenação do réu ao pagamento do dano material sofrido, no valor de R$ 4.336,17, com a declaração de inexistência da dívida; (c) a condenação do requerido ao pagamento de indenização por dano moral no valor de R$ 10.000,00; (d) a condenação do demandado ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de sucumbência no importe de 20% sobre o valor da causa, a ser revertido em favor da Defensoria Pública do Estado da Bahia. Deu à causa o valor de e R$ 14.333,17 (quatorze mil, trezentos e trinta e três reais e dezessete centavos) e instruiu a inicial com documentos. Através da decisão de ID 433539453 foi deferida a gratuidade da justiça e concedida a medida liminar, nos seguintes termos: Ante o exposto, sem adentrar no meritum causae e encontrando-se o pedido da parte autora, em parte, respaldo nas exigências do art. 84 do CDC e do art. 300 do CPC, DEFIRO a tutela de urgência requerida para determinar a suspensão da cobrança da fatura do valor transferido via "pix", cartão de crédito, no importe de R$ 4.336,17 (quatro mil, trezentos e trinta e seis reais e dezessete centavos), com vencimento para o dia 15 de março de 2024, referente à transação oriunda de suposto golpe, enquanto o feito estiver sob judice, não podendo, ainda, inscrever a autora em cadastros restritivos de crédito em razão do referido débito, sob pena de multa diária de R$ 200,00 (duzentos reais), limitada a R$ 10.000,00 (dez mil reais). A parte demandada ofereceu Contestação. Em sede preliminar a ré defende a ilegitimidade passiva do Nubank, sustentando que não contribuiu para os danos, tendo sido apenas o meio para a Demandante realizar as transações. Aduz que o golpe ocorreu por ligação feita pela própria Demandante, que não verificou a procedência do contato antes de realizar a movimentação. Punga pela revogação da medida liminar concedida, pois alega ausência de fundamento fático e jurídico para sua concessão, já que a transação foi realizada voluntariamente pela demandante, com aparelho autorizado e senha pessoal e intransferível. Por fim, suscita a impossibilidade de concessão dos benefícios da justiça gratuita e a rejeição da inversão do ônus da prova. No mérito, sustenta que: (i) não houve falha na prestação do serviço do Demandado, inexistindo nexo causal entre o serviço e o suposto dano; (ii) a Demandante assumiu o risco ao não conferir a veracidade do contato e realizar a transferência de forma voluntária, o que afasta a responsabilidade do Nubank; (iii) a transação foi realizada pelo próprio usuário, utilizando um aparelho previamente autorizado e confirmada com senha pessoal e intransferível de 4 dígitos; (iv) o Nubank possui mecanismos de segurança, como certificação de segurança no aplicativo e o recurso "Alô Protegido" para bloquear ligações falsas; (v) após o relato da Demandante, o Nubank abriu contestação pelo sistema do Mecanismo Especial de Devolução (MED) do Banco Central, mas a devolução não foi possível por ausência de saldo na conta recebedora; (vi) o contrato do Nubank, em sua cláusula 5ª "procedimentos de segurança", isenta a instituição de responsabilidade por transações que foram realizadas pelo consumidor e confirmadas mediante senha pessoal de 4 dígitos, pois apenas o titular da conta possui acesso à referida senha; (vii) o Nubank disponibiliza em seu site alertas de golpes e artigos com orientações sobre como os usuários devem se proteger; (viii) estão ausentes os danos morais, pois não houve ato do Nubank que maculasse a honra ou direito personalíssimo da Demandante, e o aborrecimento sofrido decorre da própria atitude da autora; (ix) inexiste danos materiais a serem restituídos, pois o Nubank não contribuiu para o fato e a devolução não foi possível por motivos alheios à sua vontade; (x) é impossível a inversão do ônus da prova; (xi) não deve ser concedida a assistência judiciária gratuita por ser a autora litigante de má-fé; (xii) descabem os pedidos de obrigação de fazer; (xiii) em caso de hipotética condenação, seja arbitrado o valor dos honorários advocatícios no percentual máximo de 10% sobre o valor da condenação. Por fim, pugna: (a) preliminarmente, pela extinção do processo sem resolução do mérito, devido à ilegitimidade passiva do Demandado; (b) acaso superada a preliminar, requer, no mérito, que seja a ação julgada totalmente improcedente. A peça de rebote veio acompanhada de documentos. A parte autora noticiou o descumprimento da liminar, juntando tela de negativação do seu CPF pelo demandado. Instada a se manifestar, a parte demandada requereu o indeferimento do pedido de tutela antecipada de urgência, devendo o feito prosseguir para ao final ser julgado improcedente. Em seguida a demandada, juntou documentos para buscar comprovar o cumprimento da liminar. A parte autora apresentou réplica. Instadas a informar outras provas a produzir, as partes mencionaram não possuir outras provas a serem produzidas, requerendo o julgamento antecipado da lide. Os autos vieram-me conclusos. É o que importar relatar. Decido. O feito comporta julgamento ante o desinteresse das partes na produção de outras provas (Art. 355 do CPC). Rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva suscitada pelo demandado. Evidente a legitimidade do réu. Na petição inicial, a autora descreveu fundamentação que estabeleceu uma relação de responsabilidade da instituição financeira ré por falhas na prestação de serviços bancários. Identificou uma relação jurídica controvertida com formulação de pedido (lógico e adequado) de indenização. É o bastante para aplicação da teoria da asserção e reconhecimento da presença daquela condição da ação, restando evidente que a discussão sobre a responsabilidade do banco réu diz respeito ao próprio mérito da ação. Assim, rejeito a preliminar. Em não havendo questões preliminares ou nulidades a serem sanadas, o feito comporta julgamento. Sem delongas, a pretensão autoral é procedente. Impende registrar que o cerne da controvérsia repousa na regularidade da transação questionada pela autora, refutada por esta e apontada como fraudulenta, em nexo de causalidade para com a falha na segurança do serviço bancário pela qual responde objetivamente o réu. Bem de ver que o réu apenas refuta genericamente a ausência de responsabilidade pelos danos experimentados pela autora, sem a menor preocupação em comprovar a regularidade da transação e de sua conduta, olvidando-se, pois, do ônus probatório que lhes pesa sobre os ombros. O golpe de que vitimada a autora foi perpetrado mediante contato levado a efeito em nome da instituição financeira ré, orientando a instalação de aplicativo e a realização de procedimentos em seu aparelho. Em seguida, foi efetuada transferências via PIX da conta da autora utilizando o limite do cartão de crédito, no valor de R$ 3.997,40. Não se controverte a dinâmica do contato assim levado a efeito em si, a desnudar o inaceitável conhecimento, por parte do agente fraudador, de dados pessoais sigilosos da parte autora, notadamente os relativos ao seu relacionamento com o banco réu. A este propósito, no caso dos autos, entretanto, os fraudadores demonstraram conhecer informações pessoais da vítima. Nota-se que se passaram por prepostos da requerida e que entraram em contato, munidos, inclusive, de informações bancárias da autora. Não há espaço para dúvidas de que o contexto fático subjacente ao litígio atrai a incidência das normas protetivas do CDC, presente a relação de consumo entabulada entre as partes, de há muito cristalizada pelo entendimento jurisprudencial, a teor da súmula 297 do E. Superior Tribunal de Justiça. Anotada a natureza consumerista do litígio, sobre os ombros do réu, em circunstâncias que tais, pesa o ônus da prova da higidez de sua conduta, cumprindo-lhe, pois, demonstrar cabalmente que as transações espúrias questionadas pela autora foram por ela efetivamente realizadas, e em seu proveito, o que não se verifica nos autos. Ora, em se tratando de hipótese na qual a deficiência do serviço prestado pelo fornecedor encerra o fundamento da responsabilidade civil passível de imputação, sobre os ombros do fornecedor pesa, ex vi legis , o ônus da prova da regularidade da prestação do serviço apontado como defeituoso, conforme emerge da cristalina dicção do artigo 14, § 3º, incisos I e II, do CDC. No exato sentido do que precede, confira-se o magistério de CHAVES, BRAGA NETTO e ROSENVALD, referenciado à responsabilidade objetiva do fornecedor, segundo o qual "... não cabe ao consumidor a prova do defeito inexistência do defeito. É o que deflui das disposições normativas do CDC que preveem que o fornecedor só não será responsabilizado se provar que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste (art. 12, § 3º); ou que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste (art. 14, § 3º). A prova da ausência do defeito, portanto, segundo expressa dicção legal, fica a cargo do fornecedor". Na expressão da jurisprudência: "O ônus da prova das excludentes da responsabilidade do fornecedor de serviços, previstas no art. 14, § 3º, do CDC, é do fornecedor, por força do art. 12, § 3º, também do CDC" (STJ-3a Turma, Resp 685662/RJ, rel. Min. Nancy Andrighi, v.u., j. 10/11/2005, DJ 05.12.2005 p. 323). No âmbito desta Corte Bandeirante, não com menos propriedade, confira-se a Apelação Cível nº 1006967-48.2015.8.26.0348, rel. Des. Fábio Tabosa, j. 19.2.2020, também a acentuar que o ônus da prova da ausência do defeito era do réu, "não por inversão, como incorretamente qualificado na sentença, mas por força de ônus originário, legalmente estipulado, nos termos do art. 12, § 3º, II, do CDC". A participação da autora no golpe de que foi vitimada, ao pressuposto de estar acessando o aplicativo do banco réu, invadido pelo agente fraudador, é juridicamente irrelevante, porque umbilicalmente vinculada e determinada pela falha na segurança do serviço bancário, claramente delineada nos autos, azo pelo qual de culpa exclusiva da vítima, ou mesmo de concorrência de culpas não se há cogitar no caso em apreço. Sob este enfoque, bem de ver que nada fez por comprovar o réu, como seria de se lhe exigir, no concernente à regularidade efetiva das operação questionada, limitando-se a invocar suposta infalibilidade do sistema, cuja utilização tem por pressuposto lançamento de senha de conhecimento exclusivo da autora e códigos de acesso. Realmente, se é certo que a regularidade da operação em questão pressupõe, a princípio, a utilização de senha de uso pessoal e intransferível, não menos certo é que não se pode ignorar a ação de vigaristas de plantão, não raro inseridos em meio aos próprios fornecedores de serviços, que sabidamente revelam-se experts em burlar com êxito tal sistemática, nisso residindo, precisamente, a deficiência do serviço bancário, por frustrar as legítimas expectativas dos consumidores, na segurança notoriamente propalada, não por menos expressamente afirmada nos autos. Tanto mais potencializado o dever de proteção que se impõe às instituições financeiras, em relação aos hipervulneráveis, como no caso da autora, onde a transação foge totalmente aos parâmetros de outras transações efetuadas. Bem a este propósito, como obtempera com particular acuidade CLÁUDIA LIMA MARQUES , "Efetivamente, e por diversas razões, há que se aceitar que o grupo dos idosos possui uma vulnerabilidade especial, seja pela sua vulnerabilidade técnica exagerada em relação a novas tecnologias (home banking, relações com máquina, uso necessário de internet, etc.); sua vulnerabilidade fática quanto à rapidez das contratações; sua saúde debilitada; a solidão de seu dia a dia, que transforma um vendedor de porta em porta, um operador de telemarketing, talvez na única pessoa com a qual tenham contato e empatia naquele dia; sem falar em sua vulnerabilidade econômica e jurídica, hoje, quando se pensa em um teto de aposentadoria único no Brasil de míseros 400 dólares para o resto da vida" ( "Comentários ao Código de Defesa do Consumidor", Ed. RT, 3a ed., p. 765). Dito de outra forma, o caso em apreço encerra exemplo clássico do quanto a não compreensão dos recursos tecnológicos pode se prestar a ser explorada pelos vigaristas de plantão na implementação dos golpes. Nesse exato sentido, percucientes as luzes lançadas sobre o tema por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 557.030-RJ, relatora a Ministra NANCYANDRIGHI, ao pronunciar expressamente a susceptibilidade do sistema a falhas que não podem, à evidência, resvalar os direitos dos consumidores, presente o risco da atividade inerente às instituições financeiras. No âmbito do E. Superior Tribunal de Justiça, nessa linha de ideias, sobreveio a consolidação do entendimento jurisprudencial na Súmula nº 479: "As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito das operações bancárias". Trata-se de conferir adequada distribuição dos riscos sociais, inerentes à atividade bancária, cujos estratosféricos lucros, é perfeitamente razoável exigir, sejam ao menos em parte destinados ao aprimoramento dos serviços, cuja insegurança não se concebe resvale nos direitos patrimoniais e extrapatrimoniais de seus clientes, como diariamente se constata no dia a dia forense. É perfeitamente legítimo a autora esperar, como qualquer consumidor, que a instituição financeira cujos serviços contrata esteja adequadamente aparelhada à proteção de seus interesses, inclusive contra as conhecidas fraudes e operações espúrias, sob os mais diversos matizes, de todos conhecidas nas operações bancárias, por isso mesmo, perfeitamente previsíveis. Daí a caracterização de ato ilícito a deflagrar a responsabilidade objetiva de que se cogita na espécie, não comportando cabida, em absoluto, a invocação da excludente de responsabilidade por culpa exclusiva da autora ou de terceiro, ou mesmo culpa concorrente, em detrimento do risco inerente à atividade empresarial do réu. Evidentemente, a autora não poderia ser obrigada a fazer prova de fatos negativos, de sorte que somente o réu teria condições de comprovar a regularidade da operação questionada (CPC, art. 333, inciso II), ônus este do qual nem de longe logrou se desincumbir, circunstância a determinar a inafastável procedência do pedido de reparação dos prejuízos materiais experimentados, mercê do incontroverso contexto sugestivo de falha na prestação do serviço, sob o enfoque da segurança que dele legitimamente se poderia esperar, notadamente sob a ótica do presumível vazamento de dados sigilosos. Inviável, nesse contexto, cogitar-se de fortuito externo ou culpa exclusiva da vítima, como pretende a instituição financeira ré, tendo em vista que, ainda que a fraude se tenha iniciado por ação de terceiro, contando com a contribuição da autora ao não se atentar às recomendações de segurança divulgadas a esse respeito, não haveria sucesso dos fraudadores, caso o banco réu tivesse cumprido o dever contratual de prevenção de fraudes, a lhe pesar sobre os ombros. Não é outra a orientação jurisprudencial, a exemplo do que se colhe dos expressivos precedentes persuasivos abaixo: AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. APELAÇÃO DO RÉU PARCIALMENTE PROVIDA CONSUMIDOR. FRAUDE. TRANSFERÊNCIA DE VALORES. FALHA NO SISTEMA DE SEGURANÇA. GOLPE DA "FALSA CENTRAL DE ATENDIMENTO" DANOS MORAIS RECONHECIDOS. VALOR DA INDENIZAÇÃO REDUZIDO. Ação de indenização julgada procedente. Recurso do banco réu. Primeiro, reconheço a falha na prestação dos serviços pelo réu. Responsabilidade do banco réu ao permitir acesso dos criminosos aos dados do autor, de modo a entrarem em contato via telefone e, por consequência, obterem êxito na concretização do ato ilícito. Falha também na parte interna da central de atendimento. O golpe somente ocorreu porque o autor buscou contato com o telefone disponibilizado pela própria ré. O caso revelou-se peculiar no ponto que o falsário não informou um número telefônico falso para a vítima. Criou-se um cenário de segurança ao consumidor, pois entraria em contato direto com a central de atendimento, sem redirecionamento. Esse fato deu início à fraude nexo. Caracterização de fato do serviço, nos termos do artigo 14 do CDC. Transações que se mostraram suspeitas, notadamente pelo fato de terem sido realizadas sequencialmente e em valores altos. Perfil notoriamente desviado. Contratações e transações que deveriam ter sido constatadas e impedidas pelo setor de fraude do banco réu. Súmula nº 479 do STJ. Precedentes da Turma Julgadora. E segundo, reconheço a ocorrência de dano moral, mas com redução do valor da indenização. O consumidor experimentou dissabores, transtornos e aborrecimentos advindos não somente da falta de segurança do sistema bancário, mas também do atendimento inadequado recebido. Mesmo em Juízo, o banco réu insistiu numa versão (sem qualquer indício) da participação no evento danoso. Indenização dos danos morais reduzida de R$ 25.000,00 para R$ 10.000,00 (dez mil reais), parâmetro este ajustado para singularidades do caso concreto, razoável e admitido por esta Turma julgadora em casos semelhantes. A quantia atenderá as funções compensatória (principal) e inibitória (secundária), concretizando-se o direito básico do consumidor. Ação julgada parcialmente procedente em menor extensão em segundo grau. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO DO RÉU PARCIALMENTE PROVIDO (TJSP, apelação nº 1002423- 94.2021.8.26.0125, 12a Câmara de Direito Privado, rel. Des. Alexandre David Malfatti, j.04.07.2023). RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. FRAUDE BANCÁRIA. "Golpe do falso funcionário". Reconhecimento de inexigibilidade do lançamento e restituição de valores. Insurgência pelo banco. Descabimento. Responsabilidade objetiva do banco. Comportamento pouco diligente do consumidor que não afasta a responsabilidade do banco sob o aspecto da segurança, uma vez que a transação impugnada não guardava coerência com seu perfil de movimentação, devendo ser objeto de averiguação antes de sua liberação. Falha do banco que é preponderante para o resultado danoso, a afastar a culpa exclusiva. Inexigibilidade dos lançamentos e dever de restituição dos valores que se mantém. Recurso desprovido (TJSP; Recurso Inominado Cível 0002327-31.2023.8.26.0609; Relator (a): Mariella Ferraz de Arruda Pollice Nogueira - Colégio Recursal; Órgão Julgador: 1a Turma Recursal Cível; Foro de Taboão da Serra - Vara do Juizado Especial Cível e Criminal; Data do Julgamento: 11/10/2023; Data de Registro: 11/10/2023) Contrato bancário. Transações bancárias não reconhecidas pela consumidora. Fraude perpetrada por terceiros. Golpe conhecido como "falso funcionário" ou "Falsa Central". Consumidora que é orientada pela falsa central a confirmar dados, acessar aplicativos e/ou digitar senhas. Culpa exclusiva da vítima. Inocorrência. Conduta da parte autora que não destoou da diligência esperada do homem médio. Inteligência do art. 14, § 1º do CDC. Dever de oferecer sérvios seguros - Banco que não empregou meios suficientes para impedir a ocorrência da fraude. Alertas da possibilidade de golpe que não foram feitos durante os procedimentos. Falta de provas de que as companhas publicitárias e jornalísticas alcançaram a consumidora. Aplicação da Súmula nº 479 do C. STJ. Opção de serviços virtuais que trazem consigo o aumento da insegurança ou fragilidade para o consumidor - limites pré aprovados que facilitam os fraudadores - Transações realizadas pelos fraudadores em valores fora do perfil das transações costumeiramente realizadas pela parte autora, inclusive com contratação de empréstimos e uso de limites. Nulidade das transações impugnadas, restituição dos respectivos valores. Danos morais caracterizados consumidora que tinha histórico de conta bancária com saldo positivo e que passou a enfrentar dívidas. Valor que atende à razoabilidade e proporcionalidade Sentença mantida. RECURSO DESPROVIDO (TJSP; Recurso Inominado Cível 1028508-19.2022.8.26.0405; Relator (a): Luciano Antonio de Andrade; Órgão Julgador: Turma Cível e Criminal; Foro de Osasco - 1a Vara do Juizado Especial Cível; Data do Julgamento: 27/09/2023; Data de Registro: 28/09/2023) Note-se que o regime da responsabilidade objetiva agravada, em que a culpa como e enquanto nexo de imputação é exigência excepcional, toma por base o risco carreado a quem possui maiores condições de o prever e diluir. Afinal, a instituição financeira tem o dever de gerir com segurança suas operações, dever este a toda evidência cristalinamente inalcançado no caso sub judice. O notório fracasso das instituições financeiras nesta esfera de atuação, apesar do reconhecido esforço empreendido, traduz impotência que potencializa a sujeição dos consumidores de seus serviços a graves riscos de toda sorte, pelos quais a responsabilidade objetiva é chamada a atuar. Para além de tudo o quanto ponderado, insta destacar que a operação impugnada, foi realizada em valores não compatíveis com o perfil de consumo da autora, contexto a corroborar a clara falha na prestação do serviço, haja vista consubstanciar movimentação atípica. O bloqueio de transações atípicas, dissonantes do perfil do consumidor é ônus imbricado à obrigação de segurança, irrefutável, traduzindo conduta contrastante com a diretriz da boa-fé objetiva a recusa de sua assunção pela instituição financeira. Neste cenário, devida a reparação pelo dano material experimentado, sendo a condenação do réu à exclusão dos valores da transação fraudulenta da fatura do cartão crédito, pois, medida de rigor. Lado outro, tenho para mim que a hipótese fática subjacente ao litígio permite identificar concreta afetação da esfera extrapatrimonial da consumidora autora, claramente lesada pelo ato ilícito perpetrado pelo réu em não oferecer a segurança esperada de seus serviços, assim como a negativa em suspender a cobrança do valor indevidamente cobrado. Tem-se presente que o dano moral, em circunstâncias que tais, prescinde de comprovação, vez que ele não se apresenta de forma corpórea, palpável, visível ou material, sendo, pelo contrário detectável tão somente de forma intuitiva, sensível, lógica e perceptiva. Por isso se diz que ele é evento ipso facto em relação à conduta ilegal. Tendo-se assim por caracterizado o dano moral infligido à autora, na difícil tarefa de proceder ao adequado arbitramento da indenização a tal título, insta considerar que a eficácia da contrapartida pecuniária está na aptidão para proporcionar tal satisfação em justa medida; de modo que tampouco signifique enriquecimento despropositado da vítima; mas está também em produzir no agressor, impacto bastante para persuadi-lo a não perpetrar novo atentado. Trata-se então, de uma estimação prudencial, que não dispensa sensibilidade para as coisas da dor e da alegria ou para os estados d'alma humana, e que, destarte, deve ser feita pelo mesmo Juiz, ou, quando não, por outro jurista - inútil por em ação a calculadora do técnico em contas ou em economia. Inegável reconhecer que a reparação constitui, em princípio, uma sanção, e quando esta é de somenos, incorpora aquilo que se denomina risco da atividade, gerando a tão decantada impunidade. Se assim o é, tendo como caracterizado o dano moral, e procedendo a convergência dos caracteres consubstanciadores da reparação a tal título, quais sejam, o dissuasório, para que o causador do dano, pelo fato da condenação, se veja desestimulado da prática de novo atentado, e o compensatório para a vítima, que receberá uma soma de dinheiro hábil a lhe proporcionar uma contrapartida pelo mal sofrido, tenho por adequado o arbitramento da indenização no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Por fim, em relação ao suposto descumprimento da liminar, reservo-me a manifestação sobre a sua incidência e o seu montante em eventual cumprimento de sentença. Ante o exposto e considerando o que consta dos autos julgo procedentes os pedidos autorais, dando por resolvido o mérito da demanda, nos termos do art. 487, I, do CPC, para: (a) rejeitar a preliminar de ilegitimidade passiva; (b) confirmar a tutela de urgência deferida; (c) condenar o réu em dano material, concernente em excluir da fatura do cartão de crédito da autora o valor da transação impugnada, no montante inicial de R$ 4.336,17, com a declaração de inexistência da dívida; (d) condenar o requerido ao pagamento de indenização por dano moral, na cifra de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), devidamente atualizada pelo IPCA a partir do presente arbitramento e com juros de mora pela Tala Selic abatido o IPCA do período, a partir do evento danoso. Condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e em honorários advocatícios, na proporção de 15% (quinze por cento) sobre o montante da condenação (R$ 9.336,17). Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se, servindo-se a presente de mandado. Juazeiro-BA, Data da Assinatura Eletrônica. Documento assinado digitalmente, nos termos da Lei nº 11.419/2006. Adrianno Espíndola Sandes Juiz de Direito
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