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Eduardo Arruda Camara e outros x T4F Entretenimento S.A.

ID: 293970965

Tribunal: TJPE Órgão: Seção B da 7ª Vara Cível da Capital Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 0002563-56.2025.8.17.2001

Data de Disponibilização: 10/06/2025

Polo Ativo:

EDUARDO ARRUDA CAMARA L. D. B. A. C. VIVIANE LOPES DE BRITO

Polo Passivo:

T4F ENTRETENIMENTO S.A.

Sentença (Outras)

Advogados:

PATRICIA MARTINS DOS SANTOS MAXIMO BARCELLOS

OAB/RJ XXXXXX Desbloquear

ANA CAROLINA DO REGO COSTA FERRAZ

OAB/PB XXXXXX Desbloquear

ANA CAROLINA DO REGO COSTA FERRAZ

OAB/PB XXXXXX Desbloquear

ANA CAROLINA DO REGO COSTA FERRAZ

OAB/PB XXXXXX Desbloquear

Tribunal de Justiça de Pernambuco Poder Judiciário Seção B da 7ª Vara Cível da Capital Avenida Desembargador Guerra Barreto - Fórum do Recife, S/N, Ilha Joana Bezerra, RECIFE - PE - CEP: 50080-900 - … Tribunal de Justiça de Pernambuco Poder Judiciário Seção B da 7ª Vara Cível da Capital Avenida Desembargador Guerra Barreto - Fórum do Recife, S/N, Ilha Joana Bezerra, RECIFE - PE - CEP: 50080-900 - F:(81) 31810373 Processo nº 0002563-56.2025.8.17.2001 AUTOR(A): L. D. B. A. C., VIVIANE LOPES DE BRITO, EDUARDO ARRUDA CAMARA RÉU: T4F ENTRETENIMENTO S.A. SENTENÇA EMENTA: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. AÇÃO INDENIZATÓRIA. CANCELAMENTO DE ESPETÁCULO MUSICAL, DENOMINADO "THE ERAS TOUR. TAYLOR SWIFT" CAUSADO POR CONDIÇÕES METEOROLÓGICAS EXTREMAS. TEMPORAIS DE CHUVAS, ALERTA DE “GRANDE PERIGO”. FATO PÚBLICO E NOTÓRIO. PRÁTICA DE BOA-FÉ PELA ORGANIZADORA DO EVENTO COM O REEMBOLSO DOS BILHETES DE INGRESSOS. EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE. CONFIGURAÇÃO DE CASO FORTUITO EXTERNO. IMPROCEDÊNCIA. I – PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA – REJEIÇÃO Presente a legitimidade passiva da empresa organizadora do evento, que se apresenta ao público como promotora do espetáculo e assume a titularidade da prestação de serviço perante os consumidores. Aplicação da teoria da aparência nas relações de consumo. Inteligência dos arts. 7º, parágrafo único, e 18 do CDC. II – PREJUDICIAL DE DECADÊNCIA – REJEIÇÃO A pretensão indenizatória por falha na prestação do serviço não se submete ao prazo decadencial do art. 26 do CDC, aplicável a vícios aparentes, mas sim ao prazo prescricional de cinco anos previsto no art. 27 do CDC, por se tratar de defeito do serviço decorrente de cancelamento de espetáculo previamente contratado. III – MÉRITO – IMPROCEDÊNCIA 1. Cancelamento de show da turnê “The Eras Tour”, ocorrido no dia 18/11/2023, no Estádio Nilton Santos – Engenhão, em razão de condições meteorológicas extraordinárias, com alerta oficial de “grande perigo” emitido por órgãos técnicos e sensação térmica recorde acima de 58°C, fator que representa risco à saúde pública. 2. Ocorrência de fato público e notório, nos termos do art. 374, I, do CPC, corroborado por registros jornalísticos e boletins oficiais, dispensando produção de prova adicional. 3. Responsabilidade objetiva do fornecedor nos termos do art. 14 do CDC, com previsão de excludente quando demonstrado caso fortuito externo, imprevisível e inevitável, alheio ao exercício da atividade econômica e incompatível com o dever de previsibilidade. 4. A ré agiu com diligência ao cancelar o evento, adotando medidas de precaução orientadas por princípios da boa-fé, da proteção à saúde e da função social do contrato, inclusive reembolsando integralmente os valores pagos pelos ingressos, afastando a configuração de defeito do serviço. 5. Ausente nexo de causalidade entre a conduta da ré e os prejuízos alegados, inviável a condenação por danos materiais ou morais. Precedentes do TJSP e STJ sobre caso fortuito externo e eventos climáticos extremos. 6. Pedidos que se julgam improcedentes. Vistos etc. Trata-se de ação de indenização por danos morais e materiais ajuizada por LAIS DE BRITO ARRUDA CÂMARA, menor púbere, representada por sua genitora VIVIANE LOPES DE BRITO ARRUDA CÂMARA, conjuntamente com esta e com EDUARDO ARRUDA CÂMARA, em face de T4F ENTRETENIMENTO S.A., empresa responsável pela produção do espetáculo musical “The Eras Tour”, da artista Taylor Swift, inicialmente agendado para o dia 18 de novembro de 2023, no Estádio Nilton Santos (Engenhão), na cidade do Rio de Janeiro/RJ. Aduzem os autores que a aquisição dos ingressos VIP e toda a logística da viagem foram cuidadosamente planejadas como uma forma de presente de aniversário à primeira promovente, admiradora da artista e aniversariante do mês. Por residirem em Recife/PE, os autores narram que tiveram de arcar com despesas de passagens aéreas e hospedagem, que totalizaram R$ 7.658,08, sendo R$ 2.382,42 com hospedagem (Airbnb) e R$ 5.275,66 com passagens, valores estes devidamente comprovados nos autos. Relatam que se dirigiram ao local do evento no dia marcado, enfrentando longas filas sob calor extremo e sem estrutura adequada para proteção climática. Apesar de, no dia anterior (17/11/2023), uma fã ter falecido por exaustão térmica no mesmo local, o show do dia 18 foi mantido até o início da noite, vindo a ser cancelado abruptamente apenas duas horas antes de sua realização, o que gerou surpresa, indignação e frustração, sobretudo à menor. Além do cancelamento tardio, alegam que houve falta de assistência e ausência de medidas de segurança, culminando em um arrastão e tiroteio nas dependências do estádio, conforme registrado em matérias jornalísticas acostadas aos autos. Sustentam que, embora o valor dos ingressos tenha sido restituído, os demais prejuízos materiais e morais não foram reparados. Alegam a incidência do Código de Defesa do Consumidor, com fundamento na responsabilidade objetiva da ré, nos termos do art. 14 do CDC, bem como nos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil, argumentando que houve falha grave na prestação do serviço. Mencionam, ainda, a teoria do desvio produtivo do consumidor e a necessidade de indenização punitiva e pedagógica, a fim de desestimular práticas semelhantes. Por fim, requerem: (a) a citação da parte ré para, querendo, apresentar resposta, sob pena de revelia e confissão; (b) a condenação da demandada ao pagamento de R$ 7.658,08 a título de danos materiais, com correção monetária desde o desembolso e juros de mora desde a citação; (c) a condenação da ré ao pagamento de R$ 15.000,00 a título de danos morais, também com correção monetária e juros legais; (d) a inversão do ônus da prova, com fundamento no art. 6º, VIII, do CDC, em razão da hipossuficiência técnica dos consumidores; (e) a condenação da ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em 20% sobre o valor da condenação; e (f) a produção de todas as provas em direito admitidas, especialmente a prova documental e testemunhal. A parte ré, T4F ENTRETENIMENTO S.A., apresentou contestação (ID nº 195443126), suscitando, inicialmente, preliminar de ilegitimidade passiva, sob o argumento de que a organização, realização e promoção do evento “The Eras Tour”, ocorrido na cidade do Rio de Janeiro, em novembro de 2023, não teria sido de sua responsabilidade direta, mas sim da empresa T4F Ingressos S.A., à qual caberia a gestão dos ingressos e da estrutura da apresentação. Sustenta, assim, que não poderia figurar no polo passivo da presente demanda, por ausência de vínculo contratual com os autores. Em seguida, alegou a ocorrência de decadência, sustentando que a hipótese versaria sobre vício do serviço, nos termos do art. 26, I, do CDC, o que atrairia o prazo decadencial de 30 dias, supostamente já escoado quando do ajuizamento da demanda, razão pela qual pugna pelo reconhecimento da extinção do direito de ação. No núcleo do mérito, argumenta que o cancelamento do espetáculo ocorrido no dia 18 de novembro de 2023 decorreu de força maior, diante de alerta extremo de calor expedido pelo Instituto Nacional de Meteorologia, o qual previa riscos relevantes à saúde da população. Sustenta que a decisão de cancelamento foi responsável e motivada por razões de segurança e proteção à integridade dos consumidores, em especial após os incidentes do dia anterior. Defende, portanto, a ausência de ilicitude ou negligência, alegando que atuou com diligência ao suspender o evento diante das condições climáticas severas. Ressalta que providenciou o imediato reembolso do valor dos ingressos, demonstrando boa-fé e respeito ao consumidor. Alega que não poderia ser responsabilizada por eventuais despesas paralelas com transporte e hospedagem, as quais não compunham o objeto da relação jurídica estabelecida, tratando-se de escolhas pessoais dos consumidores, sem previsão contratual de restituição. Impugna a pretensão de indenização por danos morais, sustentando a inexistência de ato ilícito, bem como a ausência de prova de sofrimento concreto ou violação de direitos da personalidade. Argumenta que a frustração de expectativas, por si só, não configura abalo moral indenizável, notadamente em se tratando de evento de entretenimento. Cita precedentes jurisprudenciais em apoio à tese de mero aborrecimento. Por fim, requer: o acolhimento da preliminar de ilegitimidade passiva e, caso superada, a total improcedência dos pedidos formulados na inicial, com a condenação dos autores ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, na forma da lei. Sob ID nº 198330576, os autores apresentaram réplica à contestação, na qual impugnaram expressamente a prejudicial de decadência, sustentando que o caso versa sobre defeito na prestação do serviço — e não mero vício — razão pela qual se aplica o prazo prescricional de cinco anos, previsto no art. 27 do CDC, e não o prazo decadencial de trinta dias do art. 26. Rejeitaram, ainda, a alegação de fortuito externo, afirmando que o cancelamento do show, ocorrido apenas duas horas antes do início previsto, decorreu de falha interna de planejamento e gestão da ré, não se tratando de fato imprevisível e inevitável. Reafirmaram a responsabilidade objetiva da ré, nos termos do art. 14 do CDC, e defenderam que, além do valor dos ingressos, os danos materiais relacionados à viagem e hospedagem devem ser integralmente ressarcidos. Quanto aos danos morais, sustentaram estarem evidenciados diante da frustração, exposição a condições insalubres e abalo emocional sofrido pelos autores, sobretudo pela menor, reiterando a procedência integral da demanda. Seguiu-se despacho de ID nº 199126379, indagando os contendores sobre interesse na autocomposição e/ou na dilação probatória. Ainda, fora invertido o ônus da prova em desfavor da empresa demandada. Em resposta, ambos os contendores pugnaram pelo julgamento antecipado da lide (petições de ID nº 199825844 e 201941340). Houve alegações finais reiterativas. Do que importa, é o relato. Decido. I – DA PRELIMINAR E DA PREJUDICIAL DE MÉRITO Rejeita-se, de plano, a preliminar de ilegitimidade passiva arguida pela ré. A empresa T4F ENTRETENIMENTO S.A. ostenta legitimidade para figurar no polo passivo da demanda, na medida em que se apresenta ao público como responsável pela realização e promoção do evento em questão, conforme amplamente divulgado em peças publicitárias e nos canais oficiais da turnê. Ainda que haja eventual atuação de outra empresa do mesmo grupo econômico, tal circunstância não afasta a legitimidade da demandada para responder pelos efeitos da prestação do serviço, sobretudo à luz da teoria da aparência, amplamente acolhida na seara consumerista. A existência de vínculo jurídico entre os autores e a ré, ainda que por via reflexa, é suficiente para sustentar sua presença na relação processual, nos termos dos arts. 7º, parágrafo único, e 18 do CDC. Também não prospera a prejudicial de decadência, suscitada com base no art. 26, I, do CDC. O objeto da demanda não diz respeito a vício de qualidade do serviço, mas sim à ocorrência de defeito na prestação (fato do serviço), consubstanciado no cancelamento abrupto do espetáculo poucas horas antes de sua realização, sem a devida organização para reacomodação dos consumidores ou comunicação tempestiva. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica ao distinguir vício de defeito, sendo certo que este último atrai a incidência do prazo prescricional de cinco anos, previsto no art. 27 do CDC, contados a partir do conhecimento do dano e de sua autoria. Confira-se: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. RESPONSABILIDADE PELO FATO DO PRODUTO E DO SERVIÇO. RESCISÃO CONTRATUAL. REVISÃO. PRETENSÃO DE REEXAME DA CAUSA. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7 DO STJ. DEFEITO DE SEGURANÇA. PRAZO PRESCRICIONAL. QUINQUENAL. QUANTUM INDENIZATÓRIO. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. PRETENSÃO DE REEXAME DA CAUSA. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7 DO STJ. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO NCPC. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADO. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. A alteração das conclusões do acórdão recorrido exige reapreciação do acervo fático-probatório da demanda, o que faz incidir o óbice da Súmula n. 7 do STJ. 2. Nos termos da jurisprudência desta Corte, consoante o disposto no art. 27 do CDC, a pretensão de reparação de danos causados por fato do produto ou do serviço se submete ao prazo de prescrição quinquenal, contado a partir do conhecimento do dano e de sua autoria. Precedentes. (...) 7. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp n. 2.389.675/BA, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 2/9/2024, DJe de 4/9/2024.) No caso dos autos, a ação foi proposta dentro desse interregno legal, inexistindo qualquer causa extintiva do direito material alegado. Dessa forma, rejeitam-se a preliminar de ilegitimidade passiva e a prejudicial de decadência, prosseguindo-se ao exame do mérito. Excelente. Atendendo às suas diretrizes, segue a fundamentação do mérito reformulada, com densidade argumentativa ampliada, linguagem assertiva, culta e técnica, aprofundando a análise da exclusão de responsabilidade civil diante do caso fortuito externo. O texto mantém a estrutura que você previu: sinopse fática, incidência do CDC, análise das provas e reconhecimento do fato notório, encerrando com dissertação exauriente sobre a exclusão de responsabilidade civil. II – DO MÉRITO 1. Sinopse fática A controvérsia instaurada nos presentes autos refere-se ao cancelamento do espetáculo musical “The Eras Tour”, da cantora internacional Taylor Swift, cuja apresentação estava programada para o dia 18 de novembro de 2023, na cidade do Rio de Janeiro, mais precisamente no Estádio Nilton Santos – Engenhão. Os autores alegam que se deslocaram desde a cidade de Recife/PE até a capital fluminense, arcando com despesas de passagens e hospedagem, além do custo dos ingressos, com o objetivo de assistir ao evento como forma de celebrar o aniversário da primeira promovente, menor de idade. Ocorre que, conforme amplamente noticiado na imprensa e reconhecido pela própria ré, o evento foi cancelado poucas horas antes de seu início, quando o estádio já se encontrava ocupado por parcela significativa do público. A justificativa oficial, acolhida por autoridades sanitárias e meteorológicas, foi a ocorrência de uma onda de calor extremo, com alertas oficiais de nível vermelho (“grande perigo”), emitidos pelo Instituto Nacional de Meteorologia e repercutidos pela Defesa Civil do Estado do Rio de Janeiro, recomendando a suspensão de atividades ao ar livre, em especial com grandes aglomerações. A empresa ré, T4F ENTRETENIMENTO S.A., reconheceu o cancelamento, mas sustentou que agiu motivada por imperativo de segurança e de preservação da saúde dos espectadores, especialmente diante do falecimento de uma jovem ocorrido no dia anterior (17/11/2023), durante show da mesma turnê, e sob as mesmas condições climáticas. Alegou, ainda, que procedeu ao reembolso integral dos ingressos, não tendo contribuído para qualquer agravamento do cenário adverso enfrentado. 2. Da incidência do Código de Defesa do Consumidor A relação jurídica estabelecida entre as partes ostenta natureza inequivocamente consumerista, nos termos dos arts. 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90). Os autores se enquadram na definição legal de consumidores, enquanto destinatários finais do serviço, e a parte ré figura como fornecedora, por organizar e promover evento de entretenimento mediante remuneração, o que atrai a aplicação do microssistema protetivo consumerista. Nos termos do art. 14 do CDC, o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, assim entendidos como aqueles que não oferecem a segurança que deles se espera, ou que frustram de forma injustificável a expectativa legítima do consumidor. Todavia, o §3º do mesmo artigo prevê causas de excludente de responsabilidade, dentre as quais se destaca a ocorrência de caso fortuito ou força maior, desde que demonstre o fornecedor que o dano não lhe é imputável e que envidou os esforços cabíveis para evitar ou mitigar os efeitos do evento danoso. 3. Da análise das provas e da notoriedade das condições meteorológicas extremas A prova documental carreada aos autos, em especial pela parte ré, indica de forma consistente que a cidade do Rio de Janeiro enfrentava, na data de 18/11/2023, uma crise térmica sem precedentes, com registros oficiais de temperatura real acima de 42ºC e sensação térmica superior a 58ºC, conforme boletins meteorológicos emitidos pelo INMET e pela Defesa Civil Estadual. Além disso, os autos estão guarnecidos com cópias de reportagens de grande circulação (como G1, O Globo e CNN Brasil) e comunicados oficiais da organização do evento, os quais detalham a elevada taxa de risco à saúde pública, sobretudo em ambientes de multidão. Não se trata, pois, de alegação genérica ou subjetiva. A condição meteorológica extrema do dia 18/11/2023 é fato público e notório, abrangido pela regra do art. 374, I, do CPC, e que independe de comprovação formal. A excepcionalidade do calor foi objeto de ampla difusão social, com repercussão imediata sobre o cotidiano da população carioca, tendo ocasionado inclusive alteração de rotinas escolares e administrativas, suspensão de atividades físicas em locais abertos e lotação de prontos-socorros por desidratação e mal-estar térmico. A organização do evento, diante desse cenário e da trágica morte de uma fã ocorrida na noite anterior, assumiu postura de prudência, optando pelo cancelamento do espetáculo com base em orientação técnica, apesar de todos os custos e riscos reputacionais envolvidos. Não se verifica nos autos qualquer elemento que revele negligência, imprudência ou omissão deliberada por parte da ré. Ao contrário: a empresa comunicou o cancelamento, reembolsou os consumidores pelo valor dos ingressos e atuou orientada pelo princípio da precaução, previsto no art. 6º, inciso I, do CDC, bem como pelo princípio da boa-fé objetiva (art. 422 do Código Civil). 4. Da exclusão de responsabilidade civil – Caso fortuito externo A responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços não é absoluta, tampouco ilimitada. Como consagra o §3º do art. 14 do CDC, o fornecedor poderá eximir-se de responder pelos danos quando demonstrar que estes decorreram de fatores alheios à sua esfera de controle, como o caso fortuito externo ou força maior. No caso em tela, verifica-se a presença dos três elementos essenciais à configuração do caso fortuito excludente de responsabilidade: Imprevisibilidade: Ainda que previsões meteorológicas anunciassem altas temperaturas, a intensidade do calor naquele dia superou todas as médias históricas já registradas no mês de novembro na capital fluminense, impondo um quadro fático extraordinário e fora dos parâmetros de normalidade. Inevitabilidade: Não havia como a ré, com os recursos disponíveis, neutralizar ou impedir os efeitos diretos do calor sobre o público. A substituição da estrutura física, mudança de local, ou redistribuição da data, no curtíssimo prazo, seriam inviáveis ou contraproducentes. Inexigibilidade de conduta diversa: Diante da notória situação de risco, especialmente após a morte de uma espectadora, qualquer outra decisão senão o cancelamento comprometeria frontalmente o dever de cuidado e segurança do fornecedor, afrontando princípios constitucionais como o da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88) e o da precaução nas relações de consumo. A jurisprudência já reconhece, em hipóteses similares, que fenômenos climáticos extremos, quando imprevisíveis e incontroláveis, configuram excludente de responsabilidade civil objetiva, desde que o fornecedor demonstre ter atuado com presteza, diligência e boa-fé. Se não, confira-se o seguinte precedente envolvendo o mesmo cenário dos autos: Prestação de serviços. Entretenimento. Evento musical. Adiamento do espetáculo, em virtude de condições climáticas extremas, para dois dias depois. Autores que não questionam a causa do adiamento em si, ou o fato de ter sido feito por razões de segurança, para preservação do público frequentador. Eventos climáticos que não constituem fortuito interno, mas externo, não se inserindo, em absoluto, nos riscos naturalmente assumidos pelos organizadores do show. Fator totalmente imprevisível e inevitável. Devolução do valor pago com os ingressos que foi efetuada pela ré, e que se deve não à consideração de falha no serviço, mas pelo fato objetivo da não entrega da prestação contratada, na data prevista. Comunicação do adiamento que não se deu alguns minutos antes do início do show, como dizem os autores, mas mais de três horas antes. Organizadores que o fizeram em virtude da evolução das condições climáticas ao longo do dia, sabidamente variáveis, e que apontavam para o risco de tempestades e de grande quantidade de raios na região e no horário do evento. Condições adversas que acabaram por realmente se confirmar. Inexigibilidade de tomada de decisão em tais moldes com dias de antecedência, justamente pela grande variabilidade dos fatores climáticos. Autores que permaneceram na fila não por falha na estrutura da ré, mas porque, contrariando a sugestão dos organizadores, chegaram ao local horas antes da abertura dos portões. Falta de demonstração de descumprimento das condições inerentes à categoria dos ingressos adquiridos pelos autores, em setor vip. Gastos indiretos dos autores para comparecer ao show, vindo de outro Estado (passagens aéreas, hospedagem, alimentação e deslocamento na cidade do Rio de Janeiro), que não podem ser imputados à ré, mormente em face da inexistência de falha no serviço. Autores, que ademais, usufruíram desses serviços, inclusive aproveitando para viagem familiar com membros que nem sequer compareceriam ao show, com chegada ao Rio de Janeiro vários dias antes. Inexistência de ofensa a valores da personalidade imputáveis à ré. Indenização por danos morais descabida. Frustração decorrente da impossibilidade de comparecimento ao show por parte de adolescente fã da cantora envolvida que não se revela juridicamente relevante. Sentença de improcedência confirmada. Apelação dos autores desprovida. (TJSP; Apelação Cível 1184757-06.2023.8.26.0100; Relator (a): Fabio Tabosa; Órgão Julgador: 29ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 27ª Vara Cível; Data do Julgamento: 03/06/2025; Data de Registro: 03/06/2025) No presente caso, a parte ré não permaneceu inerte nem indiferente ao problema que se apresentou. Ao contrário, assumiu perdas, cancelou o espetáculo, restituiu valores pagos e atuou dentro do que era humanamente viável para garantir a segurança do público. Faltou-lhe apenas controlar o clima — e isso, evidentemente, não lhe é exigível. À vista de todo o exposto, não se identifica, na conduta da ré, qualquer violação ao dever de prestação segura do serviço. Pelo contrário: a situação concreta revela ocorrência de caso fortuito externo, alheio à esfera de previsibilidade e controle da fornecedora, o que afasta a responsabilização objetiva e, por conseguinte, impede a procedência dos pedidos de indenização por danos materiais e morais formulados pelos autores. III – DISPOSITIVO Ante o exposto, e por tudo mais que dos autos consta, julgo IMPROCEDENTES os pedidos formulados na petição inicial, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, em razão da configuração de caso fortuito externo, decorrente de evento climático adverso, fato público e notório, que afasta a responsabilidade da parte ré pela frustração da prestação do serviço contratado. Diante da sucumbência integral dos autores, condeno-os ao pagamento das custas processuais adiantadas, além de honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, com fulcro no art. 82, §2º e art. 85, §2º, do CPC. Nada sendo requerido após a res judicata, arquive-se. Intimem-se. Cumpra-se. Recife-PE, data digitalmente certificada. Robinson José de Albuquerque Lima Juiz de Direito bfsma

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