Franciele Da Silva Faria x Vale S.A.
ID: 306985250
Tribunal: TJMG
Órgão: Núcleo de Justiça 4.0 - Cooperação Judiciária
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5001343-61.2022.8.13.0090
Data de Disponibilização:
25/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
BRUNO NAVES ABUCATER NICACIO
OAB/MG XXXXXX
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DARLAN CASSIANO DE ALMEIDA
OAB/RJ XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Belo Horizonte / Núcleo de Justiça 4.0 - Cooperação Judiciária RUA MANAUS, 467, 6º Andar, SANTA EFIGÊNIA, Belo Hori…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Belo Horizonte / Núcleo de Justiça 4.0 - Cooperação Judiciária RUA MANAUS, 467, 6º Andar, SANTA EFIGÊNIA, Belo Horizonte - MG - CEP: 30150-350 PROCESSO Nº: 5001343-61.2022.8.13.0090 CLASSE: [CÍVEL] PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) ASSUNTO: [Indenização por Dano Moral] AUTOR: FRANCIELE DA SILVA FARIA CPF: 150.654.436-37 RÉU: VALE S.A. CPF: 33.592.510/0007-40 SENTENÇA I – RELATÓRIO Trata-se de ação indenizatória ajuizada por FRANCIELE DA SILVA FARIA em face de VALE S.A., em razão do rompimento da barragem por ela administrada em Brumadinho, em 25/01/2019. Sinteticamente, alega-se que: - é residente e domiciliada na cidade afetada, antes e na data do acidente (25.01.2019); - é “Impossível levar uma vida normal após um terrível acidente como o ocorrido que, além da parte visível dos prejuízos, gerou e ainda gera diversos tipos de problemas psicológicos, como medo, ansiedade, síndrome do pânico, insônia, depressão”; - foram necessários tratamentos imediatos, especialmente o acompanhamento de psiquiatra, terapia com psicólogo e custeio de medicação; - apresenta Episódio depressivo moderado (CID 10-F33.1), Ansiedade generalizada (CID 10-F41.1) e Stress pós-traumático (CID F43.1); - sofreu adoecimento psicológico por conta da perda considerável de entes queridos na tragédia. Também relata que as condições de segurança na cidade pioraram substancialmente após o ocorrido. Além disso, revela ter crises de ansiedade (chegando até em ter palpitações e tremor), depressão profunda ao lembrar de todo o ocorrido e dificuldades para se relacionar com seu ciclo social - considerando o grave abalo psicológico sofrido, é medida de justiça que seja indenizada. Formula(m)-se o(s) seguinte(s) pedido(s): - a condenação da parte ré ao pagamento de R$100.000,00, de indenização por danos morais. Foi deferida a gratuidade de justiça (ID.9159738001). CONTESTAÇÃO no ID.9449685281. A parte ré não arguiu preliminares. No mérito, aduz a inaplicabilidade do Termo de Compromisso, bem como que o endereço de residência da parte autora é fora da nomeada zona quente. Além disso, pontuou a ausência de prova do dano e do nexo de causalidade. Alegou, por fim, a inaplicabilidade da teoria da responsabilidade objetiva na esfera individual. IMPUGNAÇÃO à contestação no ID.9463946394. A parte autora apresentou novos documentos médicos. Em ESPECIFICAÇÃO DE PROVAS, assim se manifestaram as partes: - autora, não especificou provas, conforme certidão de decurso de prazo de ID.9542924141; - ré, em ID.9480917255, especificou as seguintes provas: perícia médica e documental. DECISÃO DE SANEAMENTO de ID.9587232964, com rejeição das preliminares, fixação dos pontos controvertidos e distribuição do ônus da prova. Sentença de ID.9674825561 que acolheu a pretensão da parte autora. A parte ré interpôs apelação, conforme ID.10119267667. Acórdão de ID.10318752874 que acolheu a preliminar de cerceamento de defesa e anulou a sentença proferida. Decisão de ID.10329426935, em que foi deferida a produção de provas documental complementar e pericial médica. Laudo pericial apresentado em ID.10445176915. Intimadas sobre o laudo, as partes apresentaram suas manifestações em ID’s 10448434367 e 10448739290. A parte autora formulou quesitos complementares. Este, o necessário relatório. II – FUNDAMENTAÇÃO Questões Pendentes Esclarecimentos O laudo pericial preencheu os requisitos do art. 473 do CPC e houve resposta conclusiva a todos os quesitos apresentados. A discordância quanto à análise e conclusão do laudo pericial não induz a sua nulidade haja vista que “o laudo pericial somente deve ser anulado quando não traz fundamentação para esclarecimento da questão técnica controvertida ou quando carregar vício formal ou subjetivo que lhe retire valor técnico científico”. (TJ-MG - AC: 10000220401020001 MG, Relator: José Flávio de Almeida, Data de Julgamento: 01/12/2022). Registro que os esclarecimentos requeridos pela parte autora em ID 10448434367- p. 5 e 6, não possuem relevância jurídica para o deslinde do feito, já que, como dito acima, o laudo pericial respondeu todos os quesitos apresentados com a devida clareza. Esclareço ainda que os quesitos complementares da autora buscam informações teóricas e genéricas que já se encontram esclarecidas no corpo do laudo pericial oficial. Portanto, indefiro os pedidos de esclarecimentos. Suspensão do feito Em manifestação de ID.10463120152, a parte autora requereu a suspensão do presente feito, nos termos da decisão proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 5052244-03.2023.8.13.0024. Contudo, não obstante o pleito autoral, conforme decisão proferida no Agravo de Instrumento nº 1.0000.23.081018-6/005, interposto na referida Ação Pública, restou determinado que apenas as ações individuais que não tratem de "Abalo à saúde mental", cumuladas ou não com "Ressarcimento de despesas médicas/medicamentosas", devem ser suspensas. Tal determinação se justifica pelo potencial prejuízo aos atos já realizados, ocasionando desperdício desnecessário de recursos mobilizados para a resolução dessas demandas. Dessa forma, considerando que o presente feito versa sobre matéria não abrangida pela suspensão, rejeito a questão processual suscitada pela parte autora. Mérito Do pedido de dano moral à saúde mental Tendo em vista que não há preliminares a serem analisadas e outras questões processuais pendentes, passo à análise do mérito da demanda, à luz das provas produzidas e à legislação aplicada ao caso. O incontroverso evento ocorrido em Brumadinho, no dia 25 de janeiro de 2019, trata-se de desastre de imensa proporção, que acarretou danos os mais variados no âmbito coletivo (à fauna, à flora, à rede fluvial, ao solo, à paisagem, à economia local, etc.), que são objeto de processos judiciais coletivos em curso na 2ª Vara da Fazenda Pública Estadual de Minas Gerais (nº 5071521-44.2019.8.13.0024, nº 5026408-67.2019.8.13.0024, nº 5044954-73.2019.8.13.0024 e nº 5087481-40.2019.8.13.0024), assim como no âmbito individual (patrimoniais e extrapatrimoniais), objeto de acordos e processos judiciais individuais. No âmbito civil, a responsabilidade da parte ré pelo rompimento da barragem já se encontra assentada pela jurisprudência do TJMG, haja vista os milhares de processos judiciais individuais já julgados a respeito, como, por exemplo, as Apelações Cíveis nº 1.0000.19.163966-5/003, nº 1.0000.22.138830-9/001, nº 1.0000.22.150730-4/001, nº 1.0000.22.150730-4/001 e nº 1.0000.22.128207-2/001, que, inclusive, são parcial sustentáculo da presente sentença. Nesse contexto, o fundamento legal da responsabilização civil da parte ré encontra-se no art. 927, parágrafo único, do Código Civil: Art. 927. (...) Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. No julgamento da Apelação Cível nº 1.0000.19.163966-5/003, em 08/11/2022, esclareceu o eminente Desembargador Relator João Câncio: “(…) em se tratando de responsabilidade decorrente de dano ambiental, aplica-se ao caso a teoria do risco integral, conforme expressa previsão constitucional (art. 225, §3º, da CR/88) e legal (art. 14, §1º, da Lei nº 6.938/1981), não podendo ser invocadas, pela ré, excludentes de responsabilidade, bastando à responsabilização a comprovação do dano decorrente de ação ou omissão do responsável. Diz a lei: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (...) § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. Art. 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: (...) § 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente. (g.n) Descabida, portanto, a alegação da ré que não seria aplicável a teoria da responsabilidade objetiva na esfera individual quando a própria lei prevê, expressamente, o dever de indenizar os danos causados a terceiros, independentemente de culpa. Vale destacar que, especificamente sobre danos provocados por rompimento de barragens de mineração, o C. STJ já consolidou a tese de aplicação da teoria do risco integral, conforme se vê do acórdão proferido quando do julgamento do REsp. 1.374.284, processado e julgado sob o rito do art. 543-C do CPC/73 (tema 707), então vigente: RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. DANOS DECORRENTES DO ROMPIMENTO DE BARRAGEM. ACIDENTE AMBIENTAL OCORRIDO, EM JANEIRO DE 2007, NOS MUNICÍPIOS DE MIRAÍ E MURIAÉ, ESTADO DE MINAS GERAIS. TEORIA DO RISCO INTEGRAL. NEXO DE CAUSALIDADE. 1. Para fins do art. 543-C do Código de Processo Civil: a) a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar sua obrigação de indenizar; b) em decorrência do acidente, a empresa deve recompor os danos materiais e morais causados e c) na fixação da indenização por danos morais, recomendável que o arbitramento seja feito caso a caso e com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico do autor, e, ainda, ao porte da empresa, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de modo que, de um lado, não haja enriquecimento sem causa de quem recebe a indenização e, de outro, haja efetiva compensação pelos danos morais experimentados por aquele que fora lesado. 2. No caso concreto, recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1374284/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/08/2014, DJe 05/09/2014).” É dizer: apurado o dano e o nexo de causalidade, exsurge o imperativo dever de reparação da parte ré. No plano extrapatrimonial, é inquestionável que uma tragédia da magnitude do que ocorreu em um município com aproximadamente 40 mil habitantes e historicamente sob a esfera da influência direta ou indireta da atividade minerária, impacta em graus diversos o ambiente e a vida de toda a comunidade. Ocorre que a alegação geral e abstrata de danos consistentes em mortes em larga escala, transporte de corpos por helicópteros, longos trabalhos de localização e identificação de vítimas, modificação da paisagem no curso seguido pelos rejeitos, saturação de serviços públicos essenciais (saúde, saneamento básico, fornecimento de água, etc.), sobrecarga do trânsito de veículos pesados, perda ou restrição de locais de lazer, danos ao meio ambiente, poluição de solo, da água e do ar são ofensas à coletividade; reparáveis, pois, mediante ações coletivas. Portanto, a despeito de imputações fragmentadas de danos extrapatrimoniais que eventualmente sejam asseridas, o foco de análise, instrução e julgamento é a ocorrência ou não de consequências diretas e concretas do evento na esfera psíquica da parte autora, em sua saúde mental, bem como a sua extensão, a tal ponto que seja capaz de caracterizar um dano moral reparável, nos termos do art. 944, Código Civil. Embora em meio às milhares de ações distribuídas se verifique a abordagem fragmentada de tal repercussão psíquica, ora denominados ‘danos existenciais’, ora ‘danos à imagem’, ‘danos à honra’, ‘danos psicológicos’, ‘danos psiquiátricos’, o Direito Civil brasileiro a trata no conceito singular e genérico de “dano moral”, conforme disposto no art. 186, Código Civil. Igualmente impera a regra de que compete à parte autora fazer a prova deste dano e do nexo causal. Não calham, para tanto, alegações genéricas de prejuízo à qualidade de vida, sentimentos de tristeza ou desolação, tampouco de danos morais “por ricochete” ou “reflexos” dos impactos ambientais e sociais na comunidade, porquanto se configuram como desdobramentos dos danos transindividuais, nos termos dos julgados do TJMG, a saber: APELAÇÃO CÍVEL - PRELIMINAR - OFENSA AO JUIZ NATURAL - NÚCLEO DE COOPERAÇÃO - INOCORRÊNCIA - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS - ROMPIMENTO DA BARRAGEM DA MINA CÓRREGO DO FEIJÃO EM BRUMADINHO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - TEORIA DO RISCO INTEGRAL - ENFERMEIRA - TRANSTORNOS CAUSADOS EM DECORRÊNCIA DO CARGO/RPOFISSÃO - - DANO INDIRETO - CAUSALIDADE - NECESSIDADE DE LIMITAÇÃO. I- Não há que se falar em inobservância do juiz natural, quando a sentença foi prolatada por Jui(í)z(a) em regime de cooperação, pertencente ao Núcleo de Justiça 4.0 - Cooperação Judiciária, criado por este E. Tribunal, com respaldo na Resolução 385/2021 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e por meio da Portaria Conjunta 1.338/PR/2022, como instrumento de efetivação dos princípios da eficiência e da celeridade processual na prestação jurisdicional de primeira instância, nos casos que abranjam temas repetitivos ou direitos individuais homogêneos e abarquem questões especializadas, em razão da sua complexidade, de pessoa ou de fase processual. II- Segundo a jurisprudência do col. STJ, em decorrência da Teoria do Risco Integral, compete ao poluidor a prova da segurança de seu empreendimento e que sua atividade não causou o dano ambiental; no caso, sendo incontroverso que a mineradora causou grave dano ambiental em razão do rompimento da Barragem I da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, basta à vítima a comprovação do dano experimentado, do qual pretende reparação, e do nexo de causalidade. III- Considerando que os danos sofridos pelas situações vivenciadas pela autora se deram de forma reflexa, inexistindo nexo direto de causalidade entre o rompimento da barragem - causada por culpa da ré -, não há que se falar em responsabilização. IV - Descabido falar em indenização por danos morais "por ricochete" - também chamados de "danos reflexos" -, de forma ilimitada a todos que foram atingidos indiretamente pelo rompimento da barragem da ré, sendo passíveis de reparação pela ré apenas os danos decorrentes diretamente do ato afirmado como danoso. (TJMG- Apelação Cível 1.0000.22.150730-4/001, Relator(a): Des.(a) João Cancio , 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 08/11/2022, publicação da súmula em 08/11/2022) APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - ROMPIMENTO DA BARRAGEM DA MINA CÓRREGO DO FEIJÃO EM BRUMADINHO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - TEORIA DO RISCO INTEGRAL - MORADORA DE BRUMADINHO FORA DA ZAS - PREJUÍZOS - ALEGAÇÕES GENÉRICAS - DANOS MORAIS E MATERIAS - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO - DANO INDIRETO - CAUSALIDADE - NECESSIDADE DE LIMITAÇÃO - INDENIZAÇÕES INDEVIDAS. I- Segundo a jurisprudência do col. STJ, em decorrência da Teoria do Risco Integral, compete ao poluidor a prova da segurança de seu empreendimento e que sua atividade não causou o dano ambiental; no caso, sendo incontroverso que a mineradora causou grave dano ambiental em razão do rompimento da Barragem I da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, basta à vítima a comprovação do dano experimentado, do qual pretende reparação, e do nexo de causalidade. II - A simples alegação genérica de prejuízo à qualidade de vida dos habitantes das localidades atingidas, sem indicação e demonstração de efetivos danos de ordem material ou moral por ele sofridos, sobretudo quando se trata de morador fora da ZAS - Zona de Autossalvamento, não constitui fato capaz de, por si só, gerar direito à indenização. III- Tem-se que o abalo geral sofrido pela sociedade local, com perda de clientes e a necessidade de reestruturação do comercio, assim como a alegada "tristeza e desolação da população", enquadram-se como desdobramentos dos danos transindividuais que deverão ser objeto de reparação no bojo das ações coletivas já propostas para este fim. IV- Descabido falar em indenização por danos morais "por ricochete" - também chamados de "danos reflexos" -, de forma ilimitada a todos que foram atingidos indiretamente pelo rompimento da barragem da ré, sendo passíveis de reparação pela ré apenas os danos decorrentes diretamente do ato afirmado como danoso. (TJMG- Apelação Cível 1.0000.22.198477-6/001, Relator(a): Des.(a) João Cancio, 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 22/11/2022, publicação da súmula em 23/11/2022) Por sua vez, sabe-se que a prova do dano psíquico individual se faz por meio de perícia médica; excepcionalmente, porém, a jurisprudência dispensa a comprovação do dano, em situações tais em que o impacto na esfera moral individual é tão evidente que a agressão se faz presumível, como acontece, por exemplo, com a morte de um parente próximo, em face do rompimento dos laços afetivos entre a vítima e o autor da ação, capaz de atingir a esfera da dignidade da pessoa. A Lei n. 14.066/2020 incluiu o inciso IX no art. 2º da Lei n. 12.334 de 2010, que estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragens, e definiu a Zona de Autossalvamento – ZAS como sendo “o trecho do vale a jusante da barragem em que não haja tempo suficiente para intervenção da autoridade competente em situação de emergência, conforme mapa de inundação”. No caso específico do rompimento da barragem de Brumadinho, a jurisprudência se orientou no sentido de que as pessoas que no momento dos fatos habitavam a ZAS, delimitada como a região distante até 10 Km ou 30 minutos do ponto de rompimento, vivenciaram de forma tão próxima e intensa o caos e medo gerados pela tragédia, que não há como se negar a ocorrência do dano moral, ainda que, a médio ou longo prazo, não restem sequelas na saúde mental. Em termos jurídicos, trata-se do dano moral puro ou em “in re ipsa”. Noutro giro, embora o dano seja presumível, não se pode presumir, evidentemente, que todo e qualquer autor/a(es) estava(m) na região da ZAS no momento do rompimento da barragem. Presume-se o dano, mas não a residência autoral à época da tragédia. Primeiro, porque não há embasamento legal ou jurisprudencial que fundamente a presunção de residência. Segundo, porque a comprovação da residência não é ônus de prova exagerado ou complexo à parte autora, sobretudo a se considerar a vasta acessibilidade em sites e aplicativos, a qualquer tempo, de documentação oriunda de fonte idônea que demonstre a moradia. Além disso, não se pode desprezar o fato relevante de que, apenas no mês de janeiro/2022, foram distribuídas 7 milhares de ações com pretensões semelhantes, várias delas com petições iniciais semi-idênticas, referentes a pessoas que jamais residiram na localidade ou que para lá se mudaram após os eventos do mês de janeiro/2019. Eventos de grande magnitude, frequentemente, dão ensejo à volumosa litigância predatória, mediante distribuição sem consentimento da parte, uso de documentos falsos, apropriação indevida de valores, indicação de endereço incorreto da parte, falsificação e adulteração de comprovantes e procurações, entre outros. Nessa esteira, a intimação da parte autora para apresentar comprovante de endereço em nome próprio trata-se de medida fundada no art. 370 do CPC e constitui providência listada na Nota Técnica 01/2022, emitida pelo Centro de Inteligência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, disponibilizada no DJe de 15/7/2022, como uma das “boas práticas de gestão de processos judiciais e de processos de trabalho para o enfrentamento (prevenção e combate) da litigância predatória”: “Boas práticas de gestão de processos judiciais e de processos de trabalho para o enfrentamento (prevenção e combate) da litigância predatória [...] Intimar o autor para juntada de comprovante de endereço atualizado e em seu nome, e, caso se aceite justificativa para a apresentação de comprovante de endereço em nome de terceiro, determinar comprovação da relação existente entre a parte autora e o terceiro;” (Nota Técnica CIJMG nº 01/2022) O TJMG consolidou posicionamento nos casos que envolvem o rompimento da barragem em Brumadinho de que a comprovação de endereço no município, à época dos fatos, é elemento fundamental para a existência de conclusão lógica entre a narração dos fatos autorais; portanto, que “a exigência ‘initio litis’ de documentação idônea ao objeto da ação, não se trata de formalismo exacerbado, mas de medida essencial ao bom andamento do processo e funcionamento do Poder Judiciário” (Apelações Cíveis 1.0000.22.239021-3/001 e 1.0000.22.230453-7/001). Com intuito de uniformizar critérios de validade da documentação para os casos de rompimento da barragem do Fundão, situada em Mariana/MG, a 2ª Seção Cível do TJMG, no julgamento do IRDR - CV Nº 1.0273.16.000131-2/001, consignou que “a exigência da juntada de documentos pelo juiz é legal, até porque a prestação jurisdicional deve ser efetiva” e que a comprovação de residência no local dos fatos e contemporânea à sua ocorrência é elemento imprescindível para a conformação do direito indenizatório postulado. Apesar de a divergência minoritária ter se fundado na inadequação do instituto do IRDR para fixação de tese de tal natureza, a maioria do Colegiado entendeu como fontes idôneas à comprovação de endereço a documentação, em nome próprio, referente a “conta de água, luz, telefone fixo ou móvel, cartão de crédito, correspondência bancária, TV por assinatura, correspondência de órgãos públicos, da administração direta ou indireta, federal, estadual ou municipal”. No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.995/DF, ressaltou o Ministro Luís Roberto Barroso que a “possibilidade de provocar a prestação jurisdicional precisa ser exercida (...) com equilíbrio, de modo a não inviabilizar a prestação da justiça com qualidade”. A análise da validade da prova documental sobre a residência do autor/a(es) à época dos fatos também deve ser feita com cautela e equilíbrio, pena de se conduzir ao julgamento desigual de ações análogas que envolvam o mesmo fato, a exemplo de situações em que a própria lei presume a moradia em residência de terceira pessoa ante a existência de relação de dependência econômica (Lei nº 9.250/1995, art. 35). Feitos tais esclarecimentos, observa-se que, in casu, por meio de faturas de cartão de crédito (IDs.7792313034 e 7792313038), de dezembro de 2020, setembro de 2018 e abril de 2019, em nome próprio, boleto bancário (ID.7792313037) de abril de 2019, declaração do PSF (ID.7792313039) e título de eleitor (ID.7792417993), a autora comprovou que era moradora do bairro Tejuco, em Brumadinho, bairro localizado na ZAS, tendo vivenciado as consequências gerais e inerentes àquela região, em comum aos demais coabitantes. Na contestação, a parte ré não apresentou contraprova razoável que fundamentasse suposta invalidade da documentação, ônus que lhe competia, pela regra do art. 373, II, do CPC. Ainda sobre a prova da residência, é possível notar que o relato da parte autora no laudo pericial compatibiliza com a residência descrita na petição inicial: “Moradia: Vive sozinha com seus filhos. Informa que seus familiares moram em Bomfim, os dois filhos são do mesmo pai, viveram juntos, mas depois separaram. Atualmente reside na Rua Antônio Silvério, 95, Tejuco. Refere que já morava com pai dos meus filhos nesse local. No dia do rompimento informa que sua filha estava fazendo 10 meses. Meu ex- marido trabalhava lá na Vale, no córrego do feijão, em empresa terceirizada, e sobreviveu.” (ID.10445176915 - p. 14). Logo, ante as provas produzidas, conclui-se que a parte autora era residente em Brumadinho à época dos fatos, em região que compõe a Zona de Autossalvamento – ZAS, o que enseja a relativa presunção de dano inerente apenas a essa região. E, por se tratar de presunção relativa de dano, admite-se prova em contrário. Por este motivo, no caso concreto, devem ser analisadas as provas produzidas, especialmente a prova pericial médica, requerida pela parte ré e considerada necessária pelo TJMG em casos semelhantes de autor residente na ZAS (TJMG - Apelação Cível 1.0000.24.008315-4/001, Relator(a): Des.(a) Narciso Alvarenga Monteiro de Castro (JD Convocado) , Câmara Justiça 4.0 - Cível Pri, julgamento em 06/05/2024, publicação da súmula em 06/05/2024). Na petição inicial, vê-se que a parte autora alegou os seguintes danos: “[...] A Senhora Franciele sofreu inúmeros danos que a afeta até os dias atuais decorrente da tragédia da mina do Córrego do Feijão. Impossível levar uma vida normal após um terrível acidente como o ocorrido que, além da parte visível dos prejuízos, gerou e ainda gera diversos tipos de problemas psicológicos, como medo, ansiedade, síndrome do pânico, insônia, depressão, entre tantos outros. Os laudos médicos anexados referentes aos problemas causados ao autor demonstram, sem a menor dúvida, a necessidade de tratamentos imediatos, especialmente o acompanhamento de psiquiatra, terapia com psicólogo e custeio de medicação. Abaixo segue a transcrição de trechos dos laudos emitidos: A partir de avaliação psicológica, foi diagnosticado que a autora apresenta Episódio depressivo moderado (CID 10-F33.1), Ansiedade generalizada (CID 10-F41.1) e Stress pós-traumático (CID F43.1)”. A autora relata que sofreu adoecimento psicológico por conta da perda considerável de entes queridos na tragédia. Também relata que as condições de segurança na cidade pioraram substancialmente após o ocorrido. Além disso, revela ter crises de ansiedade (chegando até em ter palpitações e tremor), depressão profunda ao lembrar de todo o ocorrido e dificuldades para se relacionar com seu ciclo socia” (petição inicial - ID.7792313030 - p. 13 e 14). Além da alegação de dano à saúde mental, que teria desencadeado adoecimento mental, a parte autora também alegou ter sofrido danos à saúde emocional. A terminologia entre as espécies de danos mental/emocional é relevante, porque se refere exatamente à nomenclatura adotada no Termo de Compromisso firmado entre a Vale S.A. e a Defensoria Pública em 05/04/2019, o qual estabeleceu indenização à pessoa que, comprovadamente, foi vítima de dano à saúde mental ou emocional, assim disposto em sua cláusula 15.7: CLÁUSULA DÉCIMA QUINTA - DOS DANOS MORAIS E PENSIONAMENTO [...] Dano à saúde mental/emocional 15.7 A vítima de dano à saúde mental/emocional fará jus à indenização no valor de R$100.000,00 (cem mil reais) e pensionamento (se o dano causar incapacidade permanente, comprovado por laudo médico) nos termos do item 15.2, adequando-se ao caso concreto. Embora, juridicamente, os danos à saúde sustentados pela parte autora se enquadrem no único conceito de “dano moral”, como já mencionado, o dano psiquiátrico/adoecimento mental, pode ser tido como dano de maior extensão para fins do art. 944 do Código Civil, se comparado com o dano psicológico/abalo emocional. Afinal, é certo que, aquele que suportou transtornos mentais ao ponto de desencadear e enquadrar na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde - CID, naturalmente, sofreu um dano de maior extensão à sua personalidade jurídica, frente àquele que vivenciou dano mental transitório ou dano limitado ao campo das emoções, também indenizável, mas em menor grau. Nos termos da decisão que apreciou as provas requeridas pelas partes, a prova do abalo extraordinário à saúde mental do indivíduo atrai, em termos de necessidade e utilidade (art. 370, CPC), apenas a produção de prova pericial médica. Isso porque a prova oral, inevitavelmente, recairia em julgamento subjetivo, seja pela percepção do magistrado sobre assertivas do próprio interessado, seja pelo testemunho de percepções subjetivas de outras pessoas sobre o interessado. Mediante exame médico individual da parte autora, FRANCIELE DA SILVA FARIA, o laudo pericial, elaborado nos moldes do art. 473 do CPC, concluiu que: “Após ampla e detalhada análise dos documentos acostados aos autos, bem como exame médico pericial, realizado conforme metodologia/fundamentação descrita no item 3.2, e ainda com fulcro no artigo 373 do Código do Processo Civil, este perito conclui que: 1- Com os elementos apresentados, não foi possível comprovar a hipótese de transtorno psiquiátrico associado ao evento do rompimento da barragem e seus desdobramentos. 2- Tal conclusão não significa que o periciado não tenha suportado sofrimentos, angústias e outras vivências em função de evento de tamanha proporção, como é público e notório. 3- O que se aponta nesta conclusão, portanto, é que, objetivamente, e para fins exclusivamente periciais, o conjunto dos elementos disponíveis não permite comprovar um transtorno psiquiátrico com nexo de causalidade ao evento alegado.” (ID.10445176915 - p. 27). Ainda sobre o laudo pericial, destacam-se os seguintes trechos: • O que você se lembra, onde estava, como ficou sabendo do rompimento da barragem? – indagou o perito. • Ele conseguiu fugir no dia do acidente e sobreviveu – disse a periciada. • Na hora do rompimento uma amiga minha que ligou, porque sabia que o Cassio, meu ex-marido, estava lá – acrescentou a periciada. • Nisso eu comecei a passar mal, tentava ligar para ele – informou a periciada. • Aí liguei para o encarregado dele, que disse que ainda não tive notícia de ninguém – informou a periciada. • Aí só às 15h consegui falar de novo com o encarregado dele, que informou que estava todo mundo bem – esclareceu a periciada. • Aquele dia foi uma loucura. E como eu moro na rua principal, eu via as ambulâncias passando, porque não passava mais pelo Parque Cachoeira – ponderou a periciada. • Quando que seu marido voltou para casa? – questionou o perito. • Foi logo depois – disse a periciada. • Mesmo assim, como ele conhecia a área, veio por meio do mato – esclareceu a periciada. • Chegou em casa e não queria falar nada. Ele ficou meio parado, sem falar nada. Aí minha menina ficava assustada também. Era horrível, ele tinha muito pesadelo, não conseguia dormir, chamava pelos amigos dele, aí eu e ele precisamos começar a tomar remédio para dormir – explicou a periciada. • E quando foi que vocês começaram a tomar esses remédios? – perguntou perito. • Foi logo depois. Uns 20 dias – respondeu a periciada. • Ele dava pesadelo todo dia. Acordava assustado, começava a chorar – respondeu a periciada. • E que medicamento era esse? – questionou o perito. • A gente estava em tratamento psicológico lá na unidade do Tejuco, fizemos tratamento um pouco com ela e depois a gente parou – disse a periciada. • E as receitas? Quem fazia? – indagou o perito. • A médica do posto. Era Zolpidem – respondeu a periciada. • Mais algum além do Zolpidem? – perguntou o perito. • Sim, para ansiedade. Sertralina – afirmou a periciada. (ID.10445176915 - p. 17). O laudo técnico apresentou as seguintes respostas aos quesitos judiciais: 6) O próprio periciando se imputa algum dano à saúde mental e/ou algum diagnóstico médico, seja na petição inicial da ação proposta, seja em laudo(s) ou relatório(s) por ele juntado(s) aos autos? RESPOSTA: Conforme relato pericial, sim. Há, nos autos, documentos clínicos a lhe imputar diagnósticos psiquiátricos conforme resposta ao próximo quesito. Em caso positivo: a) Qual(is)? RESPOSTA: Estado de "Stress" Pós-Traumático (CID10-F43.1), Estado Depressivo Moderado (CID10- F32.1) e Transtorno de Ansiedade Generalizada (CID10-F41.1), conforme [Id. 9463936719] RELATÓRIO MÉDICO emitido pelo Dr. Edmundo Araújo Neto (CRMMG 68539, RQE Psiquiatria nº 50094) em 03/03/2022. [...] c) O profissional que assina o(s) laudo(s) ou relatório(s) possui habilitação técnica para fazer referido diagnóstico? RESPOSTA: Sim. O diagnóstico e o tratamento médicos são atos médicos. Com relação aos profissionais psicólogos, estes estão habilitados a realizar os atos inerentes à sua profissão, sendo forçoso reconhecer relevante sobreposição entre os campos da psiquiatria e da psicologia. Abaixo link do Conselho Federal de Psicologia, onde podem ser verificadas as atribuições do psicólogo clínico, conforme a autarquia federal. (ID.10445176915 - p. 23 e 24). Não se olvide que a parte autora colacionou junto à petição inicial, documentos particulares com intuito de comprovar os danos alegados, a exemplo do laudo psicológico de ID.7792417994, receituário de ID.9463950558 e do relatório médico de ID.9463936719. Contudo, os documentos particulares devem ser cotejados com as demais provas produzidas no processo, haja vista que documentos particulares são produzidos de forma unilateral. Por este motivo, embora o Juízo não esteja vinculado às considerações do laudo pericial (art. 479, CPC), priorizam-se e privilegiam-se as conclusões nele expostas em detrimento das demais provas unilateralmente produzidas, porquanto a prova pericial é realizada por profissional de confiança do Juízo, técnico, imparcial e que possui o dever de cumprir “escrupulosamente o encargo que lhe foi cometido, independentemente de termo de compromisso” (art. 466, CPC). O laudo pericial afastou a existência de dano à saúde mental da parte autora relacionado a adoecimento mental que se enquadrasse como Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde - CID, ou seja, danos psíquicos de natureza psiquiátrica. Por outro lado, o laudo pericial não negou que a parte autora tenha suportado os alegados danos emocionais de natureza psicológica, relatados pela autora durante o exame pericial e também constatados por profissional habilitado nos laudos médicos e psicológicos juntados com a petição inicial, que geraram sentimento de medo, insegurança, preocupações, alteração no sono, nervosismo persistente e medo de morrer, por exemplo, sintomas significativos e não vividos hodiernamente pela parte autora, mas provenientes de um evento extraordinário e extranatural. Em outros termos, a prova pericial infirma as alegações sobre adoecimento (CID), mas não contrariou o fato de que a autora vivenciou danos emocionais relacionados ao rompimento da barragem, incutindo necessária reparação em razão dos danos à personalidade da parte autora. Mais especificamente sobre o prisma do ônus de prova, definido na decisão de saneamento, a sua distribuição seguiu a regra disposta no art. 373 do CPC: à parte autora, o fato constitutivo do seu direito e, à parte ré, o fato modificativo, extintivo ou impeditivo do direito autoral. A parte ré, por meio da prova pericial requerida e produzida nos autos, provou a inexistência danos psiquiátricos/adoecimento mental, mas não afastou o fato de que a parte autora, comprovadamente residente da cidade de Brumadinho, especialmente na região da ZAS, suportou os danos psicológicos/abalos emocionais, ainda que transitórios, registrados nos laudos unilaterais apresentados pela parte autora. E, embora vividos de forma mais intensa pela parte autora à época do rompimento, vale enfatizar que o evento no qual se funda a ação produziu efeitos incontáveis que não se limitam ao passado, mas repercutem até os dias atuais, mesmo após os programas de reparação social e ambiental empreendidos, a exemplo de trânsito intenso e eventos sociais que relembram o luto compartilhado entre os moradores da região. Em relação ao montante da reparação, vale destacar, de início, que não existe tabelamento legal e que nosso ordenamento não incorporou o conceito norte-americano do dano punitivo (“punitive damages”). A indenização, portanto, tem cunho reparatório, não punitivo. Além dos abalos de natureza psicológica suportados pela parte autora, a autora residia, no momento do rompimento da barragem, em região definida como sendo Zona de Autossalvamento - ZAS, conforme já exposto. Este fato (residência na ZAS) se soma àquele (abalos psicológicos), haja vista que, para além dos abalos, a parte autora, presumivelmente, vivenciou as consequências do evento de forma direta e mais intensa em relação aos demais moradores de Brumadinho, não residentes na ZAS. Portanto, ambos os fatos devem compor a análise da extensão do dano vivenciado pela parte autora, o que incute no montante indenizatório. Por isso, em prol da segurança e previsibilidade jurídicas, assim como para se reduzir o subjetivismo da valoração, hei por bem seguir os patamares praticados pela jurisprudência atual do TJMG para os casos semelhantes. Em ações cuja parte autora era residente na Zona de Autossalvamento – ZAS, que é o caso dos autos, o E. TJMG fixou o valor da indenização em R$ 30.000,00 (trinta mil reais), por ter suportado diretamente as consequências do evento, conforme julgamento dos recursos nº 1.0000.22.063040-4/001 e nº 1.0000.22.057967-6/00, bem como no seguinte julgamento: EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO INDENIZATÓRIA - ROMPIMENTO DE BARRAGEM EM BRUMADINHO - DANO MORAL - RESIDÊNCIA EM ÁREA PRÓXIMA A ATINGIDA DIRETAMENTE PELA LAMA - "QUANTUM" INDENIZATÓRIO - CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO. I - Segundo a jurisprudência do col. STJ, em decorrência da Teoria do Risco Integral, compete ao poluidor a prova da segurança de seu empreendimento e que sua atividade não causou o dano ambiental; no caso, sendo incontroverso que a mineradora causou grave dano ambiental em razão do rompimento da Barragem I da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, basta à vítima a comprovação do dano experimentado, do qual pretende reparação, e do nexo de causalidade. II - Comprovado que a parte autora residia e ainda reside nas imediações da vasta área atingida pelos rejeitos da barragem rompida, e que teve que conviver com todas as adversidades das operações de resgate e reparação do local, não há duvidas acerca do abalo emocional suportado em função da tragédia. III - Ausentes parâmetros legais para fixação do dano moral, o valor fixado a este título deve assegurar reparação suficiente e adequada para compensação da ofensa suportada pela vítima do ilícito e para desestimular-se a prática reiterada da conduta lesiva pelo ofensor. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.22.177123-1/001, Relator(a): Des.(a) João Cancio , 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 14/02/2023, publicação da súmula em 14/02/2023) No presente caso, embora ausentes os danos de natureza psiquiátrica/adoecimento mental, que são danos de maior extensão (art. 944 do Código Civil), reputo adequado o valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) para indenização moral à parte autora em razão dos danos psicológicos/abalos emocionais suportados e considerando o fato de ser residente na ZAS. III – DISPOSITIVO Ante o exposto, ACOLHO a pretensão inicial (CPC, art. 487, I), para CONDENAR a parte ré ao pagamento de indenização por danos morais à parte autora, de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), cuja quantia deverá ser corrigida pela tabela da CGJ/MG, desde a data do arbitramento (STJ, Súmula 362), e acrescida de juros de mora de 1% a.m., desde a data do evento danoso (25/01/2019) (STJ, Súmula 54). Ante a ausência de sucumbência parcial, por força da Súmula n. 326 do STJ, condeno a ré ao pagamento das custas processuais e ao pagamento de honorários sucumbenciais, que fixo em 10% do valor da condenação, nos termos do art. 85, §2º do CPC. Suspenso a exigibilidade dos ônus sucumbenciais em relação à parte autora, em razão da justiça gratuita deferida (art. 98, §3º, do CPC). Transitada em julgado, devolvam-se os autos à origem, para diligências finais, baixa e arquivamento. P.R.I.
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