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Joice Moreira Dos Santos De Jesus e outros x Promedica Sistemas E Gestao Em Saude Ltda - Me

ID: 310428187

Tribunal: TJBA Órgão: 17ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL Nº Processo: 8043720-23.2024.8.05.0001

Data de Disponibilização: 30/06/2025

Polo Ativo:

JOICE MOREIRA DOS SANTOS DE JESUS VALENTINA MOREIRA DE JESUS

Polo Passivo:

PROMEDICA SISTEMAS E GESTAO EM SAUDE LTDA - ME

Sentença

Advogados:

GUSTAVO DA CRUZ RODRIGUES

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

GEORGE SANTOS DE OLIVEIRA

OAB/BA XXXXXX Desbloquear

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 17ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR Processo:·TUTELA CAUTELAR ANTECEDENTE n.·8043720-23.2024.8.05.0001 Órgão Julgador… PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA 17ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR Processo:·TUTELA CAUTELAR ANTECEDENTE n.·8043720-23.2024.8.05.0001 Órgão Julgador:·17ª VARA DE RELAÇÕES DE CONSUMO DA COMARCA DE SALVADOR MENOR: V. M. D. J. e outros Advogado(s):·GEORGE SANTOS DE OLIVEIRA (OAB:BA71742) REQUERIDO: PROMEDICA SISTEMAS E GESTAO EM SAUDE LTDA - ME Advogado(s):·GUSTAVO DA CRUZ RODRIGUES (OAB:BA28911) SENTENÇA Vistos, etc. V. M. D. J. e JOICE MOREIRA DOS SANTOS DE JESUS, devidamente representado em Juízo, ingressou com a presente Ação contra PROMEDICA SISTEMAS E GESTAO EM SAUDE LTDA - ME, aduzindo os fatos delineados na inicial. Relata a parte autora que a menor é portadora de Transtorno do Espectro Autista (TEA) e outras comorbidades neurológicas, com histórico de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, encontrando-se em acompanhamento multidisciplinar. Aduz que seu médico assistente, especialista em Genética Médica, prescreveu a realização de "avaliação neuropsicológica com teste de QI", por considerá-la fundamental para a definição do diagnóstico, manejo e prognóstico de seu quadro clínico. Relata, contudo, que a operadora de saúde ré negou a cobertura para o referido exame, sob a justificativa de que o procedimento não consta no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Sustenta a parte autora que a recusa é indevida, argumentando que a Lei nº 14.454/2022 estabeleceu que o rol da ANS possui caráter exemplificativo, não taxativo. Afirma, ainda, que o Superior Tribunal de Justiça, em consonância com normativas da própria ANS (RN 539/2022), já pacificou o entendimento sobre a obrigatoriedade de custeio de terapias multidisciplinares para o tratamento de TEA, sendo a avaliação pleiteada parte essencial do plano terapêutico. Invoca, por fim, o direito fundamental à saúde. Pugna pela liminar para que a ré seja compelida a autorizar e custear o exame prescrito, com condenação da requerida a pagar indenização a título de danos morais. Gratuidade de justiça e pedido liminar deferidas em ID Nº 450567876. Devidamente citada, a ré apresentou contestação no id nº 454474658. No mérito, ressalta que a autora é beneficiária do plano Individual Standard GM 6 desde agosto de 2019. Admite ter negado a cobertura para a "avaliação neuropsicológica com teste de QI", sob o fundamento de que o referido procedimento não consta no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS, o que, segundo alega, estaria em conformidade com as cláusulas contratuais. Informa, contudo, que após ser intimada da decisão liminar que antecipou os efeitos da tutela, diligenciou o cumprimento da ordem judicial, agendando o exame para a autora. Relata que foram realizadas duas tentativas de agendamento, para os dias 05/07/2024 e 12/07/2024, porém, a autora não compareceu em nenhuma das datas. Por fim, a ré se coloca à disposição para realizar um novo agendamento, caso seja do interesse da parte autora. Devidamente intimada para apresentar réplica, a parte autora manteve-se inerte, de acordo com certidão de ID nº 470834138. Instadas as partes sobre interesse probatório, não houve manifestações. Parecer do Ministério Público, juntado em ID nº 484284425, pugnando pela procedência dos pedidos. É o breve relatório. Decido. O feito admite o julgamento antecipado, de acordo com o disposto no art. 355, I, do CPC, não havendo prova a produzir, já que a documentação juntada aos autos é suficiente ao conhecimento da matéria. Ademais, não houve requerimento de produção de prova específica por nenhuma das partes. Por esta razão, encontrando-se o processo apto a receber a resolução do mérito no estado em que se encontra, passo à sua análise. Os contratos de seguro de saúde inserem-se nas relações tuteladas pelo Código de Defesa do Consumidor, uma vez que o segurado é o destinatário final de serviço prestado pela acionada, do que se depreende os conceitos de fornecedor e consumidor trazidos pelos arts. 2º e 3º da Lei n° 8.078/90. Trata-se, portanto, do típico contrato de adesão, cujas cláusulas foram unilateralmente aprovadas pelo fornecedor, sem que ao consumidor fosse dada qualquer possibilidade de discussão. Assim, a esse contrato é aplicável o estatuto consumerista, que possui por princípios fundamentais, dentre outros, o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo e a ação governamental no sentido de promover a sua proteção (como é o caso da vara especializada e relação de consumo) coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo que possam causar prejuízos aos consumidores. O CDC estabelece extenso rol de direitos aos consumidores, máxime aos que necessitam de tratamento de saúde, razão pelas quais as limitações estabelecidas em contratos de adesão não podem sobrepor-se ao que estabelecem as normas de ordem pública, contidas no CDC. O Diploma Legal em questão, comprometido com tendências protetivas do consumidor, em posição de hipossuficiência na relação contratual de consumo, buscou esmaecer o princípio da força obrigatória do contrato (pacta sunt servanda). Desta forma, em casos de obrigação abusiva, excessiva, e onerosa, torna-se possível a invalidação de cláusulas abusivas (art. 51, IV e § 1º, I, II e III, CDC), visando uma interpretação mais favorável ao consumidor (artigo 47 do CDC). Cabe consignar ainda que uma vez assegurada a cobertura para determinada doença, a seguradora do plano de saúde não está autorizada a fazer a escolha do medicamento/tratamento a ser utilizado para tratar da referida enfermidade do paciente, pois isso compete ao profissional que o acompanha e possui conhecimento específico na área da medicina. Em maestria de julgamento veja-se o voto do Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO do STJ, no REsp 1.138.643 / RS, em julgamento ocorrido em 11/04/2013: "Não me parece razoável que se exclua determinada opção terapêutica se a doença está agasalhada no contrato. Isso quer dizer que se o plano está destinado a cobrir despesas relativas ao tratamento, o que o contrato pode dispor é sobre as patologias cobertas, não sobre o tipo de tratamento para cada patologia alcançada pelo contrato. Na verdade, se não fosse assim, estar-se-ia autorizando que a empresa substituísse os médicos na escolha da terapia adequada de acordo com o plano de cobertura do paciente. E isso, pelo menos na minha avaliação, é incongruente com o sistema de assistência à saúde, porquanto quem é senhor do tratamento é o especialista, ou seja, o médico que não pode ser impedido de escolher a alternativa que melhor convém à cura do paciente. Além de representar severo risco para a vida do consumidor. Foi nessa linha que esta Terceira Turma caminhou quando existia limite de internação em unidade de terapia intensiva (REsp nº 158.728/RJ, da minha relatoria, DJ de 17/5/99), reiterado pela Segunda Seção (REsp nº 251.024/SP, Relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 4/2/02). Isso quer dizer que o plano de saúde pode estabelecer que doenças estão sendo cobertas, mas não que o tipo de tratamento está alcançado para a respectiva cura (...)" No caso dos autos, consta no relatório médico de id nº 438359169, comprovando que o autor possui o Transtorno do Espectro Autista, e em ID nº 438359168 consta solicitação de avaliação neuropsicológica com teste de QI. A parte autora junta a negativa do plano em ID nº 438359167. A importância de atenção especial e integral às necessidades dos portadores de TEA, foi positivada pela Lei n. 12.764/2012, a qual dispõe sobre a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do espectro Autista. Em seu art. 3º, inciso III, estabelece que: "Art. 3º São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista: (...) III - o acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas necessidades de saúde, incluindo: a) o diagnóstico precoce, ainda que não definitivo; b) o atendimento multiprofissional; c) a nutrição adequada e a terapia nutricional; d) os medicamentos; e) informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento;" Conforme literatura médica: O autismo é um transtorno invasivo do desenvolvimento, e seu quadro comportamental é composto basicamente de quatro manifestações: déficits qualitativos na interação social, déficits na comunicação, padrões de comportamento repetitivos e estereotipados e um repertório restrito de interesses e atividades4. Somando-se aos sintomas principais, crianças autistas frequentemente apresentam distúrbios comportamentais graves, como automutilação e agressividade em resposta às exigências do ambiente, além de sensibilidade anormal a estímulos sensoriais. Apesar de décadas de pesquisas e investigações, a etiologia do autismo permanece indefinida, pois se trata de um distúrbio complexo e heterogêneo com graus variados de severidade. Várias regiões cerebrais podem estar envolvidas no processo de desenvolvimento da patologia, incluindo cerebelo, hipocampo, amígdala, gânglios da base e corpo caloso, porém as anormalidades celulares e metabólicas, base para o desenvolvimento cerebral anormal, permanecem desconhecidas. O progresso na compreensão da causa, natureza e tratamento do autismo requer uma integração cada vez maior entre conceitos, achados genéticos, avanços na neurociência cognitiva e observações clínicas[1] Cumpre assentar que a Lei nº 14.454/2022, ao alterar a Lei nº 9.656/98, pacificou a controvérsia acerca da natureza do aludido rol, estabelecendo seu caráter exemplificativo. Com isso, a ausência de um procedimento na lista da ANS não é, por si só, motivo idôneo para a negativa de cobertura, desde que haja expressa indicação médica e comprovação de eficácia do tratamento, como ocorre no presente caso. Vejamos decisão em caso análogo: Apelação CÍVEL. Plano de saúde. Cobertura para medicamento destinado a tratamento de câncer. Danos morais. Sentença de procedência. Rol da ANS. DUT. Negativa indevida. Relação de consumo. Contrato que deve ser interpretado em favor do consumidor. Pacta sunt servanda não é absoluto e deve ser interpretado em consonância com as normas de ordem pública, com os princípios constitucionais e, na presente hipótese, com o escopo de preservar a natureza e os fins do contrato. Boa-fé objetiva e função social do contrato (arts. 421 e 422, CC). Interpretação dos arts. 10, § 4º e 35-F, da lei 9656/98. Cláusula que limita tratamento prescrito pelo médico fere a boa-fé objetiva e desnatura a própria finalidade do contrato. Se a doença tem cobertura contratual, os tratamentos disponíveis pelo avanço da medicina também terão. Aplicação das Súmulas 96 e 102 desta Corte de Justiça. Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura e custeio de tratamento, sob o argumento de natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS. As limitações contratuais podem até abranger rede de atendimento hospitalar, laboratorial e tipo de acomodação, mas em nenhuma circunstância o tratamento que tenha por objetivo restabelecer a saúde da contratante. Precedente citado não tem caráter vinculante e não se aplica ao caso dos autos. Caracterização de dano moral. Ilícito que consistiu na indevida recusa. Negativa agravou a situação de aflição psicológica e de angústia. Indenização mantida em R$ 10.000,00. Apelação não provida. (TJ-SP - AC: 10016710720218260228 SP 1001671-07.2021.8.26.0228, Relator: Edson Luiz de Queiróz, Data de Julgamento: 23/06/2022, 9ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 23/06/2022) (grifo aditado) Ademais, é pacífico o entendimento jurisprudencial de que não cabe à operadora de saúde, mas sim ao médico que assiste o paciente, a prerrogativa de indicar o tratamento mais adequado para a patologia que o acomete. A seguradora pode delimitar as doenças cuja cobertura é oferecida, mas não pode interferir na técnica ou no procedimento a ser empregado para a cura, sob pena de indevida ingerência na atividade médica e de esvaziamento do objeto principal do contrato, que é a proteção à saúde e à vida do beneficiário. No caso em tela, a "avaliação neuropsicológica com teste de QI" foi expressamente prescrita pelo médico especialista que acompanha a menor, sendo apontada como ferramenta diagnóstica essencial para a definição do manejo e do prognóstico do Transtorno do Espectro Autista. Para patologias complexas como o TEA, que demandam abordagem multidisciplinar e individualizada, a realização de avaliações detalhadas não constitui um fim em si mesma, mas uma etapa crucial do plano terapêutico. Negar tal procedimento é, na prática, obstaculizar o próprio tratamento da doença, cuja cobertura é obrigatória. Registro a emissão de nota técnica elaborada pelo e-NatJus, acerca da mesma avaliação objeto da lide, nos seguintes termos: "Nota Técnica 209002 - Emissão realizada em 10/04/2024 11:28:44 Tecnologia: avaliação neuropsicológica Evidências sobre a eficácia e segurança da tecnologia: A avaliação neuropsicológica (ANP) é um processo muito mais amplo que a simples testagem neuropsicológica, pois é um método para investigação do funcionamento cerebral mediante o estudo comportamental e tem como objetivos: auxiliar o diagnóstico diferencial, estabelecer a presença ou não de disfunção cognitiva e o nível de funcionamento e m relação ao nível ocupacional e localizar alterações sutis, a fim de detectar as disfunções ai iniciais em estágios precoces. Para isso, são utilizadas entrevistas e exames quantitativos e qualitativos acerca das funções cognitivas ( atenção, percepção, memória, entre outras). A diferença entre a avaliação psicológica e a neuropsicológica é que a segunda toma como centro o funcionamento do cérebro. Em relação ao diagnóstico diferencial, a avaliação neuropsicológica é uma das maiores contribuições que a neuropsicologia clínica faz à psiquiatria, pois ajuda principalmente a distinguir sintomas neurológicos e psiquiátricos, propiciando melhor clareza no diagnóstico de diferentes quadros. Atualmente, a ANP é útil na investigação clínica de uma ampla variedade de condições neuropsiquiátricas e possibilita obter informações gerais e específicas sobre os nível is de funcionamento cognitivo de um determinado indivíduo . Com o desenvolvimento de técnicas de neuroimagem, que permitem localizar lesões cerebrais de forma mais eficaz, a neuropsicologia clínica passa a preocupar com a identificação de forças e fraquezas cognitivas do paciente, bem como dos mecanismos compensatórios disponíveis. Assim, a ANP também possibilita obter informações sobre prejuízos no funcionamento cognitivo que não são detectado s por neuroimagem. Benefício/efeito/resultado esperado da tecnologia: Auxiliar em diagnóstico diferencial e consequente estabelecimento de agenda terapêutica. Recomendações da CONITEC para a situação clínica do demandante: Não avaliada Conclusão Tecnologia: avaliação neuropsicológica Conclusão Justificada: Favorável" Sobre caso similar: EMENTA: CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. PLANO DE SAÚDE. PACIENTE COM TRANSTORNO ESPECTRO AUTISTA. NEGATIVA NA REALIZAÇÃO DE AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA. TAXATIVIDADE DO ROL EXCEPCIONADA PELO STJ NO PRÓPRIO JULGAMENTO DO ERESP 1.889.704/SP. INCIDÊNCIA DA RESOLUÇÃO NORMATIVA ANS Nº 539, 22.6.2022. AMPLIAÇÃO DAS HIPÓTESES DE TRATAMENTO DAS PESSOAS PORTADORAS DE TEA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO EVIDENCIADA. PARECER MÉDICO QUE PREVALECE. DIREITO À SAÚDE E À VIDA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. DANOS MORAIS COMPROVADOS. DEVER DE INDENIZAR QUE SE IMPÕE. QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO DENTRO DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. BASE DE CÁLCULO. VALOR DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E DA OBRIGAÇÃO DE FAZER. MULTA COMINATÓRIA DEVIDA. VALOR DAS ASTREINTES. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 537, CAPUT, DO CPC. JUROS DE MORA DESDE A CITAÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 405 DO CC. REFORMA DA SENTENÇA APENAS NESTE PONTO. APELO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJ-RN - AC: 08061494720218205001, Relator: AMAURY DE SOUZA MOURA SOBRINHO, Data de Julgamento: 19/04/2023, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 19/04/2023) APELAÇÃO. PLANO DE SAÚDE. AÇÃO COMINATÓRIA. Autor, menor impúbere, apresenta dificuldade de aprendizagem e carece de avaliação neuropsicológica. Sentença de procedência. Inconformismo do plano de saúde. Alegação de que o rol da ANS é taxativo e não prevê a análise pleiteada. Descabimento. Abusividade. Violação da boa-fé objetiva. Exegese do verbete sumular de nº 102 deste Sodalício. Não cabe ao plano de saúde a opção acerca de como deve ser tratado o paciente, incumbência que é do médico de confiança que o assiste. Rol da ANS: Adoção da recente alteração ocorrida na Lei de nº 9.656/98, pela Lei de nº 14.454, data de 21 de setembro de 2022, e que entrou em vigor na data de sua publicação (22/09/2022; DOU, edição 181, seção 1, página 9). Caso concreto que se subsume à hipótese insculpida no artigo 10, § 13, inciso I, da Lei que alterou a legislação de Regência. Nota técnica elaborada pelo e-NatJus acerca dos benefícios da avaliação neuropsicológica. Existência de indicação fundamentada do profissional pertinente. Precedentes. Sentença mantida. Adoção do artigo 252 do Regimento Interno desta E. Corte. Recurso desprovido. (TJ-SP - AC: 10145436920218260320 SP 1014543-69.2021.8.26.0320, Relator: Ana Zomer, Data de Julgamento: 31/10/2022, 6ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 31/10/2022) APELAÇÃO. PLANO DE SAÚDE. TRATAMENTO DE PACIENTE COM DIAGNÓSTICO DE TEA. Sentença de procedência. Insurgência da requerida. Desacolhimento. Natureza do rol da ANS é de taxatividade mitigada. Como requisito para mitigação do rol, há necessidade de recomendação por órgão técnico de renome nacional ou estrangeiro, nos termos do precedente do STJ e da Lei nº 14.454/2022. Necessária abordagem transdisciplinar no tratamento de pacientes com diagnóstico de transtornos globais do desenvolvimento. Precedentes do E. STJ. Devido, portanto, o custeio de fonoaudiologia; terapia ocupacional; psicopedagogia e psicoterapia pelo método ABA. Avaliação neuropsicológica. Cabível a mitigação do rol da ANS. O reembolso de atendimentos devidos ao paciente que a operadora não ofereça em sua rede credenciada não está limitado ao contrato. Sentença mantida. Recurso improvido. (TJ-SP - Apelação Cível: 1009033-70.2023.8.26.0008 São Paulo, Relator: Pastorelo Kfouri, Data de Julgamento: 27/03/2024, 7ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 27/03/2024) A recusa da ré, portanto, mostra-se abusiva, à luz do art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor, por colocar a consumidora em desvantagem exagerada e restringir direitos fundamentais inerentes à natureza do contrato. Quanto à alegação da ré de que a autora não compareceu aos agendamentos realizados em cumprimento à tutela de urgência, tal fato não tem o condão de afastar o direito material da parte autora à cobertura do exame. A obrigação da ré de custear o procedimento foi reconhecida como provável desde o início do processo, e a eventual dificuldade logística para a realização do exame não desconstitui o direito em si. A conduta da ré em providenciar o agendamento apenas demonstra o cumprimento de uma ordem judicial, mas não convalida a ilegalidade da negativa original que deu causa à judicialização da demanda. Verifico que, há, in casu, abalo à direito da personalidade que extrapola a normalidade e os meros dissabores da inexecução contratual. Compulsando o caso, diante da negativa de exame, cabe reconhecer os danos morais causados. A ré perpetrou à parte autora mais do que meros dissabores comuns no enfrentamento de problemas da vida cotidiana. Restou evidente o sentimento de enganação e impotência do consumidor perante a arbitrariedade e abusividade da requerida, resultando, sem dúvida, em frustração, angústia e abalo psicológico na constante busca de soluções para problema a que não deu causa, impondo assim o dever de indenizar pelo dano moral causado a parte requerente. A condenação em danos morais não deve ser apenas suficiente para amenizar o sofrimento da vítima, mas principalmente para dissuadir a Requerida a praticar novo ilícito perante o reclamante ou a outros consumidores. Assim, induvidosamente, tem a parte Autora direito aos danos morais reclamados, que há de ser fixado observando o princípio da razoabilidade e proporcionalidade, evitando-se o enriquecimento sem causa. Na fixação da indenização a esse título, a lei não estabelece ou fixa um parâmetro previamente definido para se apurar o seu valor. Recomendável que o arbitramento seja feito com moderação, estabelecendo-se os parâmetros elencados por Antônio Jeová Santos (Dano Moral Indenizável. 4. Ed. RT 2003), quais sejam: a) o grau de reprovabilidade da conduta ilícita; b) a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima; c) a capacidade econômica do causador do dano; e d) as condições pessoais do ofendido. Não se descura, ainda, da utilização do método bifásico de apuração dos danos extrapatrimoniais, consagrada no STJ (R.Esp. nº 710.879/MG), bem como no Enunciado nº 2 da I Jornada Dos Juízes Do Sistema Dos Juizados Especiais Do Estado Da Bahia (promovida pela Mesa Diretora do Colégio de Magistrados dos Juizados Especiais - Dias 06 de agosto e 19 de setembro de 2015), onde se considera os parâmetros estabelecido pela jurisprudência para casos assemelhados (grupo de casos) e após, busca-se a proporcionalidade estabelecida em concreto, a partir das características fáticas e jurídicas do caso. Diante de tais critérios a indenização o valor de R$8.000,00 (oito mil reais) afigura-se razoável e compatível com o dano experimentado e que atende ao duplo pressuposto de punir o infrator e amenizar a amargura moral do autor, não caracterizando, assim, enriquecimento sem causa do autor, nem provocando abalo financeiro as Rés face aos seus potenciais econômicos. Posto isto, julgo PROCEDENTE EM PARTE os pedidos para, ratificando a tutela deferida, condenar a Requerida a autorizar a avaliação neuropsicológica completa, conforme relatório médico de id nº 438359168, bem como condenar a Requerida a pagar ao autor, a título de danos morais, a quantia de R$8.000,00 (oito mil reais), com correção monetária desde o presente arbitramento e juros de mora desde a citação. A correção monetária e os juros de mora terão incidência nos termos do art. 389, parágrafo único, e do art. 406, ambos do Código Civil, com a observância das alterações efetivadas pela Lei nº 14.905/2024, bem como pelos critérios ditados pelo direito intertemporal, da seguinte forma: I) até o dia 29/08/2024 (dia anterior à entrada em vigor da Lei nº 14.905/2024), a correção monetária será calculada pelo INPC e os juros de mora serão de 1% ao mês, de forma simples; II) a partir do dia 30/08/2024 (início da vigência da Lei nº 14.905/2024), a correção monetária será pela IPCA, e os juros de mora pela taxa Selic, deduzida do IPCA, de forma simples. Em face da sucumbência, suportará a parte vencida - Ré - as custas processuais, bem como os honorários advocatícios fixados em 15% sobre o valor da condenação. P.R.I. Arquivem-se os autos oportunamente e dê-se baixa. Salvador, BA Datado e Assinado Eletronicamente ISABELLA SANTOS LAGO Juíza de Direito 1 DIDIER JR., F. Curso de direito processual civil. 17. ed. Salvador: Jus Podivm, 2015. v. 1. Introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento p. 645-652).

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Processo nº 5081996-34.2025.8.09.0162

ID: 329616272

Tribunal: TJGO Órgão: Valparaíso de Goiás - UPJ Varas das Fazendas Públicas, Reg. Pub. e Ambiental: I e II Classe: PETIçãO CíVEL Nº Processo: 5081996-34.2025.8.09.0162

Data de Disponibilização: 21/07/2025

Polo Ativo:

Polo Passivo:

IBFC - INSTITUTO BRASILEIRO DE FORMACAO E CAPACITACAO

Decisão

Advogados:

DEBORAH REGINA ASSIS DE ALMEIDA

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Estado de GoiásPoder Judiciário2ª Vara Cível, Fazendas Públicas, Ambiental e Registros Públicos da Comarca de Valparaíso de GoiásRua Alemanha, 150, Parque Esplanada III, CEP 72.870-000, Fone: (61) 36… Estado de GoiásPoder Judiciário2ª Vara Cível, Fazendas Públicas, Ambiental e Registros Públicos da Comarca de Valparaíso de GoiásRua Alemanha, 150, Parque Esplanada III, CEP 72.870-000, Fone: (61) 3615-9600 SENTENÇA Natureza: PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Outros Procedimentos -> Atos e expedientes -> Petição CívelProcesso nº: 5081996-34.2025.8.09.0162Valor da Causa: R$ 1.000,00Requerente: Paulo Ricardo Silva De MeloRequerido: Estado De GoiasJuiz de Direito: Leonardo Lopes dos Santos Bordini Trata-se de Ação Cominatória com pedido de antecipação de tutela proposta por PAULO RICARDO SILVA DE MELO em desfavor do ESTADO DE GOIÁS e INSTITUTO BRASILEIRO DE FORMAÇÃO E CAPACITAÇÃO - IBFC, todos devidamente qualificados nos autos em epígrafe.Relata ser candidato no certame Edital n. 02/2024, concorrendo às vagas para o provimento efetivo do cargo de Policial Penal do Estado de Goiás, na condição de pessoa com deficiência (PCD), devido à sua visão monocular (CID 10 54.4).Afirma ter sido classificado na prova objetiva, sendo convocado para a fase seguinte, a saber, perícia médica e avaliação psicossocial, todavia, foi surpreendido com sua eliminação em ambas avaliações, ao argumento de que a sua “acuidade visual foi considerada incompatível com os requisitos previstos para o cargo” e “candidato considerado deficiente, porém sem compatibilidade entre o tipo e o grau de deficiência com o exercício das atribuições essenciais inerentes ao cargo ou emprego a ser ocupado, acordo com a alínea d do item 5.10.3 do Edital”.Assevera que sua deficiência não consta como critério de eliminação no edital em comento, sendo, portanto, arbitrária.Narra ainda, ter sido aprovado em 2019 e 2024 em seleções para o cargo de Vigilante Penitenciário Temporário junto ao primeiro requerido, exercendo, exatamente, a mesma função para a qual o concurso público em questão está realizando seleção.Assim, pretende, liminarmente, ser reintegrado ao certame e participar do Teste de Aptidão Física (TAF), que ocorrerá no período de 03 a 16/02/25, bem como das fases subsequentes do concurso, inclusive matrícula no curso de formação e, no mérito, a confirmação da tutela de urgência. Pugna ainda pela concessão da justiça gratuita.Instruiu a inicial com documentos (evento 01).Deferiu-se a gratuidade judiciária e concedeu-se a tutela de urgência (evento 04).O Estado de Goiás contestou (evento 23), arguindo que o edital estabeleceu regras claras e objetivas para todas as etapas do concurso, incluindo os prazos para a realização de cada fase, os critérios de avaliação e os documentos necessários para a comprovação dos requisitos para investidura no cargo; autor não atendeu aos requisitos de acuidade visual previstos no edital; autor pretende utilizar o Judiciário como substituto da banca examinadora para avaliar sua compatibilidade com o cargo ofertado no certame em comento, o que não deve ser admitido, sob pena de ofensa ao princípio da separação de Poderes; manutenção do autor no concurso fere os princípios da legalidade e da isonomia. Pugna pela improcedência.A ré IBFC apresentou defesa (evento 27), alegando, preliminarmente, ilegitimidade passiva e, no mérito, que o candidato que se inscreve no certame tem acesso prévio às condições exigidas para a avaliação proposta, bem como as exigências do cargo, em respeito ao princípio da vinculação ao edital; no presente caso, consta do edital item 9.4.10 as condições clínicas incompatíveis com o cargo ofertado, em particular, “acuidade visual a 6 (seis) metros, sem correção, inferior a 20/40 (0,5) em cada olho, bem como a acuidade visual a 6 (seis) metros, com correção (óculos), inferior a 20/30 (0,6) em cada olho, ambas aferidas por meio da tabela optométrica de Snellen”; o resultado da avaliação do autor foi de “acuidade visual de Acuidade visual sem correção OD 20/400 e com correção de 20/2400”, o que o torna inapto para o cargo, estando devidamente fundamentada a exclusão do autor. Requer a revogação da liminar e a improcedência do feito.Oportunizada vista acerca das defesas, o autor replicou (evento 34), rejeitando as teses defensivas, reitera os termos da inicial e informa ter sido aprovado no TAF.É o que basta relatar. Decido.O caso dos autos é de julgamento antecipado dos pedidos, nos termos do art. 355, I do CPC, uma vez que não há necessidade de produção de outras provas.Inicialmente, no que toca à alegação de ilegitimidade passiva suscitada, consoante a teoria da asserção, a legitimidade ad causam diz respeito à verificação da pertinência abstrata com o direito material controvertido, e, numa análise perfunctória, verifica-se que o pedido da autora relaciona-se ao segundo réu em razão dos fatos e fundamentos deduzidos na inicial, havendo pertinência subjetiva desta para responder a presente demanda, especialmente, quanto a potencial alteração do status da requerente no certame em comento se a pretensão autoral for acolhida.Por isso, rejeito a preliminar.No mérito, o cerne da lide na análise da regularidade, ou não, da desclassificação da parte autora e os efeitos daí decorrentes.Quanto aos fatos, percebe-se que, embora tenha sido aprovado na fase anterior do concurso em exame, o autor foi considerado inapto pela junta médica, ao fundamento de que teria apresentado condição incompatível com as atribuições do cargo pretendido, conforme se constata do conteúdo da resposta ao recurso administrativo apresentado pelo demandante (evento 01, arqs. 12/13).Lado outro, verifica-se do edital apresentado que há um rol de doenças, condições clínicas, sinais ou sintomas que são consideradas como incapacitantes para as atribuições típicas do cargo de Policial Penal, consoante item 9.4.10, constando da referida listagem, in verbis: “acuidade visual a 6 (seis) metros, sem correção, inferior a 20/40 (0,5) em cada olho, bem como a acuidade visual a 6 (seis) metros, com correção (óculos), inferior a 20/30 (0,6) em cada olho, ambas aferidas por meio da tabela optométrica de Snellen” (evento 01, arq. 16, p. 18).Ressai do laudo médico apresentado pelo autor à banca examinadora a seguinte avaliação médica: “acuidade visual sem correção de 20/400 em olho direito e 20/100 em olho esquerdo, acuidade visual com correção de 20/2400 em olho direito e 20/20 em olho esquerdo” (evento 27, arq. 04, p. 74).Diante disso, a avaliação médica realizada pela segunda ré foi no seguinte sentido: “9.4.14.c – grupo 3 a – acuidade visual sem correção de 20/400 em OD e com correção de 20/2400. Visão monocular”, com resultado de “INAPTO” (evento 27, arq. 04, p. 01).Nesse cenário, afigurar-se-ia a possibilidade de o autor ser excluído do certame, pois, de fato, não atende aos requisitos fixados. Todavia, a decisão de excluir o autor do concurso, mostra-se genérica e desprovida de devida fundamentação acerca da incompatibilidade da limitação do autor e o exercício da função, em especial, porque o demandante já exerce a função dos integrantes da Polícia Penal, via contrato administrativo (evento 01, arq. 07), na qual são trazidas e requeridas exigências e valências físicas das mais diversas, não havendo notícia da sua incompatibilidade para essa forma de exercício. Esse fato, sem dúvida, realça o descabimento da eliminação antecipada e meramente presuntiva da incompatibilidade da deficiência com as atribuições do cargo.No tocante ao direito, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou-se ao longo dos anos no sentido de que se afigura ilegal o ato da autoridade administrativa que exclui o candidato aprovado em concurso público, em vaga destinada aos portadores de deficiência física, em razão de supostas limitações físicas detectadas por ocasião da avaliação médica, tendo em vista que, em casos que tais, o exame da compatibilidade no desempenho das atribuições do cargo e a deficiência apresentada deverá ser realizado por equipe multiprofissional, durante o estágio probatório. Veja-se:“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. CANDIDATO COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA. DESCLASSIFICAÇÃO DECORRENTE DE DECLARAÇÃO DE INAPTIDÃO EM EXAME MÉDICO. LEI 7.853/1989 E DECRETO 3.298/1999. OBRIGATORIEDADE DO PODER PÚBLICO DE ASSEGURAR ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA O PLENO EXERCÍCIO DE SEUS DIREITOS. EXAME DE COMPATIBILIDADE QUE DEVE OCORRER DURANTE O ESTÁGIO PROBATÓRIO POR EQUIPE MULTIPROFISSIONAL. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Controvérsia que se restringe à compatibilidade entre a deficiência do impetrante, de natureza auditiva, com as atribuições do cargo público de Agente Penitenciário (AGEPEN). 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entende que a aferição da compatibilidade entre a deficiência e as tarefas a serem desempenhadas pelo candidato deverá ser aferida apenas durante o estágio probatório (RMS 1.880/SP, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 6/10/2020, DJe de 15/10/2020; REsp 1.777.802/PE, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 21/3/2019, DJe de 22/4/2019). 3. Entendimento que não se altera a despeito da revogação do art. 43, § 2º, do Decreto 3.298/99 pelo Decreto 9.508/2018, tendo em vista ser o Brasil signatário da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), promulgada pelo Decreto 6.949/2009 e vigente com ‘status’ de emenda constitucional (CF/88, art. 5º, § 3º), a qual prevê, dentre outros conceitos, o da adaptação razoável, que orienta para a inclusão de pessoas com deficiência em todo ambiente de trabalho mediante ajustes necessários que não impliquem ônus desproporcional ao empregador, o que deve ser aferido, concretamente, por meio do exercício da própria atividade laboral, durante o período de estágio probatório. 4. Constitui atuação discriminatória a eliminação precoce de candidato com deficiência aprovado em concurso, afirmada antes do início do exercício das funções inerentes ao cargo em estágio probatório e tendo por fundamento considerações abstratas acerca da preconcebida incompatibilidade entre as funções a exercer e a deficiência, sem que sejam ao menos tentadas modificações e ajustes no ambiente de trabalho que, porquanto razoáveis, permitam a efetiva inclusão da pessoa com eficiência. 5. Agravo interno a que se nega provimento.” (AgInt nos EDcl nos EDcl no RMS n. 55.074/MS, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, DJe 11/04/2024)Essa compreensão resultou da existência de previsão normativa então presente no art. 43, § 2º, do Decreto n. 3.298/99, que estabelecia a realização de avaliação pela equipe multiprofissional acerca da compatibilidade entre “as atribuições do cargo e a deficiência do candidato”, e que tal procedimento deveria ocorrer “durante o estágio probatório”.Ocorre que com a superveniência do Decreto n. 9.508/2018, a mencionada previsão de avaliação acerca da compatibilidade da deficiência do candidato com as atribuições do cargo a ser realizada durante o estágio probatório foi suprimida do texto normativo original, não mais estando presente no art. 5º do ato normativo revogador – de feição equivalente à do art. 43, § 1º, do dispositivo revogado.Tal contexto poderia ensejar, numa primeira leitura da legislação atualizada sobre o tema, a compreensão de que, afastada a previsão da realização de avaliação disciplinar durante o estágio probatório, esse procedimento poderia ser antecipado, em razão da estipulação constante do inciso V do referido art. 5º, segundo a qual a equipe multiprofissional emitirá parecer que observará “o resultado da avaliação com base no disposto no § 1º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 2015, sem prejuízo da adoção de critérios adicionais previstos em edital.”Entretanto, a exegese de um dado dispositivo não pode ser feita de maneira isolada do contexto da norma (ou do conjunto de normas) na qual está inserida, de modo que sua correta compreensão pressupõe uma abordagem sistêmica de seu conteúdo finalístico.Assim, conquanto a previsão de realização da avaliação pela equipe multiprofissional durante o estágio probatório tenha sido suprimida pelo Decreto n. 9.508/2018, essa circunstância não deve ser compreendida como uma autorização para que a Administração possa antecipar esse exame para momento anterior ao da posse. Ao contrário, a revogação do dispositivo em comento deve ser interpretada em sentido favorável aos candidatos com deficiência, e não com finalidade prejudicial.Observe-se, nesse sentido, que a revogação de dispositivos do Decreto 3.298/99, pelo Decreto 9.508/2018, não alcançou o art. 44 daquele normativo, segundo o qual:“Art. 44. A análise dos aspectos relativos ao potencial de trabalho do candidato portador de deficiência obedecerá ao disposto no art. 20 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990.”Por sua vez, referenciado art. 20 da Lei n. 8.112/90 assim prevê:“Art. 20. Ao entrar em exercício, o servidor nomeado para cargo de provimento efetivo ficará sujeito a estágio probatório por período de 24 (vinte e quatro) meses, durante o qual a sua aptidão e capacidade serão objeto de avaliação para o desempenho do cargo (...)”.Ora, a interpretação conjugada de ambos os dispositivos – que se mantêm em vigor no entendimento do Superior Tribunal de Justiça – enseja a constatação de que a análise da aptidão do candidato com deficiência para o cargo que veio a ocupar em razão da aprovação em concurso público deverá ser feita em sede de avaliação própria atinente ao estágio probatório, e não com base em avaliação antecipada levada a efeito pela equipe multiprofissional.Por essa razão, a única interpretação que se mostra possível para o inciso V do parágrafo único do art. 5º do Decreto 9.508/2018, que prevê a realização de uma avaliação da equipe multiprofissional ao longo do certame, é a de que essa avaliação deve ser levada a efeito apenas para se confirmar a existência da deficiência e explicitar as suas circunstâncias, até mesmo porque o referido dispositivo traz como expressa referência de fundamento o § 1º do art. 2º da Lei 13.146/2015 (que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência) que possui essa específica finalidade.Curial destacar ainda, que o entendimento da Corte Cidadã se ancora também no fato de o Brasil ser signatário da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência - CDPD, promulgada pelo Decreto 6.949/2009 e vigente com "status" de emenda constitucional (CRFB, art. 5º, § 3º), a qual prevê, dentre outros conceitos, o da adaptação razoável, que orienta para a inclusão de pessoas com deficiência em todo ambiente de trabalho mediante ajustes necessários que não impliquem ônus desproporcional ao empregador, o que deve ser aferido, concretamente, por meio do exercício da própria atividade laboral, durante o período de estágio probatório.A conclusão a que se deve chegar, portanto, é a de que a evolução normativa atinente à questão não teve a finalidade de limitar a permanência do candidato com deficiência nos concursos públicos a partir de uma avaliação multiprofissional realizada durante a realização dos certames, até mesmo porque se assim fosse não se poderia nem mesmo falar em evolução, senão em verdadeiro retrocesso normativo desprovido de uma fundamentação mínima que lhe desse alicerce.Por outro lado, não se admite a compreensão pelo direito de que a aferição das condições de desempenho do cargo na avaliação do estágio probatório equivaleria à instituição de um gravame desproporcional à Administração, na medida em que essa sistemática não é inteiramente nova. Como já mencionado, o revogado § 2º do art. 43 do Decreto 3.298/99 previa a realização de uma avaliação multiprofissional durante essa mesma etapa do estágio probatório, daí porque não se justifica aquilo que equivaleria a uma “hipotetização” da incompatibilidade entre a deficiência e o cargo pretendido.Esse tem sido o entendimento do Sodalício Goiano em casos análogos:“DIREITO ADMINISTRATIVO. REMESSA NECESSÁRIA. AÇÃO ANULATÓRIA. CONCURSO PÚBLICO. ELIMINAÇÃO DE CANDIDATO NA FASE DE AVALIAÇÃO MÉDICA. AUSÊNCIA DE INAPTIDÃO FUNCIONAL COMPROVADA. NULIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, MOTIVAÇÃO, RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. I. CASO EM EXAME 1. Remessa necessária em face de sentença que declarou a nulidade do ato administrativo que excluiu o autor do concurso público para o cargo de Agente de Polícia do Estado de Goiás, com fundamento em laudo médico de inaptidão decorrente de suposta insuficiência renal, nos termos do edital do certame. II. TEMA EM DEBATE 2. Há duas questões em discussão: 2.1 – a legalidade da exclusão do candidato com base em critério médico genérico previsto em edital, desacompanhado de fundamentação técnica individualizada; 2.2 – a possibilidade de controle jurisdicional do ato administrativo com base nos princípios constitucionais da legalidade, motivação, razoabilidade e proporcionalidade. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O princípio da vinculação ao edital impõe à Administração e aos candidatos o dever de observância rigorosa às regras previamente estabelecidas no instrumento convocatório, sendo inadmissíveis restrições não previstas expressamente em lei e no próprio edital. 4. Embora não caiba ao Poder Judiciário substituir-se à banca examinadora na valoração técnico-médica, é legítimo o controle da legalidade e da legitimidade do ato administrativo, notadamente quando ausente motivação idônea ou substrato clínico concreto que justifique a exclusão do candidato. 5. A perícia judicial realizada nos autos afastou a existência de doença renal ativa ou limitação funcional, indicando que a alteração laboratorial considerada pela junta médica poderia decorrer de erro de coleta, variação transitória ou condição clínica irrelevante para o desempenho das funções do cargo. 6. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que a exclusão de candidato aprovado em concurso público, com base em condição de saúde que não impede o exercício das funções, é inconstitucional (Tema 1.015). 7. A discricionariedade administrativa na avaliação de aptidão física dos candidatos não pode ser exercida de forma arbitrária, devendo ser pautada por critérios técnicos objetivos e razoáveis, sob pena de violação ao princípio da legalidade e da ampla acessibilidade aos cargos públicos. 9. O autor exerce atualmente as funções do cargo por força de decisão judicial, sem qualquer limitação funcional constatada, o que reforça a ilegalidade do ato administrativo que ensejou sua eliminação do certame. IV. DISPOSITIVO E TESE 10. Remessa necessária conhecida mas desprovida. Tese de julgamento: “1. É nulo o ato administrativo que elimina candidato de concurso público com base em critério médico genérico constante de edital, sem a devida demonstração individualizada e fundamentada de inaptidão funcional. 2. A avaliação de compatibilidade clínica com o exercício do cargo exige motivação robusta, pautada em exames objetivos e contextualizados, sob pena de violação aos princípios da legalidade, da motivação, da razoabilidade e da proporcionalidade.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, incisos II e XXXV; art. 37, caput; CPC, art. 496, I. Jurisprudência citada: STF, RE 632.853; STF, Tema 1.015 da Repercussão Geral (RE 886.131/MG); TJGO, RN nº 5491232-65.2017.8.09.0051; TJGO, RN nº 5257890-81.2016.8.09.0051; TJGO, AC nº 5661989-24.2019.8.09.0051; TJMT, AC nº 10142898220188110041.” (TJGO - Remessa Necessária n. 5031238-74.2017.8.09.0051, Rel. Des. JOSÉ RICARDO M. MACHADO, 8ª CCível, DJe 10/07/2025)“REMESSA OBRIGATÓRIA E APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. DIREITO ADMINISTRATIVO. EXCLUSÃO DE CANDIDATA COM VISÃO MONOCULAR EM CONCURSO PÚBLICO. INVIABILIDADE DE ELIMINAÇÃO SEM FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação interposta pelo Estado contra sentença que reconheceu a ilegalidade da exclusão de candidata com visão monocular em concurso público para o cargo de Policial Penal, sob a alegação de inaptidão na avaliação médica e incompatibilidade com o exercício do cargo. A sentença entendeu que a eliminação foi injustificada, violando normas constitucionais e infraconstitucionais que garantem os direitos das pessoas com deficiência. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) saber se é legal a eliminação de candidata com deficiência visual (visão monocular) em razão de suposta inaptidão médica para o cargo de Policial Penal; e (ii) saber se a análise de compatibilidade da deficiência com as atribuições do cargo pode ser realizada previamente ao estágio probatório. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A jurisprudência do STJ e dos tribunais estaduais reconhece que a visão monocular constitui deficiência sensorial e garante ao portador o direito de concorrer às vagas reservadas em concursos públicos. 4. A eliminação da candidata, com base em alegação genérica de inaptidão, careceu de fundamentação técnica idônea, desrespeitando o contraditório, a ampla defesa e os princípios da legalidade, da proporcionalidade e da razoabilidade. 5. A legislação vigente, notadamente a Lei nº 7.853/89 e o Decreto nº 3.298/99, assegura a avaliação da compatibilidade entre deficiência e cargo durante o estágio probatório, mediante acompanhamento de equipe multiprofissional. 6. A exclusão antecipada com base em exame médico genérico ofende as garantias constitucionais de inclusão e integração da pessoa com deficiência no serviço público. 7. Não se verifica ingerência indevida do Poder Judiciário nas atribuições da Banca Examinadora, pois há flagrante ilegalidade no ato administrativo impugnado, em descompasso com os parâmetros legais e jurisprudenciais. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Recurso conhecido e desprovido. Tese de julgamento: “1. A eliminação de candidato com visão monocular em concurso público exige fundamentação técnica específica e não pode se basear em juízos genéricos de inaptidão. 2. A compatibilidade da deficiência com as atribuições do cargo deve ser avaliada durante o estágio probatório, conforme dispõe o Decreto nº 3.298/99.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 1º, III, 3º, IV, 5º, I e X, 7º, XXXI, e 37, caput; Lei nº 7.853/1989, arts. 1º e 2º; Decreto nº 3.298/1999, arts. 3º e 43. Jurisprudência relevante citada: STJ, RMS 26.101; TJGO, AC nº 0004755-39.2010.8.09.0051, Rel. Dr. Fábio Cristóvão de Campos Faria, 3ª Câmara Cível, DJe de 27/05/2020; TJSP, AC/RN nº 1001671-77.2019.8.26.0292, Rel. Des. Ricardo Dip, j. 30/10/2019.” (TJGO - Reexame Necessário n. 5074988-48.2025.8.09.0051, Rel. Des. DIORAN JACOBINA RODRIGUES, 3ª CCível, DJe 03/07/2025)Nessa ordem de ideias, pelos motivos de fato e de direito alinhavados, o autor faz jus ao direito pleiteado.Posto isso, julgo PROCEDENTE o pedido inaugural, com resolução de mérito (CPC, art. 487, I), para, confirmando os efeitos da tutela de urgência, reintegrar o autor ao certame, autorizando sua participação do Teste de Aptidão Física (TAF), bem como das fases subsequentes do concurso, inclusive matrícula no curso de formação, na condição de sub judice e com reserva de vaga, em lista autônoma com os demais candidatos sub judice e, caso a parte autora obtenha aprovação em todas as etapas, eventual nomeação deverá ocorrer a partir da desistência dos melhores classificados na lista geral.Ante a sucumbência, custas pelos réus, sendo isento o Estado de Goiás (LEF, art. 39), além de honorários advocatícios, os quais fixo em R$ 1.500,00 (CPC, art. 85, § 8º).Sentença não sujeita ao reexame necessário (CPC, art. 496, § 3º, II).Transitado em julgado, arquivem-se, com baixa.Intime-se. Cumpra-se.Decisão assinada eletronicamente, conforme art. 1º, § 2º, inc. III, a, da Lei nº 11.419/06. Para conferência da autenticidade, utilize o código de validação do documento e acesse o site do TJ/GO.

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