Processo nº 1000973-80.2022.8.11.0099
ID: 330686244
Tribunal: TJMT
Órgão: Terceira Câmara de Direito Privado
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1000973-80.2022.8.11.0099
Data de Disponibilização:
21/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000973-80.2022.8.11.0099 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Cartão de Crédito] Relator: Des(a). ANTONIA SI…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Número Único: 1000973-80.2022.8.11.0099 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Cartão de Crédito] Relator: Des(a). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES Turma Julgadora: [DES(A). ANTONIA SIQUEIRA GONCALVES, DES(A). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, DES(A). DIRCEU DOS SANTOS] Parte(s): [COOPERATIVA DE CREDITO DE LIVRE ADMISSAO DO CENTRO SUL RONDONIENSE - SICOOB CREDIP - CNPJ: 02.015.588/0001-82 (APELANTE), NOEL NUNES DE ANDRADE - CPF: 237.546.722-15 (ADVOGADO), EDER TIMOTIO PEREIRA BASTOS - CPF: 690.997.232-53 (ADVOGADO), JOSMAR BENTO ZIOTO - CPF: 040.238.731-79 (APELADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO. EMENTA APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE COBRANÇA – CARTÃO DE CRÉDITO – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA E DA DÍVIDA – JUNTADA DE CONTRATO SEM ASSINATURA E FATURAS DE CARTÃO DE CRÉDITO – DOCUMENTOS UNILATERAIS – INSUFICIÊNCIA – PEDIDO DE PRODUÇÃO DE PROVAS – PRECLUSÃO LÓGICA – JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE – EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO – AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTOS DE CONSTITUIÇÃO E DE DESENVOLVIMENTO VÁLIDO E REGULAR DO PROCESSO – SENTENÇA REFORMADA EM PARTE – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. A simples juntada de faturas de cartão de crédito e demonstrativos de consumo, produzidos unilateralmente pelo fornecedor, não é suficiente para comprovar a existência de relação jurídica e a origem da dívida em ação de cobrança, especialmente em relações de consumo. É indispensável à apresentação do contrato assinado ou prova inequívoca da adesão do consumidor. O pedido de produção de provas formulado em sede recursal é contraditório quando a própria parte, anteriormente, requereu o julgamento antecipado da lide, configurando preclusão lógica e inovação recursal. A ausência de documentos essenciais que comprovem a relação jurídica e a dívida impede o prosseguimento da ação de cobrança, resultando na extinção do feito sem resolução de mérito, por falta de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, nos termos do art. 485, IV, do CPC. TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO APELAÇÃO CÍVEL Nº 1000973-80.2022.8.11.0099 APELANTE: COOPERATIVA DE CRÉDITO DE LIVRE ADMISSÃO DO CENTRO SUL RONDONIENSE - SICOOB CREDIP APELADO: JOSMAR BENTO ZIOTO RELATÓRIO EXMA. SRA. DESA. ANTÔNIA SIQUEIRA GONÇALVES (RELATORA) Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de apelação interposto por COOPERATIVA DE CRÉDITO DE LIVRE ADMISSÃO DO CENTRO SUL RONDONIENSE - SICOOB CREDIP, contra sentença proferida pela MMª. Juíza de Direito da Vara Única da Comarca de Cotriguaçu/MT, Dra. Gezicler Luiza Sossanovicz Artilheiro, lançada nos autos da Ação de Cobrança nº. 1000973-80.2022.8.11.0099, ajuizada em face de JOSMAR BENTO ZIOTO, que julgou improcedentes os pedidos formulados na inicial, entendendo que a documentação acostada na inicial, não foi apta a demonstrar a relação jurídica entre as partes. A apelante, em suas razões recursais, aduz que “O negócio jurídico firmado entre as partes advém da conta cartão n. 7563271268417, mediante contratação e uso de limite. A apelante disponibilizou os serviços contratados pelo devedor, o qual deixou de cumprir com os pagamentos das faturas do cartão, proveniente de uso próprio. Os pagamentos deveriam ser realizados todo dia 11 de cada mês, conforme data de vencimento presente nas faturas anexas em ID. 99790184 e seguintes, o que não foi cumprido pelo devedor” (sic). Afirma que “O requerido foi regularmente citado conforme diligência frutífera realizada pelo Senhor Oficial de Justiça, sob ID. 102331248. Contudo, deixou de se manifestar nos autos, assim como não realizou o pagamento da dívida. Posterior requerimento de julgamento antecipado, foi proferida sentença improcedente, apesar da inicial estar devidamente instruída com documentos que possibilitam o prosseguimento do procedimento comum civil” (sic). Salienta que no presente caso, com as devidas vênias à sentença recorrida, o dispositivo não está congruente com o caso concreto, uma vez que a dívida pode ser comprovada pelas faturas de cartão do crédito inadimplidas, onde se compreende a composição do saldo devedor de forma clara, em conjunto com a memória de cálculo contendo a evolução da dívida” (sic). Defende que “A apelante disponibilizou os serviços contratado pelo devedor, o qual deixou de cumprir com os pagamentos das faturas do cartão, provenientes de uso próprio, motivando então a sub-rogação de um saldo devedor total de R$ 7.263,29 (sete mil, duzentos e sessenta e três reais e vinte e nove centavos), conforme consta na fatura ID. 99790185, vencimento dia 11/07/2022. As faturas anexadas comprovam a realidade da dívida e acompanham a taxas de juros aplicadas, os encargos aplicados referente ao serviço contratado, os valores referente a cada fatura inadimplida e ainda, o valor de que se deu a Honra de Aval conforme exposto anteriormente, momento em que se iniciou a cobrança do valor assumido pela apelante, diante da inadimplência do devedor, titular do cartão” (sic). Sustenta que “com a memória de cálculo que acompanha a inicial, somada as faturas de utilização do produto, resta evidenciado de forma clara e de fácil compreensão o valor devido, com o cálculo de inadimplência, taxa de juros aplicada, os termos inicial e final de incidência, periodicidade de capitalização e evolução da dívida. No mais, insta mencionar que, o procedimento comum civil tem como escopo principal a necessidade de produção de provas, caso necessário” (sic). Afiança que “é relevante destacar que o recorrido foi devidamente citado em relação à Ação de Cobrança movida contra ele. No entanto, é importante mencionar que ele não apresentou contestação ou qualquer manifestação nos autos alegando desconhecer a existência da dívida. De mais a mais, é possível inferir da decisão proferida pelo Juiz a quo que, de forma paternalista, isentou o recorrido de sua obrigação perante a cooperativa, embora o recorrido nunca manifestou desconhecimento em relação à dívida em questão. Diante do supracitado, fica devidamente comprovada a relação jurídica entre as partes e que o requerido utilizava cartão de crédito da cooperativa, devendo, portanto, ser reformada a Sentença proferida” (sic). Diz que “a ação de cobrança é o reconhecimento da obrigação realizada entre credor e devedor, isto é, a declaração formal do direito de crédito. Por isto a necessidade do ajuizamento da demanda, para que seja reconhecida por este juízo a obrigação existente, possibilitando, posteriormente, o recebimento do crédito. Esclarece que, embora a inicial tenha sido acompanhada dos documentos necessários para sua propositura, em caso de sentença ensejando a extinção do feito, esta deverá ser sem resolução do mérito” (sic). Pondera que “caso seja mantida a sentença que requer a reforma, requer seja convertida em EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, com base no art. 320, do Código de Processo Civil. Importante salientar que embora o recorrido tenha sido citado, o mesmo não se manifestou nos autos, quedando-se inerte. Não ofereceu sequer contraprovas das alegações expostas pela credora. Em suma, fica devidamente comprovada a relação jurídica entre as partes e que o requerido utilizou os valores contratados, por livre vontade, se beneficiando do crédito fornecido pela credora, devendo, portanto, ser reformada a Sentença proferida a fim de reconhecer a dívida em desfavor do apelado” (sic). A par destes argumentos, pede o provimento do apelo, para “[...] julgar procedente a respectiva Ação de Cobrança, condenando o devedor ao pagamento da dívida no valor de R$ 8.625,26 (oito mil, seiscentos e vinte e cinco reais e vinte e seis centavos), com honorários e custas conforme pedido inicial, em razão de haver provas suficientes para promover o procedimento monitório, demonstrando a dívida e a relação contratual entre as partes; d) sendo necessário, requer a abertura de prazo para produção de provas, com a intimação da apelada para apresentação de novas provas; e) caso seja mantida a sentença, requer seja convertida em EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, com base no art. 320, do Código de Processo Civil” (sic). Sem contrarrazões. Preparo recursal devidamente recolhido, conforme Id. 294500898. É o relatório. VOTO EXMA. SRA. DESA. ANTÔNIA SIQUEIRA GONÇALVES (RELATORA) Egrégia Câmara: Recolhido o preparo, e estando adequado e tempestivo, CONHEÇO o apelo interposto, o que faço com fulcro no artigo 1.009 do Código de Processo Civil. Cinge a controvérsia recursal acerca da sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados na inicial, entendendo que a documentação acostada na inicial, não foi apta a demonstrar a relação jurídica entre as partes. Colaciono trecho da sentença exarada pelo juízo a quo: “Trata-se de Ação de Cobrança que Cooperativa De Crédito De Livre Admissão Do Centro Sul Rondoniense - Sicoob Credip move em face de Josmar Bento Zioto, partes qualificadas, em que aduz, em síntese, que o Réu contratou através do Contrato de Prestação de Serviços de Emissão, Administração e Utilização de Cartão – Pessoa Física Sicoob Card Mastercard Clássico, a concessão de limite no cartão de crédito n. 7563271268417, no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais). Assevera que na contratação, o Réu reconheceu expressamente a veracidade dos demonstrativos mensais de compras de crédito, saques e financiamento automático, como também a aplicação dos juros que incidem a partir do vencimento do débito, se comprometendo a pagar o crédito à Requerente na data do vencimento das faturas. Diz que, vencidas as obrigações com o decurso do lapso temporal acordado para os cumprimentos, o Réu não efetuou o pagamento dos valores devidos. Assevera que é credora da quantia de R$ 8.625,26 (oito mil, seiscentos e vinte e cinco reais e vinte e seis centavos), motivo pelo qual ajuizou a presente ação. Discorreu sobre a inexistência de título líquido, certo e exigível no caso dos autos, motivo pelo qual fora ajuizada ação de cobrança. Fundamenta o pedido no art. 389 do CC. Ao final, pede a procedência dos pedidos iniciais para que o Réu seja condenado ao pagamento de R$ 8.625,26 (oito mil, seiscentos e vinte e cinco reais e vinte e seis centavos), acrescido de juros e correção monetária. [...] O Réu foi citado conforme certidão de Id. 102331248, tendo deixado transcorrer o prazo para contestar o feito sem manifestação. Vieram conclusos. É o relatório. Decido. II. FUNDAMENTAÇÃO [...] Tendo em vista que ocorreu à revelia, passa-se ao julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 355, II, do CPC. Consoante demonstram os documentos dos autos, o Réu foi devidamente citado e deixou de apresentar a contestação, sendo, portanto revel. Assim, presumem-se verdadeiros os fatos alegados pela Autora na inicial, nos termos do art. 344 do Código de Processo Civil. Contudo, mesmo com a revelia, incumbe à Autora a comprovação mínima dos fatos narrados na inicial, ônus do qual não se desincumbiu. Em verdade, em análise a documentação acostada na inicial, verifica-se que inexiste qualquer contrato de abertura de conta ou contratação de serviços que demonstre a existência de relação jurídica estabelecida entre as partes. Salienta-se que o contrato de Id. 99790180 não possui a assinatura do Réu, sendo que as demais faturas juntadas com a inicial, por si só, são documentos unilateralmente produzidos pela Requerente que se mostram insuficientes para embasar a cobrança pretendida. Caberia à Autora comprovar, de forma inequívoca, a contratação aduzida na inicial, o que não ocorreu, uma vez que inexiste qualquer contrato ou documento que demonstre a contratação de serviços ou de valores pelo Réu. Dessa forma, a pretensão da cobrança não se justifica, uma vez que não comprovada a relação jurídica estabelecida entre as partes. [...] III. DISPOSITIVO Com fulcro no art. 487, inciso I, do CPC, resolvo o mérito da presente ação e JULGO IMPROCEDENTE o pedido inicial. Sem honorários ante à revelia da parte contrária. Custas pela Autora.” (Id. 293020946) Pois bem. A hipótese versa ação de cobrança, ajuizada pelo banco autor, visando o recebimento de R$8.625,26 (oito mil, seiscentos e vinte e cinco reais e vinte e seis centavos), alegando ser originário da utilização de cartões de crédito pelo requerido, que teria deixado de efetuar os respectivos pagamentos. É certo que, no âmbito das relações de consumo, o ônus da prova acerca da regularidade da contratação e dos débitos cobrados recai sobre o fornecedor do serviço, no caso, a apelante, principalmente após a decretação de revelia do apelado. Outrossim, nos termos do art. 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), impõe-se ao fornecedor o dever de demonstrar de forma clara e precisa a existência da obrigação e os valores devidos. Observa-se da minuciosa análise do acervo fático-probatório dos autos que a apelante não se desincumbiu do ônus de provar os fatos alegados. Com efeito, vê-se que acostou à exordial um contrato sem qualquer assinatura do apelado e faturas do cartão de crédito, não sendo, estes documentos, capazes de demonstrar nem o negócio jurídico entabulado entre as partes nem a titularidade da contratação. Verdadeiramente, em se tratando de ação de cobrança fundada em relação de consumo, como é a hipótese vertente envolvendo serviços de cartão de crédito, impõe-se ao autor o ônus de provar de forma robusta a existência do negócio jurídico entabulado com o consumidor, assim como a origem e extensão da dívida cobrada. Destarte, em respeito aos princípios basilares que norteiam a tutela consumerista, notadamente a vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo (art. 4º, I, CDC), impõe-se ao fornecedor o dever de informação clara e adequada acerca dos serviços contratados, bem como a observância das normas de ordem pública e interesse social previstas no Código Consumerista. Nesta perspectiva hermenêutica, cabe analisar os fundamentos recursais à luz da normativa principiológica e das garantias legais asseguradas ao consumidor, a fim de aquilatar a efetiva comprovação do negócio jurídico subjacente e da legitimidade dos encargos exigidos. No que tange à alegada suficiência das faturas e demonstrativos de consumo para comprovar a contratação dos serviços de cartão de crédito, entendo que sem a apresentação do contrato de adesão ou de abertura de conta, devidamente assinados, constando os dados do requerido, ou, ainda, indícios de uma cobrança administrativa, com uma comunicação direta com o cliente, tem-se que a ação se encontra desacompanhada de qualquer documento que comprove o vínculo jurídico entre as partes. O contrato é o instrumento básico que estabelece as condições e os direitos das partes envolvidas, sendo imprescindível para a validação de qualquer cobrança, assim, em consonância com o art. 396 do Código de Processo Civil (CPC), cabia ao banco apresentar tal documento, sob pena de não se reconhecer a legitimidade da dívida. De fato, as faturas documentos unilaterais emitidos pelo próprio fornecedor do serviço, refletindo os lançamentos realizados em seus sistemas internos de controle e registro de operações. Contudo, por si só, este documento não ostenta força probatória suficiente para comprovar de forma inconteste a efetiva existência de uma relação contratual com o consumidor. É cediço que, em obediência ao princípio da pacta sunt servanda, os negócios jurídicos bilaterais exigem a efetiva manifestação de vontade das partes contratantes para vinculá-las reciprocamente. Nesta senda, a formalização contratual, ainda que verificada por meio de adesão a instrumento pré-elaborado unilateralmente pelo fornecedor, demanda a exteriorização expressa ou tácita da aceitação pelo consumidor, sob pena de nulidade. Neste contexto, revela-se imprescindível a juntada aos autos do instrumento contratual que formalizou e regeu a relação jurídica em análise, ou ao menos de prova inequívoca da adesão do consumidor às condições e encargos nele estipulados. Assim, extratos que detalhem a evolução do débito e o histórico de movimentações financeiras são elementos indispensáveis para a validação da cobrança. Outrossim, as faturas apresentadas apenas demonstram que houve utilização do cartão de crédito, sem qualquer comprovação de que foi efetivamente utilizado pelo requerido. Considerando isso, a ausência de efetiva prova da contratação do crédito, não permite conferir verossimilhança à cobrança. Nesse sentido é a jurisprudência deste Sodalício: “DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. CARTÃO DE CRÉDITO. INEXISTÊNCIA DE CONTRATO ASSINADO E DE PROVA DA RELAÇÃO JURÍDICA. NÃO DEMONSTRADA A ORIGEM E EVOLUÇÃO DA DÍVIDA. COBRANÇA FUNDADA EXCLUSIVAMENTE EM FATURAS. IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME Apelação cível interposta contra sentença proferida, que julgou improcedente ação de cobrança no valor de R$ 101.679,89, supostamente relativa a utilização de cartão de crédito. A sentença fundamentou-se na ausência de comprovação da contratação do serviço de cartão de crédito e da origem e evolução da dívida. O banco alega que a relação jurídica estaria comprovada por meio das faturas e demonstrativos de consumo, sustentando ser desnecessária a apresentação do contrato assinado. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (i) definir se a apresentação de faturas e demonstrativos de consumo é suficiente para comprovar a relação jurídica entre as partes e a origem do débito; (ii) estabelecer se a ausência de contrato assinado e de extratos demonstrando a evolução da dívida compromete a validade da cobrança formulada. III. RAZÕES DE DECIDIR A prova da contratação e da origem da dívida incumbe ao credor, especialmente em relações de consumo, conforme os arts. 6º, VIII, e 4º, I, do CDC, não bastando documentos unilaterais emitidos pelo próprio fornecedor, como faturas ou planilhas de atualização. A ausência de contrato assinado, ou de prova inequívoca da contratação, impossibilita a verificação do vínculo jurídico, tornando incerta a legitimidade da cobrança. As faturas e demonstrativos apresentados não comprovam que o cartão foi contratado e utilizado pelo requerido, tampouco permitem verificar os critérios adotados para o cálculo da dívida. A cobrança de valores elevados sem a documentação mínima necessária fere os princípios da boa-fé objetiva, da informação adequada e da transparência nas relações de consumo. A jurisprudência do STJ e dos tribunais estaduais exige, em ações de cobrança por inadimplemento de cartão de crédito, a apresentação de documentos que demonstrem a contratação, a origem e a evolução da dívida, com seus encargos. A sentença de improcedência deve ser mantida diante da ausência de prova robusta da relação contratual, sendo incabível a cobrança fundada exclusivamente em documentos produzidos unilateralmente pela instituição financeira. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso desprovido. Tese de julgamento: Em ações de cobrança fundadas em inadimplemento de cartão de crédito, a instituição financeira deve comprovar a existência da relação contratual mediante apresentação do contrato assinado ou de prova inequívoca da adesão do consumidor. A simples juntada de faturas ou demonstrativos de consumo não supre a ausência de documentos essenciais que comprovem a origem e evolução da dívida. A ausência de comprovação do vínculo contratual e da formação do débito inviabiliza a cobrança judicial, em observância ao ônus probatório do autor e aos princípios que regem a defesa do consumidor. Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 373, I; 396; 85, §2º e §11. CDC, arts. 4º, I; 6º, III e VIII. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no REsp 1.601.462/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, T4, j. 10.04.2018, DJe 18.04.2018. TJMT, Ap. Cív. 1001572-97.2019.8.11.0010, Rel. Des. Nilza Maria Possas de Carvalho, j. 25.06.2024, DJE 26.06.2024. TJES, Ap. Cív. 5000117-30.2022.8.08.0035, Rel. Des. Eliana Junqueira Munhos Ferreira, j. 05.09.2024. TJMG, Ap. Cív. 5028823-28.2016.8.13.0024, Rel. Des. Mônica Libânio, j. 03.04.2024.” (N.U 1013619-34.2024.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SERLY MARCONDES ALVES, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 03/05/2025, Publicado no DJE 03/05/2025) Quanto ao pedido subsidiário de abertura de prazo para produção de provas, verifico que a própria apelante requereu o julgamento antecipado da lide, conforme se extrai do Id. 293020944, senão vejamos: “Consoante se depreende dos autos, a parte requerida foi regularmente citada e não manifestou nos autos. Ainda assim, o crédito exequendo se perfaz em R$ 19.670,09 (dezenove mil, seiscentos e setenta reais e nove centavos), conforme memória de cálculo anexa. Diante disso, a exequente não tem mais provas a produzir, assim requer julgamento antecipado do mérito.” Ou seja, tal pleito revela-se controverso, haja vista que a própria apelante peticionou afirmando não ter mais provas a produzir e requerendo o julgamento antecipado da lide, o que demonstra, de forma inequívoca, a sua opção processual pela resolução imediata da controvérsia com base nos elementos constantes dos autos. Nesse contexto, a posterior formulação de pedido subsidiário de abertura de prazo para produção de provas mostra-se contraditória e destituída de amparo, configurando inovação recursal que não merece acolhimento, por afrontar os princípios da lealdade processual e da preclusão consumativa. Quanto ao tema, colaciono precedente desta Câmara de Direito Privado: “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL – CERCEAMENTO DE DEFESA – REJEITADO – ÔNUS DA PROVA – ART. 373, INC. I, DO CPC – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. O pedido de julgamento antecipado da lide implica na preclusão lógica do direito de produzir provas, afastando a alegação de cerceamento de defesa. O ônus da prova recai sobre a parte autora a fim de que, ao menos, demonstre em juízo a verossimilhança das suas alegações, comprovando a existência do ato por ela descrito na inicial como ensejador do seu direito, obrigação da qual não se desincumbiu.” (N.U 1001608-16.2022.8.11.0017, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 22/07/2024, Publicado no DJE 22/07/2024) Por fim, quanto ao pedido de conversão em “extinção sem resolução do mérito”, com base no art. 320, do Código de Processo Civil, entendo que este deve ser acolhido. A sentença foi prolatada sob o fundamento de que a documentação anexada com a inicial não demonstra de forma satisfatória a existência da relação jurídica. A autora/apelante instruiu a demanda apenas com as faturas de cartão de crédito. No entanto, como demonstrado alhures, essa documentação não é suficiente para comprovar a existência da relação jurídica entre as partes, visto que não demonstra sua origem. Logo, a ação originária não está instruída com documentos essenciais para a propositura da demanda, o que impede o prosseguimento. Na sentença a lide foi julgada improcedente. Contudo, diante da ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, impõe-se a extinção sem resolução de mérito, com amparo no art. 485, IV, do CPC. Nesse sentido já decidiu este Sodalício: “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE COBRANÇA – CARTÃO DE CRÉDITO – AUSÊNCIA DE DOCUMENTOS ESSENCIAIS À PROPOSITURA DA DEMANDA – RELAÇÃO JURÍDICA NÃO COMPROVADA – FALTA DE PRESSUPOSTOS DE CONSTITUIÇÃO E DE DESENVOLVIMENTO VÁLIDO E REGULAR DO PROCESSO - EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO – ART. 485, IV, DO CPC – RECURSO NÃO PROVIDO. A Ação de Cobrança de cartão de crédito deve ser instruída com documentos que comprovem a existência da relação jurídica e demonstrem a progressão do débito. A ausência de documentos essenciais enseja a extinção sem resolução do mérito, com amparo no art. 485, IV, do CPC.” (N.U 1007056-63.2023.8.11.0007, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, RUBENS DE OLIVEIRA SANTOS FILHO, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 06/09/2024, Publicado no DJE 06/09/2024) (Destaquei) E o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: “CONTRATO BANCÁRIO. Cartão de crédito. Ação de cobrança. Processo extinto, sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, IV do CPC. Não apresentação de instrumento contratual ou qualquer outro tipo de prova de contratação do serviço. Documentação carreada insuficiente para verificação de legitimidade e origem do crédito. Sentença correta . Suficientes fundamentos ratificados (artigo 252 do Regimento Interno). Recurso desprovido.” (TJ-SP - Apelação Cível: 10001074620248260338 Mairiporã, Relator.: Guilherme Santini Teodoro, Data de Julgamento: 28/04/2025, Núcleo de Justiça 4.0 em Segundo Grau – Turma II (Direito Privado 2), Data de Publicação: 28/04/2025) (Destaquei) Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de apelação, apenas para retificar o fundamento da sentença singular, extinguindo o feito sem resolução de mérito, ante a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, com fundamento no art. 485, IV, do CPC. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 16/07/2025
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