Thiago Simon Lopes x Uber Do Brasil Tecnologia Ltda.
ID: 330901995
Tribunal: TRT9
Órgão: 06ª VARA DO TRABALHO DE LONDRINA
Classe: AçãO TRABALHISTA - RITO SUMARíSSIMO
Nº Processo: 0000428-47.2025.5.09.0513
Data de Disponibilização:
22/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
PEDRO ZATTAR EUGENIO
OAB/MG XXXXXX
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LUIZ AFRANIO ARAUJO
OAB/RS XXXXXX
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PEDRO PAULO POLASTRI DE CASTRO E ALMEIDA
OAB/MG XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 9ª REGIÃO 06ª VARA DO TRABALHO DE LONDRINA ATSum 0000428-47.2025.5.09.0513 RECLAMANTE: THIAGO SIMON LOPES RECLAMADO: UBER D…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 9ª REGIÃO 06ª VARA DO TRABALHO DE LONDRINA ATSum 0000428-47.2025.5.09.0513 RECLAMANTE: THIAGO SIMON LOPES RECLAMADO: UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. INTIMAÇÃO Fica V. Sa. intimado para tomar ciência da Sentença ID 31fc293 proferida nos autos, cujo dispositivo consta a seguir: SENTENÇA 1. RELATÓRIO Sendo o feito sujeito ao procedimento sumaríssimo, "a sentença mencionará os elementos de convicção do juízo, com resumo dos fatos relevantes ocorridos em audiência, dispensado o relatório" (art. 852-I da Consolidação das Leis do Trabalho). As partes convencionaram a adoção de prova emprestada dos autos autos 0010200-28.2022.5.03.0021, 0100776-82.2017.5.01.0026, 1001906-63.2016.5.02.0067 e 0010075-53.2019.5.03.0025, consistente dos depoimentos das testemunhas Walter Tadeu Martins Filho, Vitor de Lalor Rodrigues da Silva, Pedro Pacce Prochno e Chrystinni Andrade Souza, respectivamente. Convencionaram ainda como incontroversos os pontos mencionados em audiência (fl. 369). 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. Preliminar de incompetência material Afirmando a parte autora ter mantido com o ex adverso contrato de emprego, só a Justiça do Trabalho, e nenhum outro seguimento do Poder Judiciário, é dotado de competência para examinar a matéria, mesmo que porventura se venha a acolher a tese da defesa quanto à inexistência do vínculo empregatício. A competência da Justiça do Trabalho é determinada pela natureza da res in iudicio deducta, estando presente sempre que se estabelece conflito entre empregador e empregado. Esta natureza é estabelecida pelo conteúdo da pretensão deduzida. Se não houve contrato de trabalho, será caso de rejeição completa dos pedidos, com exame do mérito, e não de extinção do feito sem esta cognição, o que, de resto, interessa aos próprios réus. Por tais razões, rejeito a preliminar de incompetência ratione materiae, sem prejuízo do conhecimento dos argumentos expendidos na preliminar como matéria concernente ao meritum causae. 2.2. Preliminar de inépcia da petição inicial A peça de ingresso, atendeu aos requisitos do art. 319 do CPC e aos do art. 840, § 1º, da CLT, contendo exposição clara e pedido certo, ainda que indeterminado, com perfeita viabilização do contraditório e do exercício do direito de ampla defesa da ré, inclusive quanto ao pedido de reintegração (fls. 115 e seguintes). Postas estas razões, com fulcro no disposto no art. 319 do CPC e no do art. 840, § 1º, da CLT, rejeito a preliminar de inépcia da petição inicial. 2.3. Ilegitimidade ativa Sustenta a ré que o autor é parte ilegítima para pleitear indenização por danos morais, ao argumento de que a ausência de recolhimento previdenciário “não constitui matéria relacionada ao contrato de trabalho” (fl. 121). É evidente a legitimidade ativa do autor para propor ação visando a indenização por danos morais em razão da ausência de formalização do vínculo empregatício e recolhimentos previdenciários, pela precarização dos seus direitos. Por tais razões, rejeito a preliminar. 2.4. Natureza da relação jurídica havida entre as partes O autor alega ter sido empregado da ré e esta nega o liame empregatício, asseverando tratar-se a relação jurídica havida entre ambas de vínculo de natureza civil. Disse que a autora prestava serviços como motorista, sendo parceiro autônomo (pessoa física). Argumenta ainda a defesa que o autor foi quem procurou a ferramenta digital e contratou o aplicativo Uber “com o único intento de fomentar sua atividade, dando publicidade do seu serviço de motorista independente e particular”. Sustenta que não há processo de seleção e contratação, somente cadastramento online realizado pelo interessado. Argumenta que a Uber não explora a atividade empresarial de transportes e faz a “intermediação dos negócios entre aqueles Usuários que desejam contratar os serviços e aqueles que o oferecem”. Também afirma que o autor repassava à Uber o montante correspondente a 25% sobre o valor recebido dos usuários. Ainda segundo a contestação, a ré atua no modelo de negócio denominado "economia de compartilhamento" no qual são utilizadas plataformas de software que conectam “compradores e vendedores, locadores com locatários ou, no caso da Uber, motoristas parceiros com usuários interessados". Explica ser sua atividade a intermediação no ambiente digital. Impugna a média salarial apontada na petição inicial e nega tenha sido o autor dispensado sem justa causa. É sempre da parte autora o ônus da prova quanto ao fato constitutivo do seu direito, conforme previsto no art. 818 da CLT e no art. 373 do CPC. Já quando se trata de invocação de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito alegado na petição inicial ocorre o contrário: o onus probandi é do réu, incidindo no caso o preceito insculpido no inciso II do art. 818 da CLT, que repetiu o no inciso II do art. 373 do CPC. Esta segunda hipótese se aplica ao caso dos autos, pois a tese da defesa aparece como invocação de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito alegado na petição inicial, já que as rés admitem a relação jurídica e o trabalho prestado pelo autor, conquanto sustentem sua natureza civil. Os depoimentos tomados como prova emprestada trazem depoimentos pouco divergentes. A testemunha Chrystinni Andrade Souza, cujo depoimento foi tomado como prova emprestada e carreado à fl. 72, declarou: é empregada da Uber desde abril de 2017, inicialmente como agente de atendimento e posteriormente como supervisora de atendimento; a depoente tem um ponto fixo de trabalho, situado na Avenida Getulio Vargas; no aplicativo podem se cadastrar somente pessoas físicas; a Uber não determina para os motoristas uma zona específica onde possa dirigir, nem o horário respectivo; o motorista parceiro pode ter outros motoristas vinculados a sua conta; se o motorista parceiro não quiser oferecer bala e água, não sofre punição; o motorista pode usar aplicativos concorrentes; o GPS já indica uma rota, mas fica a cargo do motorista e do passageiro, em comum acordo, escolherem a melhor rota; a Uber emite nota fiscal para o motorista; o motorista não tem autonomia de fazer cadastro de outros motoristas; cada motorista que roda tem que ter um login e uma senha pessoais; não conhece o reclamante; quando o passageiro dá nota e faz comentário sobre o motorista, este último tem acesso a nota e ao comentário, mas não ao passageiro que os deu; a nota serve para avaliar a qualidade do serviço prestado ao passageiro; se o motorista tiver uma nota baixa, ele recebe um e-mail automático informando que a nota dele está abaixo da média da região; se o motorista tiver sucessivas notas baixas, pode ser encerrada a parceria; existem promoções e incentivos para o motorista rodar em determinado local; não sabe dizer exatamente quem apura as notas mencionadas. Nada mais. A testemunha Walter Tadeu Martins Filho, cujo depoimento foi carreado à fl. 272, disse: "que é empregado da reclamada; que é gerente de pesquisa e desenvolvimento; que o motorista tem liberdade para definir dias e horários em que estará online; que não tem poderes para contratar e dispensar empregados da Uber, assim como não tem poder para definir valores a serem cobrados por viagens; que não registra sua jornada em cartão de ponto; que no credenciamento não existe entrevista ou treinamento; que o cadastro não é realizado pessoalmente, mas pelo sistema da reclamada; que quando faz o cadastro o motorista tem acesso aos termos de uso do aplicativo.(...) "que para ser cadastrado o motorista tem que dar o "aceite" no termo de uso do aplicativo; que o cadastro é pessoal e intransferível; que eventualmente a Uber pode pedir uma selfie por questões de segurança; que não há treinamento para uso do aplicativo; que o motorista não é descadastrado por ficar um espaço de tempo sem utilizar o aplicativo; que não há um período máximo no qual o motorista pode ficar descadastrado; que o motorista não apresenta relatórios para a reclamada; que o motorista não é punido quando não está online; que o motorista não é obrigado a enviar atestado médico para a reclamada; que o motorista pode se cadastrar e permanecer online em outros aplicativos; que a rota da viagem é definida em conjunto pelo motorista e passageiro; que o motorista escolhe o local onde permanecerá online; que o veículo pode ser compartilhado com outros motoristas, mas todos devem estar cadastrados; que a reclamada não exige um número mínimo de viagens a serem feitas; que o motorista é avaliado pelo passageiro e vice-versa; que a avaliação não interfere na distribuição de viagens; que o motorista pode ser descadastrado se mantiver uma nota abaixo da média definida para a cidade de atuação; que não sabe como são distribuídas as viagens; que o motorista não é descadastrado quando apresenta alto índice de recusa de viagens; que após a viagem o motorista pode fazer contato com o suporte e fazer comentários sobre o comportamento do usuário; que desde 2017 o recebimento da corrida em dinheiro já está disponível; que não sabe se o reclamante já concedeu desconto para passageiro no caso de pagamento em dinheiro; que no UberX o percentual retido pela reclamada é 25% do valor da corrida; que a reclamada faz promoções para motoristas e clientes, mas o motorista não é obrigado a participar da promoção; que os motoristas não são classificados em categorias; que a reclamada não estabelece meta para os motoristas; que o UberPro diz respeito a benefícios concedidos no caso de o motorista realizar o maior número de viagens, dentre os quais, bolsa para curso de inglês, desconto em combustível e desconto em academia; que o valor da viagem é definido de acordo com o tempo e distância; que a tarifa dinâmica é definida por região e visa atrair motoristas para determinadas regiões; que a reclamada não monitora o motorista quando o aplicativo está desativado; que o motorista fica impossibilitado de fazer viagens no caso de problemas de documentação ou quando há algumas verificações; que não sabe se a reclamada possui pessoal que cuida do descredenciamento; que quando o cliente apresenta a reclamação, o motorista pode apresentar sua versão; que a Uber oferece um seguro por acidentes pessoais para o motorista e passageiro; que a reclamada não exige que o motorista contrate seguro; que não sabe se já houve reclamação em relação ao reclamante; que não sabe se o reclamante era cordial com os passageiros; que a reclamada não estabelece o tipo de vestimenta que o motorista pode usar; que o cadastro é realizado no sistema mas o motorista pode comparecer no espaço Uber para receber orientações sobre como se cadastrar no aplicativo". Nada mais. Inquirida, a testemunha Vitor de Lalor Rodrigues da Silva, declarou à fl. 277: “que é gerente de operações no RJ; que qualquer pessoa pode acessar a plataforma para a Uber; que não é feita entrevista nem feito treinamento; que não há uso de uniforme obrigatório; que não há chefe para o motorista parceiro; que o motorista não envia relatório; que não precisa autorização para desligar o aplicativo; que não é obrigatório bala e água; que é possível o motorista cadastrar mais uma pessoa para conduzir o veículo; que o pagamento é feito ao motorista principal mas o auxiliar recebe um relatório do que ele fez; que é possível usar o aplicativo de concorrente e não há punição; que a avaliação do motorista é feita apenas pelo usuário; que o motorista também avalia o usuário, sem interferência da empresa; que o caminho a ser seguido é decisão do usuário; que é possível ao motorista ficar dias sem se conectar, inclusive longos períodos (6 meses/1 ano) sem precisar avisar ninguém; que o cancelamento de viagem pelo motorista não gera punição; que pode ocorrer de um motorista cancelar a viagem durante seu desenvolvimento; que o motorista pode dar desconto se o pagamento é feito em dinheiro; que não há ajuda financeira da Uber ao motorista para combustível, IPVA e manutenção; que a Uber emite nota fiscal; que se o usuário tem algum débito isso é cobrado na viagem seguinte”. Finalmente, Pedro Pacce Prochno declarou (fls. 280/281): que trabalha na Uber, registrado, como gerente de comunicação;2) que tem conhecimento sobre como funciona a plataforma e o contato com os motoristas; 3) que não entra em contato com os motoristas, apenas raramente quando há alguma solicitação da imprensa para dar entrevistas por exemplo; 4) que a plataforma e o funcionamento são os mesmos em todo o territorio nacional; 5) que qualquer pessoa pode entrar no site da uber e preencher informações para se tornar um motorista da uber; 6) que a uber apenas solicita documentos pessoais, carteira de motorista com observação de que exerce atividade remunerada; 7) que com o cadastramento do motorista, o mesmo recebe as informações sobre funcionamento da plataforma por e-mail, pelo site e pelo próprio aplicativo; 8) que o motorista precisa concordar com essas regras; 9) que o "de acordo" com as normas é realizado pelo motorista parceiro no próprio site da uber ou no aplicativo; 10) que não há treinamentos ou entrevistas com o motorista; 11) que o próprio motorista arca com valores de combustível, multas e afins; 12) que o motorista parceiro pode ter outras pessoas cadastradas para utilização do mesmo carro; 13) que nesse caso, os valores pagos caem na conta da pessoa principal que fez o cadastro, sendo responsável pela divisão posterior; 14) que a reclamada não obrigada o motorista a comprar carro, podendo este ser alugado, de amigo ou de familiar, devendo apenas ter acesso à documentação do veículo ; 15) que quem decide os dias e horários em que irá ligar o aplicativo é o próprio motorista, podendo desligar sempre que desejar; 16) que o motorista pode negar corrida, pode deixar o aplicativo desligado; 17) que para segurança da plataforma, se o motorista ficar inativo por longo período, não sabendo especificar quanto, há o descadastramento, mas o mesmo pode ser recadastrado imediatamente quando solicitado;18) que não há penalidade se o motorista desligar o aplicativo; 19) que o motorista não recebe ordens diretas de ninguém da Uber, nem é fiscalizado por ninguém quanto à sua jornada ou seu dia a dia; 20) que o motorista não tem que prestar contas para ninguém da uber; 21) que a reclamada não fixa jornada ou corridas mínimas ; 22) que quem avalia a viagem são os próprios usuários e os motoristas avaliam os usuários; 23) que se a avaliação for ruim, os dois lados podem ser descadastrados; 24) que a divisão da corrida é variável, sendo do uber black 20% para a uber e o restante para o parceiro e no uberX 25% para a uber; 25) que o motorista pode dirigir para outros aplicativos ou particular; 26) que o motorista pode dar desconto, pelo próprio aplicativo; 27) que não é necessário uso de uniforme ou terno, não havendo qualquer norma de etiqueta; 28) que a reclamada não obriga a fornecer água e bala; 29) que a reclamada envia mensagens aos motoristas (dicas de outros motoristas para inspirar outros motoristas parceiros); 30) que nas mensagens podem também haver indicação de promocao ou grandes eventos na cidade para que os motoristas possam optar por cobri-los ou não ; 31) que a uber não fixa metas, não avalia os motoristas; 32) que quem decide o trajeto são as partes dentro do veículo ou através de GPS; 33) que não tem certeza se é gerada nota fiscal do serviço; 34) que se não houver água e bala não há punição ;35) que se o motorista recusar corridas em dinheiro, de maneira recorrente, pode ser descadastrado; 36) que acredita que em tal caso não poderá se cadastrar novamente; 37) que não ocorre exclusão através de uma única avaliação negativa,; 38) que o uber tem acesso às viagens realizadas, com sua duração, para que seja realizado o pagamento ao parceiro; 39) que se o pagamento é realizado em dinheiro o próprio cliente faz o pagamento e, se for cartão, a uber repassa; 40) que o repasse ocorre através de depósito em conta indicada pelo motorista, com frequência semanal sempre que houver saldo a receber; 41) que a única indicação da uber é que haja respeito entre motorista e usuário, o que consta nos próprios termos de uso; 42) que não tem como especificar quantas horas o reclamante trabalhava. Nada mais. Como se vê, o trabalho era habitual, ligado à essência da atividade econômica da ré. São incontroversos a onerosidade e o caráter intuitu personae na prestação de serviços, com subordinação evidente. O trabalho regular e contínuo é característico da relação empregatícia. Em realidade, ademais, o trabalho era executado para a própria Uber. Depreende-se da prova produzida que a plataforma (de propriedade da Uber e dirigida por ela), ao receber o pedido de transporte do usuário, aciona o motorista, que se encontra à disposição do sistema, é por ele localizado e acionado. O motorista teria a “faculdade” de recusar a viagem, mas poderia ser penalizado por isso. A ré exercia o poder de gerenciamento da plataforma em relação aos motoristas a ela vinculados. Evidencia-se flagrante mecanismo de burla à legislação trabalhista. Os serviços essenciais da ré e sua atividade-fim eram inteiramente realizados por trabalhadores considerados "autônomos" ou simples “clientes” da companhia. Da mesma forma que um hospital precisa de médicos e enfermeiros empregados, da mesma forma que uma faculdade não pode prescindir de professores empregados, a pessoa jurídica proprietária de plataforma (prestadora de serviços administrativos, financeiros, técnicos e de gestão para terceiros, segundo os documentos de fls. 83-100) não pode deixar de ter motoristas empregados. E ela os tinha, obviamente, mas sempre relegados à margem do sistema legal, numa espécie de mercado subterrâneo de trabalhadores, sem qualquer proteção legal, trabalhando sem limite de jornada, sem direitos previdenciários, sem segurança e sem a tutela jurídica mais elementar. Tal como se as plataformas girassem ao contrário e roda a história, aferroando os motoristas no século 18. A subordinação não era apenas estrutural ou algorítmica: era a também a velha subordinação das avaliações periódicas, da fiscalização pelo capataz (líder) e por exigências diretas e pessoais. Trabalhar fora dos protocolos (em relação ao vestuário, ao comportamento educado, à maneira de dirigir, à higiene e apresentação do veículo) implicaria a imposição da pena capital, o cancelamento do motorista, sem qualquer defesa e contraditório. O comando diretivo da atividade era inteiramente atribuído às pessoas jurídicas demandadas. O autor era acionado por meio de aplicativo de celular para efetuar a condução dos clientes da ré, no trajeto indicado pela plataforma. Ele até poderia alterar a rota, mas tudo era monitorado pela ré. A relação de emprego era portanto nítida. Havia pessoalidade, prestação de serviços diuturnos, onerosidade e subordinação escancarada, subsumindo-se os fatos, de modo ululante, aos chamados “elementos” do contrato de emprego constantes dos arts. 2º e 3º da CLT. O elemento mais característico da relação de emprego, aliás, aparece ululante: a gestão do negócio e até a forma e o valor da remuneração do empregado eram estabelecidos de modo unilateral pelo patrão cibernético. As chamadas plataformas digitais são estruturas de interface de mercadorias e pessoas que, ademais de interação algorítmica, também se constituem como parte integrante dos meios de produção de mercadorias, com predominância para aquelas que se corporificam enquanto serviços. Essas infraestruturas digitais “moldam interações personalizadas entre usuários finais e complementadores, organizadas por meio de coleta sistemática, processamento algorítmico, monetização e circulação de dados” (na definição de Thomas Poell, David B Nieborg e José Van Dijck, em Plataformização). Dizer que a subordinação é elemento da relação de emprego é falsificação ideológica do real. Ela não é elemento da relação substantiva ou ontologicamente considerada e sim mera característica externa. Via de regra, a subordinação é muito evidente e adiposa, mas em diversos casos mostra-se rarefeita ou quase cognitivamente inapreensível. Evidencia-se que a “economia de bico” apareceu como um ramo novo da economia – decorrente da disseminação do uso da internet e da tecnologia de informação – e que tem suas peculiaridades, mas ela não pode ser tratada como um setor econômico à parte, devendo se comportar, no geral, como as demais empresas atuantes em outros setores, sujeitando-se a todas as leis trabalhistas. Deve-se salientar que essas empresas que usam aplicativos possuem como seu negócio o objeto em si da intermediação (transporte de passageiros, entrega de mercadorias ou qualquer outra atividade econômica que possa ser realizada por intermediação entre trabalhadores e clientes), sendo uma grande falácia o argumento de que consistem apenas em plataformas digitais. Nas empresas intermediadoras, tanto cliente quanto prestador são automaticamente interligados viabilizando rapidamente o negócio, não podendo escolher um ao outro. Logo, não se pode perder de vista que o termo “economia de compartilhamento” não é adequado para caracterizar tais empresas”. Com efeito, foi o autor empregado verdadeiro da ré Uber do Brasil Tecnologia Ltda. Não se tratava aqui de mera intermediação ou terceirização, pois a ré foi utilizada apenas como captadora da mão de obra dos motoristas. A prestação de serviços dava-se diretamente para o grupo Uber, como proprietário da plataforma digital, desde sua arquitetura até sua gestão efetiva. A subordinação estabelecia-se entre o motorista e a pessoa jurídica dona da plataforma. O assalariamento era ocultado sob a aparência do pagamento do preço da viagem executada pelos operários (motoristas) pelo cliente da ré, e a subordinação acabava ocultada sob a algoritmocracia. Por meio da plataforma, a ré era capaz de (a) rastrear a atuação e avaliar permanentemente a performance do trabalhador, aferindo instantaneamente o resultado do seu trabalho, (b) implementar decisões automatizadas, inclusive acerca de punições ao prestador de serviços ou mesmo sua exclusão se eles não se “alinhassem” às políticas da plataforma e (c) mostrar-se como um espectro dotado de ubiquidade, que ronda o trabalho, onisciente e continuamente, sem que o trabalhador seja capaz de interferir na definição do valor do seu trabalho e na maneira como a prestação de serviços será executada (sobre a matéria, veja-se Mareike Möhlmann e Lior Zalmanson, Hands on the wheel: Navigating algorithmic management and Uber drivers' autonomy). A incitação ao trabalho era feita não apenas pelo direito penal privado da plataforma digital, capaz de impor sanções sumárias e impiedosas, inclusive com a pena capital da desativação da conta, como também por sanções premiais para atingimento de objetivos, e até com a participação em premiação e incentivos para rodar em determinado local, como declarou a testemunha inquirida por indicação da ré, Chrystinni Andrade Souza. Segundo essa testemunha, “se o motorista tiver sucessivas notas baixas, pode ser encerrada a parceria”. Esse sistema de vigilância configurava uma espécie de panoptismo algorítmico, capaz de deixar Jeremy Bentham de boca aberta. Em sede de Direito do Trabalho reina o princípio da primazia da realidade. Isto não significa o domínio absoluto de um empirismo cego e ignorante, em absoluto detrimento da manifestação volitiva dos contratantes: propõe-se apenas, segundo este princípio, que os fatos empiricamente estabelecidos são o primus inter pares no complexo de elementos postos sob a cognição do juiz e elidem a força de documentos articulados para sua ocultação e para a realização da fraude. Enfim, o autor foi na realidade empregado da Uber do Brasil Tecnologia Ltda., e isso é inequívoco. O período contratual não é controvertido. Levando em conta a prova oral produzida e esse conjunto de fatores, inclusive quanto ao ônus da prova imposto a cada um dos litigantes, reconheço a existência de relação de emprego declinada na petição inicial, no período compreendido entre 10/6/2023 e 26/9/2024. Não vieram aos autos os comprovantes de pagamento, obrigatórios à luz do art. 464 da CLT (o pagamento do salário deve ser feito "contra recibo, assinado pelo empregado"). Deveria essa prova ter sido produzida pela ré. Aliás, a prova deve ser produzida pela parte que a tanto se encontra habilitada. Não se trata de inversão do ônus da prova, mas de simples obrigação de exibir o documento que deve ser atribuída à parte que o detém. Trata-se aqui do princípio da disponibilidade da prova: à parte que detém a prova incumbe trazê-la a juízo, sob pena de confissão quanto à matéria de fato. Nem mesmo notas fiscais eventualmente emitidas vieram aos autos. Assim, reconheço ter a parte autora recebido salários na forma descrita na petição inicial. Por todas essas razões, reconheço o vínculo empregatício havido entre o autor e a ré, no período compreendido entre 10/6/2023 e 26/9/2024, com exercício da função de motorista e remuneração semanal de R$ 300,00. Finalmente, tenho que o autor foi despedido sem justa causa, levando em conta o princípio da continuidade do contrato de trabalho. Não logrou o autor, entretanto, comprovar a nulidade da dispensa imotivada. Não se há falar, portanto, em reintegração no emprego. Assim, condeno a ré a proceder às respectivas anotações na carteira de trabalho da parte autora, sob pena de multa de R$ 100,00 (cem reais) por dia de atraso, penalidade que arbitro com fundamento nos artigos 536 e 537 do CPC, consignando que a Secretaria somente deverá fazê-lo em caso de fundada inviabilidade de cumprimento da obrigação de fazer pela ré (CLT, art. 39, § 1º). Para tanto, com o trânsito em julgado desta sentença, deverá a ré ser intimada a cumprir essa obrigação de fazer, no prazo de cinco dias, sob pena de incidência da sanção fixada. Por simples consectário jurídico do reconhecimento do liame empregatício e da denunciação contratual por iniciativa da ré, sem justa causa, acolho a pretensão para condenar a ré ao pagamento de aviso prévio indenizado, décimo terceiro salário e remuneração de férias, acrescidas de um terço, inclusive proporcionais, relativamente a todo o período contratual. A remuneração das férias não gozadas compreende o adicional de um terço, ex vido art. 7º, inciso XVII, da Constituição Federal, e da Súmula 328 do C. TST. O vencimento da obrigação atinente às férias coincide com o término do prazo para pagamento das chamadas verbas rescisórias, sendo a sua base de cálculo o salário dessa época e contando-se desde então a correção monetária (Súmula 7 do TST). Ainda como simples consectário lógico, condeno a parte demandada a recolher as contribuições devidas à Previdência Social, inclusive sobre os salários do período contratual ora reconhecido, nos termos do parágrafo único do art. 876 da CLT, sob pena de execução “ex officio”. O recolhimento, tanto da cota do empregador como o empregado, deverá ser comprovado nos autos, mediante juntada da Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações à Previdência Social (GFIP) ou documento equivalente, sob pena de execução direta da importância. Os depósitos de Fundo de Garantia serão analisados em item próprio. 2.5. Fundo de Garantia Sobre todas as parcelas de natureza salarial objeto da condenação acima fixada, inclusive as verbas reflexas, incide o Fundo do Garantia do Tempo de Serviço acrescido da indenização compensatória de 40%. Também por simples consectário jurídico do reconhecimento do liame empregatício, condeno a parte demandada ao pagamento do Fundo de Garantia incidente sobre os valores pagos à parte autora na vigência do contrato de trabalho, acrescidos da indenização compensatória de 40% (art. 10, inciso I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias). 2.6. Indenização por danos morais A parte autora postula condenação da demandada ao pagamento de indenização por danos morais em decorrência de conduta ilícita imputada à ré. Alega ter sido dispensado arbitrariamente, com ofensa ao disposto na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), no art. 421 do Código Civil e nos artigos 482 e 487 da CLT. Diz que o desligamento “repentino e injustificado gera, inclusive, prejuízos financeiros em relação aos custos de gasolina, óleo diesel, manutenção do veículo e pacote de internet, insumos duráveis para além da data da dispensa e obtidos para muito além do necessário ao consumo pessoal” (fl. 50). Ainda segundo a petição inicial, a ausência de recolhimento das contribuições social teria lhe acarretado danos morais. As alegações da autora aparecem no contexto do contraditório como fato constitutivo do direito invocado na ação. É sempre da parte autora o ônus da prova quanto alegações dessa natureza, conforme previsto no art. 818 da CLT e no inciso I do art. 373 do CPC. É certo que a conduta da ré foi ilícita, eis que ela deixou de pagar haveres trabalhistas à parte autora. Mas isso ensejou sua condenação pecuniária, pelos fundamentos esposados em tomo anterior desta sentença, inclusive no que tange ao recolhimento previdenciário. De igual modo, a dispensa arbitrária acarretou outras obrigações, já reconhecidas e fixadas na presente sentença, inclusive com condenação pecuniária. Tenho que essa indenização objetiva, já fixada, supre razoavelmente eventual direito a uma compensação especial. De outra parte, não foram provadas as alegações do autor quanto ao prejuízo com relação às despesas mencionadas. Poderia até se cogitar do ressarcimento de despesas. Entretanto, os fatos descritos não caracterizam propriamente ofensa moral. O dano aqui seria patrimonial, em decorrência da utilização de veículo próprio, a requerer reparação específica. Não restou demonstrado ato ou fato específico que pudesse caracterizar o dano moral alegado. Com efeito, não estando demonstrada a existência de efetivo dano moral decorrente de conduta ilícita da demandada, e reputando razoável a condenação pecuniária, julgo improcedente o pedido. 2.7. Deduções Acolho a pretensão para determinar que todos os valores comprovadamente pagos sob iguais títulos aos daqueles objeto da condenação deverão ser abatidos. Entretanto, só se admite o abatimento dos valores pagos pela parte demandada quando o pagamento, realizado dentro do mesmo mês, é relativo a verba de mesma natureza da parcela objeto da condenação. Eventuais valores pagos a maior consideram-se salário ou mera liberalidade do empregador, não estando, pois, sujeitos ao abatimento. 2.8. Multa do art. 477, § 8º, da CLT O art. 477, § 6º, da CLT, estabelece que a "entrega ao empregado de documentos que comprovem a comunicação da extinção contratual aos órgãos competentes bem como o pagamento dos valores constantes do instrumento de rescisão ou recibo de quitação deverão ser efetuados até dez dias contados a partir do término do contrato". Preceitua o § 8º do mesmo dispositivo que a inobservância destes prazos sujeita o infrator "ao pagamento da multa a favor do empregado, em valor equivalente ao seu salário". No caso em tela, o pagamento sequer foi feito até a esta quadra. Com efeito, acolho o pedido da exordial para condenar a parte demandada ao pagamento da multa, correspondente a um salário mensal. 2.9. Contribuições previdenciárias e imposto de renda Os descontos previdenciários presumem-se feitos oportunamente, "ficando (o empregador) diretamente responsável pela importância que deixou de receber ou arrecadar em desacordo com o disposto" na legislação (Lei 8212/91, art. 33, § 5º). Fica assentado, portanto, ser obrigação exclusiva da parte demandada o integral recolhimento das contribuições sociais devidas em razão da presente sentença ao sistema previdenciário, nos termos do art. 195, incisos I, a, e II, da Constituição da República, com os acréscimos legais, sendo que o montante será apurado na liquidação, com vistas à eventual execução em favor do INSS, observada a regra de competência insculpida no inciso VIII do art. 114 da mesma carta constitucional. As contribuições de terceiros, destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional, inserem-se na competência da Justiça do Trabalho. Sem embargo, a execução de ofício não alcança essas contribuições do empregador destinadas a terceiros integrantes do chamado Sistema "S", nos termos do art. 114, VIII, da mesma Carta. Sua cobrança pressupõe ação própria dos entes interessados. Assim, estabeleço que, na apuração das contribuições sociais devidas ao INSS, deverá ser excluído o percentual relativo a terceiros (Constituição, art. 240). Após liquidação e quando do recolhimento, deverá a parte demandada apresentar nos autos uma Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social (GFIP) para cada competência e uma Guia de Previdência Social (GPS) para cada GFIP, sob pena de execução, sem prejuízo da expedição de ofício à Receita Federal do Brasil, visando a aplicação da multa prevista no artigo 32-A da Lei 8.212/1991. Será procedido o desconto na fonte do imposto sobre a renda somente se o pagamento decorrente da presente decisão vier a ser feito em juízo. Na hipótese de ajuste direto entre os contendores, estes deverão observar a legislação em vigor, recolhendo o imposto de renda devido aos cofres da União Federal e sujeitando-se à fiscalização fazendária. Estando ainda em vigor, quando do pagamento, a norma contida no § 1º do art. 12-A da Lei nº 7.713/88 (com redação dada pela Lei 12.350/10), o imposto sobre a renda incidente sobre os rendimentos originários desta decisão judicial deverá ser "calculado sobre o montante dos rendimentos pagos, mediante a utilização de tabela progressiva resultante da multiplicação da quantidade de meses a que se refiram os rendimentos pelos valores constantes da tabela progressiva mensal correspondente ao mês do recebimento ou crédito". Nos termos do § 2º do mesmo art. 12-A, poderão ser excluídas da base de cálculo em que incide o imposto de renda as despesas com a presente ação judicial, inclusive os honorários de advogados, "se tiverem sido pagas pelo contribuinte, sem indenização". Observar-se-á o entendimento consubstanciado na Orientação Jurisprudencial 400 da SDI-1 do C. TST, para excluir a incidência do imposto de renda sobre juros de mora, ante sua natureza estritamente indenizatória, nos termos do artigo 404 do Código Civil. 2.10. Honorários advocatícios e gratuidade de justiça Em relação às regras instituídas pela chamada "reforma" trabalhista, com a Lei 13.467/2017, alguns parâmetros gerais devem ser observados. Os honorários advocatícios sucumbenciais previstos no art. 791-A, § 3º, da CLT, somente são devidos pela parte autora quando indeferido pedido específico. Se ele é acolhido em parte, ou mesmo se deferida condenação em quantum inferior ao pleiteado na petição inicial, não há sucumbência parcial. Por admitir a legislação processual, irrestritamente, a cumulação objetiva de ações, no sentido formal, a "procedência parcial" a que se refere o § 3º do art. 791-A da CTL somente se verifica, entre os vários pedidos independentes, deduzidos pela parte, algum deles é rejeitado "in totum". Nos termos do parágrafo único do art. 86 do CPC, "se um litigante sucumbir em parte mínima do pedido, o outro responderá, por inteiro, pelas despesas e pelos honorários" advocatícios. No processo do trabalho, considera-se pedido, para esse efeito, tanto (1) cada uma das pretensões deduzidas cumulativamente (aquelas que poderiam ser formuladas, cada uma, em ação autônoma, mas são postas no mesmo processo, na forma do art. 327 do CPC, como decorrência da racionalidade e economia processual, conformando-se, assim, a cumulação objetiva de ações) como o conjunto delas, representado pelo valor da causa representativo do decreto condenatório pretendido. O Superior Tribunal de Justiça fixou sua jurisprudência no sentido de que, "na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca" (Súmula 326). Esse entendimento, compatível com o Código de Processo Civil de 2015, é inteiramente aplicável ao processo do trabalho. A adoção desse entendimento no processo do trabalho é ainda mais impositiva, pois nele são frequentes demandas indenizatórias por acidentes de trabalho e doenças ocupacionais nas quais a perda ou redução da capacidade laborativa só é definida em perícia. O mesmo ocorre, aliás, na pretensão de adicional de insalubridade, cujo grau igualmente depende do exame técnico, obrigatório no processo do trabalho (CLT, art. 19, § 2º). Nos casos demandas relativas a contratos de emprego ainda vigentes, havendo condenação ao pagamento de prestações vencidas e vincendas, "considerar-se-á o valor de umas e outras" no cálculo dos honorários advocatícios de sucumbência, salvo se a parcela é devida por tempo indeterminado ou por tempo superior a um ano, quando os honorários são calculados sobre o montante do que se venceu acrescido da soma devida em relação aos doze meses por vencer. Finalmente, registro a flagrante inconstitucionalidade do § 4º do art. 791-A da CLT, no sentido de que o beneficiário da justiça gratuita estaria obrigado ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência, se obter em juízo, ainda que em outro processo, crédito capaz de suportar a despesa. Se o crédito obtido na presente ação é de natureza salarial não afasta a insuficiência de recursos, mormente se se distribui o valor na proporcionalidade de cada um dos meses trabalhados durante o contrato de emprego sub judice. Ademais, verbas de natureza indenizatória visam apenas compensar dano sofrido, e, tal como reconhece o sistema tributário, não podem ser consideradas parte de rendimentos do empregado. A regra do art. 791-A, § 4º, por fim, viola também o princípio da isonomia, eis nenhum cidadão, em quaisquer dos órgãos do sistema de Justiça brasileiro, fazendo jus ao benefício da gratuidade, na forma do art. 5º, LXXIV, da Constituição da República, estaria sujeito à dedução de honorários de seu próprio crédito judicial, não se podendo imputar aos trabalhadores, justamente na Justiça do Trabalho, sem violência à igualdade assegurada no caput do mesmo art. 5º da Carta Cidadã. Portanto, com fundamento nos parâmetros colocados acima, e dando cumprimento ao art. 791-A da CLT, e ainda observando o grau de zelo profissional, a natureza da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço (§ 2º), condeno a ré ao pagamento de honorários advocatícios, ora arbitrados em 15% do valor que resultar da liquidação da presente sentença. Agora com fulcro no § 3º do mesmo dispositivo legal, e em atenção aos menos parâmetros, condeno o autor ao pagamento de honorários fixados em 5% sobre o valor dos pedidos formulados nos itens 11 e 12 (danos morais) da petição inicial. A condenação da parte autora a pagamento de honorários em percentual inferior justifica-se em face de sua hipossuficiência e da desigualdade econômica entre as partes. Defiro à parte autora o benefício da gratuidade da justiça a que se refere o art. 5º, LXXIV, da Constituição da República, levando em conta a remuneração por ela auferida ao tempo do contrato de trabalho sub judice, sua presumível situação de desemprego atual (já que a inicial menciona a ruptura daquele vínculo de emprego) e a declaração a que se refere o art. 99, § 3º, do CPC, constante dos autos. Fixo desde logo a suspensão de exigibilidade do crédito de honorários dos advogados da parte demandada, que somente poderão ser executadas se, nos cinco anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão presente decisão, os credores comprovarem que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade (CPC, art. 98, §3º). Passado esse prazo, extinguir-se-á a obrigação, pleno jure, independentemente de qualquer requerimento, devendo a secretaria promover o arquivamento definitivo dos autos. 2.11. Correção monetária e juros de mora O trabalhador é penalizado, e duramente, ante os efeitos da inflação sobre o seu salário. A força de trabalho é cedida a priori; os salários sofrem a decomposição inflacionária dia a dia em todo o mês da prestação de serviços e a lei ainda faculta ao empregador o pagamento no quinto dia do mês subsequente. Se o mês vencido é o da competência, consoante o disposto no parágrafo único do art. 459 da Consolidação, o pagamento no mês subsequente é mera tolerância. O vencimento se dá no próprio mês trabalhado. Por tais razões, o fator de atualização monetária dos créditos deferidos será o do próprio mês trabalhado e não o do mês subse quente ao vencido. Nos autos ADCs 58 e 59 e ADIs 5.867 e 6.021, o Supremo Tribunal Federal conferiu “interpretação conforme à Constituição ao art. 879, §7º, e a o art. 899, §4º, da CLT, na redação dada pela Lei 13.467, de 2017”, estabelecendo “que à atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial e à correção dos depósitos recursais em contas judiciais na Justiça do Trabalho deverão ser aplicados, até que sobrevenha solução legislativa, os mesmos índices de correção monetária e de juros vigentes para as hipóteses de condenações cíveis em geral, quais sejam a incidência do IPCA-E na fase pré-judicial e, a partir da citação, a incidência da taxa SELIC (art. 406 do Código Civil)”. Muitas ressalvas técnicas, de exegese jurídica e de caráter econômico, poderiam ser opostas a essa lamentável decisão. Também as de natureza moral e filosófica igualmente caberiam nesse debate. Entretanto, o disposto no art. 102, § 2º, da Constituição da República, reiterado pelo art. 927, I, do CPC, e pelo art. 769 da CLT, atribui efeito vinculante a essa decisão, emitida, no caso, em julgamento de ações diretas de inconstitucionalidade e ações declaratórias de constitucionalidade. Todas as juízas e juízes haverão de aplica-la, mesmo que isso implique eventual violação de sua própria consciência, convicção jurídica e sentido de justiça, como é o caso deste magistrado. Com efeito, determino seja ela observada, na liquidação da presente sentença e em toda a fase de seu cumprimento, salvo se entendimento mais favorável ao credor vier a ser firmado pelo STF, ou caso sobrevenha regulação legal diversa. 2.12. Da indenização suplementar É evidente que a incidência da taxa Selic a partir da citação do réu, abrangendo a correção monetária e os juros de mora, na forma preconizada pelo julgado do Supremo Tribunal Federal acima referido (ADCs 58 e 59 e ADIs 5.867 e 6.021), implicará solapar aos trabalhadores (quase sempre, os credores do processo do trabalho) grande parte de seu crédito. A taxa Selic não mede a defasagem do poder de compra da moeda ocasionada pelo processo inflacionário. Por exemplo: em 2020 ela foi fixada em 2%, enquanto o IPCA-E apurou uma inflação da ordem de 4,23%, conforme dados divulgados pelo IBGE. Com efeito, conquanto compreenda a correção monetária e os juros, a partir da citação do réu, no processo do trabalho, segundo decidido pelo C. STF, a taxa Selic sequer recupera o poder de compra do crédito ora reconhecido. Isso implica imputar ao credor prejuízo evidente e, empiricamente, conspurcar o direito reconhecido no título executivo. Se fazer justiça é dar a cada um o que é seu, aplicar apenas a taxa Selic para recomposição monetária do crédito e juros de mora significa dar ao trabalhador menos do que lhe é devido. É dar-lhe menos do que é seu, tomando-lhe indevidamente parte de seu patrimônio. Enquanto a tese adotada pelo E. STF enfeixa correção monetária e juros em uma única taxa, hoje fixada em valores inferiores à inflação, o parágrafo único do art. 404 do Código Civil estabelece peremptoriamente: Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar. Trata-se aqui de norma jurídica cogente, dirigida ao juiz, com notável escopo ético e de equidade. O dispositivo legal faculta ao juiz a concessão da referida indenização suplementar independentemente de pedido expresso, autorizando-o, como se vê, a adotar “ex officio”, indenização suplementar destinada a assegurar à parte decisão fundada na equidade. Em se tratando de crédito trabalhista e, portanto, de natureza alimentar, esse mandamento legal é ainda mais imperioso, eis que a ordem jurídica se funda no valor social do trabalho (art. 1º, IV, da Constituição) e no propósito de se “construir uma sociedade livre, justa e solidária” capaz de “erradicar a pobreza e a marginalização” (art. 3º, I e III, da mesma Carta). Solapado ao trabalhador parte de seu crédito, esses desideratos e valores constitucionais estarão sendo subvertidos. Além disso, também haveria desrespeito ao princípio da isonomia consagrado universalmente e materializado no “caput” do art. 5º da Constituição da República, se o autor da demanda, no processo do trabalho, viesse a ser penalizado por um critério legal de correção monetária e juros que lhe diminuísse substancialmente o crédito, enquanto qualquer outra pessoa, em processo de qualquer outra natureza, tem o valor que lhe é devido razoavelmente corrigido e ainda o vê acrescido de juros reais. Com efeito, em face da decisão do E. Supremo Tribunal Federal antes mencionada (autos ADCs 58 e 59 e ADIs 5.867 e 6.021), e com fundamento no parágrafo único do art. 404 do Código Civil, condeno a parte demandada ao pagamento de indenização suplementar correspondente à incidência sobre seu crédito da correção pelo IPCA-E, também a partir da citação do réu, acrescido o valor de 1% ao mês, devendo ser abatido o incremento decorrente da incidência da Selic. 3. DISPOSITIVO Em face do exposto e pelo mais que dos autos consta, julgo procedente em parte a pretensão deduzida na inicial para condenar a demandada a pagar ao autor as parcelas descritas na fundamentação, resolvendo o mérito do litígio, nos termos do disposto no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Da mesma forma, condeno a demandada a cumprir a obrigação de fazer reconhecida no mesmo capítulo de motivação desta sentença, quanto às anotações de carteira de trabalho, observadas as cominações já fixadas. Liquidação por cálculos, observados os termos, parâmetros e restrições contidos na fundamentação. Correção monetária e juros de mora de acordo com o colocado acima. Condeno ainda a parte demandada ao pagamento das custas processuais — calculadas sobre o valor da condenação, em R$ 20.000,00 provisoriamente arbitrado, nos termos do art. 789, §2º, da Consolidação — que fixo no valor de R$ 400,00. Condeno ambas as partes ao pagamento de honorários advocatícios, igualmente na forma fixada no capítulo da fundamentação, observada a inexigibilidade do crédito em face da parte autora, por ser beneficiária da gratuidade de justiça. Cientes as partes. REGINALDO MELHADO Juiz Titular de Vara do Trabalho
Intimado(s) / Citado(s)
- UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA.
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