Processo nº 5000494-33.2024.4.03.6201
ID: 316799584
Tribunal: TRF3
Órgão: 4º Juiz Federal da 2ª TR MS
Classe: RECURSO INOMINADO CíVEL
Nº Processo: 5000494-33.2024.4.03.6201
Data de Disponibilização:
04/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
STEPHANI MAIDANA DE OLIVEIRA
OAB/MS XXXXXX
Desbloquear
PODER JUDICIÁRIO Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul 2ª Turma Recursal da Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5…
PODER JUDICIÁRIO Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul 2ª Turma Recursal da Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5000494-33.2024.4.03.6201 RELATOR: 4º Juiz Federal da 2ª TR MS RECORRENTE: T. G. A. B. Advogado do(a) RECORRENTE: STEPHANI MAIDANA DE OLIVEIRA - MS13174-A RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Dispensado o relatório (artigo 38, da Lei 9.099/1995 c.c. artigo 1º da Lei 10.259/2001). V O T O A sentença foi proferida nos seguintes termos: "Dispensado o relatório, na forma do art. 38 da Lei n. 9.099/1995. Passo a decidir. I - Preliminares Inicialmente, cumpre examinar as preliminares suscitadas pela autarquia ré em sua peça defensiva. Com arrimo no parecer lavrado pela contadoria judicial, apontando que o valor da causa em apreço não excede a alçada de 60 (sessenta) salários mínimos, rejeito a prefacial de incompetência deste Juizado Especial Federal. Da mesma forma, rechaço a preliminar de ausência de interesse processual, visto a parte autora comprovou a realização de prévio requerimento administrativo, o qual restou indeferido pela autarquia previdenciária. Por fim, não há que se falar em prescrição quinquenal no caso vertente, visto que não decorridos mais de 5 (cinco) anos entre o indeferimento do benefício na via administrativa e a data do ajuizamento da presente ação. Assim, superadas as preliminares arguidas, passo ao exame de mérito. II – Mérito 1) Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS) A assistência social consiste no ramo da seguridade social que tem por objetivo garantir o mínimo existencial aos hipossuficientes, assegurando-lhes as condições mínimas para uma existência digna. Desse modo, denota-se que a assistência social visa a concretizar, no plano material, os Princípios da Dignidade da Pessoa Humana e da Cidadania, considerados axiomas normativos basilares sobre os quais se funda nosso Estado Democrático de Direito (art. 1º, inciso II e III, da CF). Nessa esteira, traz-se à baila o conceito de assistência social delineado pelo Prof. FREDERICO AMADO: “É possível definir a assistência social como as medidas públicas (dever estatal) ou privadas a serem prestadas a quem delas precisar, para o atendimento das necessidades humanas essenciais, de índole não contributiva direta, normalmente funcionando como um complemento ao regime de previdência social, quando este não puder ser aplicado ou se mostrar insuficiente para a consecução da dignidade humana”. (FREDERICO AMADO, Curso de Direito e Processo Previdenciário, 14ª edição, Salvador: JusPodivm, 2021, p. 36) A Constituição Federal de 1988, em seu art. 203, define os objetivos da assistência social: Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes; III - a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988) Como se depreende do texto insculpido na Carta Magna, entre os objetivos da assistência social encontra-se “a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei” (art. 203, inciso V, CF). A Lei n. 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS), em seu art. 20, regulamentou o benefício de prestação continuada previsto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal, estabelecendo os requisitos para sua concessão. Vejamos: Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei n. 12.435, de 2011) § 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei n. 12.435, de 2011) § 2º Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei n. 13.146, de 2015) § 2º-A. A concessão administrativa ou judicial do benefício de que trata este artigo a pessoa com deficiência fica sujeita a avaliação, nos termos de regulamento. (Incluído pela Lei n. 15.077, de 2024) § 2º-B. (VETADO). (Incluído pela Lei n. 15.077, de 2024) § 3º Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei n. 14.176, de 2021) § 3º-A. O cálculo da renda familiar considerará a soma dos rendimentos auferidos mensalmente pelos membros da família que vivam sob o mesmo teto, ressalvadas as hipóteses previstas no § 14 deste artigo, nos termos estabelecidos em ato do Poder Executivo federal, vedadas deduções não previstas em lei. (Incluído pela Lei n. 15.077, de 2024) § 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória, bem como as transferências de renda de que tratam o parágrafo único do art. 6º e o inciso VI do caput do art. 203 da Constituição Federal e o caput e o § 1º do art. 1º da Lei n. 10.835, de 8 de janeiro de 2004. (Redação dada pela Lei n. 14.601, de 2023) § 5º A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada. (Redação dada pela Lei n. 12.435, de 2011) § 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2º, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS. (Redação dada pela Lei n. 12.470, de 2011) § 6º-A. O INSS poderá celebrar parcerias para a realização da avaliação social, sob a supervisão do serviço social da autarquia. (Incluído pela Lei n. 14.441, de 2022) § 7º Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura. (Incluído pela Lei n. 9.720, de 1998) § 8º A renda familiar mensal a que se refere o § 3º deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido. (Incluído pela Lei n. 9.720, de 1998) § 9º Os valores recebidos a título de auxílio financeiro temporário ou de indenização por danos sofridos em decorrência de rompimento e colapso de barragens, bem como os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem, não serão computados para fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o § 3º deste artigo. (Redação dada pela Lei n. 14.809, de 2024) § 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2º deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei n. 12.470, de 2011) § 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento. (Incluído pela Lei n. 13.146, de 2015) § 11-A. O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei. (Incluído pela Lei n. 14.176, de 2021) § 12. São requisitos para a concessão, a manutenção e a revisão do benefício as inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - Cadastro Único, conforme previsto em regulamento. (Incluído pela Lei n. 13.846, de 2019) § 12-A. Ao requerente do benefício de prestação continuada, ou ao responsável legal, será solicitado registro biométrico nos cadastros da Carteira de Identidade Nacional (CIN), do título eleitoral ou da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), nos termos de ato conjunto dos órgãos competentes. (Incluído pela Lei n. 14.973, de 2024) § 12-B. Na impossibilidade de registro biométrico do requerente, ele será obrigatório ao responsável legal. (Incluído pela Lei n. 15.077, de 2024) § 13. (Parágrafo acrescido pela Medida Provisória n. 871, de 18/1/2019, e não mantido pela Lei n. 13.846, de 18/6/2019, na qual foi convertida a referida Medida Provisória) § 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo. (Incluído pela Lei n. 13.982, de 2020) § 15. O benefício de prestação continuada será devido a mais de um membro da mesma família enquanto atendidos os requisitos exigidos nesta Lei. (Incluído pela Lei n. 13.982, de 2020) 2) Requisitos para a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC/LOAS) Do teor do art. 20, caput, da Lei n. 8.742/1993 extrai-se que a concessão do benefício em comento exige a comprovação de 2 (dois) requisitos cumulativos: a) ser o beneficiário idoso, com 65 anos ou mais, ou pessoa com deficiência, de qualquer idade, e; b) encontrar-se o beneficiário em estado de vulnerabilidade social (miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo). 2.1) Comprovação da condição de idoso ou de pessoa com deficiência A comprovação do requisito etário não suscita maiores controvérsias, bastando que o beneficiário demonstre, por meio da apresentação de documento oficial de identificação, possuir 65 (sessenta e cinco) anos, ou mais, na data de entrada do requerimento (DER) do benefício assistencial. Por sua vez, o conceito de pessoa com deficiência passou por profundas modificações desde a redação original da Lei n. 8.742/1993, tendo o §2º do art. 20 do diploma legal em comento passado por sucessivas alterações. Atualmente, o conceito de pessoa com deficiência, para fins de concessão do benefício de prestação continuada, encontra-se insculpido no §2º do art. 20 da Lei n. 8.742/1993, com a redação dada pela Lei n. 13.146/2015, que promulgou o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Eis o teor da citada norma: Art. 20. (...) §2º Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Lei Orgânica da Assistência Social – Lei n. 8.742/1993) Por sua vez, o conceito de “impedimento de longo prazo” referido no §2º do art. 20 da Lei n. 8.742/1993, vem delineado no §10 do mesmo artigo, in verbis: §10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do §2º deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. Destarte, da conjugação de ambas as regras, denota-se que o requerente do benefício assistencial de amparo ao deficiente deverá demonstrar não apenas padecer de impedimento de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, mas também, comprovar que tal impedimento se caracteriza como de longo prazo, este subentendido como aquele que produza efeitos pelo período mínimo de 2 (dois) anos. 2.2) Comprovação da vulnerabilidade social Segundo estabelece o art. 20, caput, da Lei n. 8.742/1993, o benefício de prestação continuada será concedido ao idoso (com 65 anos, ou mais), ou à pessoa com deficiência, que comprovar não possuir condições de prover o próprio sustento nem de ter sua subsistência provida pelo seu núcleo familiar. Como se extrai da leitura da citada norma, o benefício assistencial tem caráter subsidiário, cabendo inicialmente à família a manutenção dos idosos ou deficientes que a integram. Somente quando verificada a total impossibilidade de o grupo familiar prover o sustento do idoso ou do deficiente em situação de vulnerabilidade social é que terá lugar a intervenção estatal, de forma a resguardar a dignidade humana do hipossuficiente. Nesse sentido, cita-se a Súmula n. 23 da Turma Regional de Uniformização da 3ª Região: Súmula n. 23 da TRU da 3ª Região: O benefício de prestação continuada (LOAS) é subsidiário e para sua concessão não se prescinde da análise do dever legal de prestar alimentos previsto no Código Civil. Nessa esteira, cumpre asseverar que o benefício assistencial, por se destinar a prover o mínimo existencial aos indivíduos que se encontram em estado de miserabilidade, não pode ser visto como forma de complementação de renda, razão pela qual incumbe ao juiz exercer a “ingrata tarefa de distinguir faticamente entre as situações de pobreza e miserabilidade” (TRF 3ª Região, Apelação Cível n. 0000189-70.2016.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal CARLOS DELGADO, julgado em 23/04/2018). Ainda, nesse sentido, “é de se ressaltar que necessidade e dificuldade financeira não se confundem, justificando a concessão do benefício assistencial somente a extrema necessidade, enquanto que a dificuldade financeira é experimentada por grande parcela da população, não se revestindo de fundamento jurídico para a intervenção estatal de cunho assistencialista” (TNU - PEDILEF n. 5000493-92.2014.4.04.7002/PR, Rel. Juiz Federal DANIEL MACHADO DA ROCHA, julgado em 14/04/2016). O §3º do art. 20 da Lei n. 8.742/1993 definiu um critério objetivo para a aferição da hipossuficiência econômica apta a propiciar a concessão do benefício assistencial. Segundo a referida norma considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. O referido critério financeiro de aferição da miserabilidade deu causa à acirrada celeuma, tendo o Supremo Tribunal Federal, em um primeiro momento, chancelado a constitucionalidade do aludido dispositivo legal ao julgar improcedente a ADI 1.232/DF (Relator Min. ILMAR GALVÃO, Relator p/ Acórdão Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, julgado em 27/08/1998). Porém, em razão das mudanças sociais, políticas e econômicas ocorridas posteriormente no país, a Suprema Corte, em 18.04.2013, entendeu que o critério da renda per capita de 1/4 (um quarto) do salário mínimo se encontrava defasado para caracterizar a situação de miserabilidade e, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 567.985/MT (Relator Min. MARCO AURÉLIO, Relator p/ Acórdão Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno), com repercussão geral reconhecida, declarou a inconstitucionalidade, sem pronúncia de nulidade, da norma insculpida no §3º do art. 20 da Lei n. 8.742/1993. Todavia, não obstante tenha declarado a inconstitucionalidade do critério financeiro previsto no §3º do art. 20 da LOAS (renda per capita de 1/4 do salário-mínimo), a Suprema Corte não definiu um critério substitutivo, cabendo, por conseguinte, ao julgador, no exame do caso concreto, verificar a presença, ou não, do estado de vulnerabilidade socioeconômica. Isso posto, para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, entendo razoável a adoção do critério da renda per capita de 1/2 (meio) salário mínimo, utilizado como referencial econômico por diversos programas de natureza assistencial, tais como, o Programa Nacional de Acesso à Alimentação (art. 2º, §2º, da Lei n. 10.689/2003), o Cadastro Único para Programas Sociais – CadÚnico (art. 4º, II, “a”, do Decreto n. 6.135/2003) e o Programa Bolsa Família (Lei n. 10.836/2004). Nesse sentido, cita-se a Súmula n. 21 da Turma Regional de Uniformização da 3ª Região: "Na concessão do benefício assistencial, deverá ser observado como critério objetivo a renda per capita de ½ salário mínimo gerando presunção relativa de miserabilidade, a qual poderá ser infirmada por critérios subjetivos em caso de renda superior ou inferior a ½ salário mínimo”. Ainda, cumpre asseverar que, nos termos do §11 do art. 20 da Lei n. 8.742/1993, “para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento”. Todavia, é necessário deixar claro que a mera circunstância de a renda per capita da unidade familiar do requerente ser inferior a 1/2 (meio) salário mínimo não constitui presunção absoluta de miserabilidade, sendo apenas um indicativo de hipossuficiência econômica, que pode ser infirmado quando os demais elementos de prova coligidos nos autos demonstrarem a ausência do estado de vulnerabilidade social (Tema Representativo da Controvérsia n. 122 da TNU e Súmula n. 21 da TRU da 3ª Região). De outra banda, cumpre referir que, conforme preleciona o parágrafo único do art. 34 da Lei n. 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), o benefício assistencial de prestação continuada (BPC/LOAS) já concedido a qualquer membro da família não será computado para fins de cálculo da renda familiar per capita. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 580.963/PR, com repercussão reconhecida, entendeu que não havia justificativa plausível para a discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo, motivo pelo qual, a Suprema Corte, declarou a inconstitucionalidade parcial por omissão, sem pronúncia de nulidade, do art. 34, parágrafo único, da Lei n. 10.741/2003. Dessa forma, com esteio no Princípio Constitucional da Isonomia, a aplicação da norma prevista no art. 34, parágrafo único, da Lei n. 10.741/2003, inicialmente concebida para beneficiar apenas os idosos, restou ampliada para beneficiar também as pessoas com deficiência, bem como para excluir do cálculo da renda per capita todo e qualquer benefício de valor mínimo percebido por pessoa com mais de 65 anos, seja ele de natureza assistencial ou previdenciária. Ato seguinte, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp n. 1.335.052/SP, submetido ao rito dos recursos representativos da controvérsia (Tema Repetitivo n. 640/STJ), ratificou o entendimento de que “aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.” (REsp 1.355.052/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, Primeira Seção, julgado em 25/02/2015). Posteriormente, positivando o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça acerca do tema, a Lei n. 13.982/2020 introduziu o §14 no art. 20 da Lei n. 8.742/1993, com a seguinte redação: § 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo. Destarte, para a apuração da renda per capita do núcleo familiar, computar-se-ão os rendimentos obtidos pelos integrantes da família, segundo a composição prevista no §1º do art. 20 da Lei n. 8.742/1993 (requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto), excluindo-se do cálculo da renda familiar: a) o benefício assistencial de prestação continuada recebido por membro da família; b) o benefício previdenciário, de valor mínimo, percebido por idoso com mais de 65 anos, e; c) o benefício de aposentadoria por invalidez, de valor mínimo, independentemente da idade de seu titular, tendo em vista que a referida situação, em termos práticos, é análoga à de deficiência (e por vezes, inclusive, mais gravosa). Consequentemente, o titular de benefício assistencial ou previdenciário que não teve seus proventos incluídos no cômputo da renda familiar, deve, igualmente, ser excluído da contagem de membros que compõem o núcleo familiar, na medida em que a subsistência de tal beneficiário encontra-se suprida pelo próprio benefício auferido, razão pela qual descabe sua integração no divisor aritmético para fins de cálculo da renda mensal per capita. 3) Análise do Caso Concreto Firmadas as premissas utilizadas para o julgamento da causa, passo, de imediato, à análise do caso sub judice. Inicialmente, verifica-se que a parte autora preenche o requisito quanto à deficiência, vez que tem diagnóstico de transtorno do espectro autista, sendo considerada pela Lei nº 12.764/2012, como pessoa portadora de deficiência para todos os efeitos legais. No que diz respeito ao requisito da vulnerabilidade social, entendo que os elementos de prova coligidos nos autos não permitem concluir pela existência do estado de miserabilidade da parte autora. O autor reside em casa que pertence a sua mãe, que recebe o benefício do Bolsa Família, e sua avó materna ajuda com cesta básica. O laudo é omisso quanto à pensão alimentícia recebida pelo autor. A pensão alimentícia não é mera liberalidade, é dever do pai prestar alimentos a seus filhos. Não obstante, como visto, extrai-se do trabalho pericial que a parte autora não se encontra em situação de desamparo, bem como tem sido atendida pela sua família, pelo que as provas constantes nos autos delineiam um cenário não compatível com a concessão do benefício assistencial reclamado. Como alhures afirmado, o benefício assistencial tem caráter subsidiário, cabendo inicialmente à família a manutenção dos idosos ou deficientes que a integram. Nessa esteira, conforme o entendimento sufragado na Turma Nacional de Uniformização, o amparo assistencial não pode preceder o dever legal, imposto aos parentes do idoso ou do deficiente, de prestar alimentos (artigos 1.694 a 1.697 do Código Civil). Assim, "a interpretação do art. 20, §1º, da Lei n. 8.742/93, conforme as normas veiculadas pelos arts. 203, V, 229 e 230, da Constituição da República de 1988, deve ser no sentido de que a assistência social estatal não deve afastar a obrigação de prestar alimentos devidos pelos parentes da pessoa em condição de miserabilidade sócio-econômica (arts. 1694 e 1697, do Código Civil), em obediência ao princípio da subsidiariedade" (TNU - PEDILEF 05173974820124058300, Juiz Federal FÁBIO CESAR DOS SANTOS OLIVEIRA, DOU 12/09/2017, p. 49/58). No caso em apreço, denota-se que o núcleo familiar possui condições de garantir o sustento da parte autora, não havendo como considerar sua condição socioeconômica equivalente ao estado de necessidade capaz de ensejar a concessão do benefício assistencial. As fotografias de sua residência demonstram que o imóvel se encontra bem conservado e é guarnecido com bens móveis e eletrodomésticos compatíveis com um médio padrão de vida, de modo que não se pode extrair, no caso concreto, um panorama de vulnerabilidade social. Logo, em que pese o fato de a renda per capita declarada pelo autor ser inferior ao referencial de meio salário-mínimo, os elementos de prova carreados aos autos revelam que a autora e sua família não se encontram submetidos a uma conjuntura de miserabilidade. O critério econômico objetivo de renda per capita inferior a meio salário-mínimo cria uma presunção relativa de miserabilidade, que pode ser afastada quando, nos autos, houver outros elementos de prova que revelem que a parte não se encontra em estado de vulnerabilidade social. Nesse sentido, cita-se o Tema Representativa da Controvérsia n. 122 da TNU: TEMA REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA N. 122 DA TNU Questão submetida a julgamento: Saber se o atendimento do critério objetivo da renda para a concessão do benefício assistencial pode ser afastado por outros meios de prova. Tese firmada: O critério objetivo consubstanciado na exigência de renda familiar per capita inferior a ¼ do salário-mínimo gera uma presunção relativa de miserabilidade, que pode, portanto, ser afastada por outros elementos de prova. (PEDILEF n. 5000493-92.2014.4.04.7002/ PR, Relator: Juiz Federal DANIEL MACHADO DA ROCHA, Data do julgamento: 14/04/2016, Data da Publicação: 15/04/2016) Pontue-se, ao ensejo, que este juízo não é indiferente nem menospreza as dificuldades econômicas que o autor e sua família devem certamente enfrentar, contudo, há que se ter em conta que tal situação, infelizmente, não difere daquela enfrentada pela maioria da população brasileira, cujo expressivo número sequer tem atendidas as necessidades mais básicas, como moradia e alimentação. O benefício assistencial, como anteriormente referido, destina-se a resgatar da miséria o idoso ou o deficiente que não tem meios de prover seu sustento ou tê-lo provido por sua família, pelo que é imperioso diferenciar o quadro de dificuldade financeira do de penúria e absoluta carência. Assim, não comprovada a hipossuficiência econômica, nos termos exigidos pela lei assistencial, não é possível a concessão do benefício. DISPOSITIVO Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido da parte autora, resolvendo o mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Defiro à parte autora o benefício da justiça gratuita, nos moldes do art. 98 do Código de Processo Civil. Sem condenação ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios de sucumbência, nesta instância, tendo em vista o disposto nos artigos 54 e 55 da Lei nº 9.099/1995. Com o trânsito em julgado, dê-se baixa no sistema. Havendo a interposição de recurso, intime-se a parte contrária para, querendo, apresentar contrarrazões, no prazo legal. Decorrido o aludido prazo, remetam-se os autos eletrônicos para a egrégia Turma Recursal da Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul. Sentença registrada eletronicamente. Publique-se. Intimem-se". A parte autora recorre da sentença aduzindo a presença dos requisitos para a concessão do benefício. A existência de impedimentos de longo prazo restou comprovada pelo laudo médico pericial. Quanto à renda per capita, a Turma Regional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais da 3ª Região sumulou o entendimento de que: “Na concessão do benefício assistencial, deverá ser observado como critério objetivo a renda per capita de ½ salário mínimo gerando presunção relativa de miserabilidade, a qual poderá ser infirmada por critérios subjetivos em caso de renda superior ou inferior a ½ salário mínimo” (enunciado n. 21). No caso concreto, a família é composta pelo autor e sua mãe; reside em imóvel próprio; e sobrevive com o montante oriundo de benefício social (bolsa família). O benefício social não é computado; a renda per capita familiar não supera o valor de ½ salário-mínimo. As despesas mensais do núcleo familiar giram em torno de R$ 1.310,00, decorrentes de: alimentação (R$ 600,00); água (R$ 130,00); energia (R$ 150,00); gás de cozinha (R$ 110,00); crédito de celular (R$ 30,00); condomínio (R$ 135,00); medicamentos não fornecidos pelo SUS (R$ 155,00). Os elementos dos autos demonstram que as condições sociais do recorrente são desfavoráveis. Trata-se de criança de 6 anos de idade, portadora de transtorno do espectro autista, com comprometimento cognitivo, de fala e de comportamento, o que demanda cuidados em tempo integral e exige o afastamento da genitora do mercado de trabalho a fim de garantir o bem-estar e o melhor interesse da criança. Além disso, apesar das boas condições de moradia, os pais são separados e não há informações sobre prestação de alimentos, mesmo porque nenhum dos genitores registra rendimentos formais no CNIS/PREVJUD. Outrossim, o auxílio financeiro prestado pela avó é sazonal, e a renda por ela registrada no sistema previdenciário (de aproximadamente R$ 2.500,00 ao mês) não permite concluir que disponha de condições financeiras para prover o sustento próprio, bem como da filha e do neto. Diante disso, por ora, reputo caracterizado o estado de vulnerabilidade, sem prejuízo da monitoração por parte da autarquia previdenciária. A sentença merece reforma. Ante o exposto, voto por dar provimento ao recurso do autor, para reformar a sentença e com isso julgar procedente o pedido formulado na inicial, a fim de condenar o INSS à concessão do benefício de prestação continuada à pessoa com deficiência desde a data de entrada do requerimento administrativo (31/08/2023), nos termos da fundamentação supra. Por conseguinte, extingo o feito com resolução do mérito, na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil. As parcelas vencidas serão pagas com juros e atualização monetária conforme disposto no vigente Manual de Orientação de procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal. Considerando a fundamentação acima, bem assim o caráter alimentar do benefício ora reconhecido e que eventual recurso a ser interposto não terá efeito suspensivo, ANTECIPO OS EFEITOS DA TUTELA, nos termos do art. 4º da Lei n. 10.259/2001, para determinar ao INSS que implante o benefício assistencial no prazo de 15 (quinze) dias, observando ainda o prazo de 45 dias para o primeiro pagamento (art. 41-A, § 5º, da Lei nº 8.213/91). Oficie-se à Gerência Executiva do INSS para cumprimento. Sem condenação em honorários, pois não há recorrente vencido, nos termos do artigo 55 da Lei n. 9.099/95. É o voto. Informações para subsidiar tópico-síntese: Tipo de ordem: implantar Serviço: benefício assistencial à pessoa com deficiência (código 87) Representante legal: Jhenifer Bruna Bozza (CPF: 068.293.591-39) - tutora nata desde 18/06/2018 DIB: 31/08/2023 E M E N T A Dispensada. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma Recursal da Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul decidiu, por unanimidade, dar provimento ao recurso da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. RICARDO DAMASCENO DE ALMEIDA Juiz Federal
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear