Franco Vieira De Matos e outros x Franco Vieira De Matos e outros
ID: 256541873
Tribunal: TRT10
Órgão: 1ª Turma
Classe: RECURSO ORDINáRIO TRABALHISTA
Nº Processo: 0000629-10.2023.5.10.0019
Data de Disponibilização:
15/04/2025
Advogados:
IBOTI OLIVEIRA BARCELOS JUNIOR
OAB/RS XXXXXX
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RAFAEL ALFREDI DE MATOS
OAB/BA XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO 1ª TURMA Relator: LUIZ HENRIQUE MARQUES DA ROCHA 0000629-10.2023.5.10.0019 : FRANCO VIEIRA DE MATOS E OUTROS (3…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 10ª REGIÃO 1ª TURMA Relator: LUIZ HENRIQUE MARQUES DA ROCHA 0000629-10.2023.5.10.0019 : FRANCO VIEIRA DE MATOS E OUTROS (3) : FRANCO VIEIRA DE MATOS E OUTROS (3) TRT ROT 0000629-10.2023.5.10.0019 - ACÓRDÃO 1ª TURMA REDATOR DESIGNADO: JUIZ CONVOCADO LUIZ HENRIQUE MARQUES DA ROCHA RELATOR: DESEMBARGADOR GRIJALBO FERNANDES COUTINHO RECORRENTE: FRANCO VIEIRA DE MATOS ADVOGADO: IBOTI OLIVEIRA BARCELOS JUNIOR - OAB: RS0065382 RECORRENTE: UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. - CNPJ: 17.895.646/0001-87 ADVOGADO: RAFAEL ALFREDI DE MATOS - OAB: BA0023739 RECORRENTE: UBER INTERNATIONAL B.V. - CNPJ: 17.212.356/0001-91 ADVOGADO: RAFAEL ALFREDI DE MATOS - OAB: BA0023739 RECORRENTE: UBER INTERNATIONAL HOLDING B.V. - CNPJ: 17.212.355/0001-47 ADVOGADO: RAFAEL ALFREDI DE MATOS - OAB: BA0023739 RECORRIDO: OS MESMOS CUSTOS LEGIS: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO ORIGEM: 19ª VARA DO TRABALHO DE BRASÍLIA - DF CLASSE ORIGINÁRIA: Ação Trabalhista - Rito Ordinário (JUIZA THAIS BERNARDES CAMILO ROCHA) EMENTA DIREITO DO TRABALHO. RECURSO ORDINÁRIO. VÍNCULO EMPREGATÍCIO ENTRE MOTORISTA E PLATAFORMA DIGITAL. AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. RECONHECIMENTO PARCIAL DE PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO PATRONAL. I. CASO EM EXAME Recurso ordinário interposto por motorista postulando o reconhecimento de vínculo empregatício com empresa provedora de plataforma digital de transporte. A sentença julgou improcedente o pedido. A reclamada interpôs recurso adesivo para reconhecimento da prescrição quinquenal. O autor alegou que prestava serviços com pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação jurídica. A empresa ré, por sua vez, sustentou tratar-se de relação autônoma, limitada ao uso da plataforma mediante condições previamente estabelecidas. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há duas questões em discussão: (i) saber se é cabível a declaração da prescrição quinquenal, considerando a data do ajuizamento da ação; e (ii) saber se estão presentes os requisitos dos arts. 2º e 3º da CLT para o reconhecimento do vínculo empregatício entre motorista e plataforma digital. III. RAZÕES DE DECIDIR Reconhecida a prescrição quinquenal em relação às parcelas anteriores a 05.06.2018, nos termos do art. 487, II, do CPC. A subordinação jurídica não foi comprovada, considerando-se o depoimento do autor e das testemunhas, que indicaram ampla autonomia na definição de jornada, escolha de corridas e ausência de imposições punitivas. A prova documental e testemunhal demonstrou que não havia obrigação de login diário, metas obrigatórias ou controle direto de jornada, o que afasta a caracterização do vínculo empregatício. Foi reconhecida a existência de prestação de serviços autônomos, com base na liberdade contratual e ausência de ingerência da empresa ré na atividade laboral. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso ordinário do reclamante conhecido e desprovido. Recurso adesivo da reclamada parcialmente provido para declarar a prescrição quinquenal das pretensões anteriores a 05.06.2018, com resolução do mérito. Tese de julgamento: "1. É cabível a declaração de prescrição quinquenal em relação às pretensões anteriores ao quinquênio contado do ajuizamento da ação, mesmo quando arguida somente em grau recursal. 2. Não há vínculo de emprego entre motorista de aplicativo e empresa de intermediação digital, quando ausentes os requisitos legais previstos nos arts. 2º e 3º da CLT." Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 1º, III e IV, e 7º; CLT, arts. 2º, 3º e 818, I e II; CPC, arts. 373, I e II, e 487, II; Lei nº 13.640/2018. Jurisprudência relevante citada: TST, Súmula 153; TRT10, RO 0000390-71.2021.5.10.0020, Rel. Des. Cilene Ferreira Amaro Santos, j. 06.11.2021 RELATÓRIO Conforme proposto pelo Exmo. Desembargador Relator e acolhido pela e. Turma: "O Juízo da 19ª Vara do Trabalho de Brasília/DF, por meio da sentença proferida no ID. 5d54d66, julgou improcedentes os pedidos formulados por THAIS BERNARDES CAMILO ROCHA em desfavor de UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA, UBER INTERNATIONAL B.V., UBER INTERNATIONAL HOLDING B.V.. O reclamante interpõe recurso ordinário, reiterando a existência de todos os requisitos para o reconhecimento da relação empregatícia, pugnando pelas verbas que indica, com responsabilização solidária das reclamadas, conforme razões ao ID. 4239223. Contrarrazões pela reclamada no ID. 5dfb8db. As reclamadas interpõem recurso adesivo (ID. 19b8d01) pugnando pela decretação da incompetência material da Justiça do Trabalho, prescrição quinquenal e ilegitimidade passiva das (segunda e terceira) reclamadas. O Ministério Público do Trabalho oficiou pelo conhecimento e provimento do recurso (ID. 00d01c3). É o relatório". V O T O ADMISSIBILIDADE Conforme proposto pelo Exmo. Desembargador Relator e acolhido pela e. Turma: "Conheço do recurso ordinário do reclamante, porquanto satisfeitos os pressupostos processuais de admissibilidade". PRELIMINARES Conforme proposto pelo Exmo. Desembargador Relator e acolhido pela e. Turma: "RECURSO ADESIVO DAS RECLAMADAS. DA INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO O Juízo de origem rejeitou a tese defensiva de incompetência da Justiça do Trabalho, consoante fundamentos de ID. 5d54d66 - Pág. 2. Em recurso adesivo, as recorridas renovam a preliminar em epígrafe, afirmando tratar-se de relação jurídica de natureza comercial aquela mantida entre as partes litigantes. A partir da vigência da Emenda Constitucional n.º 45, de 31 de dezembro de 2004, que deu novos contornos à atuação do Judiciário Trabalhista, o paradigma clássico definidor da competência, a partir da presença de trabalhadores e empregadores, foi superado pela atual redação do artigo 114 da Carta Política, bastando, assim, que a controvérsia tenha raiz na relação de trabalho. Ademais, o reclamante afirma na petição inicial que a relação havida entre as partes tem natureza empregatícia, o que atrai a competência da Justiça do Trabalho para conhecer e julgar a reclamação, nos termos do art. 114, I, da Constituição. Afinal, mesmo na hipótese de improcedência do pedido e não reconhecimento do vínculo de emprego, é inegável que se trata de relação oriunda de trabalho, hipótese prevista no art. 114, I, da CF. Rejeito. RECURSO ADESIVO DAS RECLAMADAS. DA ILEGITIMIDADE PASSIVA DAS (SEGUNDA E TERCEIRA) RECLAMADAS O Juízo de origem também rejeitou a tese defensiva de incompetência da Justiça do Trabalho, consoante os seguinte fundamentos: 2. Da preliminar de ilegitimidade passiva das 2ª e 3ª reclamadas As reclamadas suscitaram a ilegitimidade passiva das 2ª e 3ª rés, aduzindo que jamais mantiveram qualquer tipo de relação contratual com o reclamante, e que nunca possuíram sede ou atuação em solo brasileiro. Sem razão. As condições da ação são aferíveis, à luz da teoria da asserção, através de um juízo provisório e hipotético de veracidade dos fatos narrados na inicial. A legitimidade passiva é a pertinência subjetiva da ação. Depende da necessária relação entre o sujeito e a causa e traduz-se na relevância que o resultado desta virá a ter sobre sua esfera de direitos, seja para favorecê-la ou para restringi-la. Assim, são partes legítimas os titulares da relação jurídica deduzida no processo ou os responsáveis pelas obrigações decorrentes, sendo que a verificação desta condição ocorre em abstrato, à luz do apontado na inicial. Da análise abstrata dos fatos descritos na inicial, conclui-se que o reclamante pretende a responsabilização do 2º e 3º réus, por supostamente integrarem o mesmo grupo econômico, o que os torna titulares de legítimo interesse na oposição à pretensão, legitimando-os passivamente para a causa. A questão atinente à efetiva responsabilidade dos demandados é afeta ao mérito e junto a este será solucionada. Rejeito. A responsabilidade ou não das reclamadas recorrentes específicas - UBER INTERNATIONAL B.V. e UBER INTERNATIONAL HOLDING B.V., ao pagamento das parcelas postuladas confunde-se com a análise do mérito da questão, devendo as condições da ação serem consideradas em abstrato, vinculadas tão somente à pertinência entre os fatos narrados na petição inicial e os fundamentos jurídicos das pretensões deduzidas pelo reclamante. A referida condição da ação está umbilicalmente vinculada à pertinência subjetiva. Ora, ao indicar a recorrente para figurar no polo passivo da relação jurídica, na qualidade de responsáveis solidárias pelo adimplemento das obrigações trabalhistas, a parte reclamante arca com as consequências do seu ato. Ainda que a recorrente não tenha sido empregadora direta da parte reclamante, esta requereu a decretação de responsabilidade, com base em norma legal e precedente judicial, matéria essa eminentemente de mérito, sem nenhuma dúvida. A condição da ação ora questionada diz respeito à titularidade passiva, isto é, à pertinência subjetiva da ação (Liebman). Nesse contexto, a legitimidade para ação é verificada sob a perspectiva do interesse afirmado pelo autor e do interesse que se opõe à pretensão deduzida em juízo. Evidencia-se, portanto, a legitimidade das duas últimas reclamadas para figurar na lide, não implicando tal conclusão, por óbvio, decisão quanto ao mérito da controvérsia, sendo rejeitada a tese de ilegitimidade passiva. Rejeito". MÉRITO PRESCRIÇÃO QUINQUENAL Conforme proposto pelo Exmo. Desembargador Relator e acolhido pela e. Turma: "O Juízo da instância percorrida não se pronunciou quanto ao tema. A reclamada, em sede recursal, requer o reconhecimento da prescrição quinquenal. A prescrição pode ser arguida na instância ordinária, nesse sentido a Súmula nº 153 do col. TST, in verbis: "Súmula nº 153 do TST PRESCRIÇÃO (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003 Não se conhece de prescrição não argüida na instância ordinária (ex-Prejulgado nº 27)." Tendo em vista o ajuizamento da reclamação trabalhista em 5/6/2023, declaro a prescrição das pretensões anteriores a 5/6/2018, em relação às quais julgo extinto o processo com resolução do mérito (CPC, art. 487, II, do CPC). Recurso da reclamada parcialmente provido para declarar a prescrição parcial, extinguindo-se o feito com resolução do mérito em relação às pretensões anteriores a 5/6/2018". RELAÇÃO DE EMPREGO. MOTORISTA x PLATAFORMA DIGITAL. REQUISITOS. INSATISFEITOS Acerca do tema, o Exmo. Desembargador Relator apresentou a seguinte proposta de decisão: "Discute-se nos presentes autos a existência de relação de emprego entre a parte reclamante, ocupante da função de Motorista, e a reclamada, Plataforma Digital responsável pelo oferecimento dos serviços de transporte urbano aos clientes cadastrados em seu sistema eletrônico. O reclamante, na petição inicial, asseverou que trabalhava para a empresa demandada, na qualidade de motorista, mediante subordinação jurídica, pessoalidade, não eventualidade e onerosidade, no período compreendido entre 1º/06/2016 a 31/03/2023, quando foi bloqueado no aplicativo da reclamada. As reclamadas, além de refutarem a existência de qualquer relação de trabalho com o reclamante, afirmam que apenas oferecem serviço aos seus clientes, sem qualquer interferência nas atividades desenvolvidas pelos motoristas cadastrados na plataforma. O Juízo do Primeiro Grau de Jurisdição julgou improcedente o pedido de reconhecimento da relação de emprego, sob o fundamento de que o reclamante tinha plena autonomia na condução de sua atividade, assumindo os riscos do negócio. No recurso ordinário, o reclamante reafirma que prestou serviços à reclamada, com a presença de todos os requisitos da relação empregatícia. À análise. Ao admitirem que houve prestação pessoal de serviços pelo reclamante, em sua plataforma digital, as reclamadas atraem para si o onus probandi quanto à existência de uma relação de trabalho de natureza não subordinada e sem vínculo empregatício, pois, além de presumível o contrato de trabalho toda vez que uma pessoa física labora em prol de outrem, a hipótese aventada em defesa configura fato impeditivo do direito pleiteado. No caso vertente, o reclamante alegou na inicial que laborava das 8 às 20 horas, nos dias da semana, e 35h nos finais de semana, sem intervalo intrajornada e havendo, nos finais de semana, desrespeito ao intervalo interjornada preconizado no art. 66 da CLT, recebendo "pagamentos semanais", sendo obrigado, como motorista, a realizar cadastro informando dados pessoais, não podendo ser substituído por outra pessoa, sendo obrigado a aderir a contrato unilateralmente confeccionado, tendo que seguir os passos definidos no aplicativo, sem liberdade para gerir sua atividade conforme seu desejo. À análise. Ao admitir que houve prestação pessoal de serviços pelo reclamante, em sua plataforma digital, a parte reclamada atrai para si o onus probandi quanto à existência de uma relação de trabalho de natureza não subordinada e sem vínculo empregatício, pois, além de presumível o contrato de trabalho toda vez que uma pessoa física labora em prol de outrem, a hipótese aventada em defesa configura fato impeditivo do direito pleiteado. Na hipótese vertente, a própria defesa admite que a empresa puniu o reclamante com o desligamento da plataforma, por postura inadequada para com usuário, conforme denúncia recebida, em violação ao código de conduta da empresa. Ora, na verdade, a reclamada aplicou ao reclamante a mais grave de todas as punições, o desligamento, que corresponde, de fato, à dispensa motivada. Sabe-se, por diversos outros julgados, que no documento relativo às "Políticas de Desativação" se evidencia que, dentre outras restrições, o motorista não poderia ficar on line no aplicativo, sem estar disponível para iniciar viagem e nem se locomover para buscar o usuário. Não poderia ter uma "taxa de aceitação" menor do a taxa de referência da cidade em que atua, e tampouco uma "taxa de cancelamento" superior à da cidade. Note-se que ele não poderiam realizar "viagens combinadas" com os usuários e nem oferecer serviços de transporte fora do aplicativo. Todas essas práticas poderiam levar à penalização e mesmo desligamento do serviço. De se notar que, se fosse mal avaliado pelos usuários, ele também poderia ser desligado. Quaisquer das ações acima, dentre outras listadas naquele documento, poderiam "levar à rescisão contratual e fazer com que o motorista parceiro perca acesso ao aplicativo". Trata-se, na verdade, de efetivo controle a que era submetido o motorista, evidenciando clara e nítida subordinação. As mais relevantes características presentes na relação de trabalho existente entre a reclamada, Plataforma Digital, e os motoristas cadastrados em seu aplicativo eletrônico, segundo se extrai das provas produzidas em vários autos que já tive oportunidade de examinar, são as seguintes: 1) contratação ou o cadastramento de motoristas na Plataforma pode ser realizada por meio eletrônico; 2) há controle eletrônico de todas as atividades desenvolvidas pelos motoristas; 3) avaliação de desempenho insuficiente resulta na aplicação de punição, pela reclamada, ao motorista; 4) a reclamada fica com cerca de 25% do valor por ela cobrado do cliente passageiro; 5) não é possível trabalhar sem o recurso do GPS; 6) o preço de qualquer corrida é definido unilateralmente pela reclamada; 7) a reclamada aplica aos seus motoristas punições como bloqueio ou suspensão do uso do sistema da plataforma eletrônica; 8)os passageiros avaliam os motoristas; 9) os motoristas podem ser expulsos da plataforma pela reclamada; 10) o motorista precisa ficar com o GPS ligado para que seja possível a reclamada conectá-lo de forma rápida ao passageiro cliente; 11) a reclamada não assume quaisquer riscos do negócio, conforme política estabelecida por todos os aplicativos de transportes; 12)a reclamada faz uso do algoritmo para eventualmente não direcionar corridas a determinado motorista; 13) o algoritmo bloqueia temporariamente o motorista em razão de ter ele adotado postura distinta daquela almejada pela empresa. A partir das mais notáveis características descritas nos depoimentos colhidos nos vários autos, é forçoso concluir que estamos diante de uma relação de trabalho de natureza assalariada e subordinada, cujas atividades obreiras eram rigorosamente controladas pela plataforma digital reclamada, em seus mínimos detalhes. Mais adiante trataremos de forma pormenorizada de cada um dos requisitos da relação de emprego, tomando em conta a prova destes autos, reveladora da prestação pessoal de serviços pela parte reclamante, de forma personalíssima, em caráter não eventual, mediante assalariamento e subordinação jurídica. 3.3. INSERÇÃO DA TECNOLOGIA NAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO TEMPO DA ROBÓTICA E DA INDÚSTRIA 4.0. PLATAFORMAS DIGITAIS. O LABOR GUIADO POR APLICATIVOS ELETRÔNICOS. CARACTERÍSTICAS GERAIS IDENTIFICADAS POR ESTUDOS SOCIOLÓGICOS. MANUTENÇÃO DO ASSALARIAMENTO OBREIRO Na atual etapa de desenvolvimento das forças produtivas, a reestruturação promovida pelo capital exige o incremento de novas tecnologias destinadas a legitimar o processo político de desregulação e precarização de todas as relações de trabalho, conferindo-se, assim, dimensão concreta ao ideário neoliberal de retomada da liberdade sem restrições aos agentes econômicos. A revolução da microeletrônica ora em curso insere-se como efetiva necessidade do sistema econômico para aumentar a precarização do trabalho, jamais para melhorar a vida da classe trabalhadora. Aliás, esta "é condição histórico-estrutural do desenvolvimento do próprio capitalismo global"1. Em tempos de maquinofatura da 4ª Revolução Industrial, a robótica assume papel de relevo na acumulação capitalista, cujos novos equipamentos radicalizam a divisão do trabalho, o estranhamento, a obsolescência de algumas atividades laborais e a precarização do trabalho vivo. Na compreensão do sociólogo Giovanni Alves, Professor da Unesp de Marília, "Na medida em que o "novo saber" assume um papel estratégico na produção do capital constante, constituído cada vez mais pelo "trabalho morto" inteligente- diga-se de passagem, "inteligência artificial"-, abre-se um campo de luta, de tensão entre formalização do "trabalho vivo" criador do "trabalhador morto", pela captura da subjetividade da força de trabalho como trabalho vivo, trabalho vivo reduzido mas indispensável( e ineliminável)'à produção do capital, com a tentativa perpétua de formalização do trabalho vivo reduzido ou do trabalho imaterial, adequando-o à materialidade do trabalho abstrato. O que explica, portanto, a recorrente de novas formas de gestão de pessoas nos locais de trabalho. Inúmeras tarefas laborais são executadas a partir de instrumentos eletrônicos programados para a emissão de ordens e outros comandos inerentes a uma cadeia produtiva bastante hierarquizada, com especial destaque para as denominadas plataformas eletrônicas oferecedoras dos serviços de transporte urbano de pessoas e mercadorias"2. É que ocorre segundo modelo de inserção das plataformas eletrônicas nas relações de trabalho, meio este utilizado para condensar de forma exponencial "trabalho morto" no processo produtivo, elevando o grau de precariedade de todas as formas de labor humano. Na verdade, o modo de produção capitalista incorporou roupagem sofisticada ao seu figurino raiz baseado na permanente necessidade da geração de mais-valor, tentando escamotear a sua verdadeira face(ação) humana ou não humana com miúdos dispositivos da robótica, elementos da microeletrônica os quais não acumulam riquezas materiais nem ficam com parte do valor decorrente da ausência de remuneração do trabalho vivo, muito menos desfrutam depois do paraíso construído pela opulência burguesa. Trata-se, inegavelmente, de engenhoso meio de prestação laboral, na área de serviços, que tenta refutar a existência da figura do capital no comando de todas as ações. Por isso mesmo, os aplicativos eletrônicos pertencentes a conglomerados econômicos são apresentados como generosos facilitadores da vida moderna em sociedade, embora a razão de sua existência repouse na extração de ganhos monetários a partir do trabalho alheio. Estamos diante de mais um salto tecnológico projetado com o intuito de aumentar a potencialidade lucrativa inerente ao sistema capitalista de produção, como assim o foram tantos outros avanços industriais ao longo dos dois últimos séculos, nenhum deles, registre-se, conseguindo apagar da história o ardente conflito entre as classes sociais da burguesia e do proletariado. Em tempos de "Gig-economy, platform economy, sharing economy, crowdsourcing, on-demand economy, uberização, ifoodização, crowdwork, trabalho digital", pesquisas recentes descrevem as principais condições de trabalho de motoristas, entregadores ciclistas, motociclistas e de outros profissionais prontos para cumprir a rotina rigorosamente controlada por plataformas, quais sejam: I) os proprietários dos aplicativos eletrônicos selecionam quem está apto a trabalhar; II) delimitam de modo exaustivo o que pode ser feito ou não pelo contratado no exercício de suas atividades laborais, fixando as suas tarefas, obrigações e responsabilidades; III) impedem a captação de cliente pelo trabalhador contratado, prerrogativa exclusiva da empresa; IV) descrevem de forma pormenorizada todas as atividades do contratado; V) fixam o prazo máximo a ser executado, quanto à entrega do serviço oferecido ao cliente; VII) estabelecem de forma unilateral os valores a serem recebidos; aplicam promoções e sanções aos trabalhadores, por força do uso do algoritmo; VIII) impõem regras de convivência entre os trabalhadores e clientes e entre aqueles e as suas gerências; exigem assiduidade laboral; IX) pressionam os trabalhadores pelo aumento da jornada; realizam ameaças aos seus trabalhadores contratados e promovem dispensas sem quaisquer justificativas.3 Conforme avalia o sociólogo Ricardo Antunes, aproveitando-se dos tempos de pandemia da Covid-19, o capital promoveu a intensificação do uso de formas precárias de trabalho, notadamente a partir do fenômeno da "uberização" como método de trabalho para muito além do aplicativo de transportes. Cuida-se da utilização de ferramentas eletrônicas com o intuito de conseguir trabalho vivo (humano) informal e por preço irrisório. Hoje, essa modalidade de precarização das relações de trabalho já alcançou inúmeras atividades e categorias profissionais, todas elas sem direitos do trabalho. Para o Professor da Unicamp, "Como as corporações globais sabem melhor do que ninguém que a força de trabalho é uma mercadoria especial, uma vez que é a única capaz de desencadear e impulsionar o complexo produtivo presente nas cadeias produtivas globais que hoje comandam o processo de criação de valor e de riqueza social, os capitais aprenderam bem, ao longo destes quase três séculos de dominação, a lidar com (e contra) o trabalho. Sabedores de que, se efetivassem a completa eliminação do labor, eles se veriam na incômoda posição de extinguir seu próprio ganha-pão, sua alquimia diária, cotidiana e ininterrupta está voltada indelevelmente para reduzir ao máximo o trabalho humano necessário à produção. E assim se faz por meio da introdução compensadora do arsenal maquínico-informacional-digital disponível, ou seja, pelo uso das tecnologias de informação e comunicação (TIC), "internet das coisas", impressão 3D, big data, inteligência artificial, tudo isso enfeixado, em nossos dias, na mais do que emblemática proposta da indústria 4.04. Ao se servirem do trabalho alheio para a obtenção de ganhos econômicos, seja sob a forma de lucro ou de mais-valor, independentemente do método aplicado para o controle do labor humano, os donos dos respectivos empreendimentos são capitalistas em sua expressão mais fiel de acumulação de riquezas calcada naquele pressuposto inicial do uso de trabalho vivo de terceiros para o sucesso do negócio. Tal como ocorrera em outras revoluções tecnológicas, a era da cibernética introduz elementos novos no processo produtivo, sem desnaturar, contudo, as relações sempre identificadas a partir de polos rasgadamente distintos. De um lado, portanto, a corporificação da riqueza material concentrada nas mãos dos proprietários dos meios de produção e, do outro, o sujeito que precisa vender a sua força de trabalho ao capital para sobreviver. Os professores Ricardo Antunes e Vítor Filgueiras descortinam o objetivo nuclear das plataformas eletrônicas voltado para negar a existência de assalariamento na relação de trabalho mantida com motoristas e outros profissionais: "Em nosso entendimento, entretanto, a chamada uberização do trabalho somente pode ser compreendida e utilizada como expressão de modos de ser do trabalho que se expandem nas plataformas digitais, onde as relações de trabalho são cada vez mais individualizadas (sempre que isso for possível) e invisibilizadas, de modo a assumir a aparência de prestação de serviços. Mas, os traços constitutivos de sua concretude, como veremos a seguir, são expressão de formas diferenciadas de assalariamento, comportando tanto obtenção de lucro, exploração do mais valor e também espoliação do trabalho, ao transferir os custos para seus/suas trabalhadores/as que passam a depender diretamente do financiamento de suas despesas, que são imprescindíveis para a realização de seu labor. [...] Conjugando o rótulo do trabalho autônomo (ou a negação da própria relação de trabalho) com o contrato por tarefa, o/as trabalhadores/as, além de não terem salário, renda ou jornada garantida em seus contratos, não gozam de qualquer direito, mesmo quando conseguem um serviço. Assim, a grande novidade na organização do trabalho introduzida pelas novas TIC é, além de potencializar exponencialmente as formas de obtenção de lucros e até mesmo de extração do mais valor, é o de permitir que as empresas utilizem essas ferramentas como instrumental sofisticado de controle da força de trabalho, de que são exemplos o registro em tempo real da realização de cada tarefa, velocidade, local e movimentos realizados; a mensuração das avaliações; tudo sob o aparente comando dos algoritmos. E este novo fetiche do mundo tecnológico do capital permite, ao mesmo tempo, que se expanda o ideário fetichizado de que tudo está sob impulsão de uma neutra tecnologia, autônoma, quando é a engenharia informacional do capital que tem de fato o comando do algoritmo e, portanto, dos ritmos, tempos, produtividade e eficiência no universo microcósmico do trabalho individual, tendência que não para de se acentuar com a proposta da chamada Indústria 4.0., como se esta fosse um imperativo inexorável da tecnologia" 5. O assalariamento e o controle rigoroso de todas as atividades laborais desenvolvidas por intermédio de plataformas digitais integram a rotina de trabalhadoras e trabalhadores, não apenas pela obtenção de renda decorrente da venda da força de trabalho ao capital cibernético, mas também, por características comuns marcadas pela extrema submissão obreira aos verdadeiros donos do negócio. Além disso, os donos dos aplicativos são responsáveis pelo controle mais absoluto de todo o processo de trabalho, sem que a parte obreira contratada possa interferir em qualquer uma de suas etapas senão adequar-se silenciosamente ao padrão extremamente rigoroso orientado pela nova dinâmica, no âmbito do capitalismo cibernético ávido por apagar do cenário a figura da pessoa trabalhadora e, consequentemente, o conflito social de natureza trabalhista. Impõe-se, na atual quadra, para o sistema econômico, a despersonalização completa da figura do trabalhador, praticamente desaparecendo ele, por exemplo, no ato das terceirizações cujas pessoas jurídicas contra quem reivindica são frágeis ficções ou correias de transmissão da mais-valia sem sobressaltos, verdadeiros anteparos fantasmagóricos da realidade de um capital que se esconde com o receio do conflito social, daquele tênue embate do dia a dia por salário digno ou respeito à jornada contratual até o acirramento classista mais agudo. No trabalho por plataformas digitais o quadro de tentativa de apagamento social obreiro se agrava consideravelmente: o trabalhador tem igual importância àquela conferida ao veículo novo por ele comprado em longas prestações como condição para ser admitido pelo serviço de transportes de uma determinada empresa da Gig-economy. Sim, porque esta força de trabalho humana, pela lógica das plataformas digitais, não é detentora de direito social inerente a qualquer pessoa que dispende o seu labor por conta alheia, além de ser tratada como algo autômato, uma espécie de sujeito cuja direção da vida profissional e social possui os seus caminhos traçados por quem manipula e controla a tecnologia. A invisibilidade da pessoa trabalhadora como método voltado ao lucro e à produção de mais-valor não deve, contudo, ser chancelada pelo Direito, notadamente pelo Direito do Trabalho avesso a todas e quaisquer formas de mistificação da realidade de relações laborais ainda guardadas por gigantescas assimetrias entre os donos dos meios de produção e os vendedores da força de trabalho. Nessa senda, a premissa inicial, considerando o modelo de relação existente entre os proprietários das plataformas digitais e os trabalhadores que lhes prestam serviços, bem como as características declinadas anteriormente, resulta no reconhecimento de dois polos muito bem definidos, quais sejam, os tomadores de serviços e os seus respectivos prestadores de trabalho. Aliás, nunca é demais ressaltar que o aplicativo não é um meio neutro no serviço oferecido a clientes diversos. Trata-se tão somente de dispositivo eletrônico apropriado e manipulado exclusivamente pelo dono deste capital cibernético. Do outro lado, a força motriz do serviço prestado não é o veículo utilizado para transportar pessoas e produtos, muito menos a plataforma digital, senão a figura da pessoa trabalhadora detentora de direitos sociais assegurados pela Constituição da República, pelo Direito Internacional do Trabalho e pela legislação infraconstitucional. Os proprietários das plataformas digitais, por intermédio de contrato composto de cláusulas por eles previamente definidas, admitem e assalariam trabalhadoras e trabalhadores com a finalidade de oferecer serviços por custo financeiro reduzido aos seus clientes, sendo aquelas pessoas, donas dos aplicativos e prestadores de trabalho, partes nítidas de uma relação jurídica de caráter assalariado. O capital e o trabalho continuam, desse modo, entrelaçados em todas e quaisquer atividades realizadas por intermédio de plataformas, aplicativos ou por outros instrumentos eletrônicos. Em outras palavras, sob a perspectiva crítica, sociológica ou econômica, os comandos estritamente eletrônicos, programados para o controle de cada um dos atos da parte trabalhadora no desenvolvimento de suas atividades, não são suficientes para fazer desaparecer do mundo real e concreto o sujeito capital na relação com o trabalho humano. Embora o paradigma guardado pelo simples encontro do capital com o trabalho em uma determinada relação devesse ser motivo suficiente para atrair a proteção juslaboralista por parte do ordenamento jurídico nacional e internacional, considerando a própria origem do Direito do Trabalho como resultado material da luta de classes de caráter econômico e político, a ótica predominante dos juristas, contudo, exige a satisfação de outros pressupostos e requisitos. Em outros termos, enquanto para a Sociologia crítica há capital e trabalho vivo nas relações desenvolvidas por intermédio de plataformas digitais ou aplicativos eletrônicos, no campo do Direito do trabalho, todavia, frise-se, há necessidade de realizar outras incursões complementares aos apontamentos sociológicos, análises essas dotadas de conteúdo jurídico, para se aferir a existência ou não da relação de emprego protegida pelo ordenamento constitucional, supralegal e legal em vigor, análises a serem feitas em outros tópicos deste voto. Com as partes definidas - donos dos aplicativos e trabalhadores contratados sob a lógica das plataformas-, o passo seguinte importa na análise do tratamento constitucional e do direito internacional dispensado ao trabalho regulado, assim como a avaliação da presença ou não dos supostos da relação de emprego no trabalho prestado pela gente trabalhadora por intermédio de plataformas digitais, conforme legislação infraconstitucional. 3.4. TRABALHO FORMAL E REGULADO PROTEGIDO. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. DIREITO INTERNACIONAL DO TRABALHO. DIREITO INFRACONSTITUCIONAL Propaga-se pelos mais variados meios ser imprescindível retirar direitos da classe trabalhadora para propiciar o crescimento econômico e gerar empregos, fórmula velha testada lá fora e aqui, sempre com retumbante fracasso até para o que se propõe discursivamente, sem desprezar, por outro lado, o aumento dos níveis de pobreza em todos os locais nos quais a dosagem do veneno neoliberal fora introjetada na veia da sociedade. Em um mercado de trabalho extremamente desregulado, como é o brasileiro, que também carrega pesada herança de opressão ao labor humano e tem fração desse ranço ainda disseminado na prática das relações sociais, a promoção da política de incentivo à informalidade pode ser o decreto de liquidação institucional do país como nação constitutiva de um povo com direitos econômicos, sociais e culturais. E a informalidade laboral - sequer seria necessário lembrar - atinge a classe trabalhadora, em primeiro lugar, mas também provoca estragos irreparáveis ao conjunto da sociedade, podendo ocasionar a falência do próprio poder público (mitigação no recebimento de contribuições sociais diversas e impostos) e de setores capitalistas de menor porte, que não vivem da usura ou do atraente rentismo oferecido pelo mercado financeiro. No Brasil, sem prejuízo da larga utilização de métodos criados para explorar o trabalho humano sem formalidade legal e sem direitos do trabalho, desenvolve-se frenético movimento na atualidade em prol da imunidade trabalhista legal, qual seja, aquela que confere a determinados setores econômicos e não econômicos a prerrogativa jurídica de não ter, em tese, as suas relações de trabalho regidas pela Constituição da República (art. 7º) e pela CLT(art.3º). São as relações de trabalho nas quais a parte trabalhadora, pessoa física, é declarada antecipadamente pela lei como "autônoma", "parceira" "agente terceirizante" ou sujeito similar sem direitos socais básicos, tais como, férias, 13º salário, previdência social, limitação da jornada e outras condições dignas de labor. Apenas a título de ilustração, notamos que alguns segmentos econômicos relevantes receberam imunidade prévia trabalhista, no sentido de que, observadas as condições estabelecidas na lei respectiva, inexistiria vínculo de emprego com os trabalhadores que lhes prestam labor. Foram contemplados com pretensa imunidade trabalhista, entre outros, os seguintes segmentos: 1) transportadores de cargas na sua relação com os motoristas (Lei nº 11.442, de 5 de janeiro de 2007); 2) proprietários dos salões de beleza e similares em relação de trabalho mantida com cabeleireiros, manicures e outros profissionais do mesmo ramo (Lei nº 13.352, de 27 de outubro de 2016); e 3) tomadores de serviços domésticos dos trabalhadores denominados diaristas que laboram até duas vezes por semana na mesma residência (Lei Complementar nº 150, de 1º de junho de 2015). Casos mais antigos foram igualmente tratados com distinção jurídica protetiva aos donos dos negócios, entre os quais destacam-se: 4) cooperativas de trabalho protegidas em detrimento das pessoas que lhes prestam serviços (Lei nº 8.949, de 9 de dezembro de 1994); 5) imobiliárias e incorporadoras em sua relação de trabalho com os corretores (Lei nº 6.530, de 12 de maio de 1978); e 6) grandes indústrias, fornecedoras e marcas de produtos na relação de trabalho com os representantes comerciais (Lei nº 4.886, de 9 de dezembro de 1965). Além de categorias econômicas e não econômicas (tomadores de serviços domésticos) como beneficiárias de regime jurídico privilegiado nas relações de trabalho, não é tão rara a contratação de advogadas e advogados por escritórios de advocacia dos mais variados portes sob o manto jurídico da existência do regime de sociedade (profissional da advocacia associado) prevista no Estatuto dos Advogados (Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994; Lei nº 13.247, de 12 de janeiro de 2016), cujos direitos do trabalho muitas vezes são depois reivindicados perante a Justiça do Trabalho por pessoas físicas da advocacia as quais refutam veementemente a qualidade de sócio ou associado. Se não bastasse a contrarreforma trabalhista de 2017, esse conjunto de alterações da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) espalha, sem nenhuma pertinência temática com o objeto da CLT, a sua vocação destruidora do juslaboralismo para declarar que a contratação de autônomo, observadas as formalidades legais (Lei nº13.467, de 13 de julho de 2017; art. 442-B), afasta a relação de emprego, até então cuidada com zelo em quase toda a CLT como diploma jurídico existente para regular o trabalho socialmente protegido. Quer-se verdadeiramente estimular a fuga da CLT no âmbito do próprio corpo normativo da Consolidação das Leis do Trabalho. Parece paradoxal a situação. Era como se alguém dissesse em tom de voz moderado que esta é a CLT, o documento infraconstitucional mais relevante de regência das relações de emprego no Brasil para, logo em seguida, proclamar em alto e bom som que aqui também existe trabalho anticeletista à disposição. É o que se deflui da mensagem contida no artigo novo 442-B, incorporado em 2017 à Consolidação das Leis do Trabalho. Nenhuma das leis interpretadas como concessivas de imunidade trabalhista antecipada a determinados segmentos econômicos deveria ter relevância jurídica. Todas elas, leis e empresas, estão submetidas ao crivo da Constituição da República (arts. 7º e 170). E assim também deveria ser porque a CLT estabelece os supostos da relação de emprego, definindo inclusive a qualidade de empregador (art. 2º) e a condição de empregado (art. 3º). Os dispositivos celetistas apontados anteriormente jamais foram, como não poderiam ser, revogados por leis esparsas. Ademais, orienta o Direito do Trabalho o princípio da primazia da realidade, de modo que as formas jurídicas escapatórias do juslaboralismo, mais ou menos sofisticadas ou tão somente improvisadas, não se sobrepõem à realidade, isto é, não superam "ao que sucede no terreno dos fatos", nos dizeres clássicos do saudoso juslaboralista uruguaio Américo Plá Rodriguez6. O problema é o poder simbólico exponencialmente elevado quanto à existência de uma ordem emanada do poder público competente para legislar sobre o Direito do Trabalho e a sua negação, o não-direito do trabalho. Este simbolismo muitas vezes funciona como elemento de construção de suas próprias realidades ideológicas paralelas e de consequente dissolução das resistências ao arbítrio7. Na realidade, deve se atentar para o significado prático quase inexpugnável de leis de imunidade trabalhista aprovadas com a finalidade de afastar a existência da relação de emprego entre determinados setores econômicos e a gente trabalhadora que lhes presta serviço de forma pessoal, em caráter não eventual, mediante remuneração e com a presença de alguma das faces existentes de subordinação jurídica. São leis que, em tese, deixam trabalhadoras e trabalhadores sem direitos do trabalho, sobretudo quando a sua interpretação relega a existência do Direito Constitucional do Trabalho. Muitas dessas leis, como se percebe pelo olhar do fenômeno temporal, são precocemente afinadas com o espírito das plataformas digitais, diante da perspectiva movida pelo estímulo à informalidade laboral. Nasceram antes, portanto, da introdução dos aplicativos eletrônicos nas relações de trabalho. Voltando ao sentido prático das leis de imunidade trabalhista, os donos dos negócios que contratavam antes sem a formalização laboral, inegavelmente, vão continuar com a prática da informalidade, agora mais encorajados pela informalidade consagrada em lei. É pouco provável que os demais integrantes dos setores econômicos alcançados pela imunidade trabalhista, até então mantendo relações de trabalho regidas pela CLT, não adotem igual caminho, até porque uma das leis do mercado é a concorrência magnetizada pelo oferecimento do menor preço do produto e dos serviços aos consumidores, seja qual for o custo social advindo da ferrenha disputa capitalista. E o valor do trabalho vivo, inegavelmente, tem o peso mais expressivo na definição do valor das mercadorias. Quanto mais opressão e exploração sobre o trabalho, menor será o preço da mercadoria por ele fabricada, em uma relação inversamente proporcional. O custo baixo de produtos e serviços frente à concorrência capitalista embute ou esconde necessariamente a precarização das condições de trabalho, como se dá, por exemplo, naquilo oferecido pelas plataformas digitais a sua gigantesca clientela. Nada que não possa haver, por outro lado, trabalho precário extremo empregado para a produção de mercadorias vendidas por alto custo, diante do reconhecimento adquirido pelas marcas nacionais ou internacionais, da publicidade exacerbada em torno da coisa e de todo o conjunto do capital imaterial impregnado no valor do objeto. Todo o quadro exposto anteriormente revela o desafio à regulação e proteção do trabalho humano, muito embora o ordenamento jurídico aponte em direção contrária à informalidade laboral. Nunca é demais relembrar que a Constituição de 1988, resultante do processo político condutor do fim da ditadura militar (1964-1985) e de seu próprio processo constituinte umbilicalmente vinculado ao desmonte das estruturas autoritárias e socialmente excludentes fincadas por governos ilegítimos assentados no poder por um golpe militar (1964), embora repleta de contradições inerentes à tensionada sociedade de classes, possui inegável compromisso com o direito ao trabalho, o direito do trabalho, a organização sindical livre, o trabalho digno e o trabalho regulado. Se não bastassem os primados da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho como princípios fundamentais da República ou fundamentos do Estado Democrático de Direito (CRFB, artigo 1º, incisos III e IV), o texto constitucional reconhece o trabalho como direito social fundamental(art.6º), além de realçar o seu compromisso inarredável com o trabalho regulado e protegido pelo Estado (artigo 7º). O trabalho formal e regulado é objeto de cuidadosa normatização, a ponto de a Constituição da República identificar extenso rol de direitos sociais a serem usufruídos pela classe trabalhadora frente aos sujeitos do capital ou de entes sem fins lucrativos que do trabalho alheio se aproveitam. Não é do trabalho sem proteção social que a Constituição brasileira trata. É da proteção social a qualquer tipo de trabalho humano desenvolvido por pessoa natural em prol de empresas ou pessoas as quais recorrem à força de trabalho alheia para o desenvolvimento de suas atividades. Por isso mesmo, toda vez que estiver em debate a existência ou não da relação de emprego entre uma pessoa física trabalhadora e determinada empresa (ou outra forma de organização social) que fez uso dessa força de trabalho em seu benefício, de forma direta ou indireta, há que se ter em mente o caráter compromissório da Constituição brasileira de 1988 com o contrato de trabalho formal e regulado. Na qualidade de texto jurídico revestido do caráter contramajoritário, capaz de não ignorar as acentuadas assimetrias econômicas, políticas e sociais entre o capital e o trabalho, cuja premissa da liberdade do funcionamento do mercado sem regulação estatal esvaziaria por completo todas as normas de conteúdo protetivo ao hipossuficiente, a Constituição da República, para além da exigência do trabalho formal, assegura a organização sindical sem a interferência do Estado e dos patrões (artigo 8º), garante o exercício do direito de greve pela classe trabalhadora (artigo 9º) e proclama que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano (artigo 170). As tentativas vistas no seio da sociedade brasileira, sob a condução das classes empresariais e das instituições públicas representadas pelos poderes constituídos da República, voltadas à desregulação das relações de trabalho e lastreadas em pressupostos da economia de mercado avessa à regulação e formalização das relações de emprego com trabalhadores os quais lhes prestam serviços, expressam, sem nenhuma dúvida, a refutação veemente do texto constitucional de 1988. Em outras palavras, o Direito Constitucional de 1988 deveria ser o suficiente para rechaçar formas fraudulentas de contratação e absorção de mão de obra em prol de atividade empresarial permanente e lucrativa, cujo desempenho prescinde inexoravelmente da força de trabalho humana, sendo a plataforma digital tão somente o instrumento eletrônico ou a máquina dos novos tempos para teleguiar todas as ações a serem empreendidas pela parte obreira. A Constituição da República não proíbe o uso de ferramentas eletrônicas nas relações de trabalho, incluindo as plataformas digitais. Apenas veda a criação de subterfúgios econômicos e jurídicos capazes de colocar em xeque o trabalho regulado e formal nela assegurado, a exemplo das tais plataformas sem responsabilidade social, algo em voga no Brasil, mas que boa parte do mundo, registre-se, começa a despertar para os seus efeitos profundamente perversos com a classe trabalhadora e com o conjunto de cada sociedade organizada sob a modalidade da democracia constitucional formal burguesa. O trabalho prestado por pessoa física, de maneira pessoal, em prol de atividade econômica permanente na área de transporte de gente humana ou produtos, bem como em relação a diversificadas atividades igualmente acionadas a partir de plataformas digitais, no Brasil, é inexoravelmente regulado e protegido pela Constituição da República, sendo inconstitucionais todos e quaisquer atos privados ou públicos consistentes na subtração de direitos sociais à classe trabalhadora, entre outros, as garantias inerentes à limitação da jornada, ao pagamento de horas extras, adicionais, 13º salário, FGTS, seguro-desemprego, à concessão de férias e adoção de medidas contra quaisquer adoecimentos laborais ou acidentes típicos. A prática sonegatória de direitos sociais eventualmente adotada por plataformas eletrônicas é notoriamente ofensiva à Constituição de 1988 (artigos 1º, incisos III e IV; 6º, 7º, 8º, 9º e 170) e à CLT (artigos 3º e 442). De igual maneira, a ausência de formalização do contrato de trabalho mantido entre as partes viola o Direito Internacional do Trabalho incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro (CRFB, artigo 5º, §2º e §3º; caput do artigo 7º; CLT, artigo 8º), tanto por tratados e normas internacionais ratificados pelo Brasil, quanto pelo uso do Direito Comparado, naquilo que não tenha sido objeto de ratificação expressa. As Convenções da OIT - Organização Internacional do Trabalho, como expressão da mais elevada representatividade atinente à incorporação de normas internacionais de proteção ao trabalho humano ao ordenamento jurídico brasileiro, em semelhante perspectiva à Constituição brasileira de 1988, têm como ponto fulcral de sua atividade, a partir da observância do caráter tripartite de seus atos decisórios - patrões, classe trabalhadora e Estados, o respeito ao trabalho regulado e formal. Não por acaso, o objeto central da atuação da OIT é assegurar o exercício de direitos sociais pela classe trabalhadora, entre tantos outros não nomeados aqui, os seguintes: a Abolição do Trabalho Forçado (Convenção nº 29); a Organização do Serviço de Emprego (Convenção nº 88); a proteção ao Trabalho Noturno das Mulheres na Indústria (Convenção nº 89); a Proteção do Salário (Convenção nº 95); o Direito de Sindicalização e de Negociação Coletiva (Convenção nº 98); o Salário Igual para Trabalho de Igual Valor entre o Homem e a Mulher (Convenção nº 100); o Amparo à Maternidade (Convenção nº 103); a Abolição das Sanções Penais no Trabalho Indígena (Convenção nº 104); a Abolição do Trabalho Forçado (Convenção nº 105); o Repouso Semanal no Comércio e nos Escritórios (Convenção nº 106); a vedação à Discriminação em Matéria de Emprego e Ocupação (Convenção nº 111); a Proteção Contra as Radiações (Convenção nº 115); a Política de Emprego (Convenção nº 115); a Fixação de Salários Mínimos, Especialmente nos Países em Desenvolvimento (Convenção nº 131); as Férias Anuais Remuneradas (Convenção nº 132); a Idade Mínima para Admissão no Emprego (Convenção nº 138); a Licença Remunerada para Estudos (Convenção nº 140); a Segurança e Saúde na Construção (Convenção nº 167); a Promoção do Emprego e Proteção Contra o Desemprego (Convenção nº 168) e o Trabalho Noturno (Convenção nº 171). Quase todas as Convenções da OIT foram ratificadas pelo Brasil, sendo consideradas como as principais não ratificadas apenas as seguintes: 87, 90, 102, 128, 150, 151, 157, 158 e 1738. Para além da proteção ao trabalho regulado assegurador do exercício de direitos sociais pela classe trabalhadora, frente aos seus empregadores e tomadores de serviço, incluindo a proteção do emprego, a garantia de salário-mínimo, a não-discriminação entre homens e mulheres, a adoção de medidas para o afastamento dos acidentes de trabalho, a proibição de trabalho forçado, o veto ao trabalho infantil, as férias anuais remuneradas, a política de emprego e contra o desemprego, entre tantos outros limites civilizatórios a serem observados nas relações de trabalho, a Organização Internacional do Trabalho exige o trabalho decente em quaisquer atividades humanas, modalidade que não se compactua com nenhuma opressão ao trabalho humano e a sua forma de organização coletiva, muito menos com a supressão dos patamares mínimos estabelecidos em algumas de suas Convenções. Sobre o trabalho decente como princípio estabelecido pela OIT, Crivelli compreende que esta "É uma ideia-chave que articula, ao mesmo tempo, a noção do direito do trabalho, a proteção de direitos básicos, a equidade no trabalho, segurança social, uma representação dos interesses dos trabalhadores e, ainda, que o trabalho esteja envolto num ambiente social e político adequado à noção de liberdade e dignidade humana. Segundo a proposta implícita ao relatório de 1999, posteriormente acatada pela conferência e pelo Conselho de Administração, a promoção do trabalho decente no mundo - observados os objetivos estratégicos e as condições de sua realização - passou a ser a proposta central da OIT e a ela devem se adequar todos os seus programas de cooperação técnica, a política normativa e até mesmo o seu sistema de controle de normas"9. Ofendendo a Constituição da República, as normas internacionais e o primado do trabalho decente estabelecido pela OIT para quaisquer relações de trabalho, desafiando, ainda, a dignidade humana laboral, é negável que qualquer método de trabalho contrário ao mais remoto direito de natureza trabalhista a ser desfrutado pela parte obreira, constitui-se em flagrante instrumento de corrosão social e de inegável aprofundamento da miséria decorrente das desigualdades brasileiras, contra o ordenamento jurídico nacional e internacional, reitere-se. Do ponto de vista do Direito Constitucional do Trabalho e do Direito Internacional do Trabalho, a regulação com a proteção social dos direitos do trabalho no Brasil constitui-se no padrão jurídico a ser observado nas relações laborais entre os agentes econômicos e os trabalhadores que lhes prestam serviços. Uma relação cujo trabalho é prestado de forma pessoal em atividade econômica permanente, de modo não eventual, mediante subordinação e remuneração, porém, sem o reconhecimento de quaisquer direitos sociais a trabalhadoras e trabalhadores, é notoriamente ofensiva à Constituição da República de 1988 (artigos 1º, incisos III e IV; 6º, 7º, 8º, 9º e 170) e às normas internacionais do trabalho ratificadas pelo Brasil (CRFB, artigo 5º, §2º e §3º; caput do artigo 7º; CLT, artigo 8º; Convenções da OIT 29, 88, 89, 95, 98, 100, 103 104, 106, 111, 115, 131, 132, 138, 140, 167 E 168, entre outras). 3.5. SUPOSTOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO. CLT A legislação infraconstitucional brasileira cuida de explicitar os supostos da relação de emprego, mais especificamente no artigo 3 º, da Consolidação das Leis do Trabalho, ao exigir para a sua configuração os requisitos da prestação de serviços por pessoa física, com pessoalidade (intuitu personae), em caráter não eventual, sob a dependência (subordinação) do sujeito tomador qualificado na lei como empregador e por meio oneroso, com o pagamento de salário, portanto. O primeiro requisito da relação de emprego consiste na necessidade de o trabalho ser desenvolvido por pessoa física (pessoa natural). Surgiu o Direito do Trabalho para regular e proteger a pessoa trabalhadora em sua relação desenvolvida com quem adquire o direito, pelas leis do mercado capitalista, de usufruir dessa prestação laboral em seu proveito. Quem contrata a parte trabalhadora para a execução de atividades diversas não está locando um serviço senão adquirindo mão de obra de uma determinada pessoa natural. É inviável cogitar da existência de relação de trabalho, muito menos de emprego, entre empresas as quais comercializam os seus produtos como fornecedoras e revendedoras. Relação de trabalho como gênero, da qual a relação de emprego é espécie, demanda necessariamente a presença de pessoa física prestando serviços em favor de outrem. Por outro lado, sempre que houver prestação laboral por pessoa física haverá, inegavelmente, uma relação de trabalho, que pode ser relação de emprego ou não. Na forma sintetizada por Maurício Godinho Delgado, "a própria palavra trabalho já denota, necessariamente, atividade realizada por pessoa natural, ao passo que o verbete serviços abrange obrigação de fazer realizada por pessoa física, quer pela jurídica"10. Sempre que alguém, pessoa física, prestar serviço a outrem, dispendendo a sua energia física e mental em prol de quem o contratou para executar determinado serviço, haverá inafastável relação de trabalho entre as partes. Seja qual for nomenclatura atribuída ao contrato celebrado entre pessoa física prestadora de serviços e a respectiva tomadora, existirá, em tal hipótese, inescondível relação de trabalho, tanto do ponto de vista sociológico em torno do que vem a ser trabalho humano, quanto da perspectiva estritamente jurídica. Este é o primeiro suposto também para a relação de emprego: trabalho prestado por pessoa física para outrem. Além do trabalho prestado por pessoa física, deve haver pessoalidade, o caráter intuitu personae, de modo que a pessoa contratada não realize ela própria a contratação de outras pessoas para a execução das tarefas. Não desnatura, contudo, o requisito da pessoalidade as substituições ocasionais da parte trabalhadora regularmente admitidas pela tomadora de serviços. O caráter personalíssimo da relação de emprego, em relação à pessoa trabalhadora, é um dos seus traços mais marcantes. Citado por Amauri Mascaro Nascimento, Manuel Alonso Olea, pontifica o seguinte: "A prestação do trabalhador é estritamente personalíssima, e o é em duplo sentido. Primeiramente, porque pelo seu trabalho compromete o trabalhador sua própria pessoa, enquanto destina parte das energias físicas e mentais que dele emanam e que são constitutivas de sua personalidade à execução do contrato, isto é, ao cumprimento da obrigação que assumiu contratualmente. Em segundo lugar, sendo cada pessoa um indivíduo distinto dos demais, cada trabalhador difere de outro qualquer, diferindo também as prestações de cada um deles, enquanto expressão de cada personalidade em singular. Em vista disso, o contrato de trabalho não conserva sua identidade se ocorrer qualquer alteração na pessoa do trabalhador. A substituição deste implica um novo e diferente contrato com o substituto".11 Para além das substituições perceptíveis no âmbito de determinada relação jurídica, há outras formas de trabalho, notadamente quando o labor é prestado à distância ou na residência da parte obreira, cuja delegação de atividades não é forte o suficiente para desmoronar por completo o requisito da pessoalidade. Nos dizeres de Mozart Victor Russomano, "quanto ao trabalhador, porém, sempre, a relação de emprego é personalíssima. Por mais humilde que seja a função de trabalhador, o empregador o admite tendo em vista suas qualidades pessoais[...] . O caráter personalíssimo da relação de emprego, no tocante ao trabalhador, impede que se faça substituir na execução do serviço. O trabalhador tem a obrigação de executar o trabalhador deve fazê-lo nas condições ajustadas.[...]. Não pode,portanto, o empregador saber quem, realmente, executou a peça ou tarefa. Nem isso lhe importa. Interessa-lhe, sim, a produtividade desejada do trabalhador a domicílio, esteja ele, coadjuvado por terceiros. A pessoalidade reduz-se, portanto; mas, insistimos, não desaparece, porque o empregador sempre tem em vista as qualidades e identidade pessoal daquele que é admitido como trabalhador a domicílio e faz a entrega das peças confeccionadas ou do serviço feito, assumindo a responsabilidade direta do trabalho realizado"12. Tratando do caráter da infungibilidade, no que tange ao trabalhador, Maurício Godinho Delgado aponta situações excepcionais de substituições realizadas a partir do consentimento do empregador e que não descaracterizam a pessoalidade como requisito do contrato de trabalho, entre outras, as substituições consentidas pelo tomador de serviços, aquelas decorrentes de férias, licença gestante ou para o exercício de mandato sindical13. Quando a empresa contrata determinada parte trabalhadora para o desempenho de atividades diversas o faz tendo em conta o conjunto de atributos profissionais apresentados, cuja delegação meramente eventual ou circunstancial de parte dessas atividades laborativas para um terceiro nem sempre é suficiente para abolir o caráter intuitu personae da relação. De igual maneira, as substituições autorizadas pela tomadora nem de longe colocam em xeque a pessoalidade. Em outra perspectiva, fratura o critério da pessoalidade a subcontratação permanente de mão de obra, pela pessoa física contratada, para executar as tarefas que deveriam ser suas, salvo quando esta figura humana funciona como verdadeiro preposto ou encarregado da empresa principal contratante. Estando presente o quadro último delineado, é relevante aferir a verdadeira qualidade da pessoa física contratada, ou seja, se ela é parte trabalhadora responsável pelo supervisionamento de outros trabalhadores, atuando, assim, como encarregado ou preposto de outrem, contexto fático-jurídico que não desnatura a pessoalidade, ou, por outro lado, se exerce ela verdadeira atividade empresarial por conta própria, com todos os beneplácitos e riscos daí inerentes. Não por outra razão o suposto da pessoalidade precisa ser investigado sempre que a tomadora o refute de modo peremptório. O terceiro requisito da relação de emprego é a natureza não eventual da prestação de serviços. É necessário que o trabalho seja executado com um razoável caráter de permanência e não de maneira absolutamente ocasional ou esporádica. Em outros termos, eventual é o trabalho prestado uma vez ou outra, sem caráter de permanência, com longas pausas entre um dia e outro de serviço, na maioria das vezes, registre-se, trabalho este executado muito distante da razão de ser (atividade permanente e finalística) de determinado negócio capitalista. A espécie sob o manto de labor eventual não se coaduna com as atividades obreiras desenvolvidas de forma rotineira, inclusive na atividade finalística da empresa contratante. Não obstante a enorme controvérsia que paira na literatura especializada em torno do que venha a ser, para fins jurídicos, trabalho prestado de forma eventual, "difícil será configurar-se a eventualidade do trabalho pactuado se a atuação do trabalhador contratado inserir-se na dinâmica normal da empresa - ainda que excepcionalmente ampliada essa dinâmica"14. Considerado o requisito mais marcante da relação de emprego, sobre a subordinação jurídica recai também a maior controvérsia em torno de sua configuração nos debates judiciais realizados. Sempre que há discussão a respeito da existência ou não do vínculo empregatício entre as partes, a presença de subordinação ou autonomia da prestação laboral domina o embate. Grosso modo e de maneira sintética, a subordinação jurídica é configurada a partir do controle empresarial, direto ou indireto, das atividades desenvolvidas pela parte trabalhadora. O obreiro aliena o seu labor em prol da pessoa física ou jurídica responsável pelo estabelecimento das diretrizes a serem observadas durante o curso da relação. Para além de dirigir todas as atividades obreiras a serem desempenhadas, a empresa tomadora do trabalho de pessoa física adquire o direito de dispor de determinada mão de obra conforme cenário por ela projetado, determinado e executado, reforçando-se, assim, o seu poder hierárquico sobre a figura do sujeito trabalhador. Há uma notória relação de assimetria entre as partes do contrato de trabalho: a empresa adquire a mão de obra para ser utilizada conforme os seus interesses, cabendo à parte trabalhadora cumprir as tarefas determinadas sem autonomia alguma, salvo naquelas hipóteses cujo conhecimento técnico obreiro elevado atrai uma maior liberdade na execução do serviço, contexto o qual não é suficiente para afastar a figura da subordinação jurídica. Segundo EVARISTO DE MORAES FILHO e ORLANDO GOMES, "por subordinação jurídica entende-se um estado de dependência real criado por um direito, o direito do empregador de comandar, dar ordens, donde nasce a obrigação correspondente do empregado de se submeter a essas ordens. ... Trata-se, aqui, ao contrário, do direito completamente geral de superintender a atividade de outrem, de interrompê-la ou suscitá-la à vontade, de fixar limites, sem que para isso seja necessário controlar continuamente o valor técnico dos trabalhos efetuados. Direção e fiscalização, tais são os dois pólos de subordinação jurídica" .15 A subordinação de que trata o art. 3º da CLT é "(...) aquela em que o trabalhador deve ser curvar aos critérios diretivos do empregador, suas disposições quanto ao tempo, modo e lugar da prestação, suas determinações quanto aos métodos de execução, usos e modalidade próprios da empresa, da indústria ou do comércio"16. A subordinação também identificada a partir do fenômeno do trabalho por conta alheia (MANUEL ALONSO OLEA), na alienação do trabalho alheio em proveito de outrem, parece-me ser um conceito clássico do mais destacado suposto da relação de emprego. A apropriação do trabalho alheio em proveito próprio encontra-se necessariamente revestida de subordinação jurídica, mas, segundo legislação infraconstitucional brasileira, faz-se imprescindível que também estejam presentes, para a configuração do vínculo empregatício, os supostos da prestação laboral por pessoa física, com pessoalidade (intuitu personae), em caráter não eventual e mediante onerosidade (retribuição salarial). Para além da subordinação jurídica clássica, em tempos de acelerada revolução tecnológica, época da Indústria 4.0, do predomínio da robótica e dos instrumentos da microeletrônica, da crescente intelectualização do trabalho humano, cujo controle do processo, em muitas atividades econômicas, não se dá mais pelo método presencial exercido antes pelos patrões e seus prepostos, vez que é possível fazê-lo de forma ainda mais contundente mediante o uso de recursos eletrônicos, devemos examinar o requisito jurídico da subordinação tendo em conta mudanças de forma as quais não mitigam o conteúdo do extremo domínio dos proprietários dos meios de produção sobre os donos da força de trabalho. Manifestações outras de subordinação no encontro do capital com o trabalho, habilmente escamoteadas na era da revolução da cibernética, quando rasgadas as aparências da forma, apenas reforçam a presença do mais destacado pressuposto para a configuração da relação de emprego entre proprietários dos bens e serviços (meios de produção) e os trabalhadores por eles contratados. Em magnífica obra clássica de Direito do Trabalho, verificando o desenvolvimento de teorias jurídicas originárias da Itália, Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena percebia, nos anos 1970, que o capital, a tecnicidade, o crescimento do trabalho intelectual e a revolução tecnológica muito embrionária quando comparada com a robótica dos dias de hoje, estavam alterando a forma de controle empresarial do trabalho humano, saindo do passo a passo físico, do controle presencial de jornada ou de outras ordens a serem cumpridas pelos empregados, para novas maneiras de fiscalização com o intuito de mascarar a relação de emprego. Por isso mesmo, compreendeu o juslaboralista mineiro que a subordinação não estava desaparecendo das relações de trabalho, mas precisava ser olhada também a partir de novas lentes, conforme trecho escolhido para ser aqui destacado: "Abertura de vivas consequências traz De Ferrari, quando sustenta que devemos defender-nos de outro(conceito) que confunde a subordinação com o cumprimento de horário e convivência de empregado e empregador, porque este modo de ver concederia a uma das partes a possibilidade material de dar ordenas e controlar diretamente seu cumprimento, o que a rigor, não tem importância. Na dinâmica e na estrutura da empresa, que pressupõe integração e coordenação de atividades. A exteriorização da subordinação em atos de comando é fenômeno de ocorrência irregular, variável, muitas vezes imperceptível e esses atos sofrem um processo de diluição, até quase desaparecem, à medida em que o trabalho se tecniciza e se intelectualiza. A pesquisa jurídica incumbe vencer, tanto quanto possível, a barreira do aleatório, do aparente, e localizar um ponto de intersecção, a partir do qual se pode afirmar, com um mínimo de arbítrio, a existência de subordinação. Muito feliz a expressão de De Ferrari, ao aludir à subordinação como poder cujo exercício é contingente". 17 Independente da nomenclatura conferida à subordinação, integrativa ou estrutural como aquela "que se manifesta pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento"18, o fato é que qualquer atividade laboral submetida às diretrizes traçadas para a consecução dos objetivos da empresa, por si só, configura trabalho subordinado, independentemente do seu desenvolvimento à distância ou por qualquer meio telemático. Na subordinação integrativa ou estrutural não se exige que o empregador, ou seus prepostos, emitam ordens diretas à figura do trabalhador. O controle se realiza mediante o resultado do trabalho, rompendo-se assim, com o conceito clássico de hierarquia funcional. Aliás, no particular, a CLT não realiza qualquer distinção entre o controle presencial das atividades obreiras e o realizado pelos meios telemáticos, para fins de configuração da subordinação e dos limites da jornada de trabalho (artigo 6º, parágrafo único). Trabalho prestado por pessoa física, de maneira pessoal, mediante assalariamento, em caráter não eventual e com subordinação jurídica clássica ou integrativa/estrutural compõem a realidade das relações de trabalho desenvolvidas no âmbito das plataformas digitais, daí ressaindo a conclusão de que as práticas uberistas sonegadoras de direitos trabalhistas, depois de violarem a Constituição da República e o Direito Internacional do Trabalho, também desafiam o Direito infraconstitucional brasileiro. Considerando, contudo, que esta 1ª Turma do TRT 10, por maioria de votos, ainda exige a presença da subordinação jurídica clássica, com algumas objeções à aplicação isolada da subordinação estrutural ou integrativa, o caso concreto será analisado pela lente primeira, qual seja, a da subordinação jurídica tradicional. Quanto ao quinto critério, o da onerosidade ou da percepção de salário como retribuição pelos serviços obreiros prestados, o fato é que toda vez que não houver trabalho verdadeiramente voluntário existirá a necessidade de pagamento de remuneração à parte trabalhadora. É uma decorrência natural da compra da força de trabalho por pessoa jurídica ou pessoa física: o trabalhador cede a sua mão de obra em prol de determinada atividade e o tomador, em contrapartida, o remunera conforme pactuado pelas partes, daí ressaindo o caráter bilateral mais expressivo desta relação jurídica. Algumas vezes, ao final, registre-se, a retribuição oferecida pelo tomador de serviços pode ser reconhecida como modalidade distinta daquela salarial stricto sensu devida a empregadas e empregados, desde que os outros supostos da relação de emprego não estejam presentes. Resumindo: em harmonia com o texto da Constituição da República e com as normas internacionais do trabalho, a legislação infraconstitucional brasileira, na concreta perspectiva de valorização do trabalho formal por ela regulado, exige, para a caracterização da relação de emprego, o labor prestado por pessoa física em prol de outrem, em caráter pessoal ou personalíssimo (intuitu personae), de forma não eventual, com subordinação jurídica e onerosidade (salário). Reunidos esses supostos, o vínculo empregatício entre as partes estará irremediavelmente configurado, com todos os consectários daí decorrentes, a começar pela necessidade de registro do contrato de trabalho na CTPS obreira desde o primeiro dia de labor. Em síntese, quando estiverem presentes todas as condições e todos os requisitos antes expostos, os titulares das plataformas digitais estão obrigados a cumprir a Constituição da República e a CLT, devendo, por isso mesmo, respeitar as condições dignas de labor, anotar as carteiras de trabalho das pessoas que lhes prestam serviços, pagando a elas as verbas próprias de empregadas, desde o primeiro dia da prestação laboral. 3.6. MOTORISTA DE APLICATIVO. SUPOSTOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO NO CASO CONCRETO DOS AUTOS. PLATAFORMA DIGITAL. PROVA. ANÁLISE. EFEITOS TRABALHO POR APLICATIVOS ELETRÔNICOS. RELAÇÃO DE EMPREGO RECONHECIDA PELO DIREITO COMPARADO. JURISPRUDÊNCIA DE TRIBUNAIS SUPERIORES DE PAÍSES DIVERSOS Inicialmente, consigno que é irrelevante a mera denominação ou anotação de uma suposta relação autônoma. Isto porque, no Direito do Trabalho, mais do que em qualquer outro ramo do ordenamento jurídico, vigora o princípio da primazia da realidade, pouco importando o nome jurídico ou a qualificação formal atribuída a determinado documento quando, na verdade, os fatos desafiarem as artificiais formalidades. De um modo geral, relembre-se, as plataformas digitais, segundo pesquisas sociológicas realizadas pelos Professores Ricardo Antunes (Unicamp) e Vítor Filgueiras (UFBA), controlam de maneira rigorosa todas as atividades desempenhadas por motoristas e outros profissionais os quais laboram a partir do acionamento de aplicativos eletrônicos, com as seguintes cláusulas contratuais (escritas e não escritas) entre as mais destacadas: I) os proprietários dos aplicativos eletrônicos selecionam quem está apto a trabalhar; II) delimitam de modo exaustivo o que pode ser feito ou não pelo contratado no exercício de suas atividades laborais, fixando as suas tarefas, obrigações e responsabilidades; III) impedem a captação de cliente pelo trabalhador contratado, prerrogativa exclusiva da empresa; IV) descrevem de forma pormenorizada todas as atividades do contratado; V) fixam o prazo máximo a ser executado, quanto à entrega do serviço oferecido ao cliente; VII) estabelecem de forma unilateral os valores a serem recebidos; aplicam promoções e sanções aos trabalhadores, por força do uso do algoritmo; VIII) impõem regras de convivência entre os trabalhadores e clientes e entre aqueles e as suas gerências; exigem assiduidade laboral; IX) pressionam os trabalhadores pelo aumento da jornada; realizam ameaças aos seus trabalhadores contratados e promovem dispensas sem quaisquer justificativas19. Para o caso concreto, ou seja, de forma particular, vale rememorar as principais condições de trabalho vistas na relação mantida entre a reclamada e os motoristas que prestam serviços a partir de chamadas realizadas pelo aplicativo da referida plataforma digital: 1) contratação ou o cadastramento de motoristas na Plataforma pode ser realizada por meio eletrônico; 2) há controle eletrônico de todas as atividades desenvolvidas pelos motoristas; 3) avaliação de desempenho insuficiente resulta na aplicação de punição, pela reclamada, ao motorista; 4) a reclamada fica com cerca de 25% do valor por ela cobrado do cliente passageiro; 5) não é possível trabalhar sem o recurso do GPS; 6) o preço de qualquer corrida é definido unilateralmente pela reclamada; 7) a reclamada aplica aos seus motoristas punições como bloqueio ou suspensão do uso do sistema da plataforma eletrônica; 8)os passageiros avaliam os motoristas; 9) os motoristas podem ser expulsos da plataforma pela reclamada; 10) o motorista precisa ficar com o GPS ligado para que seja possível a reclamada conectá-lo de forma rápida ao passageiro cliente; 11) a reclamada não assume quaisquer riscos do negócio, conforme política estabelecida por todos os aplicativos de transportes; 12)a reclamada faz uso do algoritmo para eventualmente não direcionar corridas a determinado motorista; 13) o algoritmo bloqueia temporariamente o motorista em razão de ter ele adotado postura distinta daquela almejada pela empresa. Como vimos antes, a partir das características gerais do modo de contratação, organização e direção das atividades empreendidas pelos trabalhadores guiados por plataformas digitais programadas mediante a ação humana, com especial ênfase para as provas documentais produzidas nos presentes autos, somente pessoas físicas podem ser selecionadas para cumprir as tarefas indelegáveis afetas ao atendimento de clientes das tais empresas de aplicativos eletrônicos, reunindo-se, assim, os requisitos iniciais do contrato de trabalho, quais sejam, o labor executado por pessoa física e com pessoalidade (intuitu personae) aferida rigorosamente no ato de cada admissão e intransferível para outrem, segundo as normas empresariais de dinâmica produtiva. Cada trabalhador, no ato da contratação e no curso da execução de suas tarefas, do cadastramento na plataforma digital, é considerado individualmente para ser admitido e continuar laborando, a partir de um perfil extenso avaliado/aceito pela reclamada, sem prejuízo de outras exigências empresariais, incluindo a posse de veículo razoavelmente novo para ser guiado pelo reclamante. Se não bastasse, nenhum motorista pode delegar ou subcontratar outra pessoa para substituí-la, daí reforçando não apenas o trabalho prestado por pessoa física, senão o seu caráter personalíssimo, em relação à figura do trabalhador contratado na qualidade de motorista. A não eventualidade da prestação laboral decorre do próprio caráter permanente da atividade central das plataformas digitais, não se admitindo, por exemplo, que um trabalhador da Plataforma acione o sistema eletrônico poucas vezes ao ano. E, no caso concreto, é incontroverso que o reclamante trabalhou para a reclamada durante razoável espaço de tempo, diariamente, cumprindo longa jornada de trabalho. Aliás, o trabalho é contratado para a execução de uma atividade permanente e jamais enxertado como mero labor de natureza eventual, cuja política empresarial é focada na valorização desse vínculo estabelecido por fração da classe trabalhadora que o tem como único meio de subsistência familiar, apesar de envolto pela mais rasgada precariedade das condições de trabalho, quando não muito próximo o referido regime daquele análogo à de escravo, assim tipificado na condição de crime pela legislação penal brasileira (CP, artigo 149), dada a absoluta ausência de concessão de quaisquer direitos trabalhistas a esse grupo de pessoas trabalhadoras. Eventual é o trabalho prestado uma vez ou outra, sem caráter de permanência ou habitualidade, com longas pausas entre um dia e outro de serviço, na maioria das vezes, frise-se, trabalho executado muito distante da razão de ser de determinado negócio capitalista. A espécie sob o manto de labor eventual não se coaduna com as atividades obreiras desenvolvidas nas plataformas digitais voltadas ao atendimento de clientes das empresas do ramo cibernético, reitere-se. O assalariamento (onerosidade) encontra-se presente na forma de retribuição monetária satisfeita segundo critério do proprietário da plataforma digital pelo labor desenvolvido, a título de comissões (comissionista puro) extraídas percentualmente dos valores satisfeitos por seus clientes, não desnaturando o caráter salarial o fato de a maior parte do pagamento feito pela cliente do aplicativo eletrônico ser repassada depois à parte trabalhadora. Ora, o dono da plataforma digital ingressa na relação jurídico-laboral com o seu capital cibernético acumulado, com rígidos e inflexíveis métodos de trabalho a serem respeitados pelo conjunto de seus trabalhadores, sem dispender valor algum para a aquisição e manutenção dos meios e instrumentos de trabalho utilizados, não arcando, portanto, com o ônus próprio de qualquer empreendimento capitalista para o desenvolvimento de sua atividade econômica. Trata-se de deslocamento indevido dos riscos do negócio capitalista à parte trabalhadora, a ponto de a aquisição ou aluguel do carro, o combustível utilizado, os reparos, a manutenção do automóvel, tudo isso permanecer sob a responsabilidade da parte obreira, ao menos até o Poder Judiciário emitir pronunciamento a respeito do litígio submetido à sua apreciação. Seja qual for o percentual alcançado pela empresa ao final da operação, em um serviço oferecido a custo baixo para atrair clientes e criar embaraços à vida financeira do trabalhador, a única pessoa vitoriosa na relação é a proprietária da plataforma digital, que expandiu os seus negócios, ampliou a sua margem de lucros sem a necessidade de aportar diretamente capital algum para iniciar e realizar cada nova empreitada decorrente da contratação de mão de obra humana para a consecução de seus objetivos. O percentual que permanece com o reclamante do valor pago pelo passageiro da plataforma é irrelevante para reconhecer a ausência de assalariamento na relação mantida entre as partes. Na verdade, a reclamada, empresa capitalista, com o uso generalizado do aplicativo de transportes, fica com percentual elevado das corridas realizadas por centenas de milhares de motoristas, sem arcar com os riscos do negócio, como é a sua obrigação legal, sem grande investimento, pois o único realizado foi aquele inicial para estruturar um sistema eletrônico. O interessante é que a reclamada Plataforma Digital, nesse sistema, é tida como "parceira" dos resultados do trabalho de cada um dos profissionais motoristas, motociclistas e ciclistas (apropria-se de um percentual do valor cobrado de cada cliente, como qualquer empresa faz), mas sem idêntica solidariedade entre todos os seus "parceiros", isto é, os frutos do trabalho do conjunto dos motoristas não são repartidos em qualquer fração entre eles, pois esta é uma prerrogativa dada apenas aos donos do aplicativo. Também não é caso de arrendamento de espaço ou marca comercial. A reclamada plataforma digital é uma empresa que paga comissões sobre o resultado do trabalho desempenhado por profissionais os quais laboram em seu favor. E poderia ser ainda maior o percentual de comissões, devo dizer, que mesmo assim o contexto não seria alterado. Estamos tratando de quem comanda, de quem tem o dever legal de assumir os riscos do negócio, embora não o faça a partir de manobras jurídicas, de quem paga e, do outro lado, de quem recebe pagamento mensal e está subordinado à empresa. Em outras palavras, estamos a falar de quem extrai vantagem com o resultado do trabalho alheio, o que seria suficiente para demonstrar a existência de subordinação jurídica, na melhor concepção da literatura especializada. É sabido ainda que mesmo em cidades com centenas de motoristas, a reclamada possui pouquíssimos empregados formais para cuidar de questões meramente administrativas. O percentual mais elevado que cabe ao motorista da plataforma sequer é suficiente muitas vezes para cobrir todas as despesas por ele suportadas com a compra ou aluguel do veículo, o abastecimento os reparos e a manutenção exigidos do automóvel utilizado como meio de trabalho imprescindível. Para a plataforma digital, ainda que aparentemente o percentual recebido seja reduzido, é necessário relembrar que o serviço eletrônico oferecido alcança milhares de trabalhadores, todos eles despendendo igual percentual em prol da empresa, que tem custos reduzidíssimos em toda a operação. Em outras palavras, a plataforma digital é o agente capitalista nessa operação ocasionadora de mais-valor e lucro, enquanto o motorista é o trabalhador assalariado pela empresa de aplicativo de transportes. Percentuais distribuídos a um e outro, fruto do pagamento realizado pela clientela da plataforma, dizem muito pouco sobre a natureza da relação jurídica e, por isso mesmo, precisam ser averiguados pelo recorte que divide as partes desta relação entre os proprietários do capital, neste caso, capital cibernético, e os sujeitos detentores da força de trabalho vendida aos primeiros. As plataformas digitais, além da relação assalariada com os motoristas, alienam o trabalho por eles prestado por intermédio do acionamento do aplicativo eletrônico, traço esse da subordinação jurídica. E quanto ao reforço da tese da subordinação jurídica, o relato inicial sobre as condições de trabalho no sistema da Plataforma Uber atesta que apesar da aparência de autonomia do trabalhador no desenvolvimento de suas atividades, os recursos da robótica rasgam o véu da falta de liberdade individual obreira, expondo o mais absoluto e rigoroso controle de sua vida profissional. Somente para realçar a total ingerência empresarial na organização do trabalho, conforme prova dos autos, a reclamada estabelece previamente à contratação obreira todas as condições de labor, fiscalizando-as pelos sistemas eletrônicos; define unilateralmente a forma de remuneração; aplica punições diversas, incluindo suspensões e descadastramento (dispensa imotivada), tal como ocorrido no caso em exame, aos descumpridores do seu código ou manual de trabalho; controla a subjetividade obreira e dispensa sumariamente, sem possibilidade de reversão do ato, todas as pessoas que não se encaixam no padrão fixado. Trata-se do controle mais sistemático da vida profissional e pessoal, do controle que alcança o corpo e alma do trabalhador, infinitamente mais elevado do que o quadro visto na era fordista-taylorista, que o fazia em menor extensão ou profundidade, sem o encobrimento sofisticado dos recursos da microeletrônica. Nas plataformas eletrônicas, portanto, há uma subordinação jurídica clássica por demais evidente, formatada sob matriz jurídica do juslaboralismo, com todo o processo de trabalho fixado, fiscalizado e cobrado de maneira rigorosa por quem é detentora dos recursos tecnológicos mais avançados da indústria 4.0. A subordinação dos motoristas, no âmbito da Plataforma Uber, é escancarada a partir das seguintes exigências empresariais, sem prejuízo de outras, referenciadas de modo detalhado em outros tópicos do presente voto. Não há nenhuma autonomia obreira na prestação laboral executada no âmbito das plataformas digirais, mas uma evidente subordinação jurídica. Segundo analisam os juslaboralistas e pesquisadores acadêmicos Rodrigo de Lacerda Carelli e Murilo Carvalho Sampaio Oliveira, "Não pode alguém ser considerado trabalhador autônomo quando a fixação de preços é realizada por terceiros, como acontece em algumas plataformas digitais. Da mesma forma, a remuneração pela prestação de serviços, ou seja, a definição da parte do preço que ficará com o trabalhador, não pode de forma alguma ficar a cargo da empresa plataforma, sob pena de descaracterizar completamente autonomia. Ainda mais evidente fica a ausência de autonomia quando a forma de cálculo da remuneração é realizada de forma opaca pela empresa. Da mesma forma, quando há exigências ou padronização dos meios de realização da atividade econômica(por exemplo, as condições do automóvel, nos casos de plataforma de transporte de pessoas, ou uniforme em relação a plataforma de transporte de mercadorias ou comida)".20 É quase impossível encontrar outras relações de trabalho, ao menos entre aquelas que tentam fugir da formalidade, tão permeadas por subordinação da pessoa física trabalhadora, além de pessoalidade, onerosidade e não eventualidade, quanto ao quadro evidente assim vislumbrado no desenvolvimento do labor humano por intermédio de plataformas eletrônicas. Em magnífica pesquisa acadêmica de campo, com trabalhadores de aplicativos, após ricas entrevistas constantes do anexo de sua obra mais recente e, a partir do uso de denso marco teórico capaz de oferecer respostas críticas à lógica neoliberal de desregulação total das relações de trabalho, a Professora Daniele Barbosa demonstra a presença de subordinação jurídica e de todos os demais requisitos do vínculo de emprego nas relações jurídicas mantidas entre os trabalhadores por aplicativos e as respectivas plataformas eletrônicas. A pesquisadora carioca chega a afirmar que, "Dentro do quadro laboral, delineado pelos relatos de motoristas em plataformas digitais, pode até haver uma certa possibilidade de escolha entre os dias da semana, os horários ou turnos de execução dessa atividade. Isso, por si só, não representa nenhum óbice à clássica relação de exploração do trabalho, já que a extração de mais-valia, nesse caso, pode ocorrer, e ocorre, em qualquer horário do dia, em função de a atividade de transporte demandar trabalho em qualquer hora. Essa variação de horários, também pode ser experimentada nas tradicionais relações de emprego, como é o caso, por exemplo, daqueles trabalhadores que laboram em turnos ininterruptos de revezamento ou que variam, durante a semana, em diferentes horários ou turnos de trabalho, sem que isso signifique, necessariamente, uma abolição da subordinação jurídica ou da habitualidade dos serviços21. Estão presentes, portanto, todos os requisitos do contrato de trabalho regulado pela CLT (artigos 3º, 442 e seguintes). Do ponto de vista do direito comparado, cabe mencionar que Tribunais Superiores e outras Cortes de diversas nações têm reconhecido a existência da relação de emprego protegida pelo sistema jurídico entre plataformas digitais e os trabalhadores que lhes prestam serviços por intermédio do acionamento de aplicativos eletrônicos, com destaque para a categoria profissional dos motoristas. Os professores de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho Cláudio Jannotti da Rocha (UFES) e Edilton Meireles (UFBA), em recentíssima obra publicada pela Editora Conhecimento (BH), catalogaram e analisaram decisões judiciais proferidas por Cortes de vários países reconhecendo a existência de vínculo empregatício entre as plataformas digitais e profissionais os quais executam tarefas laborais a partir de comandos eletrônicos, com destaque para os motoristas de aplicativos. Com base exclusiva na relevante pesquisa acadêmica empreendida pelos juslaboralistas antes nominados, descreve-se aqui, de modo sintético, tão somente os resultados finais de alguns dos principais julgados mundo afora a respeito da matéria, a seguir: I) Alemanha: a 9ª Turma do Tribunal Federal do Trabalho (Bundesarbeitsgericht), apreciando o recurso 9 AZR 102/20, no dia 1 de dezembro de 2020, reconheceu o vínculo empregatício entre trabalhador e empresa holandesa que oferece serviços informacionais de aplicativos; II) Espanha: o Tribunal Supremo da Espanha (Tribunal Supremo), no dia 25 de setembro de 2020, "julgando Recurso de Cassação para Uniformização da Doutrina(Recurso de Casación para la Unificación de Doctrina)", nos autos nº 805/2020, Acórdão nº 4746/2019, declarou existir vínculo empregatício entre trabalhador de entrega e a plataforma digital GlovoApp(Glovo); III) França: em segunda decisão na mesma linha, a Câmara Social do Tribunal de Cassação (Cour de Cassation- chambre Sociale), reconheceu a existência de subordinação e da relação de emprego entre entregador e a plataforma digital UBER, conforme julgamento realizado no dia 4 de março de 2020, Acórdão nº 374(19-13.316). Os autores Jannotti e Meireles destacam que "a Corte de Cassação da França(Cour de Cassation), localizada em Paris, corresponde ao Supremo Tribunal Federal(STF) aqui no Brasil"; IV) Holanda: no dia 16 de fevereiro de 2021, o Tribunal de Apelação de Amsterdã (Gerechtsh of Amsterdam), ao apreciar o recurso de Apelação em demanda de natureza coletiva(autos nº 200.261.051/01),reconheceu o vínculo empregatício entre os entregadores de aplicativos e a Plataforma Digital Deliveroo Nethherlands B.V Amsterdam(Deliveroo); V) Itália: "em 14/11/2020, a Corte de Cassação da Itália(Corte di Cassazione Civile, Sesta Sezione) julgou o Recurso de Cassação (Ricorso per Cassazione), recurso nº 11629-2019, autos nº 1663/2020, e nele reconheceu o vínculo empregatício entre o trabalhador e a empresa Foodinho SRL (que recentemente foi adquirida pela empresa Glovo)"; VI) Reino Unido: "Em 19 de fevereiro de 2021, a Suprema Corte do Reino Unido (The Supreme Court of the United Kingdom), julgou o recurso nos autos UKSC 2019/0029, e nele reconheceu que os motoristas são trabalhadores da empresa Uber BV"22. Como se percebe, Tribunais de várias nações começam a se debruçar sobre os aspectos que envolvem a relação jurídica existente entre as plataformas digitais e os trabalhadores acionados por aplicativos eletrônicos, com o reiterado reconhecimento jurisprudencial da presença de subordinação hierárquica entre as partes, sendo, por isso mesmo, além de observados outros supostos, as empresas(plataformas)inegáveis empregadoras do pessoal que lhe presta serviços pela modalidade antes descrita. Retornando ao caso concreto, é certo que demonstrados os supostos da relação de emprego entre a reclamada plataforma digital e o trabalhador motorista reclamante, cujos serviços foram prestados por pessoa física, com intuitu personae, em caráter não eventual, mediante onerosidade (assalariamento a título de comissões - comissionista puro) e subordinação jurídica, nos exatos moldes definidos pelo artigo 3º, da Consolidação das Leis do Trabalho, impõe-se reconhecer a existência do contrato de trabalho informal, que deverá, por força da decisão judicial proferida nestes autos, ser formalizado desde o primeiro dia da prestação laboral, a começar pela anotação da CTPS obreira, com todos os efeitos jurídicos retroativos daí decorrentes. Declaro que o reclamante foi empregado da Plataforma Digital Uber no período de 1º/06/2016 a 31/03/2023, exercente da função de motorista, adotando-se como base de cálculo a média da remuneração dos últimos doze meses (artigo 487, § 3º, da CLT). Tendo em vista a presunção de continuidade da relação de emprego, e a ausência de prova cabal da prática de falta grave, segundo os termos legais, presume-se verídica a tese de dispensa imotivada. Dou parcial provimento ao recurso obreiro, para reconhecer o vínculo de emprego e condenar a reclamada a anotar a CTPS do reclamante no período de 1º/06/2016 a 31/03/2023, na função de motorista, adotando-se como base de cálculo a média da remuneração dos últimos doze meses (artigo 487, § 3º, da CLT), devendo a reclamada a pagar: aviso prévio proporcional; 13º salários; férias com 1/3; indenização correspondente ao benefício do seguro-desemprego; FGTS e multa de 40%. A reclamada apresentou relatório das corridas com horários que demonstram, por diversas vezes, extrapolação da jornada legal, não estando demonstrada a quitação das horas extras laboradas, dou parcial provimento ao recurso para deferir as horas extras e intervalos inter e intrajornada verificadas no histórico de viagens ao ID. 71b11f3, a serem apuradas em regular liquidação. Nego provimento ao pedido de reativação do cadastro do reclamante por se encontrar a reativação, ou não, no poder diretivo da reclamada. Quanto ao dano moral, o reclamante renova o pedido alegando ter realizado investimentos na atividade laboral sem qualquer proteção por parte da empresa, com possibilidade repentina de desligamento e bloqueio de acesso ao aplicativo. No caso, tendo em vista que o reclamante não é detentor de qualquer modalidade de garantia de emprego, a dispensa injusta de empregados encontra-se dentro do poder diretivo do empregador. A mera dispensa imotivada ou mesmo o reconhecimento judicial da relação de emprego não configura dano moral passível de indenização. Nego provimento. Quanto às despesas com o carro, ressalto que a demonstração da utilização de veículo próprio no desempenho das atividades laborais é fato suficiente para ensejar a indenização decorrente de desgaste no veículo próprio. Nesse contexto, restou demonstrada a utilização de veículo particular do empregado em favor do empregador, sem a comprovação de ressarcimento integral das despesas decorrentes, o que deveria ser feito mediante recibo (CLT, art. 464). Assim, determino que as despesas sejam indenizadas no montante arbitrado de R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Recurso obreiro parcialmente provido. 3.7. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA SEGUNDA E TERCEIRA RECLAMADAS. GRUPO ECONÔMICO Pleiteia o obreiro o reconhecimento da existência de grupo econômico entre a UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA, UBER INTERNATIONAL B.V. e UBER INTERNATIONAL HOLDING B.V.. Na defesa conjunta, as Reclamadas aduziram que a segunda e terceira Reclamadas são meras "detentoras da licença de uso do aplicativo no Brasil" (ID. 2aecec4 - Pág. 8), de forma que não há que se falar em responsabilidade solidária. Para o reconhecimento do grupo econômico, desnecessária qualquer formalidade voltada para a composição de empresas que tenham os mesmos sócios. No Direito do Trabalho, em que vigora o princípio da primazia da realidade, pouco importa a forma ou a qualificação atribuída a determinado documento quando, na verdade, os fatos desafiarem ou estiverem a colocar em xeque artificiais formalidades. O grupo econômico, para fins do Direito do Trabalho, exige apenas o interesse empresarial comum, o qual pode ser administrado de forma verticalizada (centralizada) ou de maneira coordenada (descentralizada). Além disso, é irrelevante a afinidade de objetos sociais e econômicos, porquanto a legislação limita-se a exigir "a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes" (§3º). Nesse contexto, quando restar evidenciado nos autos o grupo econômico mediante coordenação empresarial, cabe declarar a responsabilidade solidária das empresas reclamadas pelo eventual inadimplemento do crédito trabalhista. No caso concreto, verificam-se os requisitos do art. 2º, §2º da CLT na atuação das empresas no Brasil e a própria defesa conjunta demonstra a comunhão de interesses. Ante o exposto, dou provimento para reconhecer o grupo econômico entre as Reclamadas UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA, UBER INTERNATIONAL B.V. e UBER INTERNATIONAL HOLDING B.V., condenando-as solidariamente ao pagamento das parcelas ora deferidas. Invertidos os ônus de sucumbência, impõe-se às reclamadas o pagamento de honorários advocatícios em benefício dos advogados da parte autora, no percentual de 15% sobre o valor líquido da condenação. ... 1ALVES, Giovanni. Dimensões da precarização do trabalho- Ensaios de Sociologia do Trabalho-. Bauru: Projeto Editorial Práxis, 2013, p. 29. 2Ibid., p.58. 3ANTUNES, Ricardo; FILGUEIRAS, Vitor. Plataformas digitais, Uberização do trabalho e regulação no Capitalismo contemporâneo. Contracampo, Niterói, v. 39, n. 1, p. 27-43, abr./jul. 2020. 4 ANTUNES, Ricardo. Como se trama a uberização total. Disponível em:https://www.diariodocentrodomundo.com.br/como-se-trama-a-uberizacao-total-por-ricardo-antunes/. Acesso em: 07 de julho de 2021. 5ANTUNES, Ricardo; FILGUEIRAS, Vitor. Plataformas digitais, Uberização do trabalho e regulação no Capitalismo contemporâneo. Contracampo, Niterói, v. 39, n. 1, p. 27-43, abr./jul. 2020. 6RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios do Direito do Trabalho. São Paulo: LTR, 1993, p. 21 7.BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: DIFEL Difusão Editorial/Editora Bertrand Brasil, 1989, p. 9-10. 8 SÜSSEKIND, Arnaldo. Convenções da OIT e Outros Tratados. São Paulo: LTR, 2007. 9CRIVELLI, Ericson. Direito Internacional do Trabalho Contemporâneo. São Paulo: LTR, 2010, p.175. 10DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 6ª Edição. São Paulo: LTR, 2007. p.291. 11 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho, 7ª Edição. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 297. 12RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de Direito do Trabalho. Curitiba: Juruá Editora, 1991. p.58 e 59. 13DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 6ª Edição. São Paulo: LTR, 2007. p.292. 14DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 6ª Edição. São Paulo: LTR, 2007. p.296 15 MARANHÃO, Délio. Direito do Trabalho. São Paulo: Ed. FGV. p. 51. 16GOMES, Orlando e GOTTSCHALK, Elson. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Forense, 1994. p. 131. 17 RIBEIRO DE VILHENA, Paulo Emílio. Relação de Emprego- Estrutura Legal e Supostos . São Paulo: Saraiva, 1975, p. 233. 18 DELGADO, Maurício Godinho. Direitos fundamentais na relação de trabalho. In: Revista LTr. São Paulo: Ltr, 2009. 19 ANTUNES, Ricardo; FILGUEIRAS, Vitor. Plataformas digitais, Uberização do trabalho e regulação no Capitalismo contemporâneo. Contracampo, Niterói, v. 39, n. 1, p. 27-43, abr./jul. 2020. 20CARELLI, Rodrigo de Lacerda; OLIVEIRA, Murilo Carvalho de Sampaio. As Plataformas Digitais e o Direito do Trabalho. Como entender a tecnologia e proteger as relações de trabalho no século XXI. Belo Horizonte: Dialética, 2021, p. 93. 21BARBOSA, Daniele. A precariedade politicamente induzida e o empreendedor de si mesmo no caso Uber. Sob uma perspectiva de diálogo entre Butler, Dardot e Laval. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, p. 53. 22ROCHA, Cláudio Jannotti da. MEIRELES, Edilton. A uberização e a jurisprudência trabalhista estrangeira. Belo Horizonte: Conhecimento, 2021, p. 35-102. TODAVIA, apresentei proposta divergente, acompanhada pela maioria dos Integrantes da e. Primeira Turma, restando o feito decidido nos seguintes termos: Ouso divergir do nobre Relator para manter a r. sentença pelos seus próprios e jurídicos fundamentos, porquanto as teses recursais manejadas, registradas pelo Relator em seu voto, não têm o condão de retirar o acerto da sentença recorrida, exauriente da matéria fática e jurídica bastantes para a solução da causa, mormente as confissões do próprio reclamante, acerca da forma de trabalho. Nesse panorama, transcrevo-a: "Dos contornos jurídicos da prestação de serviços desenvolvida pelo reclamante. Vínculo empregatício não caracterizado. Ausência do pressuposto subordinação jurídica Pretende o reclamante o reconhecimento do vínculo de emprego, aduzindo ter laborado para o 1º réu, prestando serviços de motorista, no período de 01/06/2016 a 31/03/2023, percebendo remuneração mensal média de R$5.500,00. Afirma ter laborado sem qualquer autonomia, uma vez que a Uber controla o uso da plataforma e define todos os parâmetros necessários para o atendimento, coleta de passageiros, mercadorias, finalização dos serviços, políticas de preços e taxas de comissionamento, ficando a critério do trabalhador apenas a decisão quanto ao horário de dirigir sendo que, por conta da baixa remuneração, os trabalhadores acabam sendo obrigados a cumprir uma carga horária acima do razoável. Sustenta, em síntese, que o labor foi desenvolvido de forma pessoal, habitual, onerosa, e mediante subordinação jurídica, eis que havia efetiva supervisão e fiscalização do trabalho, pretendendo o reconhecimento do vínculo empregatício e o pagamento das parcelas delineadas à inicial. Em defesa, os reclamados admitem a prestação de serviços, mas negam que tenha ocorrido sob a égide do direito do trabalho, impugnando a existência dos pressupostos fático-jurídicos da relação de emprego. Alegam que a Uber consiste em uma empresa de tecnologia utilizada por motoristas parceiros/independentes para a localização e captação usuários que visam o seu deslocamento, os quais, por sua vez, utilizam a plataforma com o objetivo de encontrar motoristas. Argumentam que possuem, como atividade econômica principal, a "intermediação e agenciamento de serviços e negócios em geral, exceto imobiliários", prestando o serviço de intermediação digital/economia de compartilhamento, não explorando, portanto, a atividade empresarial de transportes. Sustentam, nesse contexto, que prestam serviço de intermediação digital, tendo sido a primeira ré contratada pelo autor, o qual paga pelo uso da plataforma utilizada. Asseveram que, após cadastrado na plataforma, caberia ao reclamante escolher livremente onde e quando realizar a sua atividade, sem qualquer forma de controle, fiscalização ou punição por parte da Uber. Pois bem. O primeiro reclamado nega o liame empregatício alegado e argumenta que o autor, em verdade, atuou como motorista, em caráter autônomo, utilizando a plataforma digital oferecida pelo réu para captação de usuários, sem nenhuma subordinação, contraprestacionando a Uber pelo uso da plataforma, mediante repasse de percentual do valor obtido. Assim, admitindo o réu a prestação de serviços, mas em moldes diversos daqueles previstos nos artigos 2º e 3º da CLT, atraiu o encargo de demonstrar o alegado labor autônomo (art. 373, II, do NCPC), ônus do qual se desincumbiu satisfatoriamente. Com efeito, o depoimento do próprio reclamante foi suficiente ao deslinde da controvérsia, revelando a presença de elementos incompatíveis com o labor nos moldes empregatícios. Vejamos: "que o processo de admissao do depoente foi feito da seguinte forma: o depoente fez seu cadastro no site da Uber, o qual foi submetido a empresa para analise e aprovacão da documentacão; que entao a Uber encaminhou ao depoente um aceite para que este iniciasse os trabalhos, o aplicativo foi liberado e o depoente iniciou o trabalho; que o depoente nao foi convocado para qualquer entrevista; que o depoente aceitou e concordou com os termos de uso enviados pela Uber; que a Uber nunca determinou dias e horarios que o depoente deveria rodar, isso fica a criterio do motorista, a unica questao que a Uber determina e o limite de 12 horas de trabalho por dia, mas a Uber apenas computa os periodos de viagem, quando o motorista esta com passageiro; que o depoente poderia fazer uma corrida para outra empresa enquanto aguardava uma viagem pelo aplicativo da Uber; que o depoente poderia desligar o aplicativo quando bem entendesse; que o depoente nunca precisou enviar relatorios de viagem para o Uber porque o proprio aplicativo registra todas essas informacões; que nao haveria penalidade para o depoente caso nao logasse no aplicativo em determinado dia, haveria penalidade em caso de nao aceites sucessivos de viagens ou de cancelamentos, nesse caso o motorista sofre uma advertência e ate mesmo um bloqueio do aplicativo por um periodo definido pela Uber, entao o motorista nao poderia rodar naquele periodo de bloqueio; que o depoente nao precisava apresentar atestado em caso de doenca; que o depoente tambem era cadastrado na 99 e na cabify a epoca em que era cadastrado na Uber; que a rota da viagem era determinada pelo proprio passageiro; que o depoente nao era obrigado a seguir a rota sugerida pelo aplicativo, poderia seguir outra; que achasse melhor que a qualquer momento o depoente poderia escolher qualquer um dos três aplicativos, o depoente tinha preferencia pela Uber, mas tinha liberdade de escolher 99 ou a cabify; que o depoente poderia cancelar viagens, mas dependendo do numero sofreria as penalidades acima relatadas; que a qualquer momento o depoente poderia cancelar a corrida; que nao havia quantidade minima de corridas estabelecida pela Uber, havia promocoes de tempos em tempos, metas de corridas, se atingidas o depoente receberia bo#nus; que o depoente nao era obrigado a participar dessas promocoes; que o depoente poderia compartilhar o seu veiculo com outro motorista, mas esse motorista deveria ter sua conta propria; que o depoente nao era obrigado a servir agua ou bala durante a corrida, mas isso era "sugerido" pela Uber; que a avaliacao do motorista e feita pelo usuario; que se a avaliacao ficasse abaixo do esperado pela Uber, o depoente poderia sofrer uma punicao (bloqueio da plataforma), mas nao existia uma nota especifica estabelecida pela Uber; que o depoente tambem avaliava os passageiros ; que teoricamente o passageiro tambem poderia sofrer consequencia em caso de avaliacoes com notas baixas sucessivas, entretanto na pratica o depoente nunca viu um passageiro ser bloqueado; que o aplicativo disponibiliza a opcao de recebimento em dinheiro, cartao ou pix; que o depoente poderia reportar a Uber algum mal comportamento do passageiro, por exemplo grosserias" (depoimento pessoal do autor, fls. 808/809 do PDF, grifei) Extrai-se do depoimento transcrito que os dias e o horário de trabalho eram definidos pelo próprio reclamante, sem qualquer ingerência da ré, não havendo obrigatoriedade de cumprimento de jornada, de quantitativo de corridas ou de acesso diário ao aplicativo. O autor também detinha autonomia para aceitar e recusar/cancelar viagens. O autor revelou, por fim, que era possível alterar a rota de viagem, não sendo obrigatório seguir a rota indicada pelo aplicativo. Do depoimento transcrito, não se vislumbra a subordinação jurídica, elemento primeiro a distinguir a relação de emprego das demais formas de prestação de serviços. Esta caracteriza-se, na lição de Paul Colin "como o estado de dependência real criado pelo direito de o empregador comandar, dar ordens", tendo como traço característico a observância a diretivas constantes e analíticas sobre o modo e o tempo em que deverá ser executada a prestação de serviços(cf. Alice Monteiro de Barros, Curso de Direito do Trabalho, Editora LTr, 5ª. Ed., p. 241 - sem destaques no original). Ao abordar o pressuposto subordinação jurídica, Alice Monteiro de Barros discorre sobre a teoria da subordinação objetiva, sintetizada na "integração do trabalhador na organização empresarial". Entretanto, na linha do direito comparado, conclui pela "insuficiência da subordinação objetiva" para caracterizar a relação empregatícia, advertindo que a "inserção do trabalhador na organização empresarial não é exclusiva da relação de emprego", conforme observado por Oscar Ermida Uriarte. Assim, a par da participação integrativa do trabalhador na atividade empresarial, ele deverá estar sujeito ao poder diretivo e disciplinar conferido ao empregador (p. 270). Nessa perspectiva, avultam os seguintes elementos da prova oral produzida: i) o reclamante não tinha obrigação de ligar diariamente o aplicativo, realizando o nos dias e horários de sua disponibilidade e preferência; ii) tinhalogin liberdade de escolher a localidade onde realizaria suas viagens; iii) tinha liberdade de ligar/desligar o aplicativo a seu critério, sem necessidade de apresentar justificativa, não sofrendo qualquer tipo de penalidade, não havendo qualquer indicativo de exercício de poder fiscalizatório ou punitivo pela reclamada; iv) caso não atingisse as "metas" estabelecidas para as promoções, não sofria qualquer tipo de consequência, apenas não recebia o bônus; v) não recebia valor fixo mensal. Foi juntada pelo autor, como prova emprestada (art. 372 do CPC), a ata de audiência que contém o depoimento prestado pelo Sr. Cleyton Nascimento Costa (processo nº 711-63.2022.5.08.0202 - fl. 612/613 do PDF). Referida testemunha nada declarou acerca de suposta necessidade/obrigatoriedade de login do motorista na plataforma. As alegações acerca das consequências de ficar alguns dias sem ligar o aplicativo (receber muitas mensagens podendo sofrer algum tipo de punição) não alteram a conclusão deste Juízo acerca da ausência de subordinação jurídica, à vista do depoimento do próprio reclamante.Por outro lado, as testemunhas indicadas pela ré, Pedro Pacce Prochno e Vitor de Labor, inquiridas nos autos dos processos 001906- 63.2016.5.02.0067 e 100776-82.2017.5.01.0026, respectivamente, corroboram a autonomia obreira no exercício de suas atividades, pois o próprio motorista define os dias e horários em que irá ligar o aplicativo, podendo recusar corridas. Confirmam ainda a ausência de fiscalização por parte da ré em relação à jornada e prestação de serviços desenvolvida pelo trabalhador (atas de fls. 492/493 e 499/501 do PDF). Note-se, dessa forma, que não havia penalidade para a hipótese de "ausência" de login no aplicativo, o que era definido pelo autor conforme sua conveniência pessoal, ou para a recusa de viagens; contexto que denota a inexistência de poderes de mando e punição, desdobramentos do elemento subordinação jurídica. Com efeito, a regra é que, em relações empregatícias, o trabalhador cumpra rigorosa e diariamente uma mesma rotina de trabalho definida pelo empregador, como expressão da subordinação jurídica que permeia a relação, o que não restou caracterizado no presente caso, diante da ausência de obrigatoriedade do próprio "comparecimento/disponibilidade" do reclamante ao serviço. Isso porque a subordinação jurídica e hierárquica do empregado pressupõe uma sujeição a ordens, controle de horários, disponibilidade condicionada a interesses do empregador. Por fim, relevante ainda o fato de o reclamante receber de acordo com o quantitativo de viagens que realizava, já que, como adverte Marly Cardone, o recebimento de quantia fixa mensal, o que não é o caso dos autos, constitui indício da relação de emprego (in Viajantes e Pracistas no Direito do Trabalho. Editora LTR, São Paulo, p. 32). Conclui-se, dessa forma, que as partes mantiveram efetivo regime de parceria, restando forçoso o indeferimento das pretensões obreiras. Situação análoga já foi analisada de forma percuciente por este E. Regional, em acórdão da relatoria da Exma. Desembargadora Cilene Ferreira Amaro Santos. Invoco os fundamentos expostos naquela ocasião como razões complementares de decidir: "A reclamada, Uber do Brasil Tecnologia, tem como um dos seus objetos a "intermediação de serviços sob demanda, por meio de plataforma tecnológica digital" (fl. 478), conforme se extrai do seu Contrato Social Consolidado (fls. 470/486). No entanto, extrai-se dos Termos e Condições Gerais dos Serviços de Intermediação Digital (fls. 696/718 e 719/737) que a reclamada está vinculada, na verdade, exclusivamente à prestação de serviços de transporte, recebendo valores decorrentes desse serviço prestado pelos motoristas filiados, em que pese a negativa expressa contida no mesmo documento, conforme se extrai do trecho a seguir colacionado: "A Uber disponibiliza os Serviços da Uber (conforme definição abaixo) com a finalidade de viabilizar a angariação e prospecção de clientes para prestadores de Serviços de Transporte. Esses prestadores de serviços de transporte podem ser pessoas físicas que forneçam Serviços de Transporte de passageiros ponto a ponto ("P2P"), ou empresas de transporte independentes que possuam e/ou operem um único veículo ou uma frota de veículos conduzidos por 'Motoristas' (conforme definição abaixo). Os Serviços da Uber permitem que um(a) fornecedor(a) de transporte autorizado(a) procure, receba e atenda solicitações de Serviços de Transporte (conforme definição abaixo) por um(a) Usuário(a) autorizado(a) do aplicativo móvel da Uber. O(A) Cliente está autorizado(a) a prestar Serviços de Transporte na(s) jurisdição(ões) em que atua, e deseja celebrar este Contrato com a finalidade de acessar e usar os Serviços da Uber para melhorar o seu Serviço de Transporte. O(A) Cliente reconhece e concorda que a Uber se limita a fornecer serviços de intermediação mediante o uso de tecnologia, e não fornece Serviços de Transporte, não atua como uma empresa de transporte e nem opera como um agente para o transporte de passageiros." (fl. 696 - destaques desta Relatora) No item 5.1 do referido Termo, fica nítido que a licença de operação concedida pela reclamada se dá sem royalties e exclusivamente para a finalidade de prestação de serviços de transporte aos usuários: "5.1. Concessão da Licença Sujeito aos termos e condições deste Contrato, a Uber, por força do presente, concede ao(à) Cliente uma licença não exclusiva, isenta de royalties, não transferível, não sublicenciável, durante a vigência do presente Contrato, para acessar e usar (e permitir que seus(suas) Motoristas acessem e usem) o Aplicativo de Motorista em relação à prestação dos Serviços da Uber exclusivamente para a finalidade de prestar Serviços de Transporte aos(às) Usuários(as) e rastreamento resultante dos Preços e Taxas. Todos os direitos não expressamente concedidos ao(à) Cliente são reservados pela Uber, suas Afiliadas e seus respectivos licenciadores." (fls. 709/710) A prestação de serviço de transporte remunerado privado individual de passageiros foi regulamentada pela Lei nº 13.640/2018, que alterou os termos da Lei nº 12.587/2012, a qual instituiu as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, passando a ter o seu art. 4º, X, a seguinte redação: Art. 4º - Para os fins desta Lei, considera-se: (...) X - transporte remunerado privado individual de passageiros: serviço remunerado de transporte de passageiros, não aberto ao público, para a realização de viagens individualizadas ou compartilhadas solicitadas exclusivamente por usuários previamente cadastrados em aplicativos ou outras plataformas de comunicação em rede. (Redação dada pela Lei nº 13.640, de 2018) (...) Esse é exatamente o modelo de atividade de negócios desenvolvida pela reclamada, tanto que a Lei nº 13.640/2018 é conhecida como Lei do Uber. Definido tal modelo, resta verificar a existência, ou não, dos elementos caracterizadores do contrato de trabalho, que podem ser colhidos dos artigos 2º e 3º da CLT, e são os seguintes: pessoalidade, salário, prestação de serviços de natureza não eventual e subordinação jurídica. Se faltar qualquer desses elementos, não há contrato de trabalho. A exclusividade não é elemento diferenciador do contrato de trabalho, sendo, portanto, passível e comum a sua existência no contrato de prestação de serviços. Cinge-se a controvérsia posta nestes autos à verificação da existência, ou não, dos requisitos do contrato de emprego, à luz dos artigos 2º e 3º da CLT. O contrato de emprego, como fato constitutivo do direito postulado pela parte autora, deve ser por ela provado, nos termos do art. 818, I, da CLT. Porém, se a empregadora nega a existência de relação de emprego, mas admite a existência de prestação de serviços em modalidade diversa, ela atrai para si o ônus de provar o fato impeditivo do direito alegado, nos termos do art. 818, II, da CLT. Caso a reclamada não cumpra o seu encargo probatório, a consequência é a presunção de existência de contrato de emprego regido pela CLT, nos moldes indicados na inicial. No caso, a reclamada juntou aos autos, às fls. 696/737, os Termos e Condições Gerais dos Serviços de Intermediação Digital, onde se observa a existência de requisitos mínimos para a admissão e regras a serem cumpridas pelos motoristas usuários, sob pena de exclusão da plataforma. Entretanto, não se observa em tais termos nenhuma exigência de jornada fixa ou obrigatoriedade do prestador de serviços realizar viagens determinadas pela ré. A parte reclamada também juntou, às fls. 565/694, planilhas com as viagens realizadas pelo autor, onde se observa horários variados, em diferentes turnos. Os documentos juntados pelo autor, às fls. 39/111, revelam apenas feedbacks dos usuários e da plataforma em relação ao motorista, prestação de orientações, dicas e informações sobre frequência e quantidade de viagens, além da disponibilização de benefícios para o prestador voltar a usar o aplicativo - sempre sem impor qualquer tipo de ordem ou obrigação ao motorista. Registre-se que há documentos que sequer se relacionam com o autor, como o e-mail de fl. 47 e a tela de fl. 102. O grupo de estudos firmado no âmbito do Ministério Público do Trabalho não vincula o presente juízo, que realiza análise específica e detalhada do caso trazido à revisão. As partes acordaram em utilizar os depoimentos colhidos em processos diversos como prova emprestada (fl. 875), não tendo o juízo de origem delimitado quais documentos deveriam ter sido considerados para tanto. O reclamante, à fl. 862, indicou a ata de audiência produzida no processo nº 0010075-53.2019.5.03.0025, juntada às fls. 457/459, onde foram ouvidas as partes e uma testemunha, cujo depoimento tem o seguinte teor: Primeira testemunha do reclamado: Chrystinni Andrade Souza, solteira, nascida em 12/12/1987, Supervisora de Atendimento, residente e domiciliada na Avenida do Contorno, nº 8088, apto 91, Santo Agostinho, Belo Horizonte/MG. (...) Restando claro no depoimento da testemunha que a reclamada não determina o horário em que os motoristas devem trabalhar, nem a zona específica onde possam dirigir, havendo interferência da ré apenas para incentivar os motoristas a atuarem em determinados locais e horários - não sendo, contudo, obrigatório o atendimento desses benefícios. A testemunha deixa claro que há avaliação das viagens pelos usuários, e que a ré apenas age se as notas forem recorrentemente baixas e, ainda assim, com o fim de excluir o motorista do aplicativo. A reclamada, por sua vez, indicou como prova emprestada os depoimentos das testemunhas Pedro Pacce Prochno e Vitor de Lalor Rodrigues da Silva (fl. 492), colhidos nos processos nº 1001906-63.2016.5.02.0067 (fls. 739/740) e nº 0100776-82.2017.5.01.0026 (fls. 741/742), respectivamente, cujos depoimentos têm o seguinte teor: A testemunha Pedro Pacce Prochno, gerente de comunicação da reclamada, declarou que o motorista precisa apenas concordar com as regras da empresa, sendo ele próprio quem decide os dias e horários em que irá ativar o aplicativo. Informou, ainda, que o motorista pode recusar corridas e desligar o aplicativo a qualquer momento, sem receber ordens diretas ou ser fiscalizado por qualquer representante da Uber durante a jornada ou a prestação do serviço. A testemunha Vitor de Lalor Rodrigues da Silva corroborou os depoimentos anteriores, enfatizando que não há hierarquia entre a reclamada e o motorista parceiro. Segundo ele, o motorista não envia relatórios, não necessita de autorização para desconectar-se da plataforma, nem precisa justificar os períodos de inatividade. A análise dos depoimentos das testemunhas indicadas pelas partes, de forma conjunta, demonstra a completa ausência de subordinação entre a empresa ré e os motoristas, elemento essencial para a caracterização do vínculo empregatício. As testemunhas também afirmaram que as avaliações são feitas mutuamente entre motoristas e usuários, não sendo realizadas pela reclamada, o que descaracteriza qualquer alegação de poder disciplinar. A mera existência de regras e políticas de conduta não configura, por si só, a subordinação jurídica sustentada pela parte recorrente. Assim, a prova emprestada apenas confirma os demais elementos constantes dos autos, no sentido da inexistência de vínculo empregatício, evidenciando o caráter autônomo da atividade desempenhada pelo autor. Restam incólumes os arts. 1º, III e IV, 7º e 193 da Constituição Federal, bem como os arts. 2º, 3º e 6º, caput e parágrafo único, da CLT. Não se cogita, igualmente, a existência de contrato intermitente, uma vez que a subordinação jurídica também é requisito dessa modalidade contratual, o que não se verifica no presente caso. (PROCESSO nº 0000390-71.2021.5.10.0020 - Recurso Ordinário - Rito Sumaríssimo (11886) - Relatora: Desembargadora Cilene Ferreira Amaro Santos - Publicado em 06/11/2021). Pelas razões expostas, julgam-se improcedentes os pedidos de reconhecimento do vínculo empregatício, bem como de todas as verbas contratuais e rescisórias requeridas, que são consectários do labor realizado sob vínculo de emprego. Também se considera indevida a indenização por danos morais postulada, diante da ausência de demonstração de qualquer conduta violadora dos direitos da personalidade do reclamante (art. 373, I, do CPC). Quanto ao pedido sucessivo de reativação do cadastro do autor, a reclamada sustenta que foram recebidas denúncias relatando comportamentos inadequados por parte do motorista, o que motivou o encerramento da parceria. O documento de fl. 434 do PDF indica que, no mês de fevereiro de 2023, foram registradas duas denúncias relacionadas a corridas realizadas pelo autor (documento do veículo PBG5176 - fl. 185 do PDF). No primeiro relato, o passageiro afirma que a viagem foi encerrada muito tempo após ter chegado ao destino. No segundo, o usuário relata que, apesar de ter selecionado uma viagem no valor de R$ 94,91, ao final foi cobrado um valor adicional de R$ 40,83, totalizando R$ 135,74, valor discrepante daquele inicialmente informado. Em seu depoimento, o autor declarou estar ciente dos motivos que poderiam acarretar o encerramento da parceria, ressaltando que "a avaliação do motorista é feita pelo usuário; que se a avaliação ficasse abaixo do esperado pela Uber, o depoente poderia sofrer uma punição (bloqueio da plataforma)" (ata de fl. 808 do PDF). Assim, demonstrado que a Uber recebeu duas denúncias de passageiros em fevereiro/2023, relatando comportamentos inadequados do autor em corridas, contexto hábil à exclusão do motorista, não vislumbro a ilegalidade do ato nos termos alegados à inicial, ônus que incumbia ao reclamante, por tratar-se de fato constitutivo do direito postulado (art. 818, I, da CLT c/c art. 373, I, do CPC). Ante o exposto, julgo improcedente o pedido de reativação do cadastro do reclamante na plataforma da ré. Prejudicada a análise acerca da responsabilidade solidária das 2ª e 3ª demandadas". (grifos todos do original) Portanto, adotando esses fundamentos, nego provimento ao recurso obreiro. CONCLUSÃO Ante o exposto, conheço do recurso ordinário do reclamante e do recurso adesivo das reclamadas e, no mérito, rejeito as preliminares de incompetência material e ilegitimidade passiva, nego provimento ao recurso obreiro e dou parcial provimento ao recurso das reclamadas. para declarar a prescrição quinquenal das pretensões, nos termos da fundamentação. ACÓRDÃO Por tais fundamentos, ACORDAM os Integrantes da egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Décima Região, conforme certidão de julgamento, em aprovar o relatório, conhecer do recurso ordinário do reclamante e do recurso adesivo das reclamadas e, no mérito, rejeitar as preliminares de incompetência material e ilegitimidade passiva, negar provimento ao recurso obreiro e dar parcial provimento ao recurso das reclamadas, para declarar a prescrição quinquenal das pretensões do reclamante, nos termos da fundamentação. Ementa aprovada. Brasília, 2 de abril de 2025(data do julgamento) JUIZ CONVOCADO LUIZ HENRIQUE MARQUES DA ROCHA Redator Designado DECLARAÇÃO DE VOTO BRASILIA/DF, 14 de abril de 2025. FLAVIANE LUIZA MIRANDA, Servidor de Secretaria
Intimado(s) / Citado(s)
- UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA.
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