Processo nº 5023181-68.2025.4.04.7000
ID: 272883877
Tribunal: TRF4
Órgão: 11ª Vara Federal de Curitiba
Classe: MANDADO DE SEGURANçA CíVEL
Nº Processo: 5023181-68.2025.4.04.7000
Data de Disponibilização:
26/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
LEONARDO HENRIQUE FERMINO DOS SANTOS
OAB/PR XXXXXX
Desbloquear
MANDADO DE SEGURANÇA Nº 5023181-68.2025.4.04.7000/PR
IMPETRANTE
: MARILENE VIGILATO
ADVOGADO(A)
: LEONARDO HENRIQUE FERMINO DOS SANTOS (OAB PR119620)
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO
Em 11 de maio de …
MANDADO DE SEGURANÇA Nº 5023181-68.2025.4.04.7000/PR
IMPETRANTE
: MARILENE VIGILATO
ADVOGADO(A)
: LEONARDO HENRIQUE FERMINO DOS SANTOS (OAB PR119620)
DESPACHO/DECISÃO
I - RELATÓRIO
Em 11 de maio de 2025,
MARILENE VIGILATO
impetrou o presente mandado de segurança em face do DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL e PROCURADOR-CHEFE DA PROCURADORIA GERAL DA FAZENDA NACIONAL, pretendendo a sua exclusão do cadastro da dívida ativa da União e a emissão da certidão negativa de débitos.
Para tanto, a impetrante alegou ter tentado emitir uma certidão negativa de débitos para a venda de um imóvel, e ter tomado conhecimento, então, de que seu nome estaria inscrito em dívida ativa em razão de um financiamento realizado por terceiro, dando em garantia um imóvel que teria sido seu no período de março a julho/2008. Em 15/07/2008, ela teria desistido da aquisição do referido imóvel rural, o tendo transferido a terceiro, com formalização de escritura pública em 25/07/2010, e liquidação integral do débito junto ao programa e averbação em cartório de registro de imóveis.
Ela argumentou que que a alegação de haver dívida, no que lhe tocaria, teria decorrido de erro do Banco do Brasil, dado que a instituição financeira teria registrado que ela figuraria como coobrigada no referido contrato, o que não corresponderia à verdade dos fatos. Teria sido inscrita em dívida ativa em 08/04/2001, sendo que o Banco do Brasil teria reconhecido ter incorrido em erro, mas, sem adotar medidas para reverter a sua situação perante a Receita Federal.
Ela sustentou a violação explícita ao princípio da legalidade, ao devido processo legal e à dignidade humana em razão da inscrição indevida do seu nome no CADIN, aduzindo fazer jus à suspensão da sua inscrição em dívida ativa e à determinação de que as impetradas emitam certidão negativa de débitos ou certidão positiva com efeitos de negativa.
Postulou a concessão da gratuidade de justiça, detalhou seus pedidos e atribuiu à causa o valor de R$ 30.228,98 (trinta mil duzentos e vinte e oito reais e noventa e oito centavos).
II - FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Competência da Justiça Federal:
A Justiça Federal é competente para esta demanda, na medida em que se aplicam à hipótese o art. 109, VIII, da Constituição/88 e leitura
a contrario sensu
do art. 102, I, "d"; art. 105, I, "b", art. 108, I, "c", e art. 114, IV, Constituição Federal/88, com art. 10 da lei n. 5.010/66
.
A impetrante endereçou sua pretensão em face do Delegado da Receita Federal do Brasil e Procurador-chefe da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, servidores do povo, lotados no quadro da União Federal.
2.2. Considerações sobre a competência funcional:
Em princípio, no âmbito do mandado de segurança, a competência haveria de ser definida em função do local de atuação da autoridade impetrada:
"é correto afirmar que a competência no mandado de segurança é definida pela qualificação da autoridade (rationæ auctoritatis) com a função exercida na estrutura do Poder Público (rationæ muneris). No mandado de segurança, a análise da competência exige o exame do plexo de competência atribuída à autoridade coatora, de tal forma que a primeira investigação deverá levar em consideração a esfera à qual está vinculada."
(MEDINA, José Miguel Garcia; ARAÚJO, Fábio Caldas de.
Mandado de
segurança
individual e coletivo.
São Paulo: RT, 2009. p. 54).
A autoridade federal é definida no art. 2º da lei 12.016:
"Considerar-se-á federal a autoridade coatora se as consequências de ordem patrimonial do ato contra o qual se requer o mandado houverem de ser suportadas pela União ou entidade por ela controlada."
A respeito do tema, reporto-me à lição de Hely Lopes Meirelles:
"Ato de autoridade é toda manifestação ou omissão do Poder Público ou de seus delegados, no desempenho de suas funções ou a pretexto de exercê-las. Por autoridade entende-se a pessoa física investida de poder de decisão dentro da esfera de competência que lhe é atribuída pela norma legal. (...) Considera-se autoridade coatora a pessoa que ordena ou omite a prática do ato impugnado, e não o superior que o recomenda ou baixa normas para sua execução. (...) Coator é a autoridade superior que pratica ou ordena concreta e especificamente a execução ou inexecução do ato impugnado e responde pelas suas conseqüências administrativas. (...) Incabível é a segurança contra autoridade que não disponha de competência para corrigir a ilegalidade impugnada. A impetração deverá ser sempre dirigida contra a autoridade que tenha poderes e meios para praticar o ato ordenado pelo Judiciário."
(MEIRELLES, Hely Lopes.
Mandado de segurança.
18. ed. São Paulo: Malheiros, p. 31 e 54-55)
No dizer de Sérgio Ferraz,
"
Coator é aquele que desempenhou, por comissão ou omissão, a atividade impugnável. E, se foi ele quem assumiu a coação, a ele incumbirá desfazê-la. Em suma, a materialização do ato é que define a autoridade que se pode apontar como coatora.
"
(FERRAZ, Sérgio.
Mandado de segurança.
4. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 102). Como já preconizou o Superior Tribunal de Justiça,
"A legitimidade passiva no mandamus é fixada pela autoridade que tem poder de realizar o ato lesivo, na ação preventiva, ou aquele que pode desfazer o ato lesivo, na ação repressiva. In casu, o impetrado detém autoridade para fazer cessar a suposta ilegalidade."
(MS 200900372013, STJ - TERCEIRA SEÇÃO, DJE DATA:17/06/13).
Por outro lado, a identificação da sede funcional da autoridade impetrada fixaria o juízo competente para o processamento e julgamento do mandado de segurança, eis que
"
A competência para julgar mandado de segurança define-se pela categoria da autoridade coatora e pela sua sede funcional
"
. (MEIRELLES, Hely.
Mandado de segurança.
26. ed. SP: Malheiros, 2003, p.68).
2.3. Anterior entendimento do STJ sobre o tema:
Convém ter em conta que, por muito tempo, o Superior Tribunal de Justiça e os Tribunais Regionais aplicaram o entendimento de que o mandado de segurança se submeteria à
competência absoluta
, fixada a partir da identificação do
locus
de atuação da autoridade impetrada, consoante inúmeras decisões colegiadas, antes aludidas.
Por outro lado, reporto-me ao atilado voto do Des. Fed. Jhonsom Di Salvo, do eg. TRF3, ao versar sobre a questão da competência para julgamento de mandado de segurança, no âmbito da
apelação cível n. 0010895-09.2015.403.6100/SP
, DJE de 05.10.2016.
"(...) Sendo apontados no polo passivo o Conselho Superior da Defensoria Pública da União, órgão sediado em Brasília-DF, seria competente para processar e julgar a causa a Justiça Federal localizada no Distrito Federal. Porém, o impetrante e a Procuradoria Regional da República entendem pela aplicação do art. 109, § 2º, da CF em sede mandamental, permitindo a impetração junto à Justiça Federal com jurisdição no domicílio do impetrante - no caso, a cidade de São Paulo (fls. 13).
O STF assim já se posicionou, em decisão não vinculante, sob o fundamento de que: a regra geral prevista no art. 109 da CF não faria distinção quanto à espécie de ações sobre a qual incidirá; a opção pela seção do domicílio do autor conferiria
paridade de armas
às partes; e essa opção não representa prejuízos à União, ente sobre o qual recairiam as repercussões financeiras eventualmente suportadas com o resultado do processo. Confira-se:
CONSTITUCIONAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA. UNIÃO. FORO DE DOMICILIO DO AUTOR. APLICAÇÃO DO ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal está pacificada no sentido de que as causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal. 2. Agravo regimental improvido. (RE 509442 AgR / PE / STF - SEGUNDA TURMA / MIN. ELLEN GRACIE / 03.08.10)
A Terceira Turma deste Tribunal teve oportunidade de apreciar o tema recentemente, decidindo, por maioria de votos, pela possibilidade de aplicação do art. 109, § 2º, da CF também no mandado de segurança, ressaltando decisão do STF pela extensão da norma às autarquias federais (RE 627.709); no ensejo o polo passivo da causa era ocupado por autoridade vinculada à ANATEL. Segue a ementa:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - MANDADO DE SEGURANÇA - ART. 109, § 2º, CF - DOMICÍLIO DO AUTOR - NÚCLEO REGIONAL DE ATENDIMENTO - RECURSO PROVIDO. 1. O Supremo Tribunal Federal decidiu, nos autos do RE 627709 / DF, repercussão geral, de Relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, publicado em 29/10/2014,que a regra disposta no art. 109, § 2º, CF aplica-se também às autarquias federais. 2. O entendimento contrário impede que se conduzam as aspirações de realização da democrática interiorização da Justiça Federal, amparada pelo artigo 110 da Constituição Federal. 3. A aplicação ao caso do disposto no artigo 100, IV, a, do Código de Processo Civil, vem a ferir os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade das leis, por implicar sacrifício maior e desnecessário a quem pretende exercer o direito constitucionalmente amparado de acesso à jurisdição, haja vista os custos e sacrifícios desproporcionais à agravante, decorrentes do deslocamento do processo para a capital federal, ao passo que não vislumbro maiores prejuízos à ANATEL em tramitar o feito perante Juízo da Subseção Judiciária de São Paulo-SP. 4.A existência de núcleo regional de atendimento não é óbice à fixação da competência territorial, visto que é equiparado à agência ou sucursal e a criação de tais órgãos visa à melhor consecução do interesse público de forma descentralizada. 5. Agravo de instrumento provido. (2014.03.00.009076-9/SP / TRF3 - TERCEIRA TURMA / DES. FED. NERY JÚNIOR / D.E. 11.03.2015)
Nesse ponto, porém, corroboro declaração de voto em contrário exarada pelo Des. Fed. Carlos Muta, refutando a abrangência da aludida norma ao mandado de segurança, por se tratar de ação cuja competência é fixada pela sede funcional da autoridade impetrada, de caráter personalíssimo e absoluto, não admitindo a opção prevista no art. 109, § 2º, da CF. Em seu voto, o eminente colega refutou ainda o julgado do STF apontado como parâmetro, visto que o acórdão da Suprema Corte não cuidou das especificidades da via mandamental
.
Com efeito, a norma constitucional em tela tem por objeto as causas onde a União Federal figura no polo passivo da demanda, situação muito diversa da apresentada em sede de
mandamus
, onde se exige a identificação da autoridade que praticou o ato impugnado ou daquela que ostenta poderes para decidir pela execução do ato, tudo nos termos da Lei 12.016/09.
A regra de competência a partir da sede funcional prestigia a imediatidade do juízo com a autoridade apontada como coatora, oportunizando a prestação de informações de forma mais célere e acurada pelo impetrado, pois em sede de
mandamus
o que se perscruta é um ato específico que a autoridade responsável por ele tem todo o direito de defender; essa situação do impetrado não se confunde com a posição da pessoa jurídica de direito público interno a que pertence, a qual no
mandamus
ostenta relação meramente institucional com a situação posta nos autos; não pode passar despercebido o caráter personalíssimo que - em sede de mandado de segurança - envolve as partes iniciais da causa.
De um lado deve estar aquele que é diretamente atingido pelas consequências materiais do ato ou da conduta discutida; de outro lado deve estar justamente aquele que, no plano jurídico, é o responsável pelo ato (praticando-o ou ordenando-o, conforme o texto do art. 6º, § 3º, LMS) e que pode desfazer as suas consequências. Nisso reside o caráter personalíssimo próprio do mandado de segurança, e por isso não se pode substituir o ajuizamento do
writ
no Juízo da sede da autoridade dita coatora, pelo Juízo federal do domicílio do impetrante. É escolha do legislador prestigiar - em matéria competencial para o
mandamus
- a sede da autoridade dita coatora, o que se justifica diante da presunção
iuris tantum
de legalidade e veracidade dos atos da "administração".
Essa é a posição tradicional do STJ, conforme precedentes em: CC 18.894/RN, Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28/05/1997, DJ 23/06/1997, p. 29033 - CC 41.579/RJ, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/09/2005, DJ 24/10/2005, p. 156 - CC 60.560/DF, Rel. Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/12/2006, DJ 12/02/2007, p. 218 - CC 48.490/DF, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/04/2008, DJe 19/05/2008 - REsp 1101738/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/03/2009, DJe 06/04/2009 - AgRg no REsp 1078875/RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 03/08/2010, DJe 27/08/2010 - AgRg no AREsp 253.007/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/12/2012, DJe 12/12/2012.
Atente-se para o fato de que a regra de competência territorial funcional é aplicada de forma
temperada
pela jurisprudência, quando é presente no âmbito de competência do Juízo uma repartição ou um órgão correlato com as atribuições do impetrado (AI 00153626620134030000 / TRF3 - TERCEIRA TURMA / DES. FED. NERY JÚNIOR / e-DJF3 Judicial 1 DATA:14/02/2014, AMS 2000.38.00.037252-3 / TRF1 - 6ª TURMA SUPLEMENTAR / JUIZ FED. ANDRÉ PRADO DE VASCONCELOS / e-DJF1 DATA:08/06/2011, CC 00263898520094030000 / TRF3 - SEGUNDA SEÇÃO / DES. FED. MÁRCIO MORAES / e-DJF3 Judicial 1 DATA:24/03/2011). Porém, a situação aqui não se faz presente, pois o Conselho Superior da Defensoria Pública da União desenvolve-se em órgão único e de atribuições exclusivas, consoante disposto em seu Regimento Interno." (TRF3 0 apelação cível n. 0010895-09.2015.403.6100/SP, DJE de 05.10.2016)
Segundo essa análise, sempre que houver efetivo litisconsórcio passivo necessário, de modo que a pretensão deva ser endereçada a distintas autoridades, com atuação em distintas regiões, o
mandamus
pode ser impetrado perante o juízo com competência para quaisquer dessas localidades, como ilustram os julgados abaixo:
"Havendo uma única autoridade coatora, o ajuizamento de mandado de segurança devera ser efetuado na jurisdição de sua sede. 2 -
Ocorrendo, entretanto, a existência de mais de uma autoridade coatora no polo passivo da demanda, facultado esta o impetrante do 'writ' para ajuizar a ação em qualquer dos juízos das sedes das respectivas autoridades coatoras
. 3 - Inteligência da sumula 63 do ee. TFR 4 - Despacho singular mantido. 5 - agravo improvido."
(AG 9005075708, Desembargador Federal Jose Delgado, TRF5 - Segunda Turma, DJ - Data::08/03/1991 - Página::4111.)
Ademais, "
O mandado de segurança ataca dois atos distintos praticados por duas autoridades coatoras: a cobrança de multa pela Delegacia da Receita Federal; e a não inclusão de tal crédito tributário no REFIS. - É certo que o Delegado da Receita Federal não tem poderes para incluir multa não consolidada no Programa de Recuperação Fiscal. Entretanto, tal pedido foi acertadamente direcionado ao Presidente do Comitê Gestor do REFIS. -
O Delegado da Receita Federal tem legitimidade para responder o mandado de segurança na medida em que é dele a competência para cobrar a multa não abarcada pelo REFIS. - Havendo mais de uma autoridade coatora, o mandado de segurança pode ser ajuizado na sede de qualquer uma delas
."
(AG 200204010106830, VILSON DARÓS, TRF4 - SEGUNDA TURMA, DJ 11/06/2003 PÁGINA: 582.)
Nesse mesmo sentido:
"
Indicada duas autoridades coatoras, compete a qualquer dos Juízos Federias a análise meritória, cabendo analisar a lide frente as duas autoridades apontadas como coatoras
. 2. Incabível a extinção da lide por ilegitimidade frente a uma das autoridades, sem análise da lide quanto a outra autoridade coatora. 3. Anulação de ofício da sentença, prejudicada apelação do impetrante, para determinar que o julgador monocrático analise a integralidade da lide aventada." (AMS 200071100032830, MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS, TRF4 - QUINTA TURMA, DJ 13/03/2002 PÁGINA: 1057.) Acrescento: "cabível a interposição de agravo de instrumento contra decisão que, em mandado de segurança, declina a competência. 2.
havendo duas autoridades apontadas como coatoras, e competente o juízo da sede de qualquer delas. 3. incabível, sem provocação das partes, alterar-se competência relativa
. 4. agravo provido."
(AG 9204359250, TEORI ALBINO ZAVASCKI, TRF4 - SEGUNDA TURMA, DJ 14/04/1993 PÁGINA: 12651.)
Menciono também o seguinte julgado:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. CUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS. ILEGITIMIDADE PASSIVA DE DUAS AUTORIDADES COATORAS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL DE SERGIPE. PEDIDO DE REDUÇÃO DE CARGA HORÁRIA DE UM DOS CARGOS JÁ FORMULADO ADMINISTRATIVAMENTE. BOA-FÉ DO SERVIDOR.1. Na hipótese dos autos, apenas o Coordenador-geral de Recursos Humanos em Brasília/DF e a responsável pelo Núcleo de Recursos Humanos em Sergipe podem ser considerados como autoridades coatoras, afinal, é dos dois, como responsáveis pelo setor de Recursos Humanos do IBAMA, que emanam a ordem para a prática do ato impugnado, tendo legitimidade, inclusive, para corrigir supostas ilegalidades apontadas.2.
Havendo duas ou mais autoridades coatoras, o mandado de segurança por ser ajuizado na sede de qualquer delas
, devendo ser afastada, portanto, a tese de incompetência da Justiça Federal de Sergipe.3. Passados mais de cinco anos de efetivo exercício legal de cargos cumulados, sem qualquer registro de comprometimento da qualidade dos serviços prestados, o servidor, agindo de boa-fé, buscou atender a solicitação do IBAMA, feita através do Parecer nº350-2011/SELEN/CGREH/DIPLAN/IBAMA. Tanto é assim que pediu, administrativamente, a redução de sua carga horária de professor perante a Secretaria de Educação do Estado.4. Ao longo dos três primeiros anos em que o servidor se encontra investido no cargo público, faz, obrigatoriamente, avaliação especial de seu desempenho, por se tratar de condição para que este venha a adquirir estabilidade no serviço público (art. 41,parágrafo 4º, da Constituição Federal), sendo correto afirmar, pois, que o sistema jurídico já disponibiliza mecanismos concretos para que se possa aferir a aptidão e capacidade do servidor ao exercício das funções do cargo público que ocupa.5. In casu, não pode a Administração impor ao impetrante que apresente nova declaração da Secretaria de Educação do Estado de Sergipe de que já se encontra em regime de 20 horas semanais, nem exigir a opção por uma dos cargos públicos que ocupa.6. Remessa oficial parcialmente provida, apenas para reconhecer a ilegitimidade passiva do Técnico administrativo e da Analista administrativa que elaboraram o ato impugnado, em estrita obediência a comando exarado por outrem. (REO 00036579620114058500, Desembargador Federal Francisco Cavalcanti, TRF5 - Primeira Turma, DJE - Data::27/07/2012 - Página::76.)
2.4. Aplicação do art. 109, §2, CF - mandado de segurança:
Gradualmente, porém, os Tribunais passaram a aplicar a norma do
art. 109, §2, CF, ao rito do mandado de segurança
, como evidenciam os julgados abaixo:
CONSTITUCIONAL E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA.
MANDADO DE SEGURANÇA
. UNIÃO. FORO DE DOMICILIO DO AUTOR. APLICAÇÃO DO ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal está pacificada no sentido de que as causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal
. 2. Agravo regimental improvido. (RE 509.442 Agr/PE, Rel. Ministra Ellen Gracie, Segunda Turma, DJe-154 Divulg 19-08-2010 Public 20-08-2010)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TEMA 374 DA REPERCUSSÃO GERAL. COMPETÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA. ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO. SEÇÃO JUDICIÁRIA DO DOMICÍLIO DO AUTOR. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema 374 da Repercussão Geral ( RE 627.709/DF, de minha relatoria), privilegiou o acesso à justiça na interpretação do art. 109, § 2º, da Constituição, ao aplicar a faculdade nele prevista também às autarquias federais. II
A faculdade prevista no art. 109, § 2º, da Constituição deve ser aplicada inclusive em casos de impetração de mandado de segurança, possibilitando-se o ajuizamento na Seção Judiciária do domicílio do autor, a fim de tornar amplo o acesso à justiça
. III – Agravo regimental a que se nega provimento.(STF - AgR RE: 736971 RS - RIO GRANDE DO SUL, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 04/05/2020, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-118 13-05-2020)
Em sentido semelhante,, atente-se para a decisão monocrática da insigne Min. Assusete Magalhães, do Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o Conflito de Competência n. 149.778/DF:
"(...) O art. 109, § 2º, da Constituição Federal dispõe: As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal.
Da interpretação desse artigo, extrai-se a ausência de qualquer tipo de restrição no que concerne à opção conferida ao autor, que, por isso, é o juiz de sua conveniência para exercê-la, limitadas, apenas, às opções estabelecidas pelo próprio texto constitucional. Nesse ponto, constata-se que as causas intentadas contra a União poderão, de acordo com a opção do autor, ser aforadas perante os juízos indicados no art. 109, § 2º, da Lei Maior.
O ordenamento constitucional, neste aspecto, objetiva facilitar o acesso ao Poder Judiciário da parte quando litiga contra a União. Assim sendo, uma vez que o art. 109, § 2º da CF elenca foros nos quais a ação pode ser ajuizada, cabendo ao autor da ação escolher o foro em que irá propor a demanda, é legítima a opção da parte autora de que o feito ajuizado seja processado no foro de seu domicílio. Vale destacar que o texto não faz distinção entre o tipo de ação para a aplicação dessa regra
. Nesse sentido não há que se falar em necessidade de correlação entre a opção do autor e a natureza da ação proposta. Nesse contexto, a competência para o julgamento da causa é do juízo federal localizado no domicílio do impetrante do mandado de segurança." (STJ, CC 149.778/DF, rel. Min. Assusete Magalhães, disponível no site do tribunal).
Ainda nesse rastro, atente-se para os precedentes:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. ART. 109, § 2º, CF. AJUIZAMENTO NO DOMICÍLIO DA IMPETRANTE. POSSIBILIDADE. CASO EM QUE DE TODO MODO SÃO APONTADAS DUAS AUTORIDADES COATORAS COM DOMICÍLIOS DIVERSOS, ENSEJANDO A POSSIBILIDADE DE ESCOLHA. RECURSO PROVIDO. 1.
Nos termos de julgados recentes do Superior Tribunal de Justiça, o art. 109, §2º, da Constituição também se aplica no writ, conforme já decidido pelo Supremo Tribunal Federal, no RE 509442 (Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 03/08/2010, DJe-154 DIVULG 19-08-2010 PUBLIC 20-08-2010 EMENT VOL-02411-05 PP-01046 RT v. 99, n. 901, 2010, p. 142-144), de modo que não pode prosperar a decisão agravada que extinguiu o mandado de segurança quanto à autoridade cuja sede era em local diferente do Juízo a quo
. 2. No caso dos autos, há ainda circunstância de que são duas as autoridades coatoras indicadas pela impetrante, com domicílios distintos, razão pela qual a parte impetrante poderia realizar a escolha de qualquer forma (STJ - CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 143.836 - DF, 2015/0272592-6, RELATOR : MINISTRO HUMBERTO MARTINS, 09/12/2015). 3. O Juízo a quo deverá analisar o pedido liminar levando em conta a integralidade dos fatos e fundamentos arguidos pela impetrante, em relação às duas autoridades coatoras. 4. Agravo provido.
(AI 00157280320164030000, JUÍZA CONVOCADA ELIANA MARCELO, TRF3 - TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/02/2017)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TEMA 374 DA REPERCUSSÃO GERAL. COMPETÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA. ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO. SEÇÃO JUDICIÁRIA DO DOMICÍLIO DO AUTOR. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema 374 da Repercussão Geral ( RE 627.709/DF, de minha relatoria), privilegiou o acesso à justiça na interpretação do art. 109, § 2º, da Constituição, ao aplicar a faculdade nele prevista também às autarquias federais. II
A faculdade prevista no art. 109, § 2º, da Constituição deve ser aplicada inclusive em casos de impetração de mandado de segurança, possibilitando-se o ajuizamento na Seção Judiciária do domicílio do autor, a fim de tornar amplo o acesso à justiça. III – Agravo regimental a que se nega provimento.
(STF - AgR RE: 736971 RS - RIO GRANDE DO SUL, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 04/05/2020, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-118 13-05-2020)
Por sinal, os Tribunais têm aplicado o art. 109, §2º, CF, também quando em causa demanda em face de autarquias federais:
CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. CAUSAS AJUIZADAS CONTRA A UNIÃO. ART. 109, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CRITÉRIO DE FIXAÇÃO DO FORO COMPETENTE. APLICABILIDADE ÀS AUTARQUIAS FEDERAIS, INCLUSIVE AO CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. I -
A faculdade atribuída ao autor quanto à escolha do foro competente entre os indicados no art. 109, § 2º, da Constituição Federal para julgar as ações propostas contra a União tem por escopo facilitar o acesso ao Poder Judiciário àqueles que se encontram afastados das sedes das autarquias. II – Em situação semelhante à da União, as autarquias federais possuem representação em todo o território nacional. III - As autarquias federais gozam, de maneira geral, dos mesmos privilégios e vantagens processuais concedidos ao ente político a que pertencem
. IV - A pretendida fixação do foro competente com base no art. 100, IV, a, do CPC nas ações propostas contra as autarquias federais resultaria na concessão de vantagem processual não estabelecida para a União, ente maior, que possui foro privilegiado limitado pelo referido dispositivo constitucional. V - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem decidido pela incidência do disposto no art. 109, § 2º, da Constituição Federal às autarquias federais. Precedentes. VI - Recurso extraordinário conhecido e improvido. (RE 627709, RICARDO LEWANDOWSKI, STF.)
Nesse mesmo sentido, convergem os julgados: RE 499.093-AgR-segundo/PR e AI 793.409/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski; RE 234.059/AL, Rel. Min. Menezes Direito; RE 484.235-AgR/MG, Rel. Min. Ellen Gracie; RE 488.704/RJ, RE 527.498/SC e RE 603.311/RS, Rel. Min. Marco Aurélio; RE 590.649/RJ, RE 474.691/SC e RE 491.331/SC, Rel. Min. Cármen Lúcia; RE 474.825/PR, Rel. Min. Dias Toffoli.
NO PRESENTE CASO, a impetrante endereçou sua pretensão ao Superintendente do IBAMA, com atuação em Curitiba/PR, razão pela qual revela-se adequada a distribuição do presente mandado de segurança perante esta Subseção Judiciária Federal, conforme art. 109, §2º, CF/88
.
2.5. Competência desta unidade jurisdicional:
Registro que o processo restou distribuído à presente unidade jurisdicional, por conta da competência para a temática ambiental.
Esta 11ª VF foi especializada na temática ambiental, minerária, desapropriação, e nos direitos das nações nativas, dentre outas matérias, por meio da resolução 39, de 05 de abril de 2005/TRF4 (Vara Ambiental de Curitiba), sendo renomeada por meio da Resolução n. 99, de 11 de junho de 2013, também do TRF4. A competência foi modificada por meio da Resolução 23, de 13 de abril de 2016, com regionalização promovida pela Resolução 63, de 25, de julho de 2018, e pela Resolução 43, de 26 de abril de 2019, TRF4.
Por força da referida resolução n. 23, de 13 de abril de 2016, do TRF4, a presente unidade passou a deter atribuições para apreciar questões pertinentes ao meio ambiente, natural ou urbano, conflitos minerários, desapropriação, terrenos de marinha, situados no litoral paranaense, dentre outros temas. Isso compreende, em princípio, o debate a respeito do alcance dos direitos dos animais, enquanto manifestação significativa do direito ambiental, colocando em causa a relação entre os seres humanos e os demais animais.
2.6. Competência do presente Juízo Substituto:
Dentre os 2 juízos com atuação nesta unidade jurisdicional, a demanda restou distribuída ao presente Juízo Substituto, mediante sorteio, o que atendeu à garantia do Juízo Natural - art. 5, LIII, CF/88.
2.7. Conexão processual:
O processualista Bruno S. Dantas enfatiza que
"
com o início de vigência do CPC/2015, será considerado prevento o juízo perante o qual houver ocorrido o registro ou a distribuição (conforme o caso) da primeira de uma série de demandas conexas, ainda que tal registro ou distribuição tenha ocorrido durante a vigência do CPC/1973
. Desde que a prevenção, ela própria, não se tenha consumado sob a égide do CPC/1973 (por um dos alternativos critérios previstos nos seus arts. 106 e 2019), incidirá de plano o disposto no art. 59 da codificação de 2015 definindo-se o juízo prevento para um conjunto de demandas conexas pela anterioridade dos registros ou das distribuições (conforme o caso) das mesmas. Os arts. 60 e 61 do CPC/2015, por sua vez, praticamente repetem os arts. 107 e 108 do CPC/1973, dispensando, por tal razão, maiores comentários a respeito nesta oportunidade."
(DANTAS, B. S.
in
WAMBIER, Teresa A. Alvim et al.
Breves comentários ao novo código de processo civil.
SP: RT, 2015, p. 229).
Convém ter em conta a lição de Araken de Assis, sobre o tema:
"(...)
O art. 55, caput, definiu a conexão como a identidade de pedido ou de causa inspirado no propósito de erradicar as tergiversações constatadas na vigência do CPC de 1939. A proposição legislativa, excepcional no direito estrangeiro, porque prepondera a tendência de encarregar o órgão judicial de indicar os casos do fenômeno, consonante controvérsia haurida do direito comum, e feita em sentido oposto à do CPC de 1939, em todo caso revela-se incompleta e insuficiente. Não abrange a totalidade das hipóteses de conexão
. O art. 55, § 3.º (“… mesmo sem conexão entre eles”) alude à conexão em sentido estrito do art. 55, caput. Ao nosso ver, os vínculos que geram o risco da prolação de “decisões conflitantes ou contraditórias”, a teor do art. 55, § 3.º, inserem-se na rubrica da conexão em sentido amplo. Não há outro sítio adequado para situar o liame entre os objetos litigiosos
O art. 113 do NCPC, arrolando os casos em que se admite a demanda conjunta, ou litisconsórcio, demonstra que existem outros laços, mais tênues e distantes, que autorizam o processo cumulativo. E a outro juízo não se chega ao avaliar o nexo exigido pelo art. 343 na reconvenção, como ocorria no direito anterior. Retira-se, daí, segura conclusão
. As duas hipóteses descritas no art. 55, caput – identidade de causa ou identidade de pedido – constituem “uma, entre as várias em que ocorre a conexão”. Por isso, antes do CPC de 1939, descreveu-se a conexão como “laço envolvente, que se insinua por entre as relações jurídicas, ora prendendo-as de um modo indissolúvel, por forma a exigir uma única decisão; ora criando entre elas pontos de contato mais ou menos íntimo, que aconselham a reunião em um só processo, ainda quando possam ser decididas separadamente, sem maior dano, a não ser a lentidão e o gravame de maiores despesas”.
Exemplos de causas conexas, segundo a literalidade do art. 55, caput: (a) A reivindica o imóvel x perante B, e, paralelamente, C também reivindica o imóvel x, do mesmo réu, hipótese em que a identidade recai sobre o pedido (objeto) mediato; (b) o locatário A propõe consignatória dos aluguéis perante o locador B, o qual, de seu turno, propõe ação de despejo, fundada no inadimplemento dos aluguéis, perante o inquilino.
Para os efeitos da modificação da competência, as hipóteses contempladas no art. 55, caput – identidade de causa de pedir ou identidade de pedido –, então, ainda consideram-se exemplificativas. Um laço menos intenso já serve para reunir os processos. O objetivo da regra reside em evitar decisões conflitantes, “por isso a indagação sobre o objeto ou a causa de pedir, que o artigo por primeiro quer que seja comum, deve ser entendida em termos, não se exigindo a perfeita identidade, senão que haja um liame que os faça passíveis de decisão unificada”. Em outra oportunidade, reiterou-se que “não é necessário que se cuide de causas idênticas (quanto aos fundamentos e ao objeto {rectius: pedido})”, bastando “que as ações sejam análogas, semelhantes”, insistiu no “escopo da junção das demandas para um único julgamento é a mera possibilidade da superveniência de julgamentos discrepantes
”.
Por conseguinte, a jurisprudência, atendendo às finalidades da modificação da competência, em que a derrogação das regras gerais se justifica pela economia de atividade e pela erradicação do risco de julgamentos conflitantes, rejeita a exigência de identidade absoluta de causa ou de pedido, aceitando simples analogia entre as ações
. Porém, preocupa-se com o risco de julgamentos contraditórios, evento apurado caso a caso, mas verificado em todas as hipóteses do art. 113, inclusive na afinidade de ponto comum de direito ou de fato (inc. III). Ora, parece difícil visualizar semelhante risco no cúmulo simples de pedidos, em que há total autonomia das pretensões deduzidas, no mesmo processo, contra o réu. Por isso, o intuito de erradicar pronunciamentos conflitantes não oferece a única e constante justificativa para o processo cumulativo e, muito menos, a prorrogação da competência. Ao menos na conexão subjetiva, no caso da cumulação simples de pedidos, impera o princípio da economia processual. E, de toda sorte, as finalidades visadas no processo cumulativo, e na reunião de causas inicialmente autônomas, mostram-se estranhas à verdadeira causa desses fenômenos, que residiria no vínculo entre partes, causa e pedido." (ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume I. São Paulo: RT, 2015, tópico 302)
Não raro, deve-se aferir a aplicação do art. 55, §1º, parte final, CPC/15:
"Os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta,
salvo se um deles já houver sido sentenciado
."
Semelhante é o conteúdo da mencionada súmula 235, STJ:
"
A conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado
."
No presente caso, não diviso uma situação de conexão processual, a ensejar a reunião de demandas para solução conjunta.
2.8. Garantia do Juízo natural:
Nos termos do art. 5, LIII, Constituição/88, é assegurada a todas as pessoas a garantia do Juízo Natural
. Essa garantia é fundamental para que os processos sejam resolvidos com atenção à racionalidade pública, desenvolvida ao longo de gerações, e plasmada na legislação, ao invés de serem solucionados com lastro em pulsões privadas.
A garantia do Juízo natural se traduz, em síntese, na vedação de que as partes escolham o Juízo do caso e na vedação de que o Juízo escolha o caso. Logo, em regra, não é dado ao Juízo de 1. instância interferir em processos submetidos ao julgamento de outros magistrados.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CONEXÃO DE AÇÕES. AÇÃO DE EXECUÇÃO FISCAL E AÇÃO ANULATÓRIA. 1.
Existindo conexão entre a ação anulatória de débito fiscal e a execução fiscal, deve haver a reunião dos processos para julgamento conjunto dos feitos no juízo da execução, em face da competência funcional absoluta deste órgão especializado
. 2. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo Suscitante.(TRF4 5014510-61.2012.404.0000, Primeira Seção, Relator p/ Acórdão Otávio Roberto Pamplona, D.E. 30/10/2012)
TRIBUTÁRIO. PROCESSO CIVIL. AJG. EXECUÇÃO FICAL. AÇÃO ANULATÓRIA. CONEXÃO. 1. Na inicial do agravo a parte recorrente diz-se "requerida de AJG", de forma que, mesmo não tendo havido manifestação anterior, entendo que a questão deve ser revista. Concedo, então, a AJG, dispensando a parte do ônus de recolher o porte de remessa e retorno. 2.
A jurisprudência reconhece a conexão entre a ação anulatória do débito e a execução fiscal, mas, em se tratando de competência funcional e, portanto, absoluta, devem os autos da anulatória ser remetidos no juízo da Vara de Execuções Fiscais, e não o contrário, como quer a agravante
. Causa espécie, e põe em dúvida a real intenção da executada, o fato de ter ajuizado a ação anulatória em Juízo diverso daquele em que tramitavam a execução fiscal e os respectivos embargos, se a própria autora reconhece a conexão entre os feitos e a necessidade de julgamento conjunto. (AG 00148359220104040000, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 - PRIMEIRA TURMA, D.E. 08/09/2010.)
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça tem decidido que, conquanto se cogite de eventual conexão entre demanda anulatória e execução fiscal, versando sobre o mesmo suposto débito fiscal, isso não ensejaria a reunião dos processos
. Havendo justa causa, a anulatória poderia vaticinar a suspensão da execução fiscal porventura em curso.
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. PRETENSÃO DE SUSPENSÃO DO PROCESSO EXECUTIVO . CONEXÃO ENTRE EXECUÇÃO FISCAL E AÇÃO ANULATÓRIA. NÃO OCORRÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE CAUSA SUSPENSIVA DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. ACÓRDÃO CONSONANTE COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ . PROVIMENTO NEGADO. 1. Trata-se de pretensão de suspensão da execução fiscal afastada pela Corte de origem, ante a ausência de conexão entre execução e ação ordinária (ação anulatória) e inexistência de causa suspensiva da exigibilidade do crédito. 2 .
O acórdão recorrido está em consonância com o entendimento das turmas da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmado no sentido da impossibilidade de serem reunidas execução fiscal e ação anulatória de débito precedentemente ajuizada, quando o juízo em que tramita esta última não é Vara Especializada em Execução Fiscal, nos termos consignados nas normas de organização judiciária
. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ - AgInt no REsp: 1883576 SP 2020/0169831-7, Relator.: Ministro PAULO SÉRGIO DOMINGUES, Data de Julgamento: 09/09/2024, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/09/2024)
No caso em exame, a parte autora sustentou que o cogitado débito teria sido inscrito em dívida ativa - CDA, instrumento hábil a ensejar a deflagração de execuções fiscais em desfavor da demandante. De todo modo, não há maiores indicativos de que tal cobrança já tenha sido promovida pela União. Ressalvo, também aqui, nova apreciação do tema adiante.
2.9. Eventual coisa julgada - considerações gerais:
Convém ter em conta que a coisa julgada é uma garantia constitucional, nos termos do art. 5º, XXXVI, CF: "
a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada
."
"A sentença de mérito transitada em julgado só pode ser desconstituída mediante ajuizamento de específica ação autônoma de impugnação (ação rescisória) que
haja sido proposta na fluência do prazo decadencial previsto em lei
, pois, com o exaurimento de referido lapso temporal,
estar-se-á diante da coisa soberanamente julgada, insuscetível de ulterior modificação, ainda que o ato sentencial encontre fundamento em legislação que, em momento posterior, tenha sido declarada inconstitucional pelo STF, quer em sede de controle abstrato, quer no âmbito de fiscalização incidental de constitucionalidade
. A superveniência de decisão do STF, declaratória de inconstitucionalidade de diploma normativo utilizado como fundamento do título judicial questionado, ainda que impregnada de eficácia ex tunc - como sucede, ordinariamente, com os julgamentos proferidos em sede de fiscalização concentrada (RTJ 87/758 - RTJ 164/506-509 - RTJ 201/765) -, não se revela apta, só por si, a desconstituir a autoridade da coisa julgada, que traduz, em nosso sistema jurídico, limite insuperável à força retroativa resultante dos pronunciamentos que emanam, in abstracto, da Suprema Corte."(RE 592.912-AgR, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 3-4-2012, Segunda Turma, DJE de 22-11-2012.)
Atente-se também para a lição de Humberto Theodoro Jr.:
"A coisa julgada é fenômeno próprio do processo de conhecimento, cuja sentença tende a fazer extinguir a incerteza provocada pela lide instalada entre as partes. Mas fazer cessar a incerteza jurídica não significa apenas fazer conhecer a solução cabível, mas impô-la, tornando-a obrigatória para todos os sujeitos do processo, inclusive o próprio juiz. Às vezes, o comando sentencial tem de ser executado por meio de realização coativa da prestação devida pelo vencido. Outras vezes, a declaração apenas é suficiente para eliminar o foco da desavença. Nem sempre, portanto, o processo civil está predisposto a providências executivas. Há acertamentos condenatórios, mas há também os não condenatórios, que se desenvolvem em torno de pretensões constitutivas ou apenas declaratórias.
Uma vez, porém, concluído o acertamento da controvérsia, seja por sentença de imposição de sanção, seja por sentença puramente declaratória, a coisa julgada se estabelece com a mesma função, ou seja, a certeza jurídica em torno da relação controvertida se implanta com plenitude, vinculando as partes e o juiz.
Essa situação jurídica cristalizada pela coisa julgada caracteriza-se por dois aspectos fundamentais: de um lado, vincula definitivamente as partes; de outro, impede, partes e juiz, de restabelecer a mesma controvérsia não só no processo encerrado, como em qualquer outro.
Admite-se, dessa maneira, uma
função negativa
e uma
função positiva
para a coisa julgada. Pela função negativa exaure ela a
ação exercida
, excluindo a possibilidade de sua
reproposição
. Pela função positiva, “impõe às partes obediência ao julgado como norma
indiscutível
de disciplina das relações extrajudiciais entre elas e obriga a autoridade judiciária a ajustar-se a ela, nos pronunciamento que a pressuponham e que a ela se devem coordenar” (
apud
NEVES, Celso. Coisa Julgada Civil. São Paulo: RT, 1971, p. 383-383).
A coisa julgada, por sua força vinculativa e impeditiva, não permite que partes e juiz escapem da definitiva sujeição aos efeitos do acertamento consumado no processo de conhecimento. O resultado prático é caber a qualquer dos litigantes “a
exceptio rei iudicatae,
para excluir novo debate sobre a relação jurídica decidida” (
apud
NEVES, Celso. Op. Cit, p. 489), e ao juiz o poder de, até mesmo de ofício, extinguir o processo sem julgamento do mérito, sempre que encontrar configurada a ofensa à coisa julgada (ar. 267, V e § 3º).
Portanto, quando o art. 467 fala em
indiscutibilidade
e
imutabilidade
da sentença transitada em julgado refere-se a duas coisas distintas: a) pela
imutabilidade
, as partes estão proibidas de propor ação idêntica àquela em que se estabeleceu a coisa julgada; b) pela
indiscutibilidade
, o juiz é que em novo processo, no qual se tenha de tomar a situação jurídica definida anteriormente pela coisa julgada como razão de decidir, não poderá reexaminá-la ou rejulgá-la; terá de tomá-la simplesmente como
premissa
indiscutível. No primeiro caso atua a força
proibitiva
(ou negativa) da coisa julgada, e, no segundo, sua força
normativa
(ou positiva). (THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Curso de Direito Processual Civil:
Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 587-588).
Nesse mesmo sentido, leiam-se também os seguintes julgados: RE 444.816, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 29-5-2012, Primeira Turma, DJE de 27-8-2012; RE 594.350, rel. min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 25-5-2010, DJE de 11-6-2010.
Nos termos do art. 502, CPC/15,
"Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.
" O art. 503, do mesmo código, preconiza que
"A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida."
Merece ênfase, ademais, o art. 508, CPC:
"
Transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido
."
Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero são precisos quando enfatizam que "
A coisa julgada pressuposto do discurso jurídico - constitui uma regra sobre o discurso. Não admite, nesse sentido, ponderação. Representa evidente agressão ao Estado Constitucional e ao próprio discurso jurídico a tentativa de relativizar a coisa julgada."
(MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel.
Código de processo civil.
6. ed. SP: RT, 2014, p. 449).
Desse modo, a sentença transitada em julgado não pode ser alterada ou desconsiderada pelo Juízo, conforme lógica do art. 508, CPC/15. Tal alteração apenas seria admissível em casos de negócio processual, avençado entre as partes, versando sobre pretensões disponíveis, conforme art. 190, CPC/15. Também seria cabível em hipótese de ação rescisória, interposta perante o Tribunal competente e com atenção ao prazo do art. 975, CPC/15; em caso de
querela nullitatis insanabilis
ou de declaração, pela Suprema Corte, da inconstitucionalidade de norma tomada como fundamento para prolação da sentença (art. 535, §4º, CPC).
No caso, não há sinais de haver coisa julgada a respeito do tema suscitado na petição inicial
.
2.10. Cogitada l
itispendência
:
A vedação de
bis in idem
- decorrente da garantia do devido processo, sob aspecto formal e substancial - impede que haja multiplicação de uma demanda já em trâmite, contanto que sejam idênticos os pedidos, causa de pedir e partes, conforme art. 337, §2º, CPC/15:
"
Uma ação é idêntica a outra quando possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido
."
Todavia, quando em exame ações coletivas, é salutar ter em conta
"que a aferição da litispendência na tutela coletiva deve ser regida não pela análise de quem formalmente se apresenta como autor das diversas demandas, mas, sim, pela qualificação jurídica de tal legitimação. Vale dizer, indagando-se a que título estão as diferentes entidades autoras em juízo, deduzindo idênticas pretensões de tutela de direitos meta-individuais (mesmos pedidos e causas de pedir), quando, então, será possível afirmar serem idênticas as demandas coletivas.
Deste modo, em virtude da especialidade do modelo processual coletivo, e, notadamente da qualificação da legitimação ativa empregada, revela-se equivocada a afirmação de inexistência de litispendência entre ações coletivas através das quais sejam deduzidas idênticas pretensões, pelo tão-só fato de terem sido propostas por entidades diferentes
."
(VENTURI, Elton.
Processo civil coletivo:
a tutela jurisdicional dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos no Brasil. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 331).
Segundo Venturi,
"o eventual ajuizamento de várias ações coletivas,
ainda que de diferentes espécies
, como antes ressaltado, pelas quais se deduzem idênticas pretensões (pedidos e causas de pedir), não terá o condão de encobrir a realidade de serem, antes e mais que conexas,
verdadeiramente idênticas
, acarretando, portanto, o fenômeno da
litispendência
e, assim, a necessidade de o juiz extinguir as demandas coletivas idênticas à originalmente proposta perante o juízo prevento."
(VENTURI, Elton.
Obra cit.,
p. 333-334).
Semelhante é a avaliação de Rodolfo de Camargo Mancuso, quando argumenta o que transcrevo abaixo:
"
Para a aferição dos
tria eadem
no processo coletivo não é bastante a identificação física ou institucional dos autores e réus nas ações comparadas, até porque os autores atuam em legitimação extraordinária e concorrente-disjuntiva, de sorte que outros critérios devem ser excogitados
,
inclusive o que conjuga a extensão territorial do dano historiado e a projeção espacial do raio de atuação de quem se apresenta como portador judicial. Luiz Paulo da Silva Araújo Filho escreve, ao propósito
: Não pode ser esquecida a enorme dimensão das ações coletivas, naturalmente aptas a empolgar milhares ou milhões de pessoas, por vezes em todo o território nacional, sendo certo que o Código de Defesa do Consumidor - CDC cuidou de estabelecer um sistema próprio para essa vocação, como, p.ex., ao insttuir que a sentença fará coisa julgada erga omnes ou ultra partes.
Nessa perspectiva, sempre que o thema decidendum for de âmbito nacional, e o autor da ação tiver representação em todo o país, a princípio deverá haver apenas uma única e exclusiva ação coletiva, com o mesmo objeto e a mesma causa petendi
. A propositura de uma nova ação coletiva idêntica (rectius: a reprositura da mesma ação coletiva) caracteriza irrefragável litispendência. (...)
Nem se poderia, em casos que tais, pretender solução diversa, porque em ambas as ações coletivas replicadas a eficácia da coisa julgada irá operar erga omnes (art. 18, lei n. 4.717/1965 e art. 16 da lei n. 7.347/1985). Se as duas tramitassem em paralelo, e no final uma fosse acolhida e outra rejeitada, qual das duas coisas julgadas assim discrepantes deveria ser atendida? Aí a contraição não seria apenas lógica (com a qual de certo modo procura conviver a ciência processual), mas também prática, e esta é insuportável, na medida em que não se concebem dois comandos incompossíveis, num mesmo espaço-tempo e sobre idêntica matéria: é a face negativa da coisa julgada material, decretando a indiscutibilidade futura sobre o quanto acertado ou atribuído anteriormente, em modo definitivo por uma decisão de mérito." (MANCUSO, Rodolfo de Camargo.
Jurisdição coletiva e coisa julgada:
teoria geral das ações coletivas. 3. ed. rev. ampl. São Paulo: RT, 2012, p. 540 e 541)
Atente-se, além disso, para o julgado que trascrevo abaixo:
DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LICITAÇÃO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. LITISPENDÊNCIA. REMESSA NECESSÁRIA DESPROVIDA. 1. Trata-se de Ação Civil Pública, com pedido de liminar, objetivando a concessão, a moradores de determinadas localidades do Município de Teresópolis, de passes livres e descontos no pedágio localizado no Km 71 da BR 116 trecho Além Paraíba - entroncamento BR 040. 2. Dispõe o art. 301, §2º, que há litispendência quando as ações possuem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.
Por sua vez, a Lei n. 7.347/85 aponta que, no caso de Ações Civis Públicas, o determinante para configurar a conexão, litispendência, coisa julgada e demais institutos correlatos, é o objeto e causa de pedir e não as partes, podendo o polo ativo não ser o mesmo processualmente, mas sim materialmente em face da sua legitimação extraordinária, disjuntiva e concorrente
. 3. Patente a litispendência constatada entre a presente demanda e a Ação Civil Pública n. 2004.51.15.000683-7, proposta pelo Ministério Público Federal contra a Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT, União Federal, Concessionária Rio-Teresópolis S/A - CRT e Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes - DNIT, pois esta objetiva beneficiar com a isenção do pedágio não apenas os moradores de determinadas localidades do Município de Teresópolis, mas sim todos os seus munícipes, ou seja, possui um pedido mais amplo que a presente Ação Civil Pública. 4. Remessa Necessária desprovida.(REMESSA 00001015020054025115, G. DIEFENTHAELER, TRF2.)
REMESSA NECESSÁRIA. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO POPULAR. PARALISAÇÃO DE OBRAS IRREGULARES EDIFICADAS EM VIA PÚBLICA E EM ÁREAS VERDES. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA COM O MESMO OBJETO. LITISPENDÊNCIA. CONFIGURAÇÃO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. SENTENÇA CONFIRMADA. 1.
Para a configuração de litispendência é necessário que ocorra a tríplice identidade entre as ações: mesmas partes, causa de pedir e pedido ( CPC, art. 337, parágrafos 1º ao 3º). 2. Conforme já decidido de maneira reiterada pelo STJ, nas ações coletivas, para análise da configuração de litispendência, a identidade das partes deve ser aferida sob a ótica dos possíveis beneficiários do resultado das sentenças, tendo em vista tratar-se de substituição processual por legitimado extraordinário
. (STJ, REsp n. 1.726.147/SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, DJe de 21/5/2019). 3. Há que se reconhecer, no caso, a litispendência entre a presente ação popular e a Ação Civil Pública nº 1000597-03.2017.4.01.3100, tendo em vista a identidade de causa de pedir (possíveis irregularidades nas obras realizadas em via pública e nas áreas verdes da comunidade), pedido (paralisação dessas atividades) e dos possíveis beneficiários de ambas as ações, notadamente os moradores da comunidade de Pedrinhas, do município de Macapá/AP, sendo certo, ademais, que, por ocasião da extinção da demanda popular, a ação civil pública já havia sido julgada procedente pelo mesmo juízo de origem. 4. Confirmação da sentença que extinguiu o processo sem resolução do mérito, com fundamento no art. 485, V, do CPC, cuja higidez é reforçada em virtude da ausência de recurso voluntário. 5. Remessa necessária a que se nega provimento. (TRF-1 - REO: 10084436620204013100, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO COSTA, Data de Julgamento: 15/03/2023, 5ª Turma, Data de Publicação: PJe 20/03/2023 PAG PJe 20/03/2023 PAG)
No que toca à identidade das partes, o Superior Tribunal de Justiça tem enfatizado que
“
nas ações coletivas, para análise da configuração de litispendência, a identidade das partes deve ser aferida sob a ótica dos possíveis beneficiários do resultado das sentenças, tendo em vista tratar-se de substituição processual por legitimado extraordinário
.”
(STJ, REsp n. 1.726.147/SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, 4. Turma, DJe de 21/5/2019).
Atente-se, ademais, para os seguintes julgados:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA E AÇÃO POPULAR. LITISPENDÊNCIA ENTRE AÇÕES COLETIVAS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA E AÇÃO POPULAR. ADMISSIBILIDADE. AUTORES ATUAM COMO SUBSTITUTOS PROCESSUAIS DOS TITULARES MATERIAIS DO DIREITO COLETIVO LATO SENSU TUTELADO. COLETIVIDADE DOS MUNÍCIPES DE CARPINA. 1. Na hipótese dos autos, incontroversa a existência de identidade de pedido e de causa de pedir, não só porque reconhecida pelo acórdão recorrido, mas também porque tal identidade é expressamente admitida pelo próprio recorrente, que somente se insurge contra o reconhecimento da litispendência, por entender que esse pressuposto processual negativo exigiria também a identidade de partes processuais. 2.
Outrossim, a tese do recorrente não prospera, pois contrária à doutrina e jurisprudência consolidada do STJ, consoante a qual nas ações coletivas, para efeito de aferição de litispendência, a identidade de partes deverá ser apreciada sob a ótica dos beneficiários dos efeitos da sentença, e não apenas pelo simples exame das partes que figuram no polo ativo da demanda, ainda que se trate de litispendência entre ações coletivas com procedimentos diversos, como a Ação Civil Pública (procedimento regulado pela Lei 7.347/1985; Ação Popular (procedimento regulado pela Lei 4.717/1965); pelo Mandado de Segurança (procedimento regulado pela Lei 12.016/2009); pela Ação de Improbidade Administrativa (procedimento regulado pela Lei 8.429/1992), etc
. ( REsp 427.140/RO, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, Rel. p/ Acórdão Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 20/05/2003, DJ 25/08/2003, p. 263; REsp 1168391/SC, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/05/2010, DJe 31/05/2010; REsp 925.278/RJ, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 19/06/2008, DJe 08/09/2008; RMS 24.196/ES, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 13/12/2007, DJ 18/02/2008, p. 46). Finalmente, quanto ao polo passivo, o Sodalício a quo também foi bastante claro ao certificar a identidade de partes. 4. Agravo Regimental não provido. (AgRg no REsp 1505359/PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 22/11/2016, DJe 30/11/2016)
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. AÇÃO COLETIVA. DIREITOS COLETIVOS. IMPETRAÇÃO DE DOIS MANDADOS DE SEGURANÇA POR DUAS ENTIDADES REPRESENTATIVAS DA MESMA CATEGORIA PROFISSIONAL. MESMA CAUSA DE PEDIR. IDENTIDADE PARCIAL DE PEDIDOS. CONTINÊNCIA. CONFIGURAÇÃO. I-
O aspecto subjetivo da litispendência nas ações coletivas deve ser visto sob a ótica dos beneficiários atingidos pelos efeitos da decisão, e não pelo simples exame das partes que figuram no pólo ativo da demanda. Assim, impetrados dois mandados de segurança por associação e por sindicato, ambos representantes da mesma categoria profissional, os substituídos é que suportarão os efeitos da decisão, restando, assim, caracterizada a identidade de partes
. II - Em face da identidade parcial de pedidos, em razão de um ser um mais abrangente que o outro, configura-se a continência, que é espécie de litispendência parcial. III - Inviável, porém, a reunião de processos, tendo em vista que já julgado um deles (Súmula 235/STJ), impondo-se, por conseqüência, a extinção parcial do presente writ na parte em que apresenta o mesmo pedido. Recurso ordinário parcialmente provido, para determinar o retorno dos autos ao e. Tribunal a quo, para que julgue o mandamus. ( RMS 24.196/ES, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 13/12/2007, DJ 18/02/2008, p. 46)
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ASSOCIAÇÃO DE SERVIDORES FEDERAIS. AÇÃO COLETIVA. LITISPENDÊNCIA COM AÇÃO AJUIZADA PELO SINDICATO DA CATEGORIA. IDENTIDADE DE PARTES. DISPENSÁVEL. 1.
Nas ações coletivas, tendo em vista que o polo ativo é composto por representantes do interesse coletivo em discussão, a identidade de partes é irrelevante para a caracterização da litispendência, devendo ser levado em consideração os beneficiários dos efeitos da sentença. 2. Proposta uma ação coletiva por um dos legitimados, aos demais passa a ser vedado propor nova ação com mesma causa de pedir e mesmo pedido, o que a legislação faculta é sua habilitação como litisconsorte à ação em curso
. 3. Apelação improvida. (TRF-4 - AC: 50375981220144047000 PR 5037598-12.2014.404.7000, Relator: NICOLAU KONKEL JÚNIOR, Data de Julgamento: 17/02/2016, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: D.E. 22/02/2016)
ADMINISTRATIVO. AÇÕES COLETIVAS. LITISPENDÊNCIA. Se tratando de ações coletivas e diante da abrangência de representatividade do SINDICATO autor da ação anteriormente ajuizada, a sentença proferida fará coisa julgada erga omnes e abrangerá toda a categoria dos servidores públicos federais do Rio Grande do Sul, o que inclui os substituídos na presente demanda. (TRF4, AC 5070138-75.2012.404.7100, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Luís Alberto D'azevedo Aurvalle, juntado aos autos em 10/12/2015)
ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. LITISPENDÊNCIA.
Para fins de litispendência, a identidade de partes deverá ser apreciada sob a ótica dos beneficiários dos efeitos da sentença, e não apenas pelo simples exame das partes que figuram no polo ativo da demanda
. (TRF4, AC 5037975-08.2013.404.7100, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Sérgio Renato Tejada Garcia, juntado aos autos em 08/09/2015)
ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. LITISPENDÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AÇÃO COLETIVA. SINDICATO. ASSOCIAÇÃO.
O aspecto subjetivo da litispendência nas ações coletivas deve ser visto sob a ótica dos beneficiários atingidos pelos efeitos da decisão, e não pelo simples exame das partes que figuram no pólo ativo da demanda. Assim, interpostas duas ações por associação e por sindicato, ambos representantes da mesma categoria profissional, os substituídos é que suportarão os efeitos da decisão, restando, assim, caracterizada a identidade de partes
. (TRF4, AC 5015767-44.2010.404.7000, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Luís Alberto D'azevedo Aurvalle, juntado aos autos em 17/06/2014)
Como bem explicitou o Tribunal Regional da 4. Região,
"A tutela jurisdicional coletiva, por suas características próprias, não autoriza a aplicação literal do art. 301, § 2º do CPC. A coincidência de partes é relativizada em face da atribuição de legitimidade ativa extraordinária (substituição processual) a diversos entes na defesa de interesses coletivos latu sensu. Nesses casos o polo ativo não é composto por uma pessoa, mas por um mero representante do interesse coletivo em discussão.
Assim, a coincidência pessoal é dispensável para configurar-se a litispendência, bastando a coincidência de causa de pedir e pedido. Proposta uma ação coletiva por um dos legitimados, aos demais passa a ser vedado propor nova ação com mesma causa de pedir e mesmo pedido, o que a legislação faculta é sua habilitação como litisconsorte à ação em curso
."
(TRF-4 - AC: 50375981220144047000 PR 5037598-12.2014.404.7000, Relator: NICOLAU KONKEL JÚNIOR, Data de Julgamento: 17/02/2016, 3. TURMA, Data de Publicação: D.E. 22/02/2016).
Conquanto se cuide de uma legitimação autônoma (LEONEL, Ricardo de Barros.
Manual do processo coletivo.
4. ed. SP: Malheiros. 2017. p. 185), é fato que a atuação das associações, na forma do art. 5º, V, da lei n. 7.347/1985, se justifica por força do seu reconhecimento enquanto uma espécie de corpos intermédios ou grupos de interesse, com propenção para suscitar, perante o Poder Judiciário, debates no interesse da coletividade.
Isso significa que, no âmbito de demandas coletivas,
class actions
e ações civis públicas, a identidade entre demandas não se dá nos exatos termos do art. 337, §2º, CPC/15, já referido
.
Pode haver litispendência entre tais demandas, mesmo quando deflagradas por entidades distintas - veiculando a mesma pretensão -, dada a propensão a se ensejar coisa julgada
erga omnes.
Caso fosse afastada a litispendência, em casos tais, haveria o risco de liberações conflitantes, atingindo os mesmos destinatários; sentenças proibindo e sentenças permitindo a mesma prática, ensejando antagonismo normativo gerador de perplexidades e confusão.
No caso em exame, cuida-se de demanda singular. Não há registro de
bis in idem
na situação em apreço.
2.11. Eventual suspensão da demanda:
Não diviso a presença dos requisitos que ensejariam eventual suspensão do processo, nesta etapa da causa, por conta de alguma questão prejudicial - art. 313, Código de Processo Civil/15: "
Suspende-se o processo: (...) V -
quando a sentença de mérito: a) depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente
; b) tiver de ser proferida somente após a verificação de determinado fato ou a produção de certa prova, requisitada a outro juízo. (...) § 4 O prazo de suspensão do processo nunca poderá exceder 1 (um) ano nas hipóteses do inciso V e 6 (seis) meses naquela prevista no inciso II. §5 O juiz determinará o prosseguimento do processo assim que esgotados os prazos previstos no §4."
A respeito dos aludidos preceitos, convém registrar aqui a análise detida promovida por Araken de Assis:
"Prejudicial externa civil – A hipótese mais frisante de suspensão do processo em razão de prejudicialidade externa homogênea é a prevista no art. 313, V, a, do NCPC.
Toda vez que o julgamento do mérito “depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente”, o juiz suspenderá o processo
. Derivações dessa regra avultam na possibilidade de o relator suspender os processos que dependam do julgamento da ação declaratória de constitucionalidade (art. 21 da Lei 9.868/1999) e da arguição de descumprimento de preceito fundamental (art. 5.º, § 3.º, da Lei 9.882/1999) – não, porém, a suspensão em decorrência do incidente de resolução das demandas repetitivas ou do julgamento do recurso extraordinário e do recurso especial repetitivos: a questão aí julgada é principal. O art. 313, V, a, trata da suspensão por causa prejudicial, que é a aptidão da prejudicial em tornar-se objeto litigioso em outro processo.
Fica evidente da redação da norma que a prejudicial é externa, porque há de consistir em “objeto principal de outro processo”. Não importa a circunstância de a questão prejudicial consistir no objeto originário do outro processo (v.g., A postula a invalidade do contrato firmado com B, mas B pleiteia o cumprimento da prestação devida por A) ou decorrer do alargamento desse objeto, por força de declaração incidente (v.g. B pleiteou de A, no primeiro processo, o principal da dívida, mas A reagiu pleiteando a declaração incidente da validade do contrato; no segundo processo, B pleiteia de A os juros da dívida). Importa a resolução da questão comum no outro processo, com autoridade de coisa julgada. E, nesse caso, o vínculo produzido na causa subordinante estender-se-á à causa subordinada ou, vencido o prazo máximo de suspensão – hipótese mais do que provável, vez que o interregno de um ano (art. 313, § 4.º) é muito curto, pressupondo-se elastério mais dilatado para o julgamento, por forçada ordem cronológica do art. 12, e o trânsito em julgado –, sobre a deliberação incidental na causa subordinada não recairá a coisa julgada (art. 503, § 1.º, III, in fine). Realmente, a questão comum não constitui o objeto principal da causa condicionada. Do contrário, configurar-se-ia um dos efeitos da litispendência, a proibição de renovação de causa idêntica. Cumprirá ao juiz julgá-la vencido o prazo hábil de espera, incidentalmente, apesar dos esforços de concatenação empreendidos pelo expediente da suspensão.
O exemplo ministrado, em que uma das partes pleiteia a decretação da invalidade do contrato e a outra reclama a prestação, releva que tampouco importa a diversidade da força da ação (declarativa, constitutiva, condenatória, executiva e mandamental) e a espécie de procedimento. A pretensão de A contra B para decretar a invalidade do contrato tem força constitutiva negativa, a de B contra A para realizar a prestação tem força condenatória. Nada obstante, o primeiro processo funciona como causa prejudicial relativamente à pretensão deduzida no segundo: decretada a invalidade do contrato naquele, fica predeterminado o desfecho deste (improcedência). Evidentemente, havendo a possibilidade de reunir os processos no mesmo juízo (retro, 305), para julgamento simultâneo, por força da conexão (retro, 303), inexiste a necessidade de suspender a causa condicionada, porque os processos conexos serão julgados simultaneamente (art. 55, § 1.º).
O objetivo da suspensão prevista no art. 313, V, a, consiste em evitar a emissão de provimentos conflitantes, logicamente incompatíveis, a respeito da questão prejudicial. Por esse motivo, causa prejudicial envolvendo partes distintas raramente constitui razão bastante para suspender outro processo, por mais relevante que seja a questão comum controvertida em ambos, ressalva feita às hipóteses de o julgamento da causa subordinante produzir efeitos erga omnes, como acontece na ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, § 2.º, da CF/1988). Aliás, essa é uma característica – a falta de identidade de partes – da prejudicial de constitucionalidade, objeto do controle concentrado, todavia alheio à incidência do art. 313, V, a. Em outras palavras, o juiz da causa condicionada não suspenderá o processo em que se controverta norma objeto de controle concentrado de constitucionalidade
. Em tal hipótese, ou o STF concedeu liminar, suspendendo a vigência da norma, e o juiz não poderá aplicá-la; ou não concedeu, e o juiz haverá de aplicá-la no julgamento do mérito, ou não, exercendo o controle difuso. A superveniência do julgamento do STF, pronunciando a inconstitucionalidade, será recepcionado no julgamento do mérito ou, havendo ocorrido o trânsito em julgado, a sentença se tornará inexequível, nas condições do art. 525, § 1.º, III, c/c § 12.
No tocante ao estágio do processo subordinado, a suspensão poderá ocorrer no primeiro e no segundo graus; em particular, “o fato de já ter sido proferida sentença no processo prejudicado não afasta, portanto, a possibilidade de sua suspensão”. Conforme deflui da cláusula final do art. 313, V, a, que alude a “outro processo pendente”, tampouco o estágio do processo subordinante se mostra relevante à suspensão, bastando que subsistam os efeitos da litispendência. Encontrando-se a causa prejudicial no tribunal, por força de apelação, admite-se a suspensão, hipótese em que, presumivelmente, o desfecho ocorrerá dentro do prazo de suspensão
.
Era particularmente difícil a interpretação da regra particular do direito anterior, declarando haver suspensão do processo que “tiver por pressuposto o julgamento de questão de estado, requerido como declaração incidente” (art. 265, IV, c, do CPC de 1973). A esse propósito, havia dois termos de alternativa: ou se cuidava de prejudicial externa, caracterizada pelo fato se tratar de questão de estado (v.g., na ação de divórcio, a validade do casamento), hipótese em que incorreria a lei em indesejável redundância; ou se tratava de prejudicial interna, caso em que ocorreria colisão com o sistema da declaração incidente, e, pior, nenhuma justificativa plausível para suspender o processo, pois o juiz da causa resolverá conjuntamente a questão prejudicial, e, conforme o teor da resolução, passando ou não à análise da questão prejudicada. Essa situação constitui simples subespécie da regra geral do art. 313, V, a, do NCPC. É digno de nota a possibilidade de o juízo não exibir competência em razão da matéria para julgar questões de estado em caráter principalmente, hipótese em que a resolução incidental porventura tomada não se revestirá de auctoritas rei iudicate, nos termos do art. 503, § 1.º, III." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro:
volume II. Tomo II. Parte geral: institutos fundamentais. São Paulo: RT. 2015. p. 809 e ss.)
No caso em apreço, não diviso a presença de causas ensejadoras da suspensão desta demanda, a exemplo de cogitada necessidade de se aguardar a evolução de algum outro processo
. Tampouco foi determinada a suspensão em alguma demandada suscetível de produzir tal efeito, a exemplo do disposto no art. 982, do Código de Processo Civil/2015. Ressalvo eventual novo exame do tema, caso a tanto instado.
2.12.
Legitimidade das partes - considerações gerais:
As questões alusivas à pertinência subjetiva tangenciam, não raro, o próprio mérito da causa. Nosso sistema ainda se vincula à concepção eclética de Enrico Túlio Liebman, quem distinguia os chamados pressupostos processuais, as condições para o válido exercício do direito de ação e, por fim, as questões de mérito. O problema é que, no mais das vezes, os temas próprios ao mérito (procedência/improcedência da pretensão deduzida na inicial) e os temas próprios às condições da ação (legitimidade/ilegitimidade, possibilidade do pedido) não podem ser distinguidos de uma forma absolutamente precisa e sem ambiguidades.
Segundo se infere do seu 'Tratado das ações', Pontes de Miranda promovia uma distinção entre a ação em sentido material - como uma espécie de projeção do direito subjetivo - ainda vinculada à concepção imanentista do direito civil antigo, de um lado, e a ação em sentido processual, de outro. Com base nessa diferenciação pontiana, é que o desembargador gaúcho Adroaldo Furtado Fabrício tem criticado a teoria eclética de Liebman, ao enfatizar que as
'condições da ação' também cuidariam, no geral, do mérito da pretensão
(saber se a parte é legítima é, de certa forma, um exame conexo ao mérito: saber se ela poderia ser demandada, se estaria obrigada a indenizar etc).
Confira-se com a leitura do texto FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Extinção do Processo e Mérito da Causa
in
OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de (org).
Saneamento do processo:
Estudos em homenagem ao Prof. Galeno Lacerda. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1990. p. 33. Em outras palavras, deve-se aferir a pertinência subjetiva dos requeridos, tendo-se em conta a causa de pedir detalhada na peça inicial.
De todo modo, em sentido pontualmente distinto, e por conta dos dispositivos do Código de Processo Civil em vigor, atente-se para a lição de Araken de Assis:
"
A legitimidade não condiciona a ação, como quer a opinião há pouco exposta, haja vista um motivo trivial: a sua falta jamais impedirá a formação do processo. A pessoa que toma a iniciativa de provocar o órgão judiciário, seja quem for, cria a relação processual, embora fadada a perecer através de juízo de admissibilidade negativo – item que constitui pressuposto lógico e cronológico do exame do mérito
. Legitimidade é, descansando no direito material, problema distinto do juízo acerca do caráter fundado ou infundado da pretensão deduzida contra o réu. A demanda movida por alguém sem legitimidade é inadmissível, e, não, infundada. Sentença terminativa desse teor limita-se a repelir, a partir dos dados ministrados pelo direito material, sempre in status assertionis, a habilitação da parte para conduzir o processo, relativamente ao objeto litigioso alegado. Aos esquemas abstratos, traçados na lei, gerando tal capacidade, chamam-se de situações legitimadoras. Portanto, a dissociação entre o sujeito da lide e o do processo evidencia a verdadeira natureza da legitimidade e a situa no lugar próprio no conjunto das questões submetidas à apreciação do órgão judicial. É um pressuposto processual preenchido mediante a simples enunciação do autor.
Ninguém se atreverá a reputar respeitante ao mérito eventual juízo quanto à inexistência, em determinado caso concreto, do título legal para alguém pleitear em juízo direito alheio
. Descontada a errônea concepção que ilegitimidade do autor obsta à formação do processo, o art. 485, VI, houve-se com acerto ao situar o problema fora do mérito."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. SP: RT. 2015. p. 178).
2.13. Legitimidade das partes - caso em exame:
No presente processo, a impetrante deduziu pretensão em nome próprio, quanto a interesses próprios, não incorrendo na vedação do art. 18 do CPC/15. Sustentou fazer jus ao cancelamento de anotação do seu nome junto ao CADIN e postulou a expedição de certidão de regularidade fiscal
.
Por outro lado, no mandado de segurança, a pretensão deve ser endereçada em favor do servidor do poovo encarregado de cumprir ou fazer cumprir eventual ordem judicial concessiva da segurança. Com efeito, a autoridade federal é definida no art. 2º da lei 12.016:
"
Considerar-se-á federal a autoridade coatora se as consequências de ordem patrimonial do ato contra o qual se requer o mandado houverem de ser suportadas pela União ou entidade por ela controlada
."
No presente caso, em primeiro exame, as autoridades impetradas guardam legitimidade para a presnte demanda, dado que parecem ter aptidão para cumprir eventual sentença concessiva da segurança, porventura transitada em julgado.
2.14. Litisconsórcio necessário - considerações gerais:
Por outro lado, reitero que o litisconsórcio previsto inicialmente no art. 47, CPC/1973 e atualmente no art. 114, CPC/2015, decorre da lógica do
inauditus damnare potest,
imposto pelo art. 5º, LIV e LV, CF. A sentença apenas faz coisa julgada entre as partes, conforme art. 506, CPC/15, exceção feita à regra do art. 109. CPC/15.
Ora, justamente por força da necessidade de que as decisões judiciais sejam consistentes, é que o Código de Processo civil obriga o demandante, em determinados casos, a orientar a sua pretensão contra todas as pessoas intimamente vinculadas a determinado evento (causa de pedir). Busca-se, com isso, inibir soluções judiciais contraditórias, ao mesmo tempo em que também se otimiza a prestação jurisdicional e se assegura o postulado
nemo inauditus damnare potest.
Reporto-me à lição de Luís Marinoni e Sérgio Arenhart:
"Em princípio, a determinação da formação do litisconsórcio necessário vem estipulada no caput do art. 47, CPC, que afirma que há litisconsórcio necessário quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes. Portanto, da leitura desse artigo tem-se que duas causas podem gerar o litisconsórcio necessário; a lei ou a natureza da relação jurídica.
E, somando-se a isso, para a caracterização da necessidade da formação do litisconsórcio, será necessário que essas causas exijam que o juiz julgue o litígio de maneira uniforme para todas as partes (rectius, litisconsortes). Note-se, porém, que a redação do dispositivo é bastante defeituosa, podendo levar à conclusão de que as figuras do litisconsórcio necessário e unitário identificam-se, ou melhor, que o litisconsórcio unitário deve ser necessário e que o litisconsórcio necessário deve ser unitário
.
Nem sempre, porém, assim será. Imagine-se a hipótese em que a lei obriga, por qualquer causa, a formação de determinado litisconsórcio, ainda que a questão não precise, necessariamente, ser resolvida de maneira idêntica para todos os litisconsortes. Pense-se na hipótese da ação popular, em que a lei determina que devam ser citados para a ação todos aqueles que direta ou indiretamente tenham contribuído, por ação ou omissão, para a edição do ato inquinado como ilegal (art. 6º da lei 4.717/1965 - lei de ação popular), bem como seus beneficiários diretos. Ninguém duvida que esse é um litisconsórcio simples, não exigindo solução idêntica perante todos os litisconsortes. Não obstante isso, a lei impõe a formação de litisconsórcio. Seria, por acaso, indevida essa exigência do litisconsórcio? Poderia alguém questionar a exigibilidade desse litisconsórcio? Não parece que a resposta possa ser positiva. Em verdade, a exigência da formação do litisconsórcio, no caso, em que a lei o exija, independe do caráter unitário ou não da figura. Impõe simplesmente porque a lei o quer.
Somente na outra hipótese, em que a formação do litisconsórcio decorre da natureza da relação jurídica, é que efetivamente tem algum interesse a questão da unitariedade ou não da figura
. Aqui, sim, é possível que, diante da necessidade de que a solução da causa seja idêntica para várias pessoas, imponha-se o litisconsórcio ainda que a lei não o determine. E, como já visto, a unitariedade do litisconsórcio decorre não apenas do fato de que a sentença deve decidir a questão de forma uniforme para todos os litisconsortes, mas, sobretudo, da ideia de que essa imposição decorra da unitariedade da relação jurídica material deduzida em juízo. Vale dizer: no litisconsórcio unitário, exige uma relação jurídica material (cuja afirmação é o objeto da demanda) que possui vários sujeitos em um dos pólos. Pense-se no caso de um imóvel que possua vários coproprietários. Ou no negócio jurídico celebrado por marido e mulher com terceiro. Ou ainda em um ato administrativo (por exemplo, uma portaria) complexo, que é emitido por mais de uma entidade. Nesses casos, a relação jurídica material realizada possui, em pelo menos um dos seus pólos, mais de um sujeito. E é precisamente essa pluralidade subjetiva em um dos pólos da relação jurídica material deduzida em juízo que determina, na forma do que prevê o art. 47, CPC (natureza da relação jurídica), o litisconsórcio necessário." (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz.
Processo de conhecimento.
7. ed. São Paulo: RT, 2008, p. 173-174)
Atente-se também para a análise de Marcelo Abelha Rodrigues:
"A necessidade deste tipo de litisconsórcio, prevista no art. 47, CPC, decorre ou por força de lei, ou por natureza da relação jurídica. Será por força de lei no caso, por exemplo, do art. 6º da LAP, ou ainda no caso do art. 942, II, CPC.
Estaremos diante da segunda hipótese quando se cuidar de ação anulatória proposta contra todos os contratantes. Não se pode ser contra apenas um deles, pois a natureza da relação jurídica requer que possuam a mesma decisão. Outro exemplo, por força da lei, é o previsto no art. 10, §2º, CPC
."
(RODRIGUES, Marcelo Abelha.
Elementos de direito processual civil.
vol. 1. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 296)
O litisconsórcio pode ser necessário ou facultativo, no que toca à obrigatoriedade da sua formação. Também pode ser unitário ou simples, quanto à solução a ser dispensada às partes.
Como cediço, o litisconsórcio é facultativo quando determinadas pessoas aquiescem em litigar juntas contra um mesmo demandado; ou quando o autor endereça, a um só tempo, pretensões contra várias pessoas, desde sejam todas legítimas a figurar na causa (art. 17, CPC). A respeito do litisconsórcio necessário, convém atentar para a lição de Nelson Nery Júnior:
"
A obrigatoriedade da formação do litisconsórcio pode ser dada pela lei ou pela relação jurídica. São exemplos de litisconsórcio necessário por disposição de lei: a) CPC 246 §3º, que manda citar os confinantes nas ações de usucapião de imóvel; b) LAP 6º, que manda citar o funcionário que autorizou a prática do ato impugnado, bem como a pessoa jurídica de direito público ou privado a que ele pertence
; c) CPC, art. 76 §1º II, que manda citar ambos os cônjuges em ação na qual se discutam fatos que digam respeito a ambos os cônjuges ou atos praticados por eles (v.g., fiança - CC 1647 III) São exemplos de litisconsórcio necessário por força da relação jurídica: a) todos os partícipes de um contrato, para a ação anulatória do mesmo contrato, porque a sentença que decidir a lide não poderá anular o contrato para um dos contratantes e declará-lo válido para os demais que eventualmente não estivessem no processo como partes. Não sendo obrigatória a formação do litisconsórcio, este se caracteriza como facultativo, cujos casos mais comuns estão enumerados no CPC 113." (NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade.
Comentários ao código de processo civil.
1ª. ed. São Paulo: RT, 2015)
2.15. Eventual litisconsórcio - caso em análise:
Em primeiro exame, não diviso sinais de litisconsórcio passivo necessário, na espécie, na forma do art. 114, art. 115, art. 506, CPC. Conquanto tenha havido menção ao Banco do Brasil na peça inicial, aparentemente a instituição financeira não será atingida por uma eventual sentença concessiva da segurança, nos limites desta causa.
A impetrante postulou o cancelamento da anotação do seu nome junto ao CADIN, cadastro administrado pela União Federal. A emissão de certidão de regularidade fiscal tampouco parece afrontar algum direito/interesse jurídico direto da sociedade de economia mista em causa. Logo, a aplicação do art. 506, CPC, ao caso não dá ensejo à conformação de litisconsórcio necessário.
Cogita-se, porém, da eventual necessidade de que o cônjuge da impetrante figure como parte na demanda, caso tenha também figurado como devedor na inscrição em dívida ativa
. Ao menos por ora, porém, reputo cabível o processamento da peça inicial, tal como redigida.
2.16. Necessidade de intimação da União:
Conquanto a União Federal não seja parte, em primeira instância, no rito dos Juizados, lhe é dado interferir na demanda e complementar as informações que venham a ser prestadas pela autoridade impetrada, conforme art. 7, II, da lei de mandado de segurança (lei n. 12.016/2009).
2.17. Eventual assistência da União Federal:
Ademais para além da aplicação do art. 7, II, LMS, é dado à União, caso seja do seu interesse, atuar como assistente, na forma dos arts. 119 e ss., CPC/15, projeção do art. 50, CPC/1973 e art. 5º da lei 9.469/1997.
De todo modo, enquanto exercício da autonomia - direito formativo gerador -, a assistência não pode ser imposta. Ninguém pode ser obrigado a atuar como assistente de outrem:
"
A assistência se caracteriza pela voluntariedade, ninguém sendo obrigado a assumir essa posição processual
. Mas se a intervenção da União no processo fixou a competência da Justiça Federal para o julgamento da causa, onde ela está tramitando há dez anos, já não é possível que o superveniente desinteresse da União, aferido segundo critérios subjetivos do seu procurador, tenha o efeito de deslocar a demanda para a Justiça Estadual. Se a União já não tem interesse no processo, basta que nele não atue, faltando-lhe legitimidade para interferir no seu andamento."
(EDcl REsp 1998.0013149-3, STJ, 2ª Turma, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ 21.09.1998).
2.18. Interesse processual - considerações gerais:
Por conta do monopólio do uso válido da força - expressão do sociólogo Max Weber -, exceção feita aos casos de legítima defesa, estado de necessidade, desforço
incontinenti
etc., os sujeitos não podem resolver seus conflitos mediante o emprego da violência (art. 345, Código Penal). Destarte, sempre que as controvérsias não sejam solucionadas com base no consenso, na prevalência do melhor argumento ou na simples capitulação de um dos contendores, os interessados devem deduzir suas pretensões perante o Estado, na espera de que haja aplicação isenta, racional e célere da lei (
law enforcement
).
Por imposição constitucional, o Poder Judiciário está obrigado a apreciar a alegação de que haja lesão ou ameaça de lesão a direito (art. 5º, XXXV, CF/88), mecanismo indispensável para que haja
efetivo império da lei
, ao invés da prevalência dos poderes hegemônicos de ocasião. A prestação jurisdicional não se destina, todavia, a emitir meros pareceres ou cartas de intenções.
O ingresso em juízo deve estar fundado, tanto por isso, em uma situação de efetiva necessidade, de modo que a pretensão - caso venha a ser acolhida - se traduza em uma utilidade para o demandante. O meio processual eleito deve ser adequado para tanto. Daí que os processualistas tratem do interesse processual em uma
troika
:
a necessidade, a utilidade e a adequação do meio processual escolhido pela parte. Em acréscimo, o interesse processual deve persistir no curso da demanda, nos termos do art. 17 e art. 85, §10, CPC/15.
Ora,
"Mediante a força declaratória, a aspiração do autor consiste na
extirpação da incerteza
. Deseja tornar indiscutível, no presente e no futuro, graças à autoridade da coisa julgada, a existência ou a inexistência de relação jurídica, a autenticidade ou a falsidade de documento. É o que dispõe, fortemente inspirado no direito germânico e reproduzindo a regra anterior, o art. 19 do CPC/15. Também comporta declaração a exegese de cláusula contratual (Súmula do STJ, n.º 181), ou seja, o modo de ser de uma relação jurídica. Na ação declarativa, ignora-se outra eficácia relevante que a de coisa julgada material.
Neste sentido, a pretensão à declaração representa fonte autônoma de um bem valiosíssimo na vida social: a certeza
. O autor que só pleiteia declaração ao juiz, e obtém êxito, dar-se-á por satisfeito, e cabalmente, desde o curso em julgado da sentença. Então apropria-se do que pedira ao órgão judicial – certeza –, carecendo a regra jurídica emitida de qualquer atividade complementar em juízo. Focalizando o ponto com preciosa exatidão, diz-se que a sentença declaratória é instrumento autossuficiente de tutela jurisdicional, pois assegura, de maneira plena e completa, a efetividade da situação jurídica substancial deduzida em juízo."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro:
volume I. Parte geral: fundamentos e distribuição de conflitos. São Paulo: RT. 2015. p. 675).
Ainda segundo Araken de Assis,
"O provimento declaratório tem nítido caráter prescritivo. A parte adquire o direito incontestável de comportar-se em consonância ao comando sentencial, e, principalmente, não é dado àqueles que se vincularam à declaração impedi-la. A finalidade da ação declaratória da inteligência e do alcance de cláusula contratual é a de prescrever aos parceiros do negócio, sucessivamente, determinada pauta de conduta, independentemente de execução alguma, de que não se cogita e de que não se pode cogitar."
(ASSIS, Araken de.
Obra citada.
p. 676).
Acrescento
"que a certeza implicará a vinculação futura das partes. O provimento exibirá caráter prescritivo para o futuro.
O ato judicial legitima a prática (ou a abstenção) de atos jurídicos ao abrigo e em conformidade com o conteúdo da sentença
. Em geral, a antevisão desse problema provoca o nascimento do interesse. Por assim dizer, o provimento declarativo tem os pés no passado, mas olhar no futuro. É preciso aceitar com reservas, portanto, o julgado da 4.ª Turma do STJ, que assentou: Não é detentor de interesse processual justificador da pretensão declarativa quem não está exposto à possibilidade de dano imediato e concreto. Ora, imediato é o interesse, pois o dano, em sentido amplíssimo, pode ser futuro. Por exemplo, não cabe declarar a inteligência da cláusula contratual em tese; o autor necessitará expor a dificuldade na interpretação da cláusula, os reflexos que este ou aquele entendimento provocará no programa contratual."
(ASSIS, Araken.
Obra citada.
p. 661).
2.19. Interesse processual - caso em exame:
No caso em exame, a impetração deste mandado de segurança se revela necessária, sob a perspectiva da impetrante, eis que ela sustentou que a União teria mantido seu nome registrado junto ao CADIN, além de postular a expedição de certidão de regularidade fiscal. Em primeiro exame, há probabilidade significativa de que sua pretensão seria recusada, se formulada no âmbito extrajudicial. O exaurimento do debate administrativo não é exigido pelo art. 5, XXXV, Constituição. O tema 350, STF, não se aplica ao caso, já que não versa sobre demandas previdenciárias.
Caso a segurança venha a lhe ser concedida, em sentença transitada em julgado, a medida lhe será útil, assegurando-lhe a exportação da madeira em questão. O mandado de segurança se revela adequado ao escopo visado pela impetrante.
2.20. Limites do processamento do mandado de segurança:
O mandado de segurança não viabiliza a realização de dilações probatórias no seu curso. Daí que ele demanda a apresentação, pelo impetrante, de prova pré-constituída, já com a peça inicial. Como diz Sérgio Ferraz, um direito é líquido quando
"
se apresenta com alto grau, em tese, de plausibilidade de seu reconhecimento; e certo aquele que se oferece configurado preferencialmente de plano, documentalmente, sem recurso a dilações probatórias
."
(FERRAZ, Sérgio.
Mandado de segurança.
São Paulo: Malheiros, 2006, p. 34).
Em outras palavras,
"Direito líquido e certo é direito comprovado de plano. Se depender de comprovação posterior, não é líquido nem certo, para fins de mandado de segurança. Evidentemente, o conceito de liquidez e certeza adotado pelo legislador do mandado de segurança não é o mesmo do legislador civil (CC, art. 1533). É um conceito impróprio - e mal-expresso - alusivo à precisão e comprovação do direito quando deveria aludir à precisão e comprovação dos fatos e situações que ensejam o exercício desse direito."
(MEIRELES, Hely Lopes.
Mandado de segurança.
24. ed. São Paulo: Malheiros. 2002. p.36).
Como já anotou o ministro Adhemar Ferreira Maciel, "
A essência do mandado de segurança está em ser ele um processo de documentos (Urkundenprozess), exigindo prova pré-constituída
. Quem não prova de modo insofismável com documentos o que deduz na inicial não tem a condição especial da ação de mandado de segurança. Logo, o julgador não tem como chegar ao mérito do pedido e deve extinguir o processo por carência de ação."
(STJ, RMS n. 4.258-8, DJU de 19.12.1994, p. 35.332).
Isso significa que a condição indispensável para
"o socorro da via excepcional do mandado de segurança é, a par da demonstração do direito líquido e certo, a abusividade ou ilegalidade do ato alvejado ou em perspectiva de ser desfechado, mas isso em instrução prévia e indiscutível."
(FERRAZ, Sérgio.
Obra citada.
p. 46).
Segundo José Miguel Garcia Medina e Fábio Caldas Araújo, a expressão direito líquido e certo
"
deve ser interpretada sistemática e finalisticamente: o ato considerado ilegal ou abusivo é aquele que pode ser demonstrado de plano, mediante prova meramente documental. Tutela-se um direito evidente. Caso exista a necessidade de cognição aprofundada para a averiguação da ilegalidade ou prática do abuso, a situação não permitirá o uso da via estrita do mandado de segurança
."
(MEDINA, José Miguel Garca; ARAÚJO, Fábio Caldas. Mandado de segurança individual e coletivo: comentários à lei n. 12.016/2009. São Paulo: RT, 2009, p. 34-35).
NA ESPÉCIE, registro que a pretensão deduzida neste mandado de segurança somente poderá ser apreciada atentando-se para os elementos de convicção já jungidos aos autos, com a peça inicial, eis que o rito processual adotado pela impetrante não permite a realização de dilações probatórias no seu curso.
2.21. Valor atribuído à demanda:
Como sabido, a toda causa deve ser atribuído algum valor econômico, por força do art. 291, CPC/2015 - projeção do art. 258, CPC/73 -, pois se cuida da base de cálculo da taxa judiciária. Referido valor pode influenciar, em muitos casos, a determinação da competência das unidades judiciais ou o procedimento aplicável, também surtindo reflexos sobre a definição de encargos sucumbenciais.
Trata-se, tanto por isso, de requisito para que a petição inicial seja válida - art. 319, CPC. Como explicita Araken de Assis,
"às vezes, na oportunidade da respectiva fixação (infra, 1.290), o conteúdo econômico real e imediato da pretensão mostra-se inestimável, ou seja, não pode ser quantificado precisamente. Tal circunstância não constitui motivo bastante para eliminar o ônus atribuído ao autor nos arts. 319, V, e 292, caput. É apenas causa de estimação voluntária do autor, pois o art. 291 dispõe expressamente que a toda causa será atribuído valor certo. Nada obstante, a indicação aproximar-se-á, tanto quanto possível, do conteúdo econômico mediato da pretensão. Não há incompatibilidade daquelas regras com a do art. 85, § 8.º. aludindo a causas de valor inestimável. Entende-se por tal as causas desprovidas de conteúdo econômico imediato, como é o caso da ação declaratória, e, por esse motivo, sujeitas à estimação do autor."
(ASSIS, Araken.
Processo civil brasileiro.
Volume II - Tomo I: Institutos fundamentais. SP: RT. 2015. p. 1695)
Convém atentar, tanto por isso, para o art. 292, CPC/15:
"O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será: I - na ação de cobrança de dívida, a soma monetariamente corrigida do principal, dos juros de mora vencidos e de outras penalidades, se houver, até a data de propositura da ação; II - na ação que tiver por objeto a existência, a validade, o cumprimento, a modificação, a resolução, a resilição ou a rescisão de ato jurídico, o valor do ato ou o de sua parte controvertida; III - na ação de alimentos, a soma de 12 (doze) prestações mensais pedidas pelo autor; IV - na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação, o valor de avaliação da área ou do bem objeto do pedido; V - na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido; VI - na ação em que há cumulação de pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; VII - na ação em que os pedidos são alternativos, o de maior valor; VIII - na ação em que houver pedido subsidiário, o valor do pedido principal. § 1º Quando se pedirem prestações vencidas e vincendas, considerar-se-á o valor de umas e outras. § 2º O valor das prestações vincendas será igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado ou por tempo superior a 1 (um) ano, e, se por tempo inferior, será igual à soma das prestações. § 3º O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou ao proveito econômico perseguido pelo autor, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes."
Atente-se novamente para a análise de Araken de Assis:
"É exemplificativa a enumeração dos acessórios. Os juros compensatórios, por exemplo, dificilmente se quadram na figura de penalidade. A correção monetária integra o valor originário do crédito e, nesse aspecto, sua menção no art. 292, corrige o direito anterior. Ressalva feita aos juros moratórios e à correção monetária, verbas implicitamente incluídas no pedido respeitante ao principal (art. 322, § 1.º), e, nada obstante, integrantes do valor da causa, quaisquer outras verbas devem ser objeto de pedido. É o caso, expressis verbis, da cláusula penal moratória ou compensatória e dos juros compensatórios. Omisso que seja o pedido, a respeito da cláusula penal (v.g., o autor quer evitar a controvérsia em torno da interpretação do contrato), tampouco conta-se o respectivo valor. Por óbvio, deixando o autor de pedir os juros moratórios, explicitamente, dificilmente realizará seu cômputo no valor da causa, ensejando a intervenção do órgão judiciário. E os juros vencidos posteriormente ao ajuizamento, automaticamente incluídos na condenação (art. 323), não entram na estimativa da causa.
O custo financeiro do processo (despesas processuais e honorários advocatícios), suportado pelo réu no caso de êxito do autor, não precisa ser computado para apurar o valor da causa. Tais verbas têm caráter eventual e decorrem da lei.
Em face do caráter imperativo do art. 292, I, mostra-se irrelevante a estimativa lançada pelo autor na petição inicial em desacordo com a regra. Prevalecerá o valor da importância reclamada no pedido.
O art. 292, I, aplica-se, por analogia, à pretensão a executar fundada em título judicial ou extrajudicial (infra, 1.292.2.2). O valor da causa é o total do crédito: o principal corrigido, os juros e os demais consectários legais ou contratuais, conforme, aliás, dispõe o art. 6.º, § 4.º, da Lei 6.830/1980. Esse valor constará na planilha aludida no art. 798, I, b, e parágrafo único
.
Também se poderia cogitar do enquadramento da pretensão a executar no art. 292, II, por que pretensão visando ao cumprimento do negócio jurídico, eventualmente consubstanciado em documento dotado de força executiva. O resultado final é idêntico, mas o art. 292, I, avantaja-se ao inciso precedente em ponto decisivo, ao impor um critério simples, direto e analítico ao valor da causa." (ARAKEN, Assis.
Obra citada.
p. 1698 e ss.)
Ora, não se pode perder de vista que o valor atribuído à causa deve corresponder, tanto quanto possível, ao conteúdo econômico da pretensão deduzida na peça inicial, como bem equaciona o art. 292, §3º, CPC/15:
"O juiz corrigirá, de ofício e por arbitramento, o valor da causa quando verificar que não corresponde ao conteúdo patrimonial em discussão ou
ao proveito econômico perseguido pelo autor
, caso em que se procederá ao recolhimento das custas correspondentes."
2.22. Atribuição de valor à causa - demandas em exame.
No presente caso, a impetrante atribuiu ao mandado de segurança o valor de R$ 30.228,98. Aludida valoração se revela adequada, quando confrontada com o conteúdo econômico da pretensão em causa.
2.23. Aptidão da petição inicial:
A impetrante promoveu a narrativa dos fatos que, segundo sustentou, teriam ocorrido e detalhou as fontes normativas que disse serem aplicáveis ao caso. Impugnou a atuação administrativa.
As peças atenderam ao art. 319, CPC/15, de modo a assegurar contraditório e ampla defesa ao requerido. A empresa apresentou os documentos que disse serem suficientes para comprovação do seu alegado direito
(art. 320, CPC).
Isso se aplica a ambos os processos aludidos acima.
2.24. Gratuidade de Justiça - considerações gerais:
No que toca à gratuidade de Justiça, anoto que a Constituição da República dispôs, no seu art. 5º LXXIV, que
"
o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos
."
Essa mesma lógica eclode do art. 24, XIII e do art. 134, Constituição Federal/1988.
Ademais, a Constituição recepcionou a antiga lei 1060/1950, responsável por detalhar as hipóteses do que se convencionou chamar de justiça gratuita.
Registro que o CPC/15 manteve a vigência da norma veiculada no art. 13 da lei 1060/1950 (art. 1072, III,
a contrario senso
), ao tempo em que admitiu o deferimento parcial da gratuidade:
"- Isenção total -
Em princípio, ao litigante interessa forrar-se integralmente do custo financeiro do processo. A isenção total tem por objeto, portanto, o art. 98, §1º, I a IX, ficando suspensa a exigibilidade do dever de reembolsar as despesas suportadas pelo adversário, no todo ou em parte - a perícia requerida por ambas a partes tem seu custo repartido, a teor do art. 95, caput, e, portanto, competiria ao beneficiário reembolsar em parte o vencedor - o pagamento de honorários ao advogado do vencedor, pelo prazo de cinco anos, a teor do art. 98, §3º
.
- Isenção parcial - Mantido pelo art. 1.072, III, NCPC, o art. 13 da lei 1060/1950 subtende a concessão parcial do benefício de gratuidade. Essa possibilidade encontra-se prevista de modo mais nítido no art. 98, §5º, segundo o qual o juiz concederá gratuidade em relação a algum ou a todos os atos processuais. Pode acontecer de o litigante, conduzindo-se segundo os ditames da boa-fé (art. 5º) alegar não dispor de recursos para adiantar, v.g., os honorários do perito, sem dúvida despesa de vulto. Em tal hipótese, o órgão judiciário concederá isenção parcial, provocando a incidência, nesse caso, do art. 95, §2º.
-
Isenção remissória - O art. 98, §5º, in fine, autoriza o juiz a reduzir percentualmente as despesas processuais que incumbe à parte adiantar no curso do processo. O benefício não alivia a parte da antecipação quanto a um ato específico. Limita o benefício à parte da despesa; por exemplo, fixada a indenização da testemunha em 100, o beneficiário paga 50, ficando a parte remanescente postergada para o fim do processo. Saindo-se vencedor o beneficiário, a contraparte cumprirá o art. 492, quanto à parte isentada, e reembolsará o beneficiário da outra metade
.
- Isenção diferida - A isenção parcial do art. 13 da lei 1060/1950 inspirou duas modalidades de diferimento: (a) o pagamento ao final, embora vencido o beneficiário; (b) o pagamento parcelado da despesa, objeto de previsão no art. 98, §6º. Por exemplo a parte não dispõe da totalidade dos honorários do perito arbitrado pelo juiz e, nessa contingência, requer o pagamento em três ou mais parcelas mensais consecutivas. O pagamento ao fim do processo é mais radical. A parte aposta no sucesso, transferindo, secundum eventuam litis, todas as despesas ao adversário. E, não logrando êxito, ficará isenta pelo prazo legal (art. 98, §3º)." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. São Paulo: RT, 2015, p. 535-536)
Quanto aos requisitos para a concessão, reporto-me à análise de Rafale Alexandria de Oliveira: "
Faz jus ao benefício da gratuidade de justiça aquela pessoa com insuficiência de recursos para pagar as custas, despesas processuais e honorários advocatícios (art. 98). Não se exige miserabilidade, nem estado de necessidade, nem tampouco se fala em renda familiar ou faturamento máximos
. É possível que uma pessoa natural, mesmo com boa renda mensal, seja merecedora do benefício, e que também o seja aquele sujeito que é proprietário de bens imóveis, mas não dispõe de liquidez. A gratuidade judiciária é um dos mecanismos de viabilização do acesso à justiça; não se pode exigir que, para ter acesso à justiça, o sujeito tenha que comprometer significativamente a sua renda, ou tenha que se desfazer de seus bens, liquidando-os para angariar recursos e custear o processo."
(OLIVEIRA, Rafael Alexandria in WAMBIER, Teresa Alvim.
Breves comentários ao novo CPC.
São Paulo: RT, 2015, p. 359)
Convém atentar, ademais, para a avaliação de Araken de Assis:
"
À concessão do benefício, nos termos postos no art. 98, caput, fundamentalmente interessa não permitir a situação econômica da parte atender às despesas do processo. É irrelevante a renda da pessoa, porque as causas podem ser vultuosas e sem recursos para ela o interessado. Igualmente, nenhum é o relevo da existência de patrimônio
. E, de fato, se mesmo tendo um bem imóvel, os rendimentos da parte não lhe são suficientes para arcar com custas e honorários sem prejuízo do sustenta, tal propriedade não é empecilho à concessão da gratuidade. Parece pouco razoável exigir que alguém se desfaça de seus bens para atender ás despesas do processo. Nada assegura, a fortiori, o retorno à situação patrimonial anterior, em virtude do desfecho vitorioso do processo. (...) Funda-se o benefício da gratuidade numa equação econômica: a noção da necessidade decorre da inexistência de recursos financeiros, apuradas entre a receita e a despes, capazes de atender o custo da demanda. Considera-se a situação atual da pessoa, mostrando-se irrelevante a sua antiga fortuna, dissipada ou perdida nos azares da vida."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. São Paulo: RT, 2015, p. 549)
Note-se também que o TRF4 consolidou sua jurisprudência, enfatizando que a gratuidade de Justiça haveria de ser deferida a quem receba remuneração mensal líquida inferior ao teto de benefícios do RGPS, atualmente definido em
R$ 7.507,49
, conforme Portaria Interministerial MPS/MF Nº 26, de 10 de janeiro de 2023.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. HIPÓTESES DE CABIMENTO. COMPLEMENTAÇÃO. NECESSIDADE. BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. RENDIMENTOS SUPERIORES AO TETO DOS BENEFÍCIOS DO RGPS. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. REVOGAÇÃO MANTIDA. RESULTADO DO JULGAMENTO INALTERADO. 1. São cabíveis embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; suprir omissão ou corrigir erro material, consoante dispõe o artigo 1.022 do Código de Processo Civil. 2.
A Terceira Turma adota como critério de concessão/manutenção do benefício da gratuidade judiciária o fato de a parte auferir renda inferior ao teto dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, pois mostra-se razoável presumir a hipossuficiência nessas hipóteses. 3. Para o deferimento da mencionada benesse, devem ser apurados os rendimentos líquidos da parte interessada e considerados, para tal fim, apenas, os descontos obrigatórios/legais (tais como Importo de Renda, Contribuição Previdenciária e pensão) e, excepcionalmente, gastos com saúde (apurada a gravidade da doença no caso concreto e os gastos respectivos, ainda que não descontados em folha de pagamento)
. 4. Caso em que acolhidos, em parte, os embargos de declaração, para complementar o decisum no ponto referente à revogação do benefício da justiça gratuita, sem alteração de resultado. (TRF-4 - AC: 50021421220124047116 RS 5002142-12.2012.4.04.7116, Relator: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 28/01/2020, TERCEIRA TURMA)
Aludido entendimento foi reiterado pelo TRF4, ao julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas nº 5036075-37.2019.4.04.0000.
INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. ACESSO À JUSTIÇA. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. DISTINÇÃO. CRITÉRIOS. 1. Conforme a Constituição brasileira, "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos". 2. Assistência jurídica integral configura gênero que abarca diferentes serviços gratuitos, a cargo do poder público, voltados a assegurar a orientação, a defesa e o exercício dos direitos. 3. A consultoria jurídica gratuita é prestada pelas Defensorias Públicas quando do acolhimento dos necessitados, implicando orientação até mesmo para fins extrajudiciais e que nem sempre redunda na sua representação em juízo. 4. A assistência judiciária gratuita é representação em juízo, por advogado não remunerado, realizada pelas defensorias públicas e também advogados conveniados com o Poder Público ou designados pelo juiz pro bono. 5. A gratuidade de justiça assegura a prestação jurisdicional independentemente da realização dos pagamentos normalmente exigidos para a instauração e o processamento de uma ação judicial, envolvendo, essencialmente, custas, despesas com perícias e diligências e honorários sucumbenciais. 6. Nos termos das Leis 9.099/95, 10.259/01 e 12.153/19, o acesso à primeira instância dos Juizados de pequenas causas é gratuito, o que aproveita a todos, indistintamente. 7. O acesso à segunda instância dos juizados, às Varas Federais e aos tribunais é oneroso, de modo que depende de pagamento ou da concessão do benefício da gratuidade de justiça. 8. A Corte Especial, por ampla maioria, definiu que faz jus à gratuidade de justiça o litigante cujo rendimento mensal não ultrapasse o valor do maior benefício do Regime Geral de Previdência Social, sendo suficiente, nessa hipótese, a presunção de veracidade da declaração de insuficiência de recursos, que pode ser afastada pela parte contrária mediante elementos que demonstrem a capacidade econômica do requerente. 9. Rendimentos mensais acima do teto do Regime Geral de Previdência Social não comportam a concessão automática da gratuidade de justiça. A concessão, em tais casos, exige prova a cargo do requerente e só se justifica em face de impedimentos financeiros permanentes. A par disso, o magistrado deve dar preferência ao parcelamento ou à concessão parcial apenas para determinado ato ou mediante redução percentual. (TRF4 5036075-37.2019.4.04.0000, Corte Especial, Relator Leandro Paulsen, juntado aos autos em 07/01/2022)
D'outro tanto, o CPC/15 manteve a lógica do art. 12 da lei 1060/1950, de modo que a concessão do benefício não implica efetiva exoneração da obrigação de recolher despesas e pagar honorários sucumbenciais (incabíveis, porém, no rito do mandado de segurança), observado o prazo suspensivo previsto, agora, no art. 98, §2º, CPC/15 (05 anos).
O detalhe está no fato de que, como registrei acima, nos termos do art. 98, §5º, CPC/15,
"
A gratuidade poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento
."
Anote-se que a Constituição preconiza que o postulante demonstre a incapacidade para o pagamento (art. 5º, LXXIV, CF). Aliás, como bem expressa Araken de Assis,
"A dispensa de o postulante da gratuidade, cuidando-se de pessoa natural, produzir prova documental do seu estado de necessidade provocou efeito colateral de graves reflexos. Fica o respectivo adversário em situação claramente desvantajosa. É muito difícil, a mais das vezes, e na imensa maioria dos litígios civis, a parte contrária reunir prova hábil da equação entre receita e despesa que gera a figura do necessitado. Enfraqueceu-se, em suma, o controle judiciário desse dado. A concessão do benefício é automática, e, na prática, simultaneamente irreversível, por força da inutilidade dos esforços em provar o contrário."
(ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
Volume II. Tomo I. Parte geral. Institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, p. 559).
2.25. Gratuidade de Justiça - caso em exame:
No caso em apreço, a autora postulou a gratuidade de Justiça, declarando-se hipossuficiente em termos econômicos. Isso atende ao art. 99, §2, Código de Processo Civil. DEFIRO-LHE, pois, aludida medida, por mais que ela surta reduzidos efeitos no âmbito dos Juizados, diante da exoneração de honorários sucumbenciais no seu âmbito - art. 25, LMS.
2.26. Decadência do direito à impetração:
Examino aqui a cogitada decadência do direito à impetração -
um tema processual
-, o que não se confunde com eventual decadência do direito invocado na peça inicial. Como sabido, o art. 23 da lei do mandado de segurança - lei n. 12.016/2009 - estipula o lapso decadencial de 120 dias corridos, contados da data em que a parte tomou conhecimento da lesão ao seu interesse.
Convém atentar, por sinal, para a súmula 429, do Supremo Tribunal:
"
A existência de recurso administrativo com efeito suspensivo não impede o uso do mandado de segurança contra omissão da autoridade
."
Ademais, nos termos da súmula 430, STF,
"Pedido de reconsideração na via administrativa não interrompe o prazo para o mandado de segurança."
Já a súmula 632, STF, preconiza que
"
É constitucional lei que fixa o prazo de decadência para a impetração de mandado de segurança
."
Por conta disso, eventuais atos tidos por praticados há mais de 120 dias corridos, contados retroativamente da data de ingresso em Juízo, não poderão ser examinados neste
writ.
No caso em análise, a decadência não se operou, o que registro com cognição precária.
2.27. Considerações gerais sobre a antecipação de tutela:
Como sabido, a cláusula do devido processo envolve alguma aporia. Por um lado, o processo há de ser adequado: deve assegurar defesa, contraditório, ampla produção probatória. E isso consome tempo. Todavia, o processo também deve ser eficiente, ele deve assegurar ao titular de um direito uma situação jurídica idêntica àquela que teria caso o devedor houvesse satisfeito sua obrigação na época e forma devidas.
A demora pode contribuir para um debate mais qualificado entre as partes; todavia, também leva ao grande risco de ineficácia da prestação jurisdicional, caso o demandante tenha realmente razão em seus argumentos.
Daí a relevância do prudente emprego da tutela de urgência, prevista nos
arts. 300 e ss. do CPC/15
. Desde que a narrativa do demandante seja verossímil, seus argumentos sejam fundados e a intervenção imediata do Poder Judiciário seja necessária - i.e., desde que haja
fumus boni iuris
e
periculum in mora -
a antecipação da tutela deverá ser deferida.
Sem dúvida, porém, que o tema exige cautela, eis que tampouco soa compatível com o devido processo a conversão da antecipação em um expediente rotineiro, o que violentaria a cláusula do art. 5º, LIV e LV, CF. Ademais, o provimento de urgência não pode ser deferido quando ensejar prejuízos irreversíveis ao demandado (art. 300, §3º, CPC/15). Daí o relevo da lição de Araken de Assis, como segue:
"A tutela de urgência e a tutela de evidência gravitam em torno de dois princípios fundamentais: (a) o princípio da necessidade; e (b) o princípio da menor ingerência.
-
Princípio da necessidade - Segundo o art. 301, in fine, a par do arresto, sequestro, arrolamento de bens, e protesto contra a alienação de bens, o órgão judiciário poderá determinar qualquer outra medida idônea para asseguração do direito. Essa abertura aplica-se às medidas de urgência satisfativas (art. 303, caput): a composição do conflito entre os direitos fundamentais somente se mostrará legítima quando houver conflito real, hipótese em quase patenteia a necessidade de o juiz alterar o esquema ordinário de equilíbrio das partes perante o fator temporal do processo
. A necessidade de o juiz conceder medida de urgência apura-se através da comparação dos interesses contrastantes dos litigantes. Dessa necessidade resulta a medida adequada à asseguração ou à satisfação antecipada em benefício do interesse mais provável de acolhimento em detrimento do interesse menos provável.
- Princípio do menor gravame - O princípio do menor gravame ou da adequação é intrínseco à necessidade. É preciso que a medida de urgência seja congruente e proporcional aos seus fins, respectivamente a asseguração ou a realização antecipada do suposto direito do autor. Por esse motivo, a medida de urgência cautelar prefere à medida de urgência satisfativa, sempre que adequada para evitar o perigo de dano iminente e irreparável, e, na órbita das medidas de urgência satisfativas, o órgão judiciário se cingirá ao estritamente necessário para a mesma finalidade." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
volume II. Tomo II. Parge Geral. São Paulo: RT, 2015, p. 370-371)
Quando se cuide-se, ademais, de pedido em desfavor da Fazenda Pública, a lei 8.437/1992 veda a antecipação de tutela que implique compensação de créditos tributários ou previdenciários
(art. 1º, §5º). A lei do mandado de segurança veda a concessão de liminares com o fim de se promover a entrega de mercadorias, a reclassificação de servidores públicos e o aumento ou extensão de vantagens de qualquer natureza (art. 7º, §2º, lei 12.016).
Registre-se que o STF já se manifestou sobre a constitucionalidade de algumas dessas limitações (lei 9.494/1997), conforme se infere da conhecida ADC 04-6/DF, rel. Min. Sydnei Sanches (DJU de 21.05.1999), com os temperamentos reconhecidos no informativo 248, STF. No âmbito do Direito Administrativo militar, há restrições ao emprego do
writ
, por exemplo, diante do que preconiza o art. 51, §3º, lei n. 6.880/1980, ao exigir o exaurimento da via administrativa.
O juízo não pode antecipar a eficácia meramente declaratória de uma cogitada sentença de procedência. Afinal de contas, a contingência é inerente aos provimentos liminares; de modo que a certeza apenas advém do trânsito em julgado (aliás, em muitos casos, sequer depois disso, dadas as recentes discussões sobre a relativização da
res iudicata
): "
É impossível a antecipação da eficácia meramente declaratória, ou mesmo conferir antecipadamente ao autor o bem certeza jurídica, o qual somente é capaz de lhe ser atribuído pela sentença declaratória. A cognição inerente ao juízo antecipatório é por sua natureza complemente inidônea para atribuir ao autor a declaração - ou a certeza jurídica por ele objetivada."
(MARINONI, Luiz Guilherme.
A antecipação da tutela.
7. ed. SP: Malheiros. p. 55). No âmbito do mandado de segurança, há regras pontuais no
art. 7 da lei n. 12.016/2009
.
2.28. Hipóteses de contraditório postergado:
Em regra, a antecipação de tutela apenas pode ser promovida quando assegurado prévio contraditório ao demandado, conforme art. 5, LIV e LV, CF e art. 7, parte final, CPC.
Isso não impede, todavia, que, em situações excepcionais, o contraditório seja postergado, em face da urgência documentada nos autos
.
PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR PARA DETERMINAR O PROCESSAMENTO DE RECURSO ESPECIAL. POSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS DO FUMUS BONI JURIS E DO PERICULUM IN MORA. 1. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a regra de obstar o recurso especial retido deve ser obtemperada para que não esvazie a utilidade daquele apelo extremo. 2.
O poder geral de cautela há que ser entendido com uma amplitude compatível com a sua finalidade primeira, que é a de assegurar a perfeita eficácia da função jurisdicional. Insere-se aí a garantia da efetividade da decisão a ser proferida. A adoção de medidas cautelares (inclusive as liminares inaudita altera parte) é fundamental para o próprio exercício da função jurisdicional, que não deve encontrar obstáculos, salvo no ordenamento jurídico
. 3. O provimento cautelar tem pressupostos específicos para sua concessão. São eles: o risco de ineficácia do provimento principal e a plausibilidade do direito alegado (periculum in mora e fumus boni iuris), que, presentes, determinam a necessidade da tutela cautelar e a inexorabilidade de sua concessão, para que se protejam aqueles bens ou direitos de modo a se garantir a produção de efeitos concretos do provimento jurisdicional principal. 4. Em tais casos, pode ocorrer dano grave à parte, no período de tempo que mediar o julgamento no tribunal a quo e a decisão do recurso especial, dano de tal ordem que o eventual resultado favorável, ao final do processo, quando da decisão do recurso especial, tenha pouca ou nenhuma relevância. 5. Existência, em favor da requerente, da fumaça do bom direito e do perito da demora, em face da patente contrariedade ao art. 2º, da Lei nº 8.437/92, visto que, na hipótese dos autos, não há necessidade da prévia audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, vez que o ente Municipal sequer figura na relação processual. 6. Medida Cautelar procedente, para determinar o processamento do recurso especial. ..EMEN: (MC 200100113001, JOSÉ DELGADO, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJ DATA:13/05/2002 PG:00150 ..DTPB:.)
Com efeito, citando novamente Araken de Assis, quando enfatiza o que transcrevo abaixo:
"
O processo constitucionalmente justo e equilibrado (faires Verfahren) exige a oportunidade de as partes influírem na atividade do órgão judiciário. O princípio do contraditório, na sua dimensão horizontal, assegura à parte a possibilidade de manifestação acerca das (a) razões de fato, (b) os meios de prova tendentes a demonstrar-lhes a veracidade, e (c) as razões de direito da contraparte
.
O processo criará inexoravelmente uma comunidade de trabalho, sem prejuízo da parcialidade das partes, e o contraditório assume dimensão vertical. Limitará a atuação do órgão judiciário no que concerne à matéria de direito, domínio que lhe toca na qualidade maître du droit -,79 impondo a manifestação prévia das partes sobre (a) a qualificação jurídica dos fatos afirmados, ou dos fatos não alegados, mas constantes dos autos, que o juiz possa considerar relevantes; (b) as normas legais que o juiz entenda aplicáveis à resolução da causa; e (c) as questões que se mostra lícito ao juiz conhecer sem alegação das partes (v.g., as “condições” da ação – legitimidade e interesse processual –, a teor do art. 485, § 3.º). O art. 357, IV, exige a delimitação das questões de direito na decisão de saneamento e de organização do processo para essas finalidades.
A urgência autoriza, entretanto, a postergação do contraditório em certas condições. É o que se infere do art. 300, § 2.º, segundo o qual “a tutela de urgência pode ser concedida liminarmente”. O art. 12, caput, da Lei 7.347/1985 determina o seguinte na ação civil pública: “Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo”. E o art. 7.º, III, da Lei 12.016/2009 estipula que o juiz, no mandado de segurança, ordenará a suspensão incontinenti do ato de autoridade “quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida
." (ASSIS, Araken de.
Processo civil brasileiro.
volume II. Tomo II. Parge Geral: institutos fundamentais. São Paulo: RT, 2015, tópico 1.425).
Outrossim,
"Duas situações autorizam o juiz à concessão de liminar sem a audiência do réu (inaudita altera parte): (a) sempre que o réu, tomando prévio conhecimento da medida, encontre-se em posição que lhe permita frustrar a medida de urgência; (b) sempre que a urgência em impedir a lesão revele-se incompatível com o tempo necessário à integração do réu à relação processual. Essa última hipótese é objeto do seguinte precedente do STJ: “Justifica-se a concessão de liminar inaudita altera parte, ainda que ausente a possibilidade de o promovido frustrar a sua eficácia, desde que a demora de sua concessão possa importar em prejuízo, mesmo que parcial, para o promovente."
(ASSIS, Araken.
Obra citada.
tópico 1.426).
Com efeito,
"
É constitucional a decisão antecipatória de tutela que, liminarmente e adiando a observância do contraditório para momento posterior, concede a antecipação dos efeitos da tutela para homenagear outro direito em voga, cuja preterição se revelar mais danosa
. 2. O perigo de irreversibilidade da medida, não obstante existente no presente caso, não subsiste quando encarado frente ao perigo da demora, o qual milita em favor da parte agravada."
(TJ-PE - AI: 2784312 PE, Relator: Roberto da Silva Maia, Data de Julgamento: 21/05/2013, 1ª Câmara Cível, 29/05/2013).
Note-se, por exemplo, que a compreensão e aplicação do art. 2, da lei n. 8.437, de 1992, não podem implicar inexorável vedação à antecipação de tutela
inaudita altera parte
, sobremodo quando em causa perigo de danos ambientais, dado o alcance do art. 225, da Constituição e legislação correlata. Assim, "
O Superior Tribunal de Justiça tem flexibilizado o disposto no art. 2º da Lei n.º 8.437/92 a fim de impedir que a aparente rigidez de seu enunciado normativo obste a eficiência do poder geral de cautela do Judiciário
."
(REsp 1130031/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, 2.T. DJe 03/08/2010)
Por sinal, "
Excepcionalmente, é possível conceder liminar sem prévia oitiva da pessoa jurídica de direito público, desde que não ocorra prejuízo a seus bens e interesses ou quando presentes os requisitos legais para a concessão de medida liminar em ação civil pública. Hipótese que não configura ofensa ao art. 2º da Lei n. 8.437/1992
."
(AgRg no REsp 1.372.950/PB, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/6/2013, DJe 19/6/2013.)
Sabe-se, pois, que
"
a jurisprudência do STJ tem mitigado, em hipóteses excepcionais, a regra que exige a oitiva prévia da pessoa jurídica de direito público nos casos em que presentes os requisitos legais para a concessão de medida liminar em ação civil pública
(art. 2º da Lei 8.437/92). Precedentes do STJ."
(REsp 1.018.614/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/6/2008, DJe 6/8/2008). Essas considerações se aplicam,
com alguns comedimentos,
ao rito do mandado de segurança, por força do art. 7 da lei n. 12.016/2009.
2.29. Cogitada prescrição e decadência:
Em princípio, no âmbito do mandado de segurança, afastada a cogitada decadência do direito à impetração, resta também afastada a suposição de ter havido prescrição, dado que seus prazos superam, como regra, os 120 dias para distribuição da causa.
No caso, a pretensão da impetrante não foi atingida pela prescrição, dado ser aplicável à situação o lapso de 5 anos, definidos no decreto 20.910/32 e contados na forma da lei 810/49.
Há, ademais, uma diferença entre a decadência do direito à impetração - uma questão processual - e eventual decadência do direito invocado na peça inicial. No caso, aludida decadência da questão de fundo não se operou, dado que não está em causa direito potestativo com prazo para exercício. A parte autora insurgiu-se contra o indeferimento do pedido de licenciamento de exportação de madeiras, deduzindo pretensão mandamental.
2.30. Considerações sobre a
titulação
de domínio:
Ao que se infere da documentação apresentada pela impetrante, o tema suscitado na peça inicial coloca em causa a titulação de domínio.
No seu art. 189, a Constituição Republicana de 1988 estipula que
"Os beneficiários da distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária receberão títulos de domínio ou de concessão de uso, inegociáveis pelo prazo de dez anos. Parágrafo único.
O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil, nos termos e condições previstos em lei
."
D'outro tanto, o art. 18, §3º da lei n. 8.629/1993, com a redação veiculada pelas leis n. 13.001/2014 e 13.465/2017, preconizou o seguinte:
Art. 18. A distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária far-se-á por meio de títulos de domínio, concessão de uso ou concessão de direito real de uso - CDRU instituído pelo art. 7
o
do Decreto-Lei n
o
271, de 28 de fevereiro de 1967.
§ 1
o
Os títulos de domínio e a CDRU são inegociáveis pelo prazo de dez anos, contado da data de celebração do contrato de concessão de uso ou de outro instrumento equivalente, observado o disposto nesta Lei.
§ 2
o
Na implantação do projeto de assentamento, será celebrado com o beneficiário do programa de reforma agrária contrato de concessão de uso, gratuito, inegociável, de forma individual ou coletiva, que conterá cláusulas resolutivas, estipulando-se os direitos e as obrigações da entidade concedente e dos concessionários, assegurando-se a estes o direito de adquirir título de domínio ou a CDRU nos termos desta Lei.
§ 3
o
O título de domínio e a CDRU conterão cláusulas resolutivas e será outorgado ao beneficiário do programa de reforma agrária, de forma individual ou coletiva, após a realização dos serviços de medição e demarcação topográfica do imóvel a ser alienado.
§ 4
o
Regulamento disporá sobre as condições e a forma de outorga dos títulos de domínio e da CDRU aos beneficiários dos projetos de assentamento do Programa Nacional de Reforma Agrária.
§ 5
o
O valor da alienação, na hipótese de outorga de título de domínio, considerará o tamanho da área e será estabelecido entre 10% (dez por cento) e 50% (cinquenta por cento) do valor mínimo da pauta de valores da terra nua para fins de titulação e regularização fundiária elaborada pelo Incra, com base nos valores de imóveis avaliados para a reforma agrária, conforme regulamento.
§ 6
o
As condições de pagamento, carência e encargos financeiros serão definidas em regulamento, não podendo ser superiores às condições estabelecidas para os financiamentos concedidos ao amparo da Lei Complementar n
o
93, de 4 de fevereiro de 1998, e alcançarão os títulos de domínio cujos prazos de carência ainda não expiraram.
§ 7
o
A alienação de lotes de até 1 (um) módulo fiscal, em projetos de assentamento criados em terras devolutas discriminadas e registradas em nome do Incra ou da União, ocorrerá de forma gratuita.
§ 8
o
São considerados não reembolsáveis:
I - os valores relativos às obras de infraestrutura de interesse coletivo;
II - aos custos despendidos com o plano de desenvolvimento do assentamento; e
III - aos serviços de medição e demarcação topográficos.
§ 9
o
O título de domínio ou a CDRU de que trata o caput
poderão ser concedidos aos beneficiários com o cumprimento das obrigações estabelecidas com fundamento no inciso V do art. 17 desta Lei e no regulamento.
§ 10.
Falecendo qualquer dos concessionários do contrato de concessão de uso ou de CDRU, seus herdeiros ou legatários receberão o imóvel, cuja transferência será processada administrativamente, não podendo fracioná-lo
.
§ 11.
Os herdeiros ou legatários que adquirirem, por sucessão, a posse do imóvel não poderão fracioná-lo
.
§ 12. O órgão federal executor do programa de reforma agrária manterá atualizado o cadastro de áreas desapropriadas e das adquiridas por outros meios e de beneficiários da reforma agrária e disponibilizará os dados na rede mundial de computadores.
§ 13. Os títulos de domínio, a concessão de uso ou a CDRU a que se refere o caput deste artigo serão conferidos ao homem, na ausência de cônjuge ou companheira, à mulher, na ausência de cônjuge ou companheiro, ou ao homem e à mulher, obrigatoriamente, nos casos de casamento ou união estável.
§ 14. Para fins de interpretação, a outorga coletiva a que se refere o § 3
o
deste artigo não permite a titulação, provisória ou definitiva, a pessoa jurídica.
§ 15. Os títulos emitidos sob a vigência de norma anterior poderão ter seus valores reenquadrados, de acordo com o previsto no § 5
o
deste artigo, mediante requerimento do interessado, observados os termos estabelecidos em regulamento e vedada a restituição de valores já pagos que eventualmente excedam o valor devido após o reenquadramento.
Publicada em 17 de dezembro de 2018,
a Instrução Normativa INCRA n. 97
tratou dos procedimentos de emissão da titulação provisória e definitiva dos títulos, merecendo destaque o que segue:
Art. 1º Estabelecer, no âmbito do Incra, os critérios e procedimentos para:
I - emissão de instrumentos de titulação provisória e de titulação definitiva em terras de propriedade ou posse do Incra ou da União afetadas a Projetos de Assentamento - PA sob gestão do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - Incra;
II - condições de pagamento e de liberação de cláusulas resolutivas dos contratos firmados ou dos títulos expedidos pelo Incra;
III - critérios e procedimentos para supervisão e regularização ocupacionais nos Projetos de Assentamento de Reforma Agrária.
Parágrafo único. Ao proceder a supervisão ocupacional dos lotes de reforma agrária, o Incra verificará as condições de permanência do beneficiário da Reforma Agrária na parcela ou no lote, bem como verificará se o ocupante não autorizado previamente pelo Incra preenche requisitos para ter a sua ocupação regularizada perante a autarquia.
No art. 2º, XI, da aludida IN 97, o título de domínio foi definido como sendo o
"
instrumento com força de escritura pública, que transfere de forma onerosa ou gratuita e em caráter definitivo, a propriedade da parcela ou lote da Reforma Agrária ao beneficiário, inegociável pelo prazo de dez anos
."
Quanto à titulação, o INCRA estipulou o seguinte, na referida Instrução Normativa 97:
Art. 3º
Realizada a seleção dos beneficiários para o Projeto de Assentamento da Reforma Agrária, que será efetuada conforme normativo específico, após a homologação da família na relação de beneficiários (RB), a família assentada receberá o instrumento de titulação aplicável à área destinada para exploração familiar.
Art. 4º A distribuição de imóveis rurais em Projetos de Assentamento federais será formalizada:
I - em caráter provisório, mediante Contrato de Concessão de Uso - CCU gratuito; e
II - em caráter definitivo, por meio de:
a) Concessão de Direito Real de Uso - CDRU gratuita; ou
b) Título de Domínio -TD oneroso ou gratuito.
Art. 5º
A titulação, provisória ou definitiva, ocorrerá de acordo com a organização socioeconômica e espacial do Projeto de Assentamento, e poderá ser operada nas seguintes modalidades
:
I - individual, com área demarcada;
II - individual, com indicação de fração ideal sobre área coletiva, com ou sem área previamente demarcada;
III - coletiva, com indicação de fração ideal sobre área coletiva, sem área individual demarcada.
§ 1º
A titulação definitiva por meio da CDRU individual ou coletiva, ou por meio de TD na modalidade coletiva, somente será concedida ao beneficiário que a requerer, por manifestação formal, e desde que a soma do total de requerimentos atinja, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) dos interessados de um mesmo projeto de assentamento.
§ 2º Além do percentual mínimo indicado no parágrafo anterior, a solicitação de titulação por meio de CDRU individual ou coletiva ou por meio de TD na modalidade coletiva deverá estar em Ata de Assembleia deliberativa dos beneficiários do projeto de assentamento, constando expressamente quais os interessados pleitearam o instrumento de titulação.
§ 3º Poderá ser conferido mais de um instrumento titulatório provisório ou definitivo, que poderá ter como objeto área contínua ou descontínua, parcelas ou partes de parcelas dentro do mesmo Projeto de Assentamento, ou fração ideal de áreas coletivas.
Art. 6º O contrato de concessão de uso - CCU, a Concessão de Direito Real de Uso - CDRU e o Título de Domínio - TD poderão ser conferidos ao homem, na ausência de cônjuge ou companheira, à mulher, na ausência de cônjuge ou companheiro, ou ao homem e à mulher, vedada a titulação em nome de pessoa jurídica.
§ 1º O CCU é o instrumento celebrado entre o Incra e o beneficiário imediatamente após a homologação da família no processo de seleção, é inegociável e autoriza, de forma provisória, segundo suas cláusulas, o uso e a exploração do imóvel e o acesso às demais políticas do PNRA.
§ 2º O TD e a CDRU são títulos definitivos, inegociáveis pelo prazo de 10 (dez) anos, contados da data de celebração de CCU ou outro instrumento equivalente, sendo regidos pelas cláusulas resolutivas constantes em seu verso, as quais dispõem sobre os direitos e obrigações das partes envolvidas.
§ 3º A emissão de TD ou de CDRU, por si só, não consolida o Projeto de Assentamento, tampouco paralisa ou impede a continuidade da aplicação de políticas públicas voltadas ao público da Reforma Agrária.
Art. 7º Dissolvida a sociedade conjugal, se não for possível o fracionamento do lote, a mulher terá preferência para permanecer no imóvel e assumir os direitos e as obrigações decorrentes do CCU, da CDRU ou do TD que ainda esteja pendente de cumprimento de cláusulas resolutivas, exceto na hipótese de o homem permanecer com a guarda dos filhos menores ou incapazes.
Art. 8º Não será permitido o fracionamento de lotes da Reforma Agrária abaixo da fração mínima de parcelamento, exceto:
I - se o lote estiver em área considerada urbana ou de expansão urbana;
II - se o lote estiver inserido em agrovilas ou em área pararural;
III - se o lote ou parte dele for destinado a instalações para fins de utilidade pública e prestação de serviços de natureza social ou econômica.
Art. 9º Nos casos de constatação de permuta entre parcelas de um mesmo projeto de assentamento ou de assentamentos distintos, desde que não tenha havido nenhuma outra infringência do instrumento ou das normas previstas na presente Instrução Normativa, o Incra poderá promover a regularização da situação dos assentados, com atualização dos registros no SIPRA e juntada da documentação respectiva nos processos individuais dos beneficiários.
Art. 10. A transferência definitiva dos lotes, por meio de CDRU ou de TD, somente será efetuada posteriormente:
I - ao registro da área em nome do Incra ou da União;
II - à realização dos serviços de medição e demarcação dos lotes individuais, ou definição da fração ideal nos casos de área coletiva;
III - ao georreferenciamento e certificação do perímetro do Projeto de Assentamento;
III - à inscrição no Cadastro Ambiental Rural - CAR da área do Projeto de Assentamento;
IV - ao cumprimento das cláusulas contratuais do CCU pelo assentado; e
V- à atualização cadastral do assentado.
Art. 11.
O assentado ficará obrigado a promover a atualização cadastral da unidade familiar a cada 2 (dois) anos, contados da celebração do CCU, da CDRU ou do TD.
§ 1º A atualização cadastral também poderá ser realizada de ofício pelo Incra mediante o cruzamento de bancos de dados oficiais e por meio de chamamento convocando os beneficiários para participação ativa.
§ 2º A não atualização dos dados na forma prevista nesse artigo acarretará o bloqueio da condição de assentado no sistema do Incra.
§ 3º O beneficiário bloqueado não poderá receber qualquer benefício do PNRA até que seja sanada sua atualização cadastral.
§ 4º A atualização cadastral prevista neste artigo deverá ocorrer prioritariamente por meio eletrônico, sendo os dados submetidos a homologação pelo Incra.
Art. 12. Constatado erro sanável em CCU, CDRU ou TD já expedido ou registrado, a Superintendência Regional do Incra providenciará aditamento dos mesmos, por meio de termo aditivo, na forma do Anexo VI.
Art. 13. Na hipótese de alteração da composição da unidade familiar por inclusão de novo integrante cônjuge ou companheiro de beneficiário já homologado, não será necessária nova verificação dos requisitos de elegibilidade.
§ 1º Caso o novo integrante cônjuge ou companheiro não possua os critérios de elegibilidade, o mesmo não poderá acessar os programas e políticas do PNRA.
§ 2º Em sendo solicitado pelo beneficiário, o novo integrante familiar poderá ser inserido nos cadastros do Incra, devendo-se anexar a documentação comprobatória do estado civil, documento de identificação civil com foto e fé pública em todo o território nacional e o Cadastro de Pessoa Física - CPF.
§ 3º A inclusão descrita no caput poderá ser processada por qualquer servidor com acesso ao SIPRA.
§ 4º No caso de casamento ou união estável de beneficiários já contemplados com CCU, a titulação definitiva ocorrerá com a emissão de um único título para cada cônjuge ou companheiro, correspondente ao lote de origem de cada consorte.
Atente-se ainda para os arts. 24 a 26 da IN 97:
Art. 24.
O Título de Domínio - TD é o instrumento, com força de escritura pública, que transfere, de forma onerosa ou gratuita e em caráter definitivo, a propriedade do imóvel da Reforma Agrária ao beneficiário e é inegociável durante o período de dez anos, contado da data de celebração do CCU ou outro instrumento equivalente.
Art. 25. Decorrido o prazo de 10 (dez) anos e cumpridas as condições resolutivas, a propriedade objeto do TD é negociável por ato inter vivos, sendo vedada a incorporação da área titulada a outro imóvel rural cuja área final ultrapasse 04 (quatro) módulos fiscais.
Art. 26. O TD é transferível, antes do prazo de dez anos ou durante a vigência de cláusulas resolutivas, por sucessão legítima ou testamentária.
§ 1º Na hipótese de haver mais de um herdeiro interessado, a transferência do TD se dará mediante inventário judicial ou extrajudicial.
§ 2º Na hipótese de sucessão legítima ou testamentária da propriedade objeto de TD ainda pendente de cumprimento das cláusulas resolutivas, os herdeiros assumirão as obrigações constantes do instrumento titulatório.
§ 3º Eventual renúncia da herança deve constar expressamente de instrumento público ou termo judicial.
Note-se que
"A titulação dos ocupantes aparece no conceito de regularização fundiária e em três de seus objetivos primordiais (arts. 9º e 10, I, II e III , da Lei nº 13.465/17). Na nova legislação, as formas de titulação dos ocupantes foram ampliadas, organizadas e fortalecidas com a criação de novos instrumentos, como a legitimação fundiária. Note-se que muitas formas de titulação foram mencionadas expressamente no art. 15 da Lei 13.465/2017 e, também, no art. 8º do Decreto 9.310/2018. Outras, encontram-se em diferentes dispositivos legais, motivo pelo qual se infere que o rol da lei é meramente exemplificativo.
Promover a regularização fundiária sem realizar a titulação dos ocupantes frustra todo o esforço de aprimoramento do núcleo urbano informal. Depois de oferecer ao núcleo as condições mínimas de habitabilidade, há que se garantir o direito à moradia formal e o direito à propriedade dos ocupantes, que esperaram décadas pela realização do sonho da casa própria. É preciso que se diga que algumas formas de titulação
– como a legitimação fundiária e de posse – somente podem ser aplicadas para imóveis oriundos de um núcleo regularizado, seja na Lei 11.977/2009 , seja na Lei 13.465/2017 . Com efeito, essas espécies de titulação foram criadas especialmente para momentos de crise, utilizando-se de conceitos mais flexíveis e abrangentes, com vistas a permitir a formalização de “situações de fato” já existentes há muito tempo. Observa-se que, alguns instrumentos trazidos pela legislação garantem o direito à propriedade e, outros, somente o reconhecimento da posse. Porém, reconhecer apenas o direito à posse é tratar essa população como cidadãos de segunda classe, sem acesso ao mercado imobiliário formalizado. Como esclarece Bruno Becker: A disseminação de títulos dominiais pode permitir, ainda, a criação de um salutar suporte financeiro para a população agraciada com o benefício do domínio, como ocorre nos países mais desenvolvidos, que possuem linhas de crédito atrativas, escudadas em garantias hipotecárias, que muito podem contribuir para a melhoria da condição de vida da população, conferindo perspectiva de progresso e ascensão a uma camada populacional até então excluída e despreparada para a evolução social."
(PEDROSO, Alberto.
Regularização fundiária urbana e seus mecanismos de
titulação
dos ocupantes:
lei nº 13.465/2017 e decreto nº 9.310/2018. Vol. V. 2022. São Paulo: RT. 2022. capítulo 25).
Menciono ainda o seguinte julgado:
DIREITO CONSTITUCIONAL (AGRÁRIO) E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. MANUTENÇÃO DE POSSE. REFORMA AGRÁRIA. INCRA. PROJETO DE ASSENTAMENTO "BELA VISTA DO CHIBARRO”. CONCESSÃO DE TÍTULO DE DOMÍNIO DEFINITIVO. BENEFICIÁRIO DE CONTRATO DE ASSENTAMENTO. CUMPRIMENTO DAS CLÁUSULAS RESOLUTIVAS NO PRAZO DECENAL. CULTIVO DE CANA-DE-AÇÚCAR NO ASSENTAMENTO NÃO VIOLA OS PRINCÍPIOS DA REFORMA AGRÁRIA. A QUITAÇÃO DE DÉBITOS E RESPECTIVA INDENIZAÇÃO. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A questão que se coloca nos autos da presente apelação diz respeito à pretensão do autor à outorga de título definitivo de domínio do Lote 46, Gleba 01, localizado no Assentamento Bela Vista do Chibarro, o qual integra Programa Nacional de Reforma Agrária, ali assentado desde 26/10/1989. 2.
A Reforma Agrária tem previsão constitucional, com objetivo de propiciar a distribuição de terras pelo Governo Federal para fins de promoção da justiça social e aumento da produtividade agrícola. Da clara dicção do art. 189 da Constituição Federal percebe-se que o lapso de 10 (dez) anos é estabelecido como condição temporal da indisponibilidade do bem
. 3.
O apelante é assentado do lote desde 26 de outubro de 1989, o que demonstra, de forma inequívoca, que não está mais sujeito as condições resolutivas da propriedade a que se referem os artigos 189 da CF/88 e 21 da Lei n. 8.629/1993, ante o decurso de lapso superior a 10 (dez) anos. De acordo com referida legislação, poderá o INCRA anto outorgar o domínio ao parceleiro quando de seu assentamento ou conceder-lhe o uso da gleba, assegurando a ele o direito de adquirir posteriormente o domínio, uma vez preenchidas as condições previstas no § 1º do artigo 18
. 4. O INCRA alega diversas condicionantes que já foram superadas por esta Corte, quando do julgamento de casos análogos. 5. A interpretação trazida pelo INCRA não se presta a desconstituir o direito do impetrante ao afastamento das condições resolutivas, uma vez que a jurisprudência desta Egrégia Corte Regional consolidou-se no sentido de que o lapso de 10 (dez) anos se inicia do fato jurídico que ocorrer primeiro - o contrato de concessão de uso ou a emissão do título de domínio. 6. Também não restou demonstrado nos autos que o apelante tenha arrendado sua parcela à usina de álcool, quer pelo fato de que a exploração do lote em regime de monocultura não é expressamente vedada, seja na lei, seja no regulamento, ou no contrato, mesmo para o agricultor assentado na Reforma Agrária. 7. A prova colhida nos autos demonstrou, ainda, o autor cumpre com os demais requisitos, consistente na obrigação de fixar residência na parcela que lhe foi atribuída e na exploração da terra direta e pessoal pelo assentado e seus familiares, de acordo com as finalidades da reforma agrária. 8. Desse modo, por todos os ângulos analisados, não se vislumbra qualquer violação às cláusulas resolutivas do contrato de assentamento por parte do beneficiário, ora apelante, dispostas na cláusula quarta. 9. No tocante à alegação feita pelo INCRA de não poder ser feita a transferência do domínio definitivo por falta desmembramento da matrícula do imóvel, essa Corte já firmou entendimento no sentido de que tanto a medição, como a demarcação da parcela consistem em obrigações meramente formais, inadimplidas pela própria autarquia federal fundiária. Não se admite à autarquia fundiária se beneficiar se sua própria desídia à concessão do referido título, uma vez que tais medidas deveriam ter sido por ela efetivadas. 10. Aplica-se à espécie, o princípio do tempus regit actum, no que diz respeito à indenização devida pelo assentado, para a outorga do domínio. Considerando que o apelante e sua esposa são beneficiários do Projeto de Assentamento Bela Vista do Chibarro desde maio de 1989, ainda que o contrato de assentamento tenha sido formalizado somente em outubro de 1996, aplica-se à hipótese a regulamentação então vigente, consistente no artigo 18 da Lei n. 8.629/1993, antes das alterações introduzidas pela MP 2.183-56/2001 e do Decreto n. 59.428/1966. 11. Ainda assim se verifica a inegável obrigação de ressarcimento ao INCRA à aquisição do título definitivo de domínio do lote, seja por existir previsão contratual nesse sentido (vide cláusula terceira do contrato de assentamento), ou por determinação legal, conforme se depreende da leitura do artigo 67 do Decreto 59.428/1966. 12. Não subsiste a alegação do Apelante no sentido de que a necessidade de pagamento para aquisição da propriedade tem fundamento somente na Lei de 1993, posterior à sua posse, até porque, a Constituição Federal não admite a gratuidade na forma de alienação do bem público, sendo inviável, inclusive, a usucapião de imóveis públicos (art. 191, parágrafo único da CF). 13. Acerca do valor da indenização a ser paga pelo beneficiário ao INCRA, esta Eg. Turma, por unanimidade e em diversas oportunidades, exarou entendimento no sentido de que deverá ser apurado em fase de liquidação, em conformidade com os termos da Lei nº 8.629/93, da Instrução Normativa nº 69/2011 e do Decreto nº 8.738/2016, com base no valor mínimo estabelecido em Planilha de Preços Referenciais referente à localização do imóvel, elaborada pelo INCRA, em vigor quando da expedição do Título de Domíni e, remanescendo divergência entre as partes em relação ao valor do imóvel rural, poderá o beneficiário, ora apelante, impugná-lo na via administrativa e judicial, em ação própria. 14. Recurso de apelação a que se dá parcial provimento para determinar ao INCRA a outorga do título de domínio definitivo do lote 46 do Assentamento Bela Vista do Chibarro ao apelante José Gregório, mediante pagamento de indenização a ser efetuado pela beneficiária, em valor a ser estabelecido na esfera administrativa, nos termos da fundamentação. (TRF-3 - ApCiv: 00003964720084036120 SP, Relator: Desembargador Federal WILSON ZAUHY FILHO, Data de Julgamento: 01/12/2020, 1ª Turma, Data de Publicação: e - DJF3 Judicial 1 DATA: 10/12/2020)
2.31. Contrato de mútuo feneratício:
Sabe-se que o empréstimo é um contrato em regra unilateral, gratuito, real e personalíssimo em que uma das partes recebe, para usar ou consumir, uma coisa que, depois de certo tempo, deve restituir ou – no caso de ser fungível o objeto – restituir por outra do mesmo gênero, quantidade e qualidade. Sua função econômica está em propiciar, para aquele que não é dono do que necessita, o uso (em regra, mas também a fruição, excepcionalmente) do que lhe pode ser disponibilizado, para a finalidade almejada. As modalidades de empréstimo são o comodato e o mútuo.
O comodato é o empréstimo de bens infungíveis. Nesse contrato, não há transmissão da propriedade do objeto emprestado, devendo-se o comodatário restituir ao comodante - ou seja, o proprietário do bem - exatamente a mesma coisa emprestada, devidamente preservada. Caso não a restitua, por dolo, pode responder por apropriação indébita - art. 168, Código Penal.
Já o mútuo cuida do empréstimo de bens fungíveis. Nesse caso, o objeto do contrato é consumido, em regra, pelo mutuário. Ao receber o objeto, ele se torna seu dono, ao tempo em que se torna devedor do mutuante. Fica obrigada a lhe entregar coisa do mesmo gênero, espécie, com eventuais juros remuneratórios, se pactuados (nesse caso, o mútuo será feneratício). O inadimplemento da obrigação não caracteriza apropriação indébita - dado que o mútuo transmite a propriedade por época da tradição (entrega) do objeto emprestado ao mutuário. Contudo, o mutuário poderá ser demandado, exigindo-se o pagamento do valor pertinente, com os juros remuneratórios, juros moratórios, correção monetária e eventuais multas, quando pactuados.
A diferença entre comodato e mútuo pode ser compreendida da seguinte forma. Se alguém empresta um veículo para uma empresa (comodato) e a empresa acaba falindo, pode requerer a restituição do bem específico, que lhe pertence, ainda que se encontre mantido indevidamente no pátio da massa falida
. Caso, porém, tenha emprestado dinheiro em espécie para essa mesma empresa (ou seja, bem fungível), não poderá requerer que lhe seja entregue a quantia específica - com mesmo número de série das notas emprestadas -, desde logo, ao argumento de ser sua tal quantia. Nesse caso, trata-se de crédito, oponível ao patrimônio da massa falida, devendo se habilitar em lista de credores.
Atente-se para os arts. 586 e 587, Código Civil/2002:
"O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade.
Este empréstimo transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário, por cuja conta correm todos os riscos dela desde a tradição
."
Menciono ainda o que segue:
"
O contrato de mútuo é a modalidade de empréstimo prevista no art. 586 do CC/2002 e seguintes, e diferencia-se do comodato quanto à natureza da coisa em- prestada. Enquanto no comodato se dá o empréstimo de coisa não fungível para uso e posterior devolução (art. 579 do CC/2002 ), no mútuo se dá o empréstimo coisa fungível a fim de que seja consumida e posteriormente substituída por coisa de mesma espécie ou gênero, qualidade e quantidade. Assim dispõe o art. 586
: “Art. 586. O mútuo é o empréstimo de coisas fungíveis. O mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade”.
A fungibilidade de determinado bem é constatada no caso concreto, mas o Código Civil de 2002 oferece alguns critérios: “Art. 85. São fungíveis os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade. Art. 86. São consumíveis os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria substância, sendo também considerados tais os destinados à alienação”.
Nas palavras de Sérgio Covello: “Há mútuo, ou empréstimo de consumo, toda vez que uma parte entrega à outra certa quantidade de coisas fungíveis, que esta última fica autorizada a consumir, arcando com a obrigação de restituir no tempo avençado, não as mesmas coisas, mas em quantidade, gênero e qualidade equivalentes”. Ou, como define Maria Helena Diniz, “o mútuo é o contrato pelo qual um dos contraentes transfere a propriedade de bem fungível a outro, que se obriga a lhe restituir coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade (art. 586 do CC/2002 )”.
Conforme o art. 587 do CC/2002 , o mútuo é um contrato real, visto que somente se aperfeiçoa com a tradição da coisa fungível: “Art. 587. Este empréstimo transfere o domínio da coisa emprestada ao mutuário, por cuja conta correm todos os riscos dela desde a tradição”. A relação contratual, assim, somente se tem por formada com a transferência da propriedade do bem fungível, a fim de que seja consumido e, ao final, substituído por outro.
Sendo a tradição requisito para a formação do contrato de mútuo, a entrega da coisa fungível pelo mutuante (aquele que dá a coisa fungível em empréstimo) é apenas um ato de aperfeiçoamento do contrato, não uma obrigação. Como esclarece Carlos Roberto Gonçalves: “a traditio é, pois, requisito de constituição da relação contratual, sem a qual há apenas promessa de mutuar (pactum de mutuo dando), contrato preliminar que se não confunde com o próprio mútuo”. Uma vez aperfeiçoado o contrato pela tradição da coisa, ali se esgota a atuação do mutuante e, em regra, apenas o mutuário (aquele que toma a coisa em empréstimo) contrai obrigações, como a devolução de coisa de mesmo gênero, quantidade e qualidade. O mútuo também é, desta forma, um contrato unilateral." (
EFING, Antônio.
Contratos e procedimentos bancários à luz do código de defesa do consumidor
. SP: RT. 2015. item 5.4.).
2.32. Cessão de débito:
Ora, como é sabido, a cessão de débitos apenas é admissível quando manifestada prévia e expressa aquiescência do credor, mediante novação subjetiva. Afinal de contas, o patrimônio do devedor original garante o adimplemento da obrigação (art. 591, CPC7/193 e art. 789, CPC/2015), razão pela qual a substituição de obrigados depende da anuência do titular do crédito.
Isso significa que o devedor não pode simplesmente transferir as suas obrigações para terceiros, sem contar com a prévia e expressa aquiescência do credor. Caso o faça, até é possível que se opere uma relação jurídica entre o cedente e o cessionário (isto é, quem porventura assumiu a dívida no nome do outro), mas isso não será oponível, em princípio, ao arrendante ou mutuante, por exemplo:
"É, porém, evidente que o mesmo não ocorre com a cessão de débito, e neste ponto os doutores, mesmo aqueles que a aceitam sem rebuliços, já acentuam a ausência de paralelismo, que as legislações que a disciplinam (suíça e alemã) consagram, pois que as condições de solvência, as possibilidades de cumprimento, etc., variam de pessoa a pessoa, e pode o credor sofrer um prejuízo, direto ou indireto, com a sub-rogação, em um terceiro, das condições de seu devedor. Daí assinalar-se que, se a cessão de crédito dispensa a anuência do devedor e pode operar-se mesmo contra sua vontade (etiam invitus), a transferência da razão debitória exige o acordo do credor para que tenha eficácia."
(PEREIRA, Caio Mario da Silva.
Instituições de Direito Civil.
vol. II. Rio de Janeiro: Forense. p. 259)
Reporto-me também à análise de Sílvio Rodrigues:
"Conceito - A cessão de dívida é o negócio pelo qual o devedor transfere para outra pessoa sua posição na relação jurídica, de modo que esta o substitua na obrigação. Trata-se, em rigor, de substituição em a mesma relação jurídica, pois, caso contrário haveria novação. E é condição de sua eficácia o consentimento do credor.
O problema no direito brasileiro. - O direito brasileiro não cogita, expressamente, da cessão de débito, em face do princípio da liberdade das convenções, nada se opõe a que as partes recorram a esse tipo de negócio, pactuando que se modifique o sujeito passivo de uma relação jurídica obrigacional. Mas, para que tal ocorra, é indispensável haver o consentimento do credor, dos fiadores e dos terceiros proprietários de bens dados em garantia." (RODRIGUES, Sílvio.
Direito Civil:
Parte Geral das Obrigações. 20ª ed., 1991, p. 338)
De todo modo, em determinados casos, pode-se cogitar, quando menos, de pagamento à conta de outrem (arts. 304 e ss., Código Civil).
2.33. Inscrição em dívida ativa:
O art. 53 da lei 4.320/164 dispõe que "
O lançamento da receita é ato da repartição competente, que verifica a procedência do crédito fiscal e a pessoa que lhe é devedora e inscreve o débito desta
."
Transcrevo também o art. 39 da mesma lei:
Art. 39.
Os créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária, serão escriturados como receita do exercício em que forem arrecadados, nas respectivas rubricas orçamentárias
.
§1º - Os créditos de que trata este artigo, exigíveis pelo transcurso do prazo para pagamento, serão inscritos, na forma da legislação própria, como Dívida Ativa, em registro próprio, após apurada a sua liquidez e certeza, e a respectiva receita será escriturada a esse título.
§2º -
Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas, e Dívida Ativa não Tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multa de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, alugueis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de subrogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais
.
§3º - O valor do crédito da Fazenda Nacional em moeda estrangeira será convertido ao correspondente valor na moeda nacional à taxa cambial oficial, para compra, na data da notificação ou intimação do devedor, pela autoridade administrativa, ou, à sua falta, na data da inscrição da Dívida Ativa, incidindo, a partir da conversão, a atualização monetária e os juros de mora, de acordo com preceitos legais pertinentes aos débitos tributários.
§4º - A receita da Dívida Ativa abrange os créditos mencionados nos parágrafos anteriores, bem como os valores correspondentes à respectiva atualização monetária, à multa e juros de mora e ao encargo de que tratam o art. 1º do Decreto-lei nº 1.025, de 21 de outubro de 1969, e o art. 3º do Decreto-lei nº 1.645, de 11 de dezembro de 1978.
§5º - A Dívida Ativa da União será apurada e inscrita na Procuradoria da Fazenda Nacional.
O lançamento também é definido no art. 142, CTN. Anote-se, portanto, que podem ser inscritas em dívida ativa tanto as receitas originárias (tributos) quanto as derivadas. É o que se infere do art. 2º da lei 6.830/1980:
Art. 2º -
Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal
.
§1º - Qualquer valor, cuja cobrança seja atribuída por lei às entidades de que trata o artigo 1º, será considerado Dívida Ativa da Fazenda Pública.
§2º - A Dívida Ativa da Fazenda Pública, compreendendo a tributária e a não tributária, abrange atualização monetária, juros e multa de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato.
Em que pese a amplitude do referido dispositivo, o STJ tem promovido pontuais ressalvas. A jurisprudência enfatiza que o Estado não pode promover a imediata inscrição em dívida ativa de valores pagos indevidamente a título de benefício previdenciário, por exemplo.
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO CONCEDIDO MEDIANTE SUPOSTA FRAUDE. NÃO INCLUSÃO NO CONCEITO DE DÍVIDA ATIVA NÃO TRIBUTÁRIA. EXECUÇÃO FISCAL. VIA PROCESSUAL INADEQUADA. 1.
A jurisprudência do STJ firmou o entendimento de que a Execução Fiscal não é o meio adequado para cobrança de benefícios previdenciários pagos indevidamente, pois o valor respectivo não assume a natureza de crédito tributário e não permite sua inscrição em dívida ativa. 2. Agravo Regimental não provido.
..EMEN: (AGARESP 201200106235, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:22/05/2012 ..DTPB:.)
Ademais, tampouco é cabível a imediata inscrição em dívida ativa, de valores pretendidos pelo Estado por conta de aventada responsabilização civil:
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. DNER. INDENIZAÇÃO POR DANOS AO PATRIMÔNIO DECORRENTES DE ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. PRECEDENTES DO STJ. 1. Cinge-se a questão à possibilidade de cobrança, mediante inscrição em dívida ativa pelo DNER, de danos causados em Rodovia Federal. 2. Na hipótese, descabe utilizar a via da Execução Fiscal para ressarcimento de dano causado em decorrência de acidente automobilístico em via pública, por não se enquadrar no conceito de dívida ativa não tributária do art. 39 da Lei 4.320/1964. Precedentes do STJ. 3. Recurso Especial não provido. ..EMEN: (RESP 200500118452, HERMAN BENJAMIN, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:02/02/2010 ..DTPB:.) '2. '
No caso dos autos, cuida-se de um suposto crédito decorrente de ato ilícito (fraude). Trata-se de um nítido caso de responsabilidade civil, não se enquadrando no conceito de dívida ativa não tributária por falta do requisito da certeza
' (REsp 1172126/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 25/10/2010). 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no Ag 1340269/PR, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe 25/03/2011, grifei)
EXECUÇÃO FISCAL. CRÉDITO NÃO TRIBUTÁRIO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. RESPONSABILIDADE CIVIL. APURAÇÃO EM PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA. INADMISSIBILIDADE. 1. Embora a apelação se refira apenas à discussão acerca da imprescritibilidade do crédito decorrente de dano ao erário, há questões de ordem pública, passíveis de conhecimento de ofício, que atingem diretamente a higidez da relação processual executiva. 2. Conforme dispõem os arts. 2º e 3º da Lei n. 6.830/80, e 39, parágrafo 2º, da Lei n. 4.320/64, o conceito de dívida ativa envolve apenas os créditos certos e líquidos. Tanto a dívida ativa tributária como a não tributária requer o preenchimento desses requisitos. No caso dos autos, cuida-se de um suposto crédito decorrente de ato ilícito (fraude). Trata-se, pois, de um nítido caso de responsabilidade civil, não se enquadrando no conceito de dívida ativa por falta dos requisitos de certeza e liquidez. 3. Necessidade de ajuizamento de ação condenatória para formação de título executivo hábil ao ressarcimento dos danos materiais porventura advindos da percepção fraudulenta de benefícios previdenciários. 4. Apelação prejudicada, tendo em vista que a CDA será desconstituída integralmente como reflexo da nulidade da execução fiscal, de modo a não mais subsistir interesse no recurso. (AC 00000953920144059999, Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, TRF5 - Segunda Turma, DJE - Data::20/02/2014 - Página::100.)
EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. CRÉDITO NÃO TRIBUTÁRIO. RESSARCIMENTO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO CONCEDIDO MEDIANTE FRAUDE APURADA EM PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA. INADMISSIBILIDADE. 1. Cuida-se de apelação contra sentença de procedência dos Embargos à Execução Fiscal propostos com o intuito de extinguir feito executivo promovido para a cobrança de crédito decorrente de fraude no recebimento de benefícios previdenciários. 2. O teor do art. 52 da Lei nº 4320/64, dispõe que as obrigações vencidas e previstas em lei, regulamento ou contrato podem ser inscritas em dívida ativa. 3. 'O conceito de dívida ativa não tributária, embora amplo, não autoriza a Fazenda Pública a tornar-se credora de todo e qualquer débito. A dívida cobrada há de ter relação com a atividade própria da pessoa jurídica de direito público'. (STJ, Primeira Turma, REsp nº 439.565-PR, Relator: Ministro José Delgado, DJ: 11.11.2002). 4. Dessa forma, o crédito decorrente de responsabilidade civil por ato ilícito, apurado unilateralmente pela autarquia previdenciária, não se subsume ao conceito de dívida ativa não tributária da União. 5. 'Conforme dispõem os arts. 2º e 3º da Lei n. 6.830/80, e 39, parágrafo 2º, da Lei n. 4.320/64, o conceito de dívida ativa envolve apenas os créditos certos e líquidos. Assim, tanto a dívida ativa tributária como a não tributária requer o preenchimento desses requisitos. [..] No caso dos autos, cuida-se de um suposto crédito decorrente de ato ilícito (fraude). Trata-se de um nítido caso de responsabilidade civil, não se enquadrando no conceito de dívida ativa não tributária por falta do requisito da certeza'. (STJ, Segunda Turma, REsp nº. 1.172.126-SC, Relator: Ministro Humberto Martins, Unânime, DJe: 25/10/2010). 6. Necessidade de ajuizamento de ação condenatória para formação de título executivo hábil ao ressarcimento dos danos materiais porventura advindos da percepção fraudulenta de benefícios previdenciários. Nulidade da CDA. Precedentes de ambas as Turmas do STJ: REsp nº 867.718 - PR, Primeira Turma, Relator: Ministro Teori Albino Zavascki, DJe: 04/02/2009 e REsp nº. 1.125.508-GO, Segunda Turma, Relator: Ministro Mauro Campbell Marques, Unânime, DJe: 24/08/2010. Apelação não provida. (AC 200883000060457, Desembargador Federal Marcos Mairton da Silva, TRF5 - Primeira Turma, DJE - Data::13/02/2014 - Página::88.)
2.34. Inscrição em cadastro de inadimplentes:
Conquanto o credor possa promover o lançamento do nome do devedor em castros de restrição ao crédito, isso demanda o rigoroso preenchimento dos requisitos dos arts. 43 e 44 do Código de Defesa do Consumidor (lei n. 8.078/1990). Assim, para tanto, deve ser encaminhada missiva prévia para o endereço atual do cliente, conforme art. 43, §2º, CDC/1990.
"DIREITO CIVIL. DANOS MORAIS. INSCRIÇÃO EM CADASTRO de INADIMPLENTES. VALOR DA INDENIZAÇÃO. 1 -
Caracteriza constrangimento ensejador de danos morais a inscrição do nome do devedor em cadastro de inadimplentes, sem a necessária notificação prévia por parte do fornecedor do serviço
. 2 - O valor da indenização deve levar em consideração o dano em si e as condições pessoais da vítima e do ofensor, de modo a graduar valor suficiente para compensar a dor moral, ao mesmo tempo que pune o ofensor para que não mais repita atos deste tipo, guiando-se pela razoabilidade no sopesar a necessidade de compensar o sofrimento moral e punir o ofensor, ao mesmo tempo que não se permite que tal indenização se torne enriquecimento ilícito . 3 - Recurso provido. (...)" (Processo 143566020044013, ..REL_SUPLENTE:, TR1 - 1ª Turma Recursal - MT, DJMT 10/11/2004.)
É fato que o STJ tem entendido que, para tanto, bastaria a remessa da missiva para o endereço do devedor, sendo desnecessário o aviso de recebimento:
RESPONSABILIDADE CIVIL. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTROS RESTRITIVOS DE CRÉDITO. NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. NECESSIDADE. ART. 43, § 2º DO CDC. DANOS MORAIS. OCORRÊNCIA. VALOR. ALTERAÇÃO. INVIABILIDADE. SÚMULA 07/STJ. 1.
A Segunda Seção deste Tribunal, no julgamento do REsp 1.083.291/RS, representativo de controvérsia repetitiva, (art. 543 -C CPC), consolidou o entendimento de que para a prévia notificação ao consumidor da inscrição de seu nome em cadastro restritivo de crédito basta o envio de correspondência dirigida ao endereço do credor, sendo desnecessário aviso de recebimento
. 2. O STJ já consolidou sua jurisprudência no sentido de que "a ausência de prévia comunicação ao consumidor da inscrição do seu nome em cadastros de proteção ao crédito, prevista no art. 43, §2º do CDC, enseja o direito à compensação por danos morais, salvo quando preexista inscrição desabonadora regularmente realizada." (Recurso Especiais em Processos Repetitivos nºs 1.061.134/RS e 1.062.336/RS) 3. Na espécie, o Tribunal de origem, analisando as provas constantes dos autos, entendeu não ocorrido a prova do prévio envio da notificação ao consumidor. Assim, a revisão do acórdão, para se alcançar conclusão diversa quanto ao ponto, demandaria a reapreciação das provas, providência que encontra óbice na Súmula 7/STJ. 4. Nos termos da jurisprudência consolidada no Superior Tribunal de Justiça, a revisão de indenização por danos morais só é possível em recurso especial quando o valor fixado nas instâncias locais for exorbitante ou ínfimo, de modo a afrontar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Ausentes tais hipóteses, incide a Súmula n. 7 do STJ, a impedir o conhecimento do recurso. 5. Agravo regimental não provido. ..EMEN: (AGRESP 201303480751, LUIS FELIPE SALOMÃO, STJ - QUARTA TURMA, DJE DATA:22/05/2014 ..DTPB:.)
Acrescento também que revela-se incabível o lançamento do nome do aventado devedor em tais registros de inadimplementes, enquanto ele encontre-se discutindo a dívida, fundado em argumentos densos:
"O fumus boni iuris está caracterizado ante a jurisprudência dominante nesta Corte, no sentido de vedar o lançamento do nome do devedor nos bancos de dados de proteção ao crédito, tais o SERASA e o SPC, quando discutido judicialmente o débito"
(STJ, 3ª T., MC 2938/SP, Rel. Min. ALBERTO MENEZES DIREITO, DJ DE 04.12.2000, pg. 063)
Nesse mesmo sentido, leia-se:
"Estando o montante da dívida sendo objeto de discussão em juízo, pode o Magistrado conceder a antecipação da tutela para obstar o registro do nome do devedor nos cadastros de proteção ao crédito. Recurso especial não conhecido."
(RESP 200101940211, BARROS MONTEIRO, STJ - QUARTA TURMA, DJ DATA:09/12/2002 PG:00348 ..DTPB:.)
Atente-se ainda para o seguinte julgado:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - INSCRIÇÃO DO NOME DA PARTE NOS CADASTROS DE RESTRIÇÃO AO CRÉDITO - PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA - REJEITADA - LEGITIMIDADE PASSIVA ÓRGÃO MANTENEDOR - DADOS ORIUNDOS DE OUTROS CADASTROS MANTIDOS POR ENTIDADES DIVERSAS - PRÉVIA NOTIFICAÇÃO - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO - DEVER DE INDENIZAR. O Superior Tribunal de Justiça no julgamento do RESP 1061134/RS, sob o rito dos recursos repetitivos, decidiu pela legitimidade passiva dos órgãos mantenedores de cadastros de proteção ao crédito para responder pela reparação de danos morais decorrentes da inscrição do nome do devedor, sem sua notificação prévia, mesmo quando tais dados forem oriundos de outros cadastros mantidos por entidades diversas.
A inscrição do nome do Autor nos cadastros de restrição ao crédito é devida quando precedida de notificação encaminhada ao endereço fornecido pelo credor, não havendo que se falar em dano moral passível de indenização. "É dispensável o aviso de recebimento (AR) na carta de comunicação ao consumidor sobre a negativação de seu nome em banco de dados e cadastros
." Súmula 404/STJ. (TJ-MG - AC: 10024143336824001 MG, Relator: Marcos Henrique Caldeira Brant, Data de Julgamento: 02/05/2018, Data de Publicação: 11/05/2018)
ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. IBAMA. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. JUNTADA DE CERTIDÃO NEGATIVA DE AGRAVAMENTO. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO DE INADIMPLENTE. DANO MORAL EM IN RE IPSA. QUANTUM INDENIZATÓRIO. 1. Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, na forma da Lei nº 9.783/99, interrompendo-se por qualquer ato inequívoco que importe apuração do fato, para tanto não se prestando a juntada de certidão negativa de agravamento. 2.
O dano moral decorrente da inscrição indevida em cadastro de inadimplente é considerado in re ipsa, isto é, não se faz necessária a prova do prejuízo, que é presumido e decorre do próprio fato.
3. Em tema de inscrição indevida em cadastro de devedores, a quantia de R$ 5.000,00, segundo inúmeros precedentes deste tribunal, bem repara o dano sofrido, uma vez que cumpre a finalidade pedagógica de fazer com que o réu não cometa o mesmo erro e, concomitantemente, impede o enriquecimento sem causa da parte lesada. (TRF4, AC 5015079-34.2019.4.04.7108, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 04/12/2021)
2.35. CADIN - cadastro de inadimplentes:
Segundo os tribunais, a inibição do lançamento, no CADIN, do nome do interessado, pressupõe a realização do aludido depósito, por força do disposto no art. 7º, I, da lei n. 10.522, de 19 de julho de 2002:
"Será suspenso o registro no Cadin quando o devedor comprove que: I - tenha ajuizado ação, com o objetivo de discutir a natureza da obrigação ou o seu valor, com o oferecimento de garantia idônea e suficiente ao Juízo, na forma da lei."
Referido diploma deve ser aferido com cautelas, sabe-se bem. Afinal de contas, o poder geral de tutela, na temática civil, é projeção do art. 5º, XXXV, CF. Importa dizer: a Constituição exige um processo efetivo e, tanto por isso, a lei infraconstitucional não pode restringir demasiadamente a concessão de provimentos de urgência. Tanto por isso, em princípio, a lei infraconstitucional não poderia instituir uma espécie de
solve et repet,
de modo que a inibição de condutas lesivas fique na dependência do depósito em juízo.
De toda sorte, convém ter em conta que essa obrigatoriedade de contracautelas também se encontra prevista no art. 50, §1º, da lei n. 10.931/2001 (quanto à pretensão à revisão de contratos imobiliários), enquanto que a lei n. 13.105/2015 facultou ao Poder Judiciário condicionar a concessão do provimento de urgência à oferta de caução (art. 300, §1º, CPC). Acrescento que, ao apreciar o REsp 1137497/CE, com caráter repetivivo, o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que a mera discussão judicial da dívida não autorizaria a suspensão do registro no CADIN, sendo necessária a garantia idônea e suficiente do Juízo ou que a exigibilidade do crédito esteja suspensa por algum outro motivo.
Reporto-me também aos seguintes julgados:
TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA. RECUSA. BEM SITUADO EM OUTRO ESTADO. CADIN. EXCLUSÃO DO NOME DO CADASTRO. 1. Mostra-se justificada a recusa do devedor considerando-se que o bem oferecido não representa efetiva garantia dos créditos exeqüendos, uma vez que o imóvel situa-se em outro Estado da federação. 2. Nos casos em que os contribuintes pleiteiam a exclusão de seu nome dos registros do CADIN, devem ser observados os requisitos de suspensão previstos no art. 7º da Lei nº 10.522/02, como o oferecimento de caução idônea ao juízo ou o depósito judicial dos valores contestados.
(AG 00088123320104040000, VÂNIA HACK DE ALMEIDA, TRF4 - SEGUNDA TURMA, D.E. 26/05/2010.)
PROCESSUAL CIVIL. CADASTROS RESTRITIVOS DE CRÉDITO. CADIN. AFASTAMENTO. AJUIZAMENTO DE AÇÃO FUNDADA NA APARÊNCIA DO BOM DIREITO. DEPÓSITO DE CAUÇÃO IDÔNEA. RESP. Nº 1.063.530/RS. . O simples ajuizamento de ação ou a mera existência de demanda judicial não autoriza o afastamento da parte requerente dos cadastros restritivos de crédito. . A liberação da inscrição nos cadastros restritivos de crédito respeita os seguintes requisitos, cumulativamente: (a) que a ação ajuizada pelo interessado seja fundada em questionamento integral ou parcial do débito; (b) que haja demonstração de que o questionamento à cobrança supostamente indevida se funda na aparência do bom direito e em jurisprudência consolidada do STF ou STJ; e, (c) existência de depósito da parcela incontroversa ou for prestada a caução fixada conforme o prudente arbítrio do juiz. . Prequestionamento quanto à legislação invocada estabelecido pelas razões de decidir.
(AC 200770060024893, NICOLAU KONKEL JÚNIOR, TRF4 - TERCEIRA TURMA, D.E. 10/03/2010.)
PROCESSUAL CIVIL. CADASTROS RESTRITIVOS DE CRÉDITO. CADIN. AFASTAMENTO. RESSARCIMENTO AO SUS. AJUIZAMENTO DE AÇÃO. DEPÓSITO DE CAUÇÃO IDÔNEA. GARANTIA AO JUÍZO. . O simples ajuizamento de ação ou a mera existência de demanda judicial não autoriza o afastamento da parte requerente dos cadastros restritivos de crédito. . A liberação da inscrição nos cadastros restritivos de crédito condiciona-se ao depósito de caução idônea ou garantia ao juízo pela parte requerente. . Inteligência do art. 7º, I, da Lei nº 10.522 /2002. . Prequestionamento quanto à legislação invocada estabelecido pelas razões de decidir. . Agravo de instrumento improvido.
(AG 200904000133210, NICOLAU KONKEL JÚNIOR, TRF4 - TERCEIRA TURMA, D.E. 23/09/2009.)
2.36. Protesto de CDA:
Com a redação veiculada pela lei 12.767/2012, o art. 1º da lei 9.492/1997 dispõe que
"
Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida
. Parágrafo único. Incluem-se entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas."
Prima facie,
aludida medida poderia se revelar desnecessária, diante das prerrogativas reconhecidas à Administração Pública, quando em causa o lançamento e cobrança de tributos. De toda sorte, ao apreciar a
ADIN n. 5135
, a Suprema Corte concluiu, em 09 de novembro de 2016, que
"
O protesto das Certidões de Dívida Ativa constitui mecanismo constitucional e legítimo, por não restringir de forma desproporcional quaisquer direitos fundamentais garantidos aos contribuintes e, assim, não constituir sanção política
."
Atente-se, ademais, para os seguintes julgados:
RECURSO DE APELAÇÃO. DÍVIDA ATIVA. PROTESTO DE CDA. 1.
O protesto não está limitado aos títulos de crédito, desvinculando-se dos títulos estritamente cambiais para abranger todos e quaisquer "títulos ou documentos de dívida"
. 2. Não é dado ao Poder Judiciário substituir-se à Administração para eleger, sob o enfoque da necessidade (utilidade ou conveniência), as políticas públicas para recuperação, no âmbito extrajudicial, da dívida ativa da Fazenda Pública. 3. A Lei das Execuções Fiscais não desautoriza a instituição ou utilização de mecanismos de cobrança extrajudicial. 4. Recurso de apelação não provido. (Ap 00266714920154036100, DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY, TRF3 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:11/12/2017 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO. ART. 1.021, CPC. AÇÃO DECLARATÓRIA. PROTESTO DE CDA. LEGITIMIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. 1. A decisão ora agravada, prolatada em consonância com o permissivo legal, encontra-se supedanea da em jurisprudência consolidada do C. Supremo Tribunal Federal, inclusive quanto aos pontos impugnados no presente recurso. 2.
O E. Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária de 09.11.2016, julgou improcedente a ADIN nº 5135, para, por maioria, fixar a tese de que "o protesto das Certidões de Dívida Ativa constitui mecanismo constitucional e legítimo, por não restringir de forma desproporcional quaisquer direitos fundamentais garantidos aos contribuintes e, assim, não constituir sanção política
". 3. As razões recursais não contrapõem tais fundamentos a ponto de demonstrar o desacerto do decisum, limitando-se a reproduzir argumento visando à rediscussão da matéria nele contida. 4. Agravo interno improvido. (AC 00197021820154036100, DESEMBARGADORA FEDERAL DIVA MALERBI, TRF3 - SEXTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/09/2017 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)
Em princípio, por conseguinte, no rastro dos precedentes do STF e outros tribunais, o protesto de dívidas fiscais não se revela, em si, inválido. Deve-se apurar, em cada caso, se tais requisitos teriam sido cumpridos.
2.37.
Devido processo legal:
Não se pode perder de vista que "
A teoria do devido processo legal, construída na jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos, compreende duas perspectivas:
substantive due process
e
procedural due process.
A primeira é projeção do princípio no campo do direito material, enquanto a segunda funciona como garantia na esfera processual. O espectro da proteção é o trinômio vida-liberdade-propriedade.
" (BACELLAR FILHO, R.F.
Processo administrativo disciplinar.
São Paulo: Max Limonad, p. 223).
Desse modo,
"Quanto ao procedural du process, os dois interesses centrais podem ser identificados no caso Marschall versus Jerrico, inc. 446 US 238 (1980): o governo não deve privar uma pessoa de um interesse importante a menos que a correta compreensão dos fatos e a lei permita; mesmo se o governo puder legalmente privar alguém de um interesse importante, o indivíduo tem o direito de ser ouvido perante uma Corte neutra antes da privação. Enquanto a primeira regra prende-se à realidade da Justiça
('actuality of justice'),
a segunda envolve a aparência de justiça
('appearance of justice')" (BACELLAR.
Obra cit.,
p. 224).
Reporto-me também à lição de Canotilho:
"Processo devido em direito significa a obrigatoriedade da observância de um tipo de processo legalmente previsto antes de alguém ser privado da vida, da liberdade e da propriedade. Nestes termos, o processo devido é o processo previsto na lei para a aplicação de penas privativas da vida, da liberdade e da propriedade. Dito por outras palavras: due process equivalente ao processo justo definido por lei para se dizer o direito no momento jurisdicional de aplicação de sanções criminais particularmente graves (...) o due process of law pressupõe que o processo legalmente previsto para a aplicação de penas seja ele próprio um processo devido, obedecendo aos trâmites procedimentais formalmente estabelecidos na Constituição ou plasmados em regras regimentais das assembléias legislativas."
(CANOTILHO, José Joaquim Gomes.
Direito constitucional e teoria da Constituição.
7. ed. Almedina, p. 493)
Importa dizer: o Estado deve assegurar, ao administrado, o exercício efetivo da ampla defesa e contraditório. Deve comunicar-lhe, ademais, as decisões judiciais, de modo a documentar a sua efetiva ciência. É o que se infere, por sinal, do Decreto 70.235 (art. 10, V c/ art. 23), e também lei 9784/1999 (arts. 26-28).
A regra é, portanto, que a Fazenda Pública deve promover a intimação pessoal do contribuinte, dado que notificações/intimações mediante edital devem ser empregadas de modo excepcional.
PROCESSUAL E TRIBUTÁRIO. PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. INTIMAÇÃO POR EDITAL. NULIDADE. 1. O disposto no DEL-1455/76 em nada contraria o DEL-70235/72, que regula o processo administrativo fiscal, pois o dispositivo daquele decreto está apenas contemplando as formas válidas de intimação, enquanto este está regulando-as, estabelecendo a ordem de preferência que devem ser utilizadas, ou seja, primeiro tentar-se-á a intimação pessoal, após a via postal ou telegráfica e, em último caso, resultando infrutíferas as duas primeiras formas, a intimação por edital. 2. Ocorreu um flagrante desrespeito ao devido processo legal, ao não se obedecer à ordem de preferência estabelecida no decreto que regulamenta o procedimento fiscal. 3. Remessa oficial improvida. (REO 9404240460, TÂNIA TEREZINHA CARDOSO ESCOBAR, TRF4 - SEGUNDA TURMA, DJ 20/11/1996 PÁGINA: 89158.)
Os Tribunais têm reconhecido a validade, todavia, da notificação por edital quando efetivamente frustrada a tentativa de notificação pessoal no endereço cadastral do contribuinte (dada a sua obrigação de manter aludido cadastro de forma atualizada junto à União - p.ex., lógica do art. 929, Decreto 3000/99): "
PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL - INTIMAÇÃO POR EDITAL. -
A intimação via postal feita em endereço que consta no cadastro da Secretaria da Receita Federal, quando frustrada, autoriza a intimação pela via editalícia
."
(AC 200471150030020, ANTONIO ALBINO RAMOS DE OLIVEIRA, TRF4 - SEGUNDA TURMA, DJ 29/06/2005 PÁGINA: 553.)
Os órgãos colegiados também têm reputado válida a notificação por meio de missiva, com aviso de recebimento, mesmo quando não recebida diretamente pelo contribuinte (teoria da aparência):
EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. DECADÊNCIA. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. 1. O art. 173, I, do CTN estabelece que o direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 anos contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado. 2. O art. 23, II, do Decreto-Lei nº 70.235/72 não exige que o aviso de recebimento seja assinado pelo próprio devedor, mas sim que seja encaminhado para o domicílio tributário eleito pelo sujeito passivo. 3. Consoante disposto no caput do art. 174 do CTN, 'a ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em 5 (cinco) anos, contados da data da sua constituição definitiva.' 4. Decorridos mais de cinco anos após a suspensão da execução fiscal, sem qualquer manifestação do credor, ocorre a prescrição intercorrente. 5. O artigo 40 da Lei 6.830/80 deve ser interpretado em harmonia com o sistema jurídico, que não admite que a ação para a cobrança do crédito tributário tenha prazo perpétuo. Logo, não localizado o devedor e havendo inércia do Fisco por período superior a cinco anos, é de ser declarada a prescrição intercorrente. 6. Apelação improvida. (TRF4, AC 5004419-44.2011.404.7113, Primeira Turma, Relator p/ Acórdão Joel Ilan Paciornik, juntado aos autos em 10/04/2014)
EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. CÓPIA DA CDA NÃO ACOSTADA AOS AUTOS DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO FUSCAL. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME DA VALIDADE DO TÍTULO EXECUTIVO. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. NOTIFICAÇÃO DO LANÇAMENTO POR MEIO POSTAL. VALIDADE. TAXA SELIC. APLICABILIDADE. MATÉRIA NÃO VENTILADA EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. INADMISSIBILIDADE. 1. Não acostada cópia das CDAs pela embargante, ônus processual que lhe competia, resta inviabilizado o exame quanto à alegação de nulidade do título executivo por suposta ausência de seus requisitos legais. 2.
É válida a notificação postal encaminhada ao domicílio tributário do contribuinte, ainda que recebida por terceiro. 3. Transcorridos menos de cinco anos entre o lançamento suplementar que constituiu o crédito tributário e o ajuizamento da respectiva ação de execução, afasta-se a alegação de prescrição
. 4. É legítima a correção monetária do débito e cobrança de juros pela Taxa SELIC. 5. É defeso à parte inovar em sede de apelação, formulando pedido a respeito de matéria não ventilada em primeira instância. (TRF4, AC 5000722-35.2013.404.7116, Segunda Turma, Relator p/ Acórdão Rômulo Pizzolatti, juntado aos autos em 08/04/2014)
Por sinal, os Tribunais têm reconhecido a invalidade da cobrança de encargos, sempre que fundada em um processo administrativo viciado:
EMBARGOS INFRINGENTES. EXECUÇÃO FISCAL. INFRAÇÃO TRABALHISTA. MULTA ADMINISTRATIVA. NOTIFICAÇÃO POR EDITAL. CERCEAMENTO DO DIREITO DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. NULIDADE CARACTERIZADA. . Originando-se a multa de natureza administrativa de infração à legislação trabalhista, não cabe a aplicação dos dispositivos do CTN. . Nos termos do § 2º do art. 636 da Consolidação das Leis do Trabalho, a notificação somente será realizada por meio de edital quando o infrator estiver em lugar incerto e não sabido. . O contraditório e a ampla defesa são assegurados no âmbito administrativo em momento posterior à infração e prévio à inscrição em dívida ativa.
Hipótese em que não observado o devido processo legal administrativo, torna-se nulo o procedimento e a inscrição em dívida ativa
(art. 5°, incisos LIV e LV). . Prevalência do entendimento minoritário. . Prequestionamento estabelecido pelas razões de decidir. . Embargos infringentes providos. (EINF 200270050062553, SILVIA MARIA GONÇALVES GORAIEB, TRF4 - SEGUNDA SEÇÃO, D.E. 02/03/2010.)
2.38. Certidões de regularidade fiscal:
A Constituição da República preconiza, no seu art. 5º. XXXIV, que
"
são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: (...) b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal
."
No que toca à obtenção de certidões de regularidade fiscal, deve-se atentar, ademais, para o art. 205, CTN:
Art. 205.
A lei poderá exigir que a prova da quitação de determinado tributo, quando exigível, seja feita por certidão negativa, expedida à vista de requerimento do interessado, que contenha todas as informações necessárias à identificação de sua pessoa, domicílio fiscal e ramo de negócio ou atividade e indique o período a que se refere o pedido
.
Parágrafo único. A certidão negativa será sempre expedida nos termos em que tenha sido requerida e será fornecida dentro de 10 (dez) dias da data da entrada do requerimento na repartição.
Cumpre ter em conta, de partida, que, no âmbito federal, as certidões mais destacadas são a (a) certidão negativa de débitos - INSS; (b) certidão negativa de débitos expedida pela Receita Federal e (c) certidão negativa de inscrição em dívida ativa. Desde a publicação da portaria conjunta PGFN/SRF n º 3, de 22 de novembro de 2005 - emitida pela Procuradoria da Fazenda e pela Receita Federal -, tem sido emitida uma certidão única, na forma do seu art. 2º:
Art. 2º A Certidão Conjunta Negativa de Débitos relativos a Tributos Federais e à Dívida Ativa da União será emitida quando não existirem pendências em nome do sujeito passivo:
I - perante a SRF, relativas a débitos, a dados cadastrais e à apresentação de declarações; e
II - perante a PGFN, relativas a inscrições em cobrança.
Referidos atestados são exigidos para a contratação com o Poder Público e para obtenção de benefícios e incentivos fiscais (art. 195, §3º, CF/88; art. 27, V e art. 29, III, lei 8666/93 etc). O fato é que, como regra, aludidas certidões de regularidade fiscal apenas podem ser negadas quando promovido o pertinente lançamento fiscal:
"
Só o crédito constituído pelo lançamento permite certificar a existência de débito. Falha de contribuições. Contribuições em aberto. Insuficiência. Não basta eventual presunção do Fisco de que o contribuinte não tenha cumprido suas obrigações tributárias. Não é suficiente, e.g., que deixe de constar do sistema de controle de arrecadação ingressos a título de determinada contribuição mensal. É preciso que o Fisco constitua o crédito pelo lançamento (art. 142), estabelecendo, com isso, sua certeza e liquidez
." (PAULSEN, Leandro.
Direito tributário:
Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 1274).
Por conseguinte, nos casos de tributos submetidos a lançamento por homologação - ou seja, tributos a cujo respeito o próprio contribuinte deve calcular o
quantum debeatur
e adimpli-los sem uma prévia conferência do Fisco -, como regra, as certidões de regularidade apenas podem ser recusadas pelo Estado depois de promovido o lançamento de revisão, previsto no art. 150, §4º, CTN.
RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. INSS. CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.
O contribuinte tem direito à certidão negativa de débito quando a recusa de seu fornecimento está fundada na ausência do procedimento administrativo concernente à homologação do tributo. Se é por meio do lançamento que o crédito tributário é constituído, sem ele não há cogitar de débito, afigurando-se, por isso mesmo, ilegal e abusiva a recusa da autoridade administrativa em expedir a certidão negativa de débito, uma vez que, antes do lançamento, existe tão-somente uma obrigação fiscal, despida de exigibilidade
. Precedentes da Primeira e Segunda Turmas e da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça. Não houve o necessário prequestionamento no que pertine aos dispositivos legais tidos como contrariados, que não foram enfrentados pelo v. acórdão guerreado, pelo que se impõe, igualmente, o não conhecimento do recurso especial pela ausência do prequestionamento explícito dos dispositivos de lei federal tidos por objurgados (Súmula n. 282 do Supremo Tribunal Federal), entendido como o necessário e indispensável exame da questão pela decisão atacada. Recurso especial não conhecido. Decisão por unanimidade. ..EMEN: (RESP 199900466560, FRANCIULLI NETTO, STJ - SEGUNDA TURMA, DJ DATA:22/04/2002 PG:00185 ..DTPB:.)
Anote-se, todavia, que - nas situações em que o contribuinte apresenta DCTF (declaração de compensação de tributos federais)-, há julgados enfatizando que o requisito do lançamento seria suprido. Esse também é o entendimento de Leandro Paulsen, quando diz que "
suprem o lançamento, entretanto, a apresentação de DCTF ou outra qualquer confissão de dívida
."
(PAULSEN, Leandro.
Direito tributário,
p. 1274).
Compartilho, todavia, do entendimento de que, mesmo nesses casos - ou seja, de apresentação de DCTF -, a certidão negativa apenas poderá ser negada pelo Fisco caso tenha havido o pertinente lançamento de revisão, evidenciando falha/incorreção na declaração de compensação promovida pelo próprio contribuinte.
TRIBUTÁRIO. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. COMPENSAÇÃO DECLARADA EM DCTF. NECESSIDADE DE LANÇAMENTO. 1. Nos tributos sujeitos a lançamento por homologação, o pagamento feito pelo contribuinte extingue a obrigação, sob condição resolutória da ulterior verificação pela autoridade administrativa (art. 150, § 1º, do CTN). 2.
O fato de a compensação ter sido declarada em DCTF não exime o Fisco da instauração de prévio procedimento administrativo a fim de verificar a existência de irregularidades e lançar a obrigação, constituindo o crédito tributário. Não se trata, in casu, de tributo confessado e impago - fato que autorizaria a inscrição em dívida pelo valor declarado, dispensando o lançamento -, mas de declaração de quitação dos débitos mediante compensação, que se presume válida
. (TRF 4ª Região, AMS nº 2003.70.00.010127-0/PR, 1ª Turma, Rel. Maria Lúcia Luz Leiria, dec. unânime em 31.03.2004, Publ. DJU em 12.05.2004, p. 415)
A certidão poderá ser recusada, todavia, quando o próprio contribuinte tenha promovido declaração de valores (por exemplo, em GFIP - guia de recolhimento do FGTS e informações à Previdência Social), sem que os tenha recolhido integralmente. Nesse caso, não se tratará de impugnar declarações do administrado (o que demandaria o lançamento de revisão - art. 150, §4º, CTN), mas da simples constatação de que o contribuinte não teria recolhido sequer os valores que ele próprio reconhecera dever.
TRIBUTÁRIO. CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITOS. DIVERGÊNCIAS ENTRE O VALOR DECLARADO E O RECOLHIDO. 1. A constituição definitiva do crédito tributário se dá pelo lançamento, nos moldes do art. 142 do CTN, podendo este ser substituído, nos casos de tributos sujeitos ao lançamento por homologação, pela entrega de DCTF, GFIP, ou outro documento de confissão de dívida. 2.
Havendo divergências entre os valores declarados e aqueles efetivamente recolhidos pelo sujeito passivo, é incabível a expedição de certidão negativa de débitos, porquanto se trata de circunstância distinta daquela em que o contribuinte paga o montante declarado e o Fisco apura diferenças, hipótese em que é imprescindível o lançamento de ofício
. (AMS 200571000458286, DIRCEU DE ALMEIDA SOARES, TRF4 - SEGUNDA TURMA, D.E. 08/02/2007.)
Outro tema diz respeito à graduação da efetividade da obrigação juridicotributária, a cujo respeito destaco o que segue:
"
Exigibilidade. Surgimento. O crédito tributário, uma vez constituído pelo lançamento, é - por definição - líquido e certo. A exigibilidade surgirá com o inadimplemento no prazo legal
."
(PAULSEN, Leandro.
Direito tributário:
constituição e código tributário. 6ª ed. Livraria do advogado, p. 1013.)
Ademais,
"O crédito tributário passa por
diferentes momentos de eficácia
: crédito simplesmente constituído (pela ocorrência do fato gerador) torna-se crédito exigível (pelo lançamento notificado ou pela decisão administrativa definitiva) e finalmente, crédito exeqüível (pela inscrição nos livros da dívida ativa), dotado de liquidez e certeza."
(TORRES, Ricardo Lobo.
Curso de direito financeiro e tributário.
14. ed., Renovar, p. 273)
Em princípio, a existência de lançamento, desde que definitivo,
já
basta para que a certidão negativa de débitos fiscais seja recusada (exceção feita ao disposto no art. 3º, §1º, I, da mencionada Portaria Conjunta 03/2005). Como destaquei acima, contanto que haja lançamento de revisão (art. 150, §4º, CTN/66) - e lançamento definitivo -, a certidão de regularidade poderá ser recusada, exceto no curso do prazo do art. 15 do decreto 70.235:
"
A impugnação, formalizada por escrito e instruída com os documentos em que se fundamentar, será apresentada ao órgão preparador no prazo de trinta dias, contados da data em que for feita a intimação da exigência.
"
Art. 3º A Certidão Conjunta Positiva com Efeitos de Negativa de Débitos relativos a Tributos Federais e à Dívida Ativa da União será emitida quando, em relação ao sujeito passivo, constar débito relativo a tributo federal ou a inscrição em Dívida Ativa da União, cuja exigibilidade esteja suspensa na forma do art. 151 da Lei n o 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional (CTN).
§1º A certidão de que trata o caput também será emitida quando, em relação ao sujeito passivo, existir débito:
I - relativo a tributo federal cujo lançamento se encontre no prazo legal de impugnação, conforme art. 15 do Decreto n o 70.235, de 6 de março de 1972;
II - inscrito em Dívida Ativa da União, garantido mediante penhora de bens cuja avaliação seja igual ou superior ao montante do débito atualizado.
O fato de eventualmente não haver inscrição em dívida ativa não enseja, por si, que a certidão de regularidade em causa seja emitida. Em princípio, basta que haja lançamento, nos termos da legislação em vigor
(art. 205, CTN). Cumpre não confundir a exigibilidade do tributo, de um lado, com a exequibilidade do débito respectivo, de outro. Em princípio, todo tributo lançado já é
exigível
; por sinal, os consectários moratórios retroagem à data do vencimento original.
Exequível
é apenas o débito inscrito em dívida ativa.
"1. A inscrição em dívida ativa não é requisito para recusa à emissão de certidão negativa de débito, bastando, para tanto, a constituição definitiva do crédito tributário, regra que não se excepciona aos tributos sujeitos ao chamado lançamento por homologação, tal qual se dá na espécie." (RESP 200900581493, ELIANA CALMON, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:19/10/2009 ..DTPB:., omiti parte da ementa)
Registre-se, todavia, enquanto estiver sob discussão administrativa o referido lançamento, o contribuinte tem o direito à emissão da certidão positiva com efeitos de negativa (art. 206, CTN), como explicita Hugo de Brito Machado
:
"Outra divergência profunda diz respeito ao momento em se deve considerar exercido o direito de construir o crédito tributário. Segundo as diversas correntes doutrinárias, esse momento seria:
(a) aquele em que o Fisco determinasse o montante a ser pago e intimasse o sujeito passivo para fazê-lo; (b) a decisão, pela procedência da ação fiscal, em primeira instância administrativa; (c) a decisão definitiva em esfera administrativa; (d) a inscrição do crédito tributário como dívida ativa.
Para quem se situa na posição 'a', um simples auto de infração seria o lançamento. Com a sua lavratura estaria exercido o direito de constituir o crédito tributário e, portanto, não se poderia mais cogitar de decadência.
Tal posição nos parece insustentável. O lançamento, como vimos ao estudar a constituição do crédito tributário, é procedimento administrativo integrado em duas fases. A lavratura do auto de infração é o encerramento apenas na primeira fase. Com a impugnação formulada pelo sujeito passivo tem início a fase litigiosa que é a segunda do procedimento administrativo de lançamento.
O Tribunal Federal de Recursos orientou suas decisões no sentido de que o auto de infração é lançamento tributário, e não apenas início do procedimento administrativo de lançamento. Essa posição, todavia, não se concilia com a tese, também adotada por aquele Colendo Tribunal, de que a Administração, quando tiver de fazer um lançamento tributário, há
de assegurar o direito de defesa ao contribuinte. A oportunidade de defesa é obviamente posterior à lavratura do auto de infração. Assim, ou o lançamento não se completa com o auto de infração, ou se se completa, a oportunidade de defesa não é essencial no lançamento.
Para os que se colocam na posição 'b' o auto de infração ainda não seria um lançamento por lhe faltar o pronunciamento de autoridade administrativa com poder decisório, não tendo sido assegurado ao sujeito passivo o direito de defender-se. Assim, com o julgamento da impugnação em primeira instância estaria suprida essa falta, completando-se o lançamento.
Também não nos parece que seja assim. Se a própria administração fazendária ainda admite discutir a exigência, é porque esta não está ainda perfeita, assentada em bases definitivas, o que na verdade só vem a ocorrer com o julgamento último, ou com a não interposição do recurso no prazo legal. A fragilidade da posição 'b' se revela sobretudo nos casos em que a decisão em primeira instância seja contrária à Fazenda Pública e venha a ser reformada, prevalecendo afinal a exigência.
Com efeito, acertada nos parece a posição 'c', pois somente quando a Administração, que é parte no procedimento e é quem efetua o lançamento, não mais admite discuti-lo, pode-se considerar consumado o lançamento. Consuma-se, pois, o lançamento: 1º) não havendo impugnação, com a homologação do auto de infração; 2º) havendo impugnação e sendo a decisão primeira favorável à Fazenda, se o sujeito passivo não recorrer;3º) havendo recurso, com a decisão definitiva, favorável à Fazenda.
Em resumo: o lançamento está consumado, e não se pode mais cogitar de decadência, quando a determinação do crédito tributário não possa mais ser discutida na esfera administrativa." (MACHADO, Hugo de Brito.
Curso de Direito Tributário.
5. ed., p. 135/137)
Também nesse sentido, menciono o seguinte julgado do STJ:
"1. Esta Corte, na ocasião do julgamento do REsp 128.524/RS, pacificou entendimento no sentido da impossibilidade de recusa de expedição de Certidão Negativa de Débitos (CND), enquanto não-constituído definitivamente o crédito tributário. 2. Considera-se definitivamente constituído o crédito tributário com o lançamento definitivo. Tratando-se de tributo sujeito a lançamento por homologação, nos termos do art. 150 do CTN, a constituição do crédito tributário dá-se com a declaração do débito pelo contribuinte, por meio de DCTF ou GIA (Precedentes). Por sua vez, em havendo lançamento de ofício, a constituição do crédito tributário ocorre quando o contribuinte é regularmente notificado do lançamento (Precedentes). 3.
Para que o crédito tributário seja definitivamente constituído, em se tratando de tributos lançados diretamente pela autoridade administrativa, o contribuinte deve ser notificado; após, lhe é aberto um prazo para impugnação; havendo a apresentação de recurso administrativo, o lançamento fica sujeito a futuras alterações, cujas ocorrências somente serão verificadas após decisão administrativa, momento em que o lançamento torna-se definitivo e, portanto, em que se constitui o crédito tributário
. 4.
A jurisprudência desta Corte tem consignado que somente quando exaurida a instância administrativa é que se configura a constituição definitiva do crédito fiscal
(REsp 239.106/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ de 24.4.2000, p. 48; REsp 32.843/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Adhemar Maciel, DJ de 26.10.1998, p. 99; REsp 649.684/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 28.3.2005, p. 211; REsp 173.284/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 31.3.2003, p. 183; REsp 620.283/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 19.9.2005, p. 270; REsp 264.041/AL, 1ª Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 4.6.2001, p. 63; REsp 195.667/SC, 1ª Turma, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de 26.4.1999, p. 60; AgRg no REsp 641.448/RS, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de 1º.2.2005, p. 436). 5. Seguindo essa linha de raciocínio, no sentido de que a constituição definitiva do crédito tributário somente se implementa com a resolução na esfera administrativa das pendências existentes em relação ao lançamento do débito fiscal, e associando essa orientação ao entendimento de que, enquanto não estiver definitivamente constituído o crédito, deve ser deferida a expedição de Certidão Negativa de Débito (CND), infere-se que, no caso dos autos, foi acertada a conclusão do acórdão recorrido, que entendeu devido o fornecimento de certidão negativa de débitos fiscais, porquanto ainda não-constituído definitivamente o crédito tributário, na medida em que não houve encerramento das discussões acerca do lançamento na esfera administrativa. 6. Recurso especial desprovido. ..EMEN:" (RESP 200301682227, DENISE ARRUDA, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJ DATA:13/03/2006 PG:00192 ..DTPB:.)
Por conseguinte, quando o contribuinte está discutindo, no âmbito administrativo, a validade do lançamento, a certidão positiva com efeitos de negativa não lhe pode ser recusada (art. 206, CTN). Com pontuais adaptações, aludidas premissas também se aplicam aos débitos de natureza não tributária.
2.39. C
onsignação
de valores em Juízo:
Sabe-se que, quando em causa debates sobre
tributos
, é direitos dos sujeitos promover o depósito em Juízo, na forma do art. 151, II, CTN.
"
A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que o depósito de que trata o art. 151 , II , do CTN constitui direito subjetivo do contribuinte, que pode efetuá-lo tanto nos autos da ação principal quanto em Ação Cautelar, sendo desnecessária a autorização do Juízo
. É facultado ao sujeito passivo da relação tributária efetivar o depósito do montante integral do valor da dívida, a fim de suspender a cobrança do tributo e evitar os efeitos decorrentes da mora, enquanto se discute na esfera administrativa ou judicial a exigibilidade da exação ( AgRg no REsp 517937/PE , Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 28/4/2009, DJe 17/6/2009)"
(STJ - REsp: 1691774 SP 2017/0202085-2, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 10/10/2017, T2 - 2. TURMA, Data de Publicação: DJe 16/10/2017)
No presente processo, porém, a requerente insurgiu-se em face de multa aplicada pelo IBAMA
. Assim, a lógica do art. 151, II, CTN, não se aplica ao caso, ao menos, não de forma automática.
Desde que haja fundamentos para isso
, no âmbito do direito civil ou administrativo, é dado à parte autora promover consignação em pagamento, conforme arts. 334 e ss., Código Civil/2002, ainda que seja promovido de forma incidental - arts. 539 e ss., Código de Processo Civil/15. Logo, desde que haja "
justa causa
", é dado à parte autora depositar em juízo os valores controvertidos, conforme lógica do art. 539, CPC/15 e 334, Código Civil/2002, à sua conta e risco. Anoto que a consignação em pagamento apenas afasta a mora quando julgada procedente - art. 337, Código Civil, art. 546, Código de Processo Civil e lógica da súmula 405, STF.
A esse respeito, o TJSP já deliberou:
"Observo que ambas as decisões (consignatória e embargos) ressalvaram expressamente o direito do embargante obter a amortização do saldo devedor até o limite do valor depositado, inexistindo interesse nesse tópico do recurso.
No entanto, tendo em conta que a ação de consignação em pagamento foi julgada improcedente, os encargos moratórios não foram afastados, nos termos do artigo 337 do Código Civil
: O depósito requerer-se-á no lugar do pagamento, cessando, tanto que se efetue, para o depositante, os juros da dívida e os riscos, salvo se for julgado improcedente."
(TJ-SP - AC: 10095119820208260100 SP 1009511-98.2020.8.26.0100, Relator: Vianna Cotrim, Data de Julgamento: 26/10/2021, 26ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/10/2021)
Com efeito, alguém pode depositar valores em Juízo, alegando que o credor tem cobrado valores excessivos ou mediante procedimento incorreto - pode alegar cuidar-se de dívida
quérable
(quesível), ao invés de
portable
(portável). Ou seja, pode ter alegado que caberia ao credor promover os meios para o recebimento, ao invés de o devedor ter de promover as diligências pertinentes. Deferido o depósito, depois a pretensão do demandante é julgada improcedente. Em tal caso, a existência do depósito não afastará a mora, quanto ao período em que o demandado houver sido privado do recebimento dos recursos pertinentes. Como registrei acima, o processo não pode causar prejuízos a quem não tenha dado causa à demanda.
Assim, saber se o depósito terá condão de afastar eventuais consectários moratórios dependerá do exame do mérito da pretensão do requerente, por época da prolação da sentença
. Caso seja realizado aludido depósito, o valor será atualizado pela variação da TRB - taxa referencial básica, conforme art. 11 da lei n. 9.289/1996, não se aplicando ao caso a taxa SELIC, diante dos limites da lei n. 9.703/1998, dado não se cuidar de controvérsia tributária. Note-se que a legislação não preconiza a incidência de juros remuneratórios ou moratórios sobre o valor depositado em Juízo. Por outro lado, caso a pretensão da autora seja acolhida, em sentença transitada em julgado, o valor lhe será restituído ao final da demanda. Caso a pretensão seja julgada improcedente, o montante será transferido ao banco requerido/mutuante, para imputação em pagamento no contrato, conforme art. 354, Código Civil/2002. Em tal caso, não haverá supressão de consectários moratórios, devendo a autora responder por eventuais juros moratórios e multa contratual, porventura previstos (art. 337, parte final, Código Civil/02, lógica dos arts. 332 e 512, Código de Processo Civil/15).
2.40. Depósitos em juízo e consectários moratórios:
Convém enfatizar que, em princípio, é dado aos interessados deflagrarem processos de consignação em pagamento, na forma dos arts. 334 e ss., Código Civil/2002, com o fim de obter a pertinente outorga de quitação das obrigações pertinentes. Note-se, porém, que a consignação apenas afasta a mora quando a pretensão do autor tenha sido julgada procedente - art. 337, parte final, Código Civil/2002 e arts. 539 e ss., Código de Processo Civil/15. Importa dizer: os encargos moratórios são afastados quando a parte interessada haja comprovado cuidar-se de
mora accipiendi,
ao invés de
mora debitoris.
Conjecture-se, reitero, que, no âmago de um contrato de locação, o locatário sustenta competir ao locador a adoção dos meios para a cobrança (obrigação quesível). Já o locador alega o contrário, argumentando cuidar-se de obrigação
portable
. Suponha-se que o locatário ingresse com uma consignação em pagamento, sem impugnar o valor da dívida; mas, limitando-se ao referido tema - natureza da obrigação. Ele deposita o valor exato postulado pelo credor. Ao final, o Juízo reputa que o locator, o demandado, possui razão, cuidando-se de obrigação portable. Nesse caso, por óbvio, o depósito em Juízo não terá aptidão para afastar a mora, de modo que os encargos serão devidos desde a data do vencimento da obrigação até a data em que os valores sejam convertidos em renda a favor da parte demandada.
Atente-se, uma vez mais, para o art. 337, parte final, Código Civil/2002:
"O depósito requerer-se-á no lugar do pagamento, cessando, tanto que se efetue, para o depositante, os juros da dívida e os riscos,
salvo se for julgado improcedente
."
Por outro lado, a mora pode ser afastada em vínculos bilaterais, sinalagmáticos, quando presentes os requisitos para a exceção de contrato não cumprido - arts. 476 e 477, Código Civil/2002, dentre outros casos.
2.41. Eventual destinação dos valores depositados:
Desse modo, em princípio, sempre que os
depósitos venham a ser deferidos e efetivados em conta vinculada
aos autos, haverão de ser levantados, total ou parcialmente, pela parte autora - caso sua pretensão seja acolhida em sentença transitada em julgado -, observando-se o alcance de sua eventual sucumbência. Caso ela sucumba totalmente na demanda, os valores deverão ser levantados então pela parte demandada/mutuante, como segue:
"RECURSO ESPECIAL. AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. DEPÓSITO DO MONTANTE INTEGRAL. ART. 151, II, DO CTN. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. CONVERSÃO EM RENDA. DECADÊNCIA.
1.
Com o depósito do montante integral, tem-se verdadeiro
lançamento por homologação. O contribuinte calcula o valor do tributo e substitui o pagamento antecipado pelo depósito, por
entender indevida a cobrança. Se a Fazenda aceita como integral o depósito, para fins de suspensão da exigibilidade do crédito, aquiesceu expressa ou tacitamente com o valor indicado pelo
contribuinte, o que equivale à homologação fiscal prevista no art.
150, § 4º, do CTN.
2. Uma vez ocorrido o lançamento tácito, encontra-se
constituído o crédito tributário, razão pela qual não há mais falar no transcurso do prazo decadencial nem na necessidade de lançamento de ofício das importâncias depositadas. Precedentes da Primeira
Seção.
3. A extinção do processo sem resolução de mérito, salvo o
caso de ilegitimidade passiva ad causam, impõe a conversão do
depósito em renda da Fazenda Pública respectiva. Precedentes:
AgRg nos EREsp 1.106.765⁄SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves,
Primeira Seção, DJe 30.11.2009, AgRg nos EDcl no Ag 1378036⁄CE,
Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, DJe 29⁄06⁄2011; REsp 901.052⁄SP,
Rel. Min. Castro Meira, Primeira Seção, DJe 03.03.2008.
4. Os fundamentos de fato trazidos pela agravante são premissas não contempladas no acórdão recorrido, de modo que não
podem aqui ser discutidas ou modificadas sob pena de inaceitável
incursão em matéria de prova, o que é vedado na instância especial,
nos termos da Súmula 7⁄STJ.
5. Agravo regimental não provido."
(AgRg no REsp 1.213.319⁄SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 17⁄05⁄2012, DJe 28⁄05⁄2012)
TRIBUTÁRIO. PROCESSO JUDICIAL. DEPÓSITO COM A FINALIDADE DE SUSPENDER A EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. DEPÓSITO EQUIVALENTE AO PAGAMENTO. DESNECESSIDADE DE LANÇAMENTO. 1. O depósito judicial do montante integral do débito é causa suspensiva de exigibilidade do crédito tributário, ex vi do artigo 151, II do CTN e, por força do seu desígnio, implica lançamento por homologação tácito, no montante exato do quantum depositado, conjurando eventual alegação de decadência do direito de constituir o crédito tributário. Precedentes: EREsp 898.992/PR, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08.08.2007, DJ 27.08.2007; REsp 895.604/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 01.04.2008, DJ 11.04.2008; AgRg no REsp 971.054/SC, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06.12.2007, DJ 24.03.2008. .
Julgado improcedente o pedido da empresa e, em havendo depósito, torna-se desnecessária a constituição do crédito tributário no qüinqüênio legal, não restando consumada a decadência. Conseqüentemente, revela-se escorreita a conversão em renda dos depósitos judiciais efetuados no âmbito da ação ordinária, uma vez não configurada a decadência do direito de o Fisco constituir o crédito tributário e tendo em vista a improcedência do pedido do contribuinte
. 3. Indevidamente realizado o levantamento do depósito judicial pelo contribuinte, afasta-se a razão da suspensão do crédito tributário, forçando ao FISCO FEDERAL a realização do lançamento tributário, inscrevendo o contribuinte em CDA, não existindo decadência ou prescrição do crédito tributário. 4. Apelação do autor improvida e apelação da UNIÃO FEDERAL e Remessa Oficial providas. (APELREEX 200171000285040, MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS, TRF4 - PRIMEIRA TURMA, D.E. 13/10/2009.)
2.42. Correção monetária de depósitos porventura efetuados:
Reitero que, quando valores venham a ser depositados em conta vinculada aos autos - mediante prévia autorização judicial -,
o montante haverá de ser corrigido pela taxa SELIC, na forma da lei n. 9.703/1998, a despeito da redação do art.11 da lei 9.289/1996, de caráter especial. A selic se aplica ao caso por conta alteração determinada pelos arts. 3 e 4, da lei n. 12.099/2009
. Não há previsão de incidência de juros remuneratórios nesse âmbito, conforme se infere do art. 11 da lei 9.289/1996 e art. 1 da lei n. 9.703/1998.
Ademais, os Tribunais têm deliberado que a variação da taxa SELIC já veicula juros moratórios na sua compleição.
"
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que a taxa SELIC contém juros moratórios e correção monetária
, não podendo, portanto, ser cumulada com qualquer outro índice correção monetária."
(STJ - AREsp: 1753204 PR 2020/0225914-0, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Publicação: DJ 10/12/2020)
Deve-se atentar, ademais, para os arts. 35 e ss. da
lei 14.973, de 16 de setembro de 2024, responsável pela ab-rogação da lei n. 9.703/98.
2.43. Eventual imputação em pagamento:
Caso o total ou parte do valor que
porventura
venha a ser depositado deva ser convertido em renda a favor do demandado, aludida verba deverá ser então imputada em pagamento, na forma do art. 354, Código Civil, com adimplemento dos juros moratórios em primeiro plano e, vencidos os juros, com adimplemento do remanescente (multa), na sequência.
Dever-se-á apurar, tanto por isso, se aludido depósito terá o condão de afastar consectários moratórios, o que pressupõe avaliar se a consignação em juízo teria se dado de modo procedente, para os fins do art. 337, parte final, Código Civil e art. 540, Código de Processo Civil, antes aludidos
. Caso efetuado o depósito, a questão deverá ser apreciada por época do julgamento da demanda.
2.44.
Efeitos decorrentes da efetivação do depósito:
Em regra, o depósito do valor total discutido impede o protesto do aludido crédito; inibe a inscrição do nome do(a) autor(a) em cadastros restritivos ao crédito, a exemplo do CADIN, SERASA, SPR, SCR:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESTITUIÇÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. INDEVIDA. BOA-FÉ. Deve ser mantida a decisão que deferiu a antecipação de tutela para determinar ao INSS que, até decisão judicial em sentido contrário, abstenha-se de inscrever em dívida ativa os valores recebidos pelo agravado a título de benefício previdenciário, por entender que se trata de verba de natureza alimentar, recebida de boa fé pelo segurado. A decisão agravada está de acordo com o posicionamento do STJ e desta Corte. (TRF-4 - AG: 50132022420114040000 5013202-24.2011.4.04.0000, Relator: CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Data de Julgamento: 31/01/2012, QUINTA TURMA)
Em tal hipótese, caso tenha sido deferido e tenha sido realizado o depósito em conta vinculada ao processo, e a pretensão da autora venha a ser reputada improcedente, em sentença transitada em julgado, o banco poderá cobrar consectários moratórios
, conforme conste estipulado nos contratos, quanto ao período em que tenha sido privado de auferir tais recursos - lógica dos arts. 302, 520, art. 540, CPC, art. 337, CC e súmula 405, STF.
2.45.
Ônus demonstrativo - mandado de segurança:
Como registrei acima, no rito do mandado de segurança incumbe ao impetrante o encargo de apresentar, com a peça inicial, elementos probatórios da veracidade da sua narrativa sobre os fatos. Aludido procedimento não viabiliza a realização de diligências probatórias no seu curso.
Tanto por isso, revela-se incabível a inversão do ônus da prova prevista no art. 373, §1, Código de Processo Civil.
Ademais, como regra, “
cabe ao administrado demonstrar a contrariedade da atuação administrativa, no exercício do poder de polícia, com as regras jurídicas pertinentes. A concordância da descrição fática apresentada pela Administração com a realidade prevalece até prova em contrário, no que a doutrina especializada denomina presunção iuris tantum de veracidade dos atos administrativos
."
(EDcl no REsp 894571/PE, rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, publ. DJe 01/07/2009; Ag 1326850, rel. Min. Luiz Fux, publ. 02/12/2010; Ag 1371059, rel. Min. Herman Benjamin, publ. 14/02/2011. ( AMS 0005259-92.2007.4.01.4000/PI, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, Rel.Conv. JUIZ FEDERAL CARLOS EDUARDO CASTRO MARTINS (CONV.), QUINTA TURMA, e-DJF1 p.33 de 12/12/2012).
O ônus da prova incumbe, pois, à parte autora.
2.46. Elementos de convicção:
A impetrante sustentou ter celebrado, em 25 de março de 2008, um contrado de compra e venda, em conjunto com seu cônjuge - na condição de compradores -, com a celebração conjunta de um contrato de mútuo feneratício:
A autenticidade das assinaturas foi atestada em cartório em 07 de abril de 2010. D'outro tanto, em 25 de junho de 2010, a impetrante celebrou um contrato de compra e venda, agora na condição de vendedora, como segue:
Ao que consta, o credor Banco do Brasil teria participado da negociação, aquiescendo com a alienação dos direitos incidentes sobre o imóvel.
Alegadamente, o banco teria sido representado no ato pelo seguinte gerente operacional:
O documento não veicula assinaturas dos contratantes; há rubricas atribuídas a testemunhas (evento1, escritura7). A impetrante anexou termo de desistência do imóvel - data de 15 de julho de 2008, ou seja, menos de 04 meses depois da aquisição. Juntou comprovante de inscrição junto ao CAFIR, e DAM - Japira de 2010.
Anexou certidão negativa de débitos ambientais - ano de 2011. Apresentou certidão de inscrição em dívida ativa.
Anexou, ademais, instrumento de compromisso de compra e venda, datado de 25 de janeiro de 2025.
Esses são os elementos de convicção veiculados nos autos.
2.47.Valoração precária dos elementos de convicção:
Segundo se infere dos documentos veiculados no movimento1, a União Federal teria inscrito débito, em nome da autora, em dívida ativa, com
código de receita 1529
, que trata de despesas alusivas ao Fundo de Terras e da Reforma Agrária, conforme Ato Declaratório Executivo
Codac
22, de 31 de março de 2010.
Ao que consta, o Fundo de Terras e da Reforma Agrária (FTRA) tem por escopo financiar programas de reordenação fundiária e de assentamento rural. Ele tem sido operacionalizado pelo Programa Nacional de Crédito Fundiário – Terra Brasil (PNCF – Terra Brasil), administrado pela Secretaria de Governança Fundiária, Desenvolvimento Territorial e Socioambiental (SFTS/MDA) do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA). Esse programa oferece financiamento de crédito rural para que agricultores sem acesso à terra, ou com pouca terra, possam comprar imóvel rural com juros e condições de pagamento diferenciadas.
Por outro lado, a autora sustentou ter transferido o imóvel - aparentemente, alvo de assentamento rural - para terceiro, transferindo também a condição de devedora, com aquiescência do mutuante, Banco do Brasil, na medida em que a instituição financeira teria sido representada no pacto pertinente, acima transcrito. Não está suficientemente claro, porém, se os débitos alusivos ao código 1529 teriam tratado, no caso, do aludido financaimento avençado com o Banco do Brasil, ou se teriam tratado de outros encargos, porventura devidos pela impetrante e seu cônjuge.
Aparentemente, os créditos parecem não se confundir, dado que a inscrição foi promovida pela União - ou, provavelmente, pelo INCRA -, versando sobre valores pretendidos pelo ente federativo. Transcrevo o seguinte:
Por conta disso, por mais que tenha em conta a urgência noticiada pela impetrante, reputo que não há como deferir a liminar esta quadra, eis que a questão deve ser esclarecida no processo. Postergo, pois, a retomada da apreciação do pedido de liminar para o momento subsequente à manifestação das autoridades impetradas.
Faculto à demandante a promoção de depósito do valor discutido, caso isso se revele do seu interesse, o que surtirá, então, a suspensão da exigibilidade do débito, observadas as regras acima detalhadas.
III - EM CONCLUSÃO
3.1. DECLARO a competência do presente juízo para processamento deste mandado de segurança, conforme fundamentação acima.
3.2. ANOTO que, em primeiro exame, não diviso sinais de conexão desta demanda com algum outro processo, para fins de solução conjunta. Destaco, de todo modo, que, caso já tenha sido deflagrada execução fiscal versando sobre o crédito inscrito em dívida ativa, indicado na inicial, isso deverá ser informado neste mandado de segurança para deliberação.
3.3. REGISTRO que não há indicativos de que esta demanda incorra em violação à coisa julgada, tampouco sendo caso de litispendência.
3.4. RECONHEÇO, com cognição precária, a legitimidade da demandante para o presente mandado de segurança, na forma do art. 17, CPC. A impetrante possui interesse processual.
3.5. REPUTO as autoridades impetradas legitimadas para a demanda. Ressalvo eventual novo exame do tema, caso se constate haver interesse jurídico do INCRA no caso.
3.6. SUBLINHO ainda que, em princípio, o direito à impetração não esbarrou na decadência do direito à impetração - art. 23 da lei n. 8.906/1994, sem prejuízo de posterior análise dessa questão.
3.7. EQUACIONEI alguns tópicos acima, com cognição precária, relevantes para a apreciação do pedido de liminar.
3.8. POSTERGO, porém, a retomada do aludido exame, tão logo a autoride impetrada se manifeste nos autos.
3.9. NOTIFIQUEM-SE a autoridade impetrada - pela via mais célere possível (art. 5º, §5º, da lei n. 11.419/2006) - para que prestem as informações no prazo de 10(dez) dias úteis, conforme art. 7 da lei de mandado de segurança - lei n. 12.016/2009. Anoto que a parte impetrante poderá promover aludida notificação, por meio do(a) seu(sua) advogado(a) na forma do art. 269, § 1, Código de Processo Civil/15.
3.10. INTIME-SE a União Federal e o INCRA, por meio da sua representação jurídica, para os fins do art. 7, II, da lei de mandado de segurança.
3.11. VOLTEM-ME conclusos para exame, de forma destacada dos demais, tão logo sejam prestadas as informações ou se esgote
o prazo para tanto fixado.
3.12. INTIMEM-SE as partes a respeito desta deliberação.
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear