Processo nº 1001571-28.2023.8.11.0025
ID: 276795531
Tribunal: TJMT
Órgão: Quarta Câmara Criminal
Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO
Nº Processo: 1001571-28.2023.8.11.0025
Data de Disponibilização:
22/05/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
TEILON AUGUSTO DE JESUS
OAB/MT XXXXXX
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BRUNA THAYNARA GUIMARAES GARCIA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1001571-28.2023.8.11.0025 Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Assunto: [Homicídio Qualificado] Relator: Des(a). LIDIO …
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO QUARTA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1001571-28.2023.8.11.0025 Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Assunto: [Homicídio Qualificado] Relator: Des(a). LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO Turma Julgadora: [DES(A). LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO, DES(A). JUVENAL PEREIRA DA SILVA, DES(A). HELIO NISHIYAMA] Parte(s): [POLÍCIA JUDICIÁRIA CIVIL DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 03.507.415/0029-45 (RECORRIDO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (RECORRIDO), LUIS CARLOS DOS SANTOS DA SILVA - CPF: 024.840.911-50 (RECORRENTE), LUIZ FERNANDO TRAJANO FERREIRA - CPF: 060.997.011-92 (RECORRENTE), BRUNA THAYNARA GUIMARAES GARCIA - CPF: 053.626.631-00 (ADVOGADO), TEILON AUGUSTO DE JESUS - CPF: 020.594.611-97 (ADVOGADO), JOHN DE ANDRADE OLIVEIRA - CPF: 862.110.722-87 (RECORRENTE), CAIO FERNANDO GIANINI LEITE - CPF: 248.451.428-05 (ADVOGADO), OSWALDO LOPES DE SOUZA - CPF: 081.913.018-49 (ADVOGADO), RODRIGO POUSO MIRANDA - CPF: 698.386.151-53 (ADVOGADO), SILVANY FERNANDES RODRIGUES DE FREITAS - CPF: 704.815.621-09 (RECORRENTE), ELMA PEREIRA DE MELO - CPF: 011.878.201-05 (TERCEIRO INTERESSADO), JULIO CEZAR LEAL DA SILVA - CPF: 060.991.981-48 (TERCEIRO INTERESSADO), VAMILSO FRANCISCO DA SILVA (TERCEIRO INTERESSADO), EDER DE NOURA PAIXÃO MEDEIROS (TERCEIRO INTERESSADO), JOSE LUCAS DA SILVA SOARES - CPF: 060.985.161-62 (TERCEIRO INTERESSADO), VITOR BARROS CORREIA - CPF: 108.563.121-42 (TERCEIRO INTERESSADO), GEOVANE LEAL DA SILVA - CPF: 060.991.851-60 (VÍTIMA), JOHN DE ANDRADE OLIVEIRA - CPF: 862.110.722-87 (TERCEIRO INTERESSADO)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a QUARTA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). HELIO NISHIYAMA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE NEGOU PROVIMENTO AOS RECURSOS, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR. E M E N T A: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRONÚNCIA. PEDIDO DE IMPRONÚNCIA E DE AFASTAMENTO DE QUALIFICADORAS. STANDARD PROBATÓRIO. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS PARA AFASTAMENTO. RECURSOS DESPROVIDOS. I. Caso em exame: Recurso em Sentido Estrito interposto contra sentença prolatada pelo Juízo da 3ª Vara da Comarca de Juína (MT), que pronunciou os recorrentes pela prática do crime previsto no art. 121, § 2º, incisos I, III e IV, c.c. art. 29, caput, do Código Penal, com as implicações da Lei n. 8.072/1990, em virtude do homicídio de G.L. da S. As defesas requerem a impronúncia ou o decote das qualificadoras, alegando ausência de provas suficientes. II. Questão em discussão: Há duas questões em discussão: (i) analisar se há elementos probatórios suficientes para sustentar a pronúncia dos recorrentes pelo crime de homicídio qualificado; (ii) verificar se é possível o afastamento das qualificadoras de motivo torpe, dissimulação e perigo comum. III. Razões de decidir: 1. A decisão de pronúncia exige a presença de prova da materialidade e de indícios suficientes de autoria ou participação, sendo necessário standard probatório elevado, mas sem necessidade de certeza plena. 2. Deve ser afastado o princípio in dubio pro societate como critério decisório, adotando-se os standards probatórios previstos na legislação e jurisprudência consolidada do STJ e TJMT. 3. A prova judicializada evidencia indícios consistentes de que Luiz Fernando atraiu a vítima ao local do crime, que Silvany transportou o autor dos disparos, e que o crime decorreu de motivação torpe e mediante dissimulação, praticado em local público com perigo a terceiros. 4. Os elementos probatórios, obtidos sob o crivo do contraditório, são suficientes para sustentar a pronúncia e a manutenção das qualificadoras, sendo inadequado afastá-las nesta fase processual. IV. Dispositivo e Tese: Recursos desprovidos. Tese de julgamento: “1. O standard probatório para a decisão de pronúncia exige prova da materialidade e indícios suficientes de autoria ou participação, não se admitindo a pronúncia fundada apenas em dúvida. 2. Prevalência dos standards de prova legalmente previstos. 3. A manutenção das qualificadoras é cabível quando presentes indícios mínimos que sustentem sua apreciação pelo Tribunal do Júri”. Dispositivos relevantes citados: Art. 121, § 2º, incisos I, III e IV, c.c. art. 29, caput, do Código Penal; art. 413 do Código de Processo Penal; Lei n. 8.072/1990. Jurisprudência relevante citada: STJ – REsp n. 2.091.647/DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, j. em 26/09/2023; AREsp n. 2.236.994/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, j. em 21/11/2023; RHC n. 172.039/CE, Rel. Min. Daniela Teixeira, Quinta Turma, j. em 02/04/2024. TJMT – N.U 0019529-65.2013.8.11.0002, Rel. Des. Paulo da Cunha, Primeira Câmara Criminal, j. em 12/12/2023; N.U 0002205-05.2018.8.11.0029, Rel. Des. Marcos Machado, Primeira Câmara Criminal, j. em 14/11/2023. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DES. LÍDIO MODESTO DA SILVA FILHO Egrégia Câmara: Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto por Luiz Fernando Trajano Ferreira e Silvany Fernandes Rodrigues de Freitas pretendendo a reforma da sentença prolatada pelo Juízo da 3ª Vara da Comarca de Juína (MT), nos autos da Ação Penal n. 1001571-28.2023.8.11.0025, que os pronunciou pelo crime previsto no artigo art. 121, § 2º, incisos I (torpe), III (perigo comum) e IV (dissimulação) c.c. art. 29, caput, do Código Penal, com as implicações da Lei n. 8.072/1990, por fato ocorrido em 29/04/2023 contra a vítima Geovane Leal da Silva (sentença de Id. 271587577). Razões recursais de Luiz Fernando Trajano Ferreira (Id. 271587628), requerendo o decote das qualificadoras do motivo torpe, dissimulação e do perigo comum. Contrarrazões do Ministério Público (Id. 271587645), rebatendo as teses defensivas do apelante e requerendo a manutenção da sentença de pronúncia. Razões recursais de Silvany Fernandes Rodrigues de Freitas (Id. 271587641), são pela reanálise dos fatos e provas, com fulcro no exercício da autodefesa pela parte ré, respeitando-se o princípio da vedação à reformatio in pejus. Contrarrazões recursais pelo Ministério Público (Id. 271587636) desprovida de fundamentação específica, apenas reiterando suas alegações finais sob a forma de memoriais (Id. 137882579 e Id. 149319549). Juízo de admissibilidade positivo e de retratação negativo (Id. 271587648). A d. Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer de lavra do Procurador de Justiça Alexandre de Matos Guedes, manifesta-se pela ratificação in totum do conteúdo das contrarrazões de Id. 271587636 - Pág. 1 a 7 e Id. 271587645 - Pág. 1 a 6, cuja fundamentação segue confirmada, per relationem, para desprover os recursos em sentido estrito (Id. 282028380). É o relatório. V O T O EXMO. SR. DES. LÍDIO MODESTO DA SILVA FILHO Egrégia Câmara: Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso interposto e passo à análise do mérito. A denúncia narra o seguinte: (...) No dia 29 de abril de 2023, durante a tarde, no comércio Mercado da Vila, próximo ao Ginásio Municipal, localizado na Rodovia Carolina Rezzieni, Bairro 3º Assentamento, em Castanheira/MT, os denunciados, com nítida intenção homicida e em unidade de desígnios, por motivo torpe, mediante dissimulação e perigo comum, mataram a vítima Geovani Leal da Silva, efetuando contra ela diversos disparos de arma de fogo, causando-lhe hemorragia intracraniana, causa de sua morte. O denunciado 2) LUIZ atraiu a vítima para o local do crime, para que o denunciado 1) JOHN, chegando pouco depois, efetuasse contra ela os disparos de arma de fogo que causaram a sua morte. A denunciada 3) SILVANY levou 1) JOHN até o local do fato de motocicleta e lhe deu guarida na execução da vítima, para, em seguida, ambos foragirem na motocicleta conduzida por ela. A motivação do crime foi dívida de droga da vítima, o que revela a torpeza. A conduta homicida gerou perigo comum, eis que foram inúmeros disparos de arma de fogo num local público com várias pessoas no recinto. Os denunciados valeram-se de dissimulação, que consistiu na vítima ser atraída para o local do crime sob o pretexto de que receberia entorpecente. Ante o exposto, o Ministério Público oferece denúncia contra 1) JOHN DE ANDRADE OLIVEIRA, vulgo NEGO, 2) LUIZ FERNANDO TRAJANO FERREIRA, vulgo LP, e 3) SILVANY FERNANDES RODRIGUES DE FREITAS, vulgo SÊSÊ, como incurso(s) nas sanções do art. 121, § 2º, I (torpe), III (perigo comum) e IV (dissimulação), c/c art. 29, caput, todos do CP, requerendo, para tanto, que, após recebida e autuada esta peça, seja dado prosseguimento por meio do devido processo legal, aplicando-se o rito especial do Tribunal do Júri, citando-se o(s) denunciado(s) para oferecer(em) resposta à acusação e, posteriormente interrogando-o(s), prosseguindo-se nos termos da Lei, para ao final pronunciá-lo(s) nos termos desta exordial. (...). Após o regular trâmite processual, os recorrentes foram pronunciados, conforme estabelecido na denúncia (Id. 271587577). Irresignados, os recorrentes interpuseram o presente recurso, cujas teses defensivas passo a analisar. I – Standard probatório para o juízo de pronúncia: Sabe-se que o processo do júri, utilizado para julgar crimes dolosos contra a vida e seus casos correlatos (conforme o artigo 5º, XXXVIII, da Constituição Federal de 1988), consiste em duas etapas distintas. A primeira delas, chamada de judicium accusationis, ocorre diante de um juiz singular e tem como objetivo analisar os fatos apresentados na acusação inicial para determinar se há justificativa para levar o acusado a julgamento pelo Tribunal do Júri. A sentença de pronúncia constitui uma avaliação preliminar da admissibilidade da acusação, levando em consideração a existência de um crime doloso contra a vida, não sendo discutido, nessa fase, o mérito da causa, mas sim se a acusação deve ser aceita ou rejeitada, havendo pronúncia em caso de existência de fundamento para o convencimento acerca da materialidade do fato e presentes indícios suficientes da autoria ou da participação do acusado no crime (art. 413, do CPP). A acusação tem, após o recebimento da denúncia, a oportunidade de fortalecer os indícios colhidos durante a apuração indiciária com ganho de consistência probatória para que, ao analisar os autos na primeira etapa do processo, possa o magistrado ter à sua disposição elementos que indiquem de maneira forte que o acusado participou, ou seja, de fato, o autor do crime. Estes indícios a serem sopesados pelo magistrado que prolata uma decisão de submissão do acusado ao Júri Popular deve ter um nível de certeza mais elevado que o necessário para o recebimento da denúncia, não devendo ser comprobatório de certeza, mas estar próximo desta. Sobre este aspecto ponderou o decano deste Sodalício, o Des. Orlando de Almeida Perri, em seu artigo: O standard de provas na decisão de pronúncia e as informações do inquérito policial. Basta de juiz-pilatos! (Publicado em: https://www.migalhas.com.br/depeso/330397/o-standard-de-provas-na-decisao-de-pronuncia-e-as-informacoes-do-inquerito-policial--basta-de-juiz-pilatos---elenao.): Assim, os indícios para a pronúncia devem ser vistos como aqueles que sejam necessários e suficientes para uma condenação, não em nível de certeza plena, mas de uma certeza aproximada. Esta, a mens legis que o juiz deve considerar, pois não se admite que o réu seja levado a júri sem que existam provas que despontem uma probabilidade elevada (não elevadíssima) de ser ele o autor do crime. Nos termos do artigo 415, do Código de Processo Penal, o juiz poderá absolver o acusado sumariamente quando: estiver comprovada a inexistência do delito; estiver provado não ser ele autor ou partícipe do fato; o fato não constituir infração penal; e, por fim, estiver demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime. Com exceção dos casos de inimputabilidade para os quais seja cabível a aplicação de medida de segurança, quaisquer dessas hipóteses absolutórias devem exsurgirincontestáveisnos autos, para que esteja preenchido o standard probatório necessário. Em que pese a divergência jurisprudencial e doutrinária quanto à existência ou não do princípio in dubio pro societate na sentença de pronúncia, é preferível que sejam utilizados os standards probatórios em seu lugar, que advêm de previsão legal e são menos influenciáveis por questões políticas e ideológicas, além daquelas inescapáveis à própria elaboração da lei pelos legisladores. Com a devida vênia aos entendimentos dissonantes quanto à máxima do in dubio pro societate, é a crítica doutrinária: Não há dispositivo constitucional ou legal que sufrague o princípio in dubio pro societate, para permitir a pronúncia de um réu. Nada obstante, o seu uso tem sido reiterado, banalizado, na jurisprudência dos tribunais. Se a dúvida autoriza a pronúncia, o efeito prático será a remessa de muitos a júri, lançando-os à sorte do julgamento popular, constituído de pessoas que, geralmente, não dominam a dogmática das categorias probatórias. A aplicação do cânone de que “na dúvida, a decisão deve ser a favor da sociedade” tem sido objeto de enfática crítica doutrinária. [...]. Se o juiz da instrução preliminar verificar que absolveria por insuficiência de provas o réu, caso fosse a sua atribuição julgar singularmente a questão, é porque não deve pronunciar. [...]. Sobre o in dubio pro societate, Fauzi Hassan Chukr sublinha que “tal ‘princípio’ não existe fora do seu mero emprego retórico (e este emprego existe à saciedade) e ele nada mais é que o fruto direto das manipulações ideológicas que alteraram as estruturas do Tribunal do Júri e que afastaram o juiz natural do momento de admissibilidade”. A admissibilidade deve ser um funil rigoroso, a fim de controlar a permeabilidade entre a situação de inocente, cuja presunção é assegurada constitucionalmente, àquela de submetido a um julgamento perante leigos. Nesse contexto, André Gracia observa que o cunho da primeira fase do rito do júri consiste em “delimitar a justa causa” para que um réu não seja “levado à sessão do Tribunal do Júri de maneira leviana”, isto é, sem base probatória justificadora de validade de eventual condenação. Nesse sentido, Paulo Thiago dias aponta que a adoção do in dubio pro societate ou do “in dubio contra reum é antidemocrático e, portanto, autoritário, em face do que “o Judiciário se distancia do seu papel contramajoritário” e perde “a posição de guardião último dos direitos fundamentais e parte para uma atuação menos científica e liberal”. Em outros termos, o autor aviva que “a decisão de pronúncia não é somente uma decisão destinada a transferir o acusado (quase como um objeto) para ser julgado perante o júri. A decisão de pronúncia é garantidora: do grau de civilidade da sociedade, da democraticidade, da liberdade, da dignidade, do respeito aos acusados e do devido processo penal legal e convencional. (TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. CURSO DE PROCESSO PENAL E EXECUÇÃO PENAL. 19ª Ed. São Paulo: 2024. p. 739-740). Muito embora existam vários outros julgados nesse sentido, ressalte-se o entendimento firmado no julgamento do REsp n. 2.091.647/DF, finalizado em 26/9/2023, em que a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça adotou o posicionamento de banir de seu léxico o in dubio pro societate: RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO SIMPLES. DECISÃO DE PRONÚNCIA. IN DUBIO PRO SOCIETATE. NÃO APLICAÇÃO. STANDARD PROBATÓRIO. ELEVADA PROBABILIDADE. NÃO ATINGIMENTO. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA OU PARTICIPAÇÃO. DESPRONÚNCIA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A Constituição Federal determinou ao Tribunal do Júri a competência para julgar os crimes dolosos contra a vida e os delitos a eles conexos, conferindo-lhe a soberania de seus vereditos. Entretanto, a fim de reduzir o erro judiciário (art. 5º, LXXV, CF), seja para absolver, seja para condenar, exige-se uma prévia instrução, sob o crivo do contraditório e com a garantia da ampla defesa, perante o juiz togado, que encerra a primeira etapa do procedimento previsto no Código de Processo Penal, com a finalidade de submeter a julgamento no Tribunal do Júri somente os casos em que se verifiquem a comprovação da materialidade e a existência de indícios suficientes de autoria, nos termos do art. 413, caput e § 1º, do CPP. 2. Assim, tem essa fase inicial do procedimento bifásico do Tribunal do Júri o objetivo de avaliar a suficiência ou não de razões para levar o acusado ao seu juízo natural. O juízo da acusação (judicium accusationis) funciona como um importante filtro pelo qual devem passar somente as acusações fundadas, viáveis, plausíveis e idôneas a serem objeto de decisão pelo juízo da causa (judicium causae). A pronúncia consubstancia, dessa forma, um juízo de admissibilidade da acusação, razão pela qual o Juiz precisa estar "convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação" (art. 413, caput, do CPP). 3. A leitura do referido dispositivo legal permite extrair dois standards probatórios distintos: um para a materialidade, outro para a autoria e a participação. Ao usar a expressão "convencido da materialidade", o legislador impôs, nesse ponto, a certeza de que o fato existiu; já em relação à autoria e à participação, esse convencimento diz respeito apenas à presença de indícios suficientes, não à sua demonstração plena, exame que competirá somente aos jurados. 4. A desnecessidade de prova cabal da autoria para a pronúncia levou parte da doutrina - acolhida durante tempo considerável pela jurisprudência - a defender a existência do in dubio pro societate, princípio que alegadamente se aplicaria a essa fase processual. Todavia, o fato de não se exigir um juízo de certeza quanto à autoria nessa fase não significa legitimar a aplicação da máxima in dubio pro societate - que não tem amparo no ordenamento jurídico brasileiro - e admitir que toda e qualquer dúvida autorize uma pronúncia. Aliás, o próprio nome do suposto princípio parte de premissa equivocada, uma vez que nenhuma sociedade democrática se favorece pela possível condenação duvidosa e injusta de inocentes. 5. O in dubio pro societate, "na verdade, não constitui princípio algum, tratando-se de critério que se mostra compatível com regimes de perfil autocrático que absurdamente preconizam, como acima referido, o primado da ideia de que todos são culpados até prova em contrário (!?!?), em absoluta desconformidade com a presunção de inocência [...]" (Voto do Ministro Celso de Mello no ARE n. 1.067.392/AC, Rel. Ministro Gilmar Mendes, 2ª T., DJe 2/7/2020). Não pode o juiz, na pronúncia, "lavar as mãos" - tal qual Pôncio Pilatos - e invocar o "in dubio pro societate" como escusa para eximir-se de sua responsabilidade de filtrar adequadamente a causa, submetendo ao Tribunal popular acusações não fundadas em indícios sólidos e robustos de autoria delitiva. 6. Não há falar que a negativa de aplicação do in dubio pro societate na pronúncia implicaria violação da soberania dos vereditos ou usurpação da competência dos jurados, a qual só se inaugura na segunda etapa do procedimento bifásico. Trata-se, apenas, de analisar os requisitos para a submissão do acusado ao tribunal popular sob o prisma dos standards probatórios, os quais representam, em breve síntese, "regras que determinam o grau de confirmação que uma hipótese deve ter, a partir das provas, para poder ser considerada provada para os fins de se adotar uma determinada decisão" (FERRER BELTRÁN, Jordi. Prueba sin convicción: estándares de prueba y debido proceso. Madrid: Marcial Pons, 2021, p. 24) ou, nas palavras de Gustavo Badaró, "critérios que estabelecem o grau de confirmação probatória necessário para que o julgador considere um enunciado fático como provado, sendo aceito como verdadeiro" (BADARÓ, Gustavo H. Epistemologia judiciária e prova penal. 2 ed., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023, p. 241). 7. Segundo Ferrer-Beltrán, "o grau de exigência probatória dos distintos standards de prova para distintas fases do procedimento deve seguir uma tendência ascendente" (op. cit., p. 102), isto é, progressiva, pois, como explica Caio Massena, "não seria razoável, a título de exemplo, para o recebimento da denúncia - antes, portanto, da própria instrução probatória, realizada em contraditório - exigir um standard de prova tão alto quanto aquele exigido para a condenação" (MASSENA, Caio Badaró. Prisão preventiva e standards de prova: propostas para o processo penal brasileiro. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, v. 7, n. 3, p. 1.631-1.668, set./dez. 2021). 8. Essa tendência geral ascendente e progressiva decorre, também, de uma importante função política dos standards probatórios, qual seja, a de distribuir os riscos de erro entre as partes (acusação e defesa), erros estes que podem ser tanto falsos positivos (considerar provada uma hipótese falsa, por exemplo: condenação de um inocente) quanto falsos negativos (considerar não provada uma hipótese verdadeira, por exemplo: absolvição de um culpado) (FERRER-BELTRÁN, op. cit., p. 115-137). Deveras, quanto mais embrionária a etapa da persecução penal e menos invasiva, restritiva e severa a medida ou decisão a ser adotada, mais tolerável é o risco de um eventual falso positivo (atingir um inocente) e, portanto, é mais atribuível à defesa suportar o risco desse erro; por outro lado, quanto mais se avança na persecução penal e mais invasiva, restritiva e severa se torna a medida ou decisão a ser adotada, menos tolerável é o risco de atingir um inocente e, portanto, é mais atribuível à acusação suportar o risco desse erro. 9. É preciso, assim, levar em conta a gravidade do erro que pode decorrer de cada tipo de decisão; ser alvo da abertura de uma investigação é menos grave para o indivíduo do que ter uma denúncia recebida contra si, o que, por sua vez, é menos grave do que ser pronunciado e, por fim, do que ser condenado. Como a pronúncia se situa na penúltima etapa (antes apenas da condenação) e se trata de medida consideravelmente danosa para o acusado - que será submetido a julgamento imotivado por jurados leigos -, o standard deve ser razoavelmente elevado e o risco de erro deve ser suportado mais pela acusação do que pela defesa, ainda que não se exija um juízo de total certeza para submeter o réu ao Tribunal do Júri. 10. Deve-se distinguir a dúvida que recai sobre a autoria - a qual, se existentes indícios suficientes contra o acusado, só será dirimida ao final pelos jurados, porque é deles a competência para o derradeiro juízo de fato da causa - da dúvida quanto à própria presença dos indícios suficientes de autoria (metadúvida, dúvida de segundo grau ou de segunda ordem), que deve ser resolvida em favor do réu pelo magistrado na fase de pronúncia. Vale dizer, também na pronúncia - ainda que com contornos em certa medida distintos - tem aplicação o in dubio pro reo, consectário do princípio da presunção de inocência, pedra angular do devido processo legal. 11. Assim, o standard probatório para a decisão de pronúncia, quanto à autoria e a participação, situa-se entre o da simples preponderância de provas incriminatórias sobre as absolutórias (mera probabilidade ou hipótese acusatória mais provável que a defensiva) - típico do recebimento da denúncia - e o da certeza além de qualquer dúvida razoável (BARD ou outro standard que se tenha por equivalente) - necessário somente para a condenação. Exige-se para a pronúncia, portanto, elevada probabilidade de que o réu seja autor ou partícipe do delito a ele imputado. 12. A adoção desse standard desponta como solução possível para conciliar os interesses em disputa dentro das balizas do ordenamento. Resguarda-se, assim, a função primordial de controle prévio da pronúncia sem invadir a competência dos jurados e sem permitir que o réu seja condenado pelo simples fato de a hipótese acusatória ser mais provável do que a sua negativa. 13. Na hipótese dos autos, segundo o policial Eduardo, no dia dos fatos, ele ouviu disparos de arma de fogo e, em seguida, uma moradora do bairro, onde ele também residia, bateu à sua porta e informou que os atiradores estavam em um veículo Siena de cor preta. O policial, então, saiu com um colega de farda para acompanhar e abordar o veículo, o que foi feito. Na ocasião, estavam no carro o recorrente (condutor) e os corréus (passageiros). Em revista, foram encontradas armas de fogo com os corréus e, na delegacia, eles confessaram o crime e confirmaram a versão do recorrente de que ele havia sido apenas solicitado como motorista para levá-los até o local, esperar em uma farmácia por alguns minutos e trazê-los de volta, e não tinha relação com os fatos. Uma testemunha sigilosa e o irmão do recorrente foram ouvidos e afirmaram que ele trabalhava há cerca de cinco anos com transporte de passageiros. 14. Não há nenhum indício robusto de que o recorrente haja participado conscientemente do crime, porque: a) nenhum objeto ilícito foi apreendido com ele; b) nenhum elemento indicativo de que ele conhecesse ou tivesse relação com os corréus nem com a vítima foi apresentado; c) não consta que ele haja tentado empreender fuga dos policiais na condução do veículo quando determinada a sua abordagem d) os corréus negaram conhecer o acusado e afirmaram que ele era apenas motorista; e) as testemunhas de defesa confirmaram que o acusado trabalhava com transporte de passageiros. Ademais, a confirmar a fragilidade dos indícios existentes contra ele, o recorrente - ao contrário dos corréus - foi solto na audiência de custódia e o Ministério Público inicialmente nem sequer ofereceu denúncia em seu desfavor porque entendeu que ainda não tinha elementos suficientes para tanto. Só depois da instrução e da pronúncia dos corréus é que, mesmo sem nenhuma prova nova, decidiu denunciá-lo quando instado pelo Magistrado a se manifestar sobre a situação do acusado. 15. Uma vez que não foi apontada a presença de indícios suficientes de participação do recorrente no delito que pudessem demonstrar, com elevada probabilidade, o seu envolvimento no crime, a despronúncia é medida de rigor. 16. Recurso especial provido para despronunciar o acusado. (REsp n. 2.091.647/DF, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 26/9/2023, DJe de 3/10/2023) (grifos meus). Entendimento que vem alcançando também algumas decisões, até mesmo na Quinta turma do Superior Tribunal de Justiça: PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO TENTADO. PRONÚNCIA. INEXISTÊNCIA, NO CASO CONCRETO, DE INDÍCIOS MÍNIMOS PARA CORROBORAR COM ALTO GRAU DE PROBABILIDADE A HIPÓTESE DA ACUSAÇÃO SOBRE A AUTORIA. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 155, 156, 413 E 414 DO CPP. AGRAVO CONHECIDO PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL, A FIM DE RESTABELECER A DECISÃO DE IMPRONÚNCIA, COM COMUNICAÇÃO DOS FATOS À CORREGEDORIA DA POLÍCIA. 1. Pelo entendimento deste colegiado, vale na etapa da pronúncia o brocardo in dubio pro societate. Em minha visão pessoal, a rigor, o in dubio pro societate não existe. Quando nos referimos a ele como "princípio", o utilizamos na verdade como uma simples metáfora ou um atalho argumentativo, para expressar, em poucas palavras, que a pronúncia tem standards probatórios próprios, não se confundindo com uma sentença condenatória. 2. De todo modo, não proponho alterarmos o entendimento da Turma sobre a aplicação do in dubio pro societate. Apenas registro aqui minha visão particular a seu respeito, alinhada à nova orientação da Sexta Turma firmada no julgamento do REsp 2.091.647/DF, finalizado em 26/9/2023, quando aquele colegiado baniu de seu léxico o in dubio pro societate. 3. Não obstante essa breve ressalva, permanece na fase de pronúncia o ônus da acusação (art. 156 do CPP) de comprovar, com provas produzidas sob o crivo do contraditório (art. 155 do CPP), a hipótese por ela vertida na denúncia, com um nível de corroboração suficiente para aquela etapa processual (art. 413 do CPP). 4. Quanto à materialidade, o art. 413 do CPP exige da pronúncia e da sentença o mesmo nível de segurança, de modo que ambas devem seguir, nesse ponto, o mais alto standard do processo penal. A incerteza quanto à existência do fato em si torna inviável o julgamento popular, como decidiu esta Turma no recente julgamento do AgRg no AgRg no REsp n. 1.991.574/SP, relator Ministro João Batista Moreira, DJe de 8/11/2023, em que recebeu a adesão da maioria do colegiado a fundamentação do voto-vista do Ministro Joel Ilan Paciornik. 5. Em relação à autoria, o que diferencia pronúncia e sentença é o standard probatório exigido para se ter como provada a hipótese acusatória e a profundidade da cognição judicial a ser exercida em cada etapa processual. 6. A pronúncia é uma garantia do réu contra o risco de ocorrência de erros judiciários. Para que o acusado seja pronunciado, então, não basta à hipótese acusatória sobre a autoria ser possível, coerente ou a melhor; além de tudo isso, a pronúncia exige que a imputação esteja fortemente corroborada, com alto grau de probabilidade, por provas claras e convincentes, e que o conjunto probatório seja completo, sem a omissão de provas importantes para a elucidação dos fatos. Suspeitas, boatos e a mera possibilidade de que o réu tenha sido o autor do crime não bastam para a pronúncia. Inteligência dos arts. 155, 156, 413 e 414 do CPP. [...] 11. O Tribunal local não examinou minimamente os dados probatórios técnicos valorados pelo juiz singular, nem explicou o porquê de estar equivocada sua valoração. Na verdade, a Corte estadual apenas invocou genericamente o in dubio pro societate para pronunciar o recorrente, mas não dedicou uma linha sequer à análise das provas periciais, tampouco às contradições entre elas e o testemunho dos policiais. 12. Agravo conhecido e recurso especial provido, a fim de restabelecer a decisão de impronúncia, com determinação de comunicação dos fatos à Corregedoria da PM/SP. (AREsp n. 2.236.994/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 21/11/2023, DJe de 28/11/2023). RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRONÚNCIA FUNDADA EXCLUSIVAMENTE EM TESTEMUNHOS INDIRETOS. INAPLICABILIDADE DO IN DUBIO PRO SOCIETATE. NULIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. A Constituição Federal consagra, como consectário da presunção de inocência (art. 5º, LVII) o in dubio pro reo. Há de se reconhecer que o in dubio pro societate não pode ser utilizado para suprir lacunas probatórias, ainda que o standard exigido para a pronúncia seja menos rigoroso do que aquele para a condenação. 2. Se houver uma dúvida sobre a preponderância de provas, deve então ser aplicado o in dubio pro reo, imposto nos termos constitucionais (art. 5º, LVII, CF), convencionais (art. 8.2, CADH) e legais (arts. 413 e 414, CPP) no ordenamento brasileiro. 2. É entendimento desta Corte que "o testemunho de 'ouvir dizer' ou hearsay testimony não é suficiente para fundamentar a pronúncia, não podendo esta, também, encontrar-se baseada exclusivamente em elementos colhidos durante o inquérito policial, nos termos do art. 155 do CPP". Precedentes. 3. O lastro probatório que embasou a pronúncia consiste, exclusivamente, em testemunhos indiretos por ouvir dizer. As instâncias ordinárias fazem notória e exclusiva referência a declarações e testemunhos prestados por pessoas que não presenciaram o fato para embasar a pronúncia do recorrente. A única testemunha direta da dinâmica delituosa, afirmou "ter presenciado a hora que várias pessoas chegaram e arrebataram a vítima, que dentre as pessoas que arrebataram a vítima reconheceu L que inclusive atirou". Ou seja, o recorrente não foi identificado como autor ou partícipe do fato, havendo, sim, o reconhecimento de pessoa diversa. 4. Recurso provido para despronunciar o recorrente. (RHC n. 172.039/CE, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 2/4/2024, DJe de 23/5/2024) (grifos meus). Veja-se que, no Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, são vários os casos em que se discutiu o tema da sentença de pronúncia sem qualquer menção ao in dubio pro societate, limitando-se tão somente ao standard probatório previsto em lei: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – HOMICÍDIO QUALIFICADO POR RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA (CP, ART. 121, § 2º, IV) – SENTENÇA DE PRONÚNCIA – RECURSO DEFENSIVO – PRETENDIDA A DESPRONÚNCIA – AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE AUTORIA – POSSIBILIDADE – INDÍCIOS DE AUTORIA INSUFICIENTES – VERSÃO DA TESTEMUNHA FRÁGIL E ISOLADA – DÚVIDA RELEVANTE QUE IMPEDE A SUBMISSÃO AO TRIBUNAL DO JÚRI – RECURSO DEFENSIVO PROVIDO. A primeira fase do processo do Tribunal do Júri constitui verdadeiro filtro das teses acusatórias, identificando a plausibilidade das versões apresentadas e com o propósito de evitar a submissão de casos temerários à decisão do Tribunal do Júri. A condição de não se exigir um juízo de certeza quanto à autoria também não significa admitir que qualquer dúvida autorize uma decisão de pronúncia. É impositiva a impronúncia do agente, quando há dúvida sobre o seu envolvimento na prática do crime de homicídio, em estrita observância ao inabalável e inafastável princípio do in dubio pro reo, positivado em nosso ordenamento jurídico e aplicável aos casos de Tribunal do Júri. (N.U 0019529-65.2013.8.11.0002, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PAULO DA CUNHA, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 12/12/2023, Publicado no DJE 18/12/2023) (grifos meus). RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO [MOTIVO FÚTIL E RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA] - PRONÚNCIA – PEDIDO DE DESPRONÚNCIA OU AFASTAMENTO DAS QUALIFICADORAS E ISENÇÃO DAS CUSTAS PROCESSUAIS - DECLARAÇÕES DE TESTEMUNHA PRESENCIAL E POLICIAIS MILITARES - INEXISTÊNCIA DE LAUDO NO LOCAL DO FATO – NÃO APREENSÃO DA ARMA DE FOGO – VÍTIMA NÃO OUVIDA EM JUÍZO – AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE – ENTENDIMENTO DO STJ – LIÇÃO DOUTRINÁRIA – ACÓRDÃO DO TJMT – DESPRONÚNCIA - RECURSO PROVIDO. O juízo de probabilidade inerente a pronúncia não autoriza, em si, o “imenso risco de submeter alguém ao júri quando não houver elementos probatórios suficientes (verossimilhança) de autoria e materialidade” (JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional, Volume II, Lúmen Júris Editora, 2009, Rio de Janeiro, p. 261/262). Exige-se a probabilidade de que o réu seja autor ou partícipe do delito a ele imputado (STJ, REsp nº 2091647/DF). “As atividades cingidas à identificação da materialidade e da autoria do ilícito penal, e à verificação das circunstâncias em que a infração se operou, devem se revestir de todas as formalidades previstas em lei, sob o risco de limitar a garantia a direitos fundamentais, especialmente o de liberdade” (SAAD NETO, Cláudio. O Direito à Prova Pericial no Processo Penal. São Paulo. Thomson Reuters Brasil, 2023. p. 202). “Não se pode [...] submeter todo e qualquer acusado ao julgamento pelo Tribunal Popular do Júri, sem que haja nos autos indícios suficientes de autoria da prática do crime doloso contra a vida, devendo o juiz atuar como um filtro selecionador de julgamentos pelo Júri, só remetendo a este caso com prova séria de autoria e de materialidade [...]” (RSE nº 1003671-70.2019.8.11.0000). Recurso provido para despronunciar o recorrente da tentativa de homicídio qualificado pelo motivo fútil e recurso que dificultou a defesa da vítima (art. 121, § 2º, II e IV, c/c art. 14, II, ambos do CP). (N.U 0002205-05.2018.8.11.0029, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, MARCOS MACHADO, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 14/11/2023, Publicado no DJE 17/11/2023) (grifos meus). RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA. PRONÚNCIA. RECURSO DA DEFESA. ALMEJADA DESPRONÚNCIA/ DESCLASSIFICAÇÃO. PROCEDÊNCIA. INDICIOS INSUFICIENTES DE AUTORIA. PRONÚNCIA FUNDADA EM PROVAS INQUISITORIAIS E EM TESTEMUNHO INDIRETO. DECISÃO REFORMADA. DESPRONUNCIA DECRETADA. ACERVO PROBATÓRIO ESCASSO. RECURSO PROVIDO EM DISSONÂNCIA COM O PARECER MINISTERIAL. 1. A sentença de pronúncia não pode estar lastreada somente em indícios colhidos exclusivamente no inquérito policial, por expressa vedação legal (art. 155 do CPP) e deve ser reformada para que se despronuncie o recorrente, quando houver nos autos, como in casu, somente uma declaração judicializada de testemunha que por via indireta tomou conhecimento do fato delituoso, e afirma que o narrado na exordial acusatória seria inverídico, acrescentando, ainda, que a vítima se encontrava em estado de nítido efeito de substância entorpecente. 2. A decisão de pronúncia para ser idônea deve ser lastreada em prova direta da existência do crime e de indícios que sejam suficientes para o convencimento de que há plausibilidade na submissão do recorrente a julgamento pelo Tribunal do júri, eis, que se revela temerário submeter a causa a julgadores leigos, sem que se tenha, mediante observância do princípio do contraditório e ampla defesa, obtido provas que sejam suficientes para afastar a possibilidade de ser levado a julgamento acusado sobre quem não se obteve elementos mínimos de convicção de que seja um provável autor do crime sob investigação. (N.U 0000367-18.2000.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RONDON BASSIL DOWER FILHO, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 16/08/2023, Publicado no DJE 05/09/2023) (grifos meus). Essa discussão de que o princípio da presunção de inocência e sua regra de julgamento in dubio pro reo seriam suplantados pelo in dubio pro societate, na sentença de pronúncia pode levar ao equívoco de que o juiz da primeira fase do procedimento especial dos crimes dolosos contra a vida seja mero expectador, que age como Pôncio Pilatos e simplesmente “lave as mãos”, mandando ao crivo do júri popular todo acusado sem distinção, já que nesta primeira fase, havendo sempre a versão do réu e a do Ministério Público, esta deveria prevalecer por estar supostamente representando a sociedade. Afinal, para que, então, serviria a primeira fase do procedimento especial do júri acaso fosse possível haver pronúncia apenas com elementos probatórios colhidos na fase policial e que na dúvida sempre fosse o acusado pronunciado? Ela seria dispensável e inútil se assim o fosse, melhor que fosse suprimida. A representação da sociedade se dá quando a justiça é feita, condenando aquele que praticou o crime, quando presentes os requisitos para isso, e absolvendo aquele que provado inocente ou quando não houver prova o suficiente para tanto. Encaminhar alguém para ser submetido a julgamento perante o tribunal do júri sem substrato probatório mínimo, ampliando a chance de erro judicial, de injustiças, não parece ser a vontade da sociedade (Se é que ela existe. Quem e como ela foi consultada?). Se um caso sob a análise de um magistrado togado fosse por ele julgado e este se deparasse com uma dúvida acerca da autoria, imediatamente iria absolver o réu. Nesta quadra, em se deparando com idêntica situação, porém em um caso de crime doloso contra a vida, não é crível a submissão de alguém para ser analisado por quem desconhece a forma de se apreciar uma prova e de quem não se cobra tal técnica, podendo o réu correr o risco de ser condenado com base em qualquer prova ou em grau manifestamente insuficiente, sobretudo porque o julgamento é guiado pela íntima convicção e consciência dos jurados, sendo que deve ser considerado, ainda, que pode o júri ser formado por homens com a mesma envergadura moral daqueles que compuseram a multidão que condenou Jesus (Ibid, PERRI, Orlando). Não desconsiderando a importância, a origem e a força que as expressões contêm e carregam consigo, tampouco as consequências da adoção entre uma máxima ou outra, o uso dos standards probatórios soluciona a questão de maneira aparentemente mais apropriada e técnica do que atar-se ao conflito, entre o uso ou não do in dubio pro societate. Quando se fala sobre os standards probatórios, “padrões mínimos” exigidos pela lei, a pergunta a ser feita é "o que é necessário", em termos de prova (qualidade e credibilidade) para se prolatar uma decisão judicial? Mas afinal, o que é standard de prova? Podemos definir como os critérios para aferir a suficiência probatória, o “quanto” de prova é necessário para proferir uma decisão, o grau de confirmação da hipótese acusatória. É o preenchimento desse critério de suficiência que legitima a decisão. O standard é preenchido, atingido, quando o grau de confirmação alcança o padrão adotado. É um marco que determina “o grau mínimo de prova” exigido para considerar-se provado um fato. Suzan HAACK acrescenta ainda que standard probatório está relacionado com o “grau de confiança que a sociedade crê que o juiz deveria ter ao decidir”. E prossegue a autora explicando que standards de prova são graus de “aval”, confiabilidade, credibilidade, confiança (sempre subjetivo, portanto). Esses graus de “aval” não são probabilidades matemáticas. (LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 19ª ed. São Paulo: SaraivaJur. 2022. p. 410 - 411). Evidente que isso depende de qual decisão judicial será prolatada. Para se prolatar uma sentença condenatória, necessário seria demonstrar a materialidade e a autoria do crime, isto é, que o conjunto probatório carreado aos autos evidenciasse com segurança que o acusado praticou aquele crime. Vale lembrar que no Processo Penal Brasileiro cabe à acusação o ônus de comprovar as acusações feitas, somente assim estaria afastada a presunção de inocência e o princípio in dubio pro reo, previstos na Constituição Federal, bem como a máxima "além da dúvida razoável" prevista na Convenção Americana de Direitos Humanos, para ao final da instrução processual ser possível emitir um juízo condenatório, sendo caso contrário à hipótese de absolvição. Sobre o assunto o professor Aury Lopes Jr, assevera: E quais são os principais padrões probatórios (standard) adotados? Basicamente, a partir da matriz teórica mais bem elaborada, que é anglo-saxã, são estabelecidos os seguintes padrões: (...). Prova além de toda a dúvida razoável (beyond/any resonable doubt – BARD), (...). E no Brasil, existe um standard probatório? Podemos trabalhar com o “além de toda a dúvida razoável”? (...). O in dúbio pro reo é uma manifestação da presunção de inocência enquanto regra probatória e também como regra para o juiz, no sentido de que não só não incumbe ao réu nenhuma carga probatória, mas também no sentido de que para condená-lo é preciso prova robusta e que supere a dúvida razoável. Na dúvida, a absolvição se impõe. E essa opção também é fruto de determinada escolha no tema e da gestão do erro judiciário: na dúvida, preferimos absolver o responsável a condenar um inocente. Portanto, ao consagrar a presunção de inocência e seu subprincípio in dubio pro reo, a Constituição e a Convenção Americana sinalizam a possibilidade de adoção do standard probatório de “além de toda a dúvida razoável”, que somente preenchido autoriza um juízo condenatório. (LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 19ª ed. São Paulo: SaraivaJur. 2022. p. 411 - 412). Já para o recebimento da denúncia e decretação de uma prisão preventiva, o standard probatório do BARD pode ser reduzido, bastando, por exemplo, haver justa causa, consistente na demonstração da existência e tipicidade do crime, não haver causa de extinção da punibilidade, ou, em que a inocência da pessoa fosse verificável de plano e sem dúvida, quando ausentes indícios de autoria ou materialidade do delito. E, arremata o processualista penal gaúcho: Compreendido que, para um juízo condenatório, é preciso superar o standard de “além de toda a dúvida razoável”, admite-se um menor nível de exigência probatória para determinadas decisões interlocutórias, que não se confundem com a sentença final. Portanto, perfeitamente sustentável um rebaixamento do standard probatório conforme a fase procedimental. Assim, é razoável e lógico que a exigência probatória seja menor para receber uma acusação ou decretar uma medida cautelar do que o exigido para proferir uma sentença condenatória. É por isso que o CPP fala de indícios razoáveis, indícios suficientes etc. para decisões interlocutórias com menor exigência probatória (rebaixamento de standard) (LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 19ª ed. São Paulo: SaraivaJur. 2022. p. 415). Qual seria o standard probatório necessário para a sentença de pronúncia? Não poderia ser apenas o mesmo exigido para o recebimento da denúncia ou decretação de uma medida cautelar (indícios de autoria e materialidade), pois do contrário, a primeira etapa do procedimento especial seria inútil. Portanto, deve ser algo entre o necessário para o início de uma ação penal e o necessário para se prolatar um decreto condenatório. Sendo imprescindível que haja indícios suficientes de autoria e materialidade e que ao menos alguma destas provas tenha sido produzida em contraditório judicial na primeira etapa do procedimento especial. É isso que se extrai do Código de Processo Penal em uma interpretação sistemática, corroborado pela doutrina e jurisprudência abalizadas, conforme já mencionado alhures. Há que se considerar que na fase de pronúncia deve o magistrado, caso tenha certeza de que o acusado não tenha participado ou praticado o crime, absolvê-lo. Pode, ainda, realizar a desclassificação, caso haja elementos para tanto. Na dúvida quanto à autoria, deve o magistrado se ater no princípio in dubio pro reo, pois a presunção de inocência é princípio soberano na Constituição Federal, de maneira que, neste caso, cabe a impronúncia do acusado. Neste sentido, Disse Perri, em artigo de sua autoria, citado alhures: Aqui reside o equívoco de parte da doutrina e da jurisprudência em achar que o in dubio pro reo, como corolário do princípio da presunção de inocência, tem seu âmbito de aplicação apenas se for para absolver o réu. Este é o grande equívoco, que leva a um outro maior, totalmente inverso e descabido, que é o propalado in dubio pro societate, que tem sido fonte de incontáveis injustiças. A impronúncia não impõe que o juiz esteja absolutamente seguro de que o réu não foi o autor ou partícipe do crime, o que, de resto, conduziria à absolvição (CPP, art. 415, II). Basta que ressaiam dúvidas ao juiz. E a dúvida que autoriza a impronúncia tem ramificação calibrosa no princípio da presunção de inocência. O in dubio pro reo, como manifestação do princípio da presunção de inocência, vigora em todas as fases do processo penal, inclusive na pronúncia, quando houver dúvidas sobre a existência do crime ou de quem seja seu autor. (...). Se o que a Constituição Federal presume é a inocência, a desconstituição dessa presunção é sempre de quem quer desacreditá-la. (Ibid, PERRI, Orlando). Nos termos do art. 413, caput, do Código de Processo Penal, a sentença de pronúncia será fundamentadamente prolatada pelo juiz quando convencido da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação e prova da materialidade dos fatos. No caso em tela, a materialidade do delito encontra-se comprovada por meio do Boletim de Ocorrência n. 2023.118098, Laudo de Necropsia, Laudo Pericial do Local do Crime, Termo de Apreensão, Certidão de óbito, Relatório de Investigações, Termo de Reconhecimentos, Vídeos, Declarações das testemunhas e Interrogatórios dos acusados. No que tange à autoria delitiva, ponto central da insurgência recursal, constata-se que as provas produzidas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa apontam, ao que se denota, para a participação do recorrente no evento criminoso, preenchendo o standard probatório exigido para a pronúncia. Alega, a defesa, que apesar das provas colhidas durante a instrução processual na primeira fase judicial do procedimento escalonado do Tribunal do Júri, não haveria provas aptas a pronunciar os recorrentes. Não obstante a negativa de autoria dos recorrentes, há prova judicializada nos autos a permitir a sua pronúncia, preenchendo o standard probatório necessário. A testemunha Júlio Cezar Leal da Silva, irmão da vítima, relatou em juízo que: “Ministério Público: (...) Conta pra gente que que você sabe desses fatos? Testemunha: Ok. Assim, que eu sei assim depois do acontecido aí é que foi o Luís Fernando, né, que fez aí isso tudo para acontecer, para chegar à morte do meu irmão, entendeu, o que eu sei, é isso. Ministério Público: Por que seu irmão foi morto? Testemunha: Assim, igual todo mundo sabe, ele era usuário, né? Mas nesse ponto acho que não chega nenhuma conclusão da morte dele, entendeu? Porque ele não devia, não tinha dívida nem nada, né? Foi que o menino aí não gostava dele. Ministério Público: Que menino? Testemunha: O Luiz Fernando não gostava dele e armou isso tudo para chegar à morte dele. Ministério Público: Tá certo. Como foi armado isso pra chegar na morte dele? Conta pra gente. Testemunha: Assim, pelo o que a gente sabe, o Luiz Fernando fez uma casinha, né, para ele, porque meu irmão comprou com ele a droga entorpecente. Aí ele foi lá na comunidade que o Luiz Fernando morava em Castanheira, né? Aí foi levar lá pro meu irmão lá no sítio onde que ele morava, né, aí chegou lá, o Luiz Fernando não compareceu, não entregou nada pra ele. Só chegou o menino e a mulher e executou meu irmão, entendeu? Ministério Público: E por que o Luiz Fernando fez isso? Ele vendia a droga pro seu irmão, certo? O senhor não estava devendo droga para ele? Testemunha: Não. Porque dia antes meu irmão falou que estava devendo uma camiseta e pediu o dinheiro para o meu pai, que era de trilheiro lá não sei o que, aqui de Juína, né? Aí pediu e meu pai não sabe mexer no negócio de Pix, né, pra fazer o comprovante, tudo pra pagar. Aí eu fui, peguei o celular e fui pagar pelo celular do meu pai, aí apareceu Luiz Fernando Trajano lá e eu perguntei pro meu irmão, falei “Luiz Fernando? Você tá devendo pra ele camiseta?” e ele “não, não sei o que, é isso, aquilo” e até pediu para eu não falar nada para o meu pai, entendeu? Aí foi nessa que ele pagou, né? O que meu irmão foi buscar lá ele pagou. Ministério Público: Você já conhecia o Luiz Fernando antes disso? Testemunha: Já. Ministério Público: E ele já era conhecido como traficante aí na região? Testemunha: Que nós sabíamos, não. Ministério Público: Como você ficou sabendo então que ele comprava droga, que seu irmão comprava droga dele? Testemunha: Porque um dia eu vi ele mandando mensagem para o Luiz Fernando. Eu escutei ele falando, pedindo, conversando assim, né? Estava conversando, normal, não sei se era sobre isso. Eu até falei para ele, “ué irmão, você está conversando com o menino, o menino já falou que não gosta de você”, porque o Luiz Fernando já tinha falado para mim que não gostava do meu irmão há um tempo, uns 2 anos atrás. Aí eu falei, “ué, você está conversando com ele?” Ele falou “não, não é nada demais não, não sei o que”. Até que nesse dia que eu fui fazer a transferência lá do dinheiro, aí apareceu o nome do Luiz Fernando, onde eu conversei com ele, perguntei pra ele, e ele “não, não fala nada pro pai não, não sei o que”, que era porque ele estava comprando droga do Luiz Fernando mesmo entendeu? Ministério Público: Ele confessou então para você que estava comprando droga do Luiz Fernando? Testemunha: Sim. (…). A testemunha Woshigton Kester Vieira, policial civil que diligenciou nos casos, ouvido em juízo asseverou que: “Testemunha: Nós fomos comunicados, a delegacia de polícia foi comunicada acerca desse homicídio que ocorreu no terceiro assentamento, mais precisamente na Vila do terceiro assentamento, próximo ao mercado que tem na Vila. Aí então a gente começou a fazer algumas diligências para identificar o suspeito. No primeiro momento, identificamos o pai e identificamos o irmão da vítima e eles trouxeram informações bem relevantes para nós, que a vítima era usuário de entorpecentes, que ele estava pegando entorpecente do Luiz Fernando para fazer o consumo, o uso e ele trouxe algumas informações que a ex-namorada dele era atual namorada do Luiz Fernando e com isso a gente teve já uma linha inicial de investigação. Ministério Público: A ex-namorada de quem era a atual namorada do Luiz Fernando? Testemunha: A ex-namorada da vítima era atual namorada do Luiz Fernando, Kauane e aí nós tivemos uma linha de investigação. O pai da vítima forneceu para nós um Pix que foi feito em nome de Luiz Fernando, que de acordo com a vítima, Geovani Leal, seria para pagar uma camiseta de uma trilha, só que o irmão dele questionou a respeito dessa camiseta dessa trilha, porque não seria o Luiz Fernando que iria receber o dinheiro dessas camisetas, dessa trilha, então a vítima falou para o irmão dele que era relativo a entorpecente, que ele teria comprado de Luiz Fernando e que Luiz Fernando ia trazer para ele. Luiz Fernando mora no município de Castanheira, então até a Vila vai dar uns 50 km de estrada de chão. A vítima teria marcado um encontro com Luiz Fernando no barzinho lá da Vila, lá no mercado da Vila, para pegar esse entorpecente para posterior fazer uso. A vítima também estava em companhia de outra pessoa. Se eu não me engano, Maninho era o apelido dele, o nome correto agora eu não vou me recordar. Aí, assim que a vítima tem contato com o Luiz Fernando, alguns momentos depois, Luiz Fernando sai do local e os suspeitos já chega no local e para próximo quando eles vão sair do mercado da Vila para fazer o uso num Barracão abandonado. O suspeito já chama ele e já começa a desferir disparo de arma de fogo nele, ou seja, não tinha como o atirador, o atirador é de Juruena, não tinha como ele saber que o Giovanni Leal ia estar na Vila, naquele lugar, naquele exato momento, dia e hora, certinho, porque se ele criou a rixa com a vítima e fosse matar a vítima, ele procuraria a vítima na casa dela e ele não foi na casa dela, ele foi diretamente ao bar, ao mercado da Vila, porque ele sabia que a vítima estava lá, o Luiz Fernando avisou o atirador que a vítima estava naquele local, o Luiz Fernando foi quem atraiu a vítima para aquele determinado local e avisou o atirador que ele ali estava. A Silvany, a participação dela seria, ela chegou ao local pilotando a moto com o suspeito na garupa e assim que ele executou a vítima, ele subiu na moto dela e saiu do local. Usou tanta frieza que eles executou o rapaz na frente de uma criança, não sei idade certa, mas 5, 6 anos de idade, a menina que estava junto com os 2 suspeitos e daí ele sai do local. A gente teve contato também com uma testemunha preservada, que cita que o Luís Fernando, por ciúme, arguiu dentro do grupo do comando vermelho que a vítima seria do PCC, e daí assim teria conseguido a execução dele. Só que os depoimentos das testemunhas direcionam que a motivação seria mais passional por questão de ciúme, não por questão de briga de facções, porque até mesmo a vítima antigamente pegava entorpecente do GG, que é o Luís Carlos, e assim que o GG foi morar em outro local, ele começou a pegar então do Luís Fernando esse entorpecente. No dia do interrogatório dos 3, todos eles ficaram em silêncio, no entanto, alguns dias depois, os policiais penais nos informaram que o Luiz Fernando queria retornar à delegacia para prestar um novo depoimento que ele queria conversar com os policiais civis. Ele, por vontade própria, mencionou que queria conversar com os policiais civis. Foi então encaminhado um ofício para o CDP para fazer a apresentação dele dentro da delegacia. Então, na delegacia, ele mencionou como aconteceu. Ele alegou que foi ele que marcou um encontro com a vítima lá, na verdade, ele afirma que quando ele chegou no bar, a vítima já estava e que o John de Andrade estava ali e estava querendo matar a vítima por causa de uma rixa, e daí ele informou, por medo de não ser morto por pelo John de Andrade. O John, apesar de ter poucas passagens criminais a gente sabe que o John é uma pessoa muito perigosa no município de Juruena, inclusive, colaboradores estava falando pra nós que após a morte do Giovanni Leal, ele estava planejando de matar um personal lá do município de Juruena. (...)” A testemunha Valdenir de Oliveira Lira, que acompanhou a investigação narrou em juízo que: (...) Ministério Público: O que é que você tem conhecimento sobre esses fatos? Testemunha: A informação que chegou até para a gente aqui de Juruena e é isso também que vem através de terceiros que os dois haviam cometido esse homicídio. Ministério Público: Os dois quem? Testemunha: O John e a Silvany. Informações essas que diz que disseram que a Silvany estava pilotando a moto e o John que efetuou o disparo sobre a vítima lá em Castanheira. Essa foi a informação que chegou para a gente aqui. Essas informações a gente passou para o núcleo de inteligência e logo após lapso temporal, é acionado a gente aqui em Juruena para a gente, para a gente localizar a residência de ambos, devido já estar com a preventiva em mãos para a gente estar cumprindo a preventiva. (...). O corréu John de Andrade Oliveira, ao ser interrogado em juízo, confessou a autoria dos disparos de arma de fogo que ceifaram a vida da vítima Geovani Leal da Silva, asseverando que foi o corréu, ora recorrente, Luiz Fernando Trajano Ferreira que lhe encomendou o crime, bem como lhe mostrou a vítima, aduzindo que apesar de sua esposa, a ora recorrente Silvany Fernandes Rodrigues, ter pilotado a moto que o levou até o local do crime, ela desconhecia que ele praticaria o homicídio, conforme trecho que segue: “(...) Juiz: Tá, é, bom, essa acusação aqui atribuiu ao senhor a prática do homicídio Geovani Leal da Silva, juntamente com Luiz Fernando, Silvani Fernandes. É, o senhor praticou esse homicídio? John: Sim. Juiz: Como que foi? Por que que o senhor... como que foi que o senhor... por que o senhor praticou esse homicídio? John: Mas eu não recordo certinho... porque, eu acho que eu, eu não, eu não. Minha esposa nem sabia disso, entendeu? Que eu vim, eu vim para mim ir para castelo ali e ela não sabia, falava para mim o que que era, ela veio para saber se está com ciúme de mim por causa de outra mulher. E em nenhum momento ela sabia do fato que aconteceu. Juiz: Tá, a Silvany não sabia, mas eu estou perguntando do senhor, por que que o sr. matou a vítima? Porque que isso, o que que aconteceu? Por que que o senhor foi lá matar? John: Aí eu não me recordo certo porque que foi não. Juiz: Tá, como que o senhor matou o Gilvani? Como que o senhor matou ele, como? Como que foi? Como que o senhor matou? John: Foi lá na cidade, eu não, não conhecia lá, não sabia não. Juiz: Ah, então como o senhor apareceu lá e matou esse senhor? O sr. evaporou lá? Como foi, por que foi que o senhor apareceu lá no lugar lá para matar? O senhor veio da onde e por que que você veio pra matar ele? John: Me mostraram ele e me levaram lá. Juiz: Ah, tá. Alguém mostrou ele e falou é para matar essa pessoa, é isso? Então o senhor não tinha o motivo do senhor? John: Não, nenhum motivo. Juiz: E o senhor ia receber algum dinheiro para matar ele? John: Não, não me falou nada não. Juiz: Então o senhor estava matando de graça? John: Não, só que lá, no momento, eu, sei lá, não sei. Juiz: O senhor é vinculado a alguma facção criminosa? John: Não. Juiz: Entendi, o senhor estava fazendo um favor para algum amigo? John: Não entendi sr. Juiz: O senhor matou, o senhor disse que matou o Giovanni. Disse que pediram para o senhor apontar lá quem era e o senhor for lá matar. O senhor estava fazendo algum favor para algum amigo matando esse Giovanni? John: Eu não conhecia e esta pessoa não conhecia também muito, não conhecia não. Juiz: Alguém falou para opara que o senhor matasse essa Giovanni. O senhor falou: beleza, não, estou fazendo nada, vou lá matar o Geovani. Foi assim? John: Não, não sei, medo alguma coisa assim, eu não sei. Eu fui e fiz essa coisa. Juiz: O sr. estava bêbado? O senhor estava embriagado, é isso o senhor falou? John: Não, assim, eu acho que só pode eu ter bebido alguma coisa e ele falou eu fui e ... Eu me arrependo do que eu fiz porque eu não pensei na hora e se eu tivesse falado da minha esposa, ela tinha me dado conselho. Mas eu não comentei nada com ela. Juiz: Sua esposa na época, já era Silvany? John: Sim, isso Juiz: Você estava bebendo onde seu John? O senhor estava bebendo onde? John: Não, eu acho que era uma bebida que eu tinha levado comigo, na bolsa. Que eu bebia algum gole assim, que tava na bolsa. Eu sei que aconteceu isso foi. Eu me arrependo muito, não tinha porque eu fazer isso, eu sou trabalhador. Juiz: E o sr. o senhor chegou, o senhor matou ele como? O sr. deu tiro, deu facada, como foi? John: Foi tiro. Juiz: Onde o senhor conseguiu essa arma? John: Eu não me recorde certo quem que me deu, porque não era minha. Eu não recordo quem que foi. Juiz: Certo. E que arma que era, uma pistola, um 38, o que era? John: Acho que era 38, 38. Juiz: Entendi. O sr. morava onde antes lá, o sr morava em Castanheira? John: Não entendi sr. Juiz: O senhor morava em Castanheira? John: Juroarena. Juiz: O senhor tinha algum apelido? John: Não, não. Juiz: O senhor conhecia o Giovanni? John: Não. Juiz: Qual que era o seu apelido, João? John: Me chamavam de nego quando era pequeno, meu apelido era nego. Juiz: O senhor conhecia o Luís Fernando? John: Também não. Juiz: O senhor tomou conhecimento que o o sr. Luis Fernando falou que o sr. Giovanni devia drogas para o sr? John: Eu vi ele só nesse dia aí, esse menino, eu não conhecia ele não. Juiz: O senhor sabe que ele falou que o senhor vendia droga, que o sr. vendia e que o Gilvan estava devendo droga para o senhor sabe disso ou não? John: Não. Juiz: E o senhor fala o que sobre isso, dele dizer que o sr. vendia droga para o Giovani e o Giovani estava devendo droga para o sr., o que que o senhor fala? John: Isso daí não, isso dai não é verdade não. Juiz: É mentira do, é mentira do Luís Fernando? John: Eu não conhecia o rapaz lá. Não conhecia o rapaz, não. Juiz: Entendi. John: E ele não vendia nada para mim não Juiz: Entendi. Ele também falou quando foi ouvido que o senhor pressionou ele, pressionou ele para matar o Giovani, o Luís Fernando fala que o senhor pressionou ele para matar o Giovani. O sr. Pressionou ele? John: Eu nem conhecia ele, o rapaz lá eu nem conhecia e eu jamais faria isso com ele. Juiz: Ele pediu sua arma para matar, o senhor pediu ajuda dele? John: De quem? Juiz: Do Luis Fernando. John: Não, não. Juiz: Esse aí que está do seu lado. John: Não, eu não conheci ele e nem o rapaz lá não. Juiz: E ele fala que te ajudou a matar também? Deu um tiro dele. Pelo menos consta aqui que ele falou isso que o senhor teria ajudado? Ele teria ajudado o senhor? Isso não é verdade, então? John: Eu não recordo não. Juiz: E o sr. estava morando na cidade quando matou o Giovanni ou o sr. veio para matar ele? John: Eu morava lá em Juruena, eu não conhecia esse local não. Juiz: Entendi. E o senhor veio de que, a pé, de carro, de carona, de moto, de ônibus? John: Eu vim de moto. Juiz: E o senhor dormiu onde? John: Hã. Juiz: Dormiu onde quando o sr. chegou? John: Eu fiquei na Castanheira lá, num lugar pertinho lá. Juiz: O s.r ficou na cara de alguém? John: Não, não. Juiz: A Silvany veio com o senhor? John: Sim, ela veio, só que ela não sabia e falou: o que é que você vai fazer lá? Ela falou assim, eu vou lá e disse eu não vou deixar vocês sozinho não, porque o falei, fica aí, não vai comigo não. Ela falou assim, você vai atrás de mulher. Eu falei não vai, mas ela tinha muito ciúme de mim e acabou vindo, mas ela não sabia de nada, e ela ficou brava comigo. Juiz: Seu João, onde o senhor saiu de Juruena? Quando o senhor saiu de Juruena, o senhor. O senhor já veio para matar o Giovanni? John: Não, eu vim sem arma e sem nada. Juiz: Tá, eu não estou perguntando se o senhor veio com ou sem arma? Estou perguntando se o senhor veio já, o senhor já tinha recebido essa proposta de matar ele? John: Não, senhor. Só na hora que eu cheguei ali, que eu cheguei lá. Juiz: O que que o senhor veio fazer de Juruena aqui se o senhor não veio para matar ele? O que que o senhor veio fazer aqui? O que que o senhor vai fazer em Castanheira se o sr. não veio para matar o Giovani, o senhor veio para quê? John: Falaram que era para mim, que era para mim vim conversar. Juiz: Quem, quem falou para o sr. Isso? Quem, quem foi que falou para o sr. isso? Para o sr. descer? John: Eu não conheci, eu não me lembro certo quem que foi. Juiz: Tá, mas o que que era esse assunto? Como então a pessoa ligou pro senhor, falou, vem. O senhor foi igual um cachorrinho, não é assim? O que falam que era? O senhor concorda que não é desse jeito? Aqui, ó, a pessoa chama o outro e o outro vai igual um Carneirinho lá. Ah, vem aqui, vou conversar com o senhor. Alguma coisa ele falou? Juiz: O senhor conhecia, tinha negócio? John: Falou que era para mim matar uma pessoa e aí eu falei de que não ia fazer não e ele falou você vai fazer e eu não sabia de nada Juiz: Mas ele falou para o senhor lá em Juruena então? John: Não, na hora que eu cheguei ele falou. Juiz: Ah, ele falou pro senhor, ele falou pro senhor. Mas então é isto, ô, ô, ô, John. Eu tô perguntando, ó o sr foi para Castanheira, o senhor do jeito que o sr. está falando pra mim, tá aparecendo sim, que a pessoa falou, ô John, vem aqui em Castanheira, que quer conversar com você e o senhor foi igual um carneirinho, igual um obediente. É isso que eu tô perguntando pro senhor. Por que que o sr. foi John? Para falar sobre o quê? Não era para matar, o senhor falou, né? John: Na hora que fui lá, eu cheguei lá e ele falou isso, que era para eu matar... Juiz: Isso ele falou lá, lá em Castanheira, que disse que era preciso matar. Eu entendi essa parte. O que eu estou perguntando para o senhor é, por que que o senhor foi lá em Castanheira? O senhor falou, Ah, eles me eles me falaram que era para lá conversar. Aí eu estou perguntando para o senhor assim? É isso que eu estou perguntando. O sr. a pessoa falou e o senhor foi obediente assim qual, qual Carneirinho? Vou lá, obediente assim. Daí o sr.. está tendo uma ordem para ir lá. O senhor não entende o que eu estou perguntando? Alguém deu ordem para o senhor, ou foi um convite ou o senhor ia falar sobre algum negócio? O que que o sr. foi fazer em Castanheira. Já que o senhor está dizendo que não foi para matar, o senhor foi lá porque alguém falou, vai lá, eu quero conversar com você, que, quem, porque que o senhor teria que ir lá em Castanheira, que que era isso? Era um negócio? O sr. foi obrigado, quem, como é que foi isso John? John: Ele falou para a gente lá para passar um final de semana lá, dai eu fui e chegando lá eles falaram isso. Juiz: Entendi, mas esse final de semana era para diversão ou para trabalho? John: Não, era só para conhecer lá, que eu não conhecia nada lá, eu não sou de sair ali, eu sou só trabalhava mesmo, não sou de ir em festas, coisas assim. Juiz: Desculpa, John, não entendi, ficou ruim a conexão, o senhor foi fazer o que de festa lá? John: Eu só fui conhecer lá, andar mesmo, lá na cidade mesmo. Juiz: Entendi, entendi. Mas quem falou pro senhor ir lá que convidou o senhor? John: Foi esse mesmo aqui que falou para eu conhecer lá, esse rapaz aqui. Juiz: Quem, o Luís Fernando? John: É, o rapaz aqui. Juiz: Mas como que você conhecia o Luiz Fernando, John? John: Eu não sei, eu sei que ele arrumou uma casa e falou para eu ir lá conhecer. Juiz: Mas deixa eu entender uma coisa, ô John, quando eles chamam o senhor pra ir lá em Castanheira, o senhor foi? É, ele chamou o senhor? É isso que eu estou tentando entender, John. Ele obrigou o senhor a ir, chamou o senhor pra que, porque ele te conhecia? John: Não, não. Juiz: Vocês participavam de alguma organização, uma empresa, alguma coisa, vocês trabalhavam junto, tinha algum negócio junto? John: Não, não, não. Juiz: E por que o senhor foi John? Porque do jeito que o senhor está colocando, que foi isso? Foi, ele falou, vem o senhor foi de forma obediente, foi lá se o senhor não conhecia ele ou o senhor conhecia? John: Não, não conhecia. Juiz: O senhor conhecia ele antes? John: Não conhecia, não. Juiz: E por que o senhor foi john? John: Eu acho que foi fraqueza, alguma coisa assim que na hora eu num... Juiz: Entendi, mas ele te obrigou? John: Não brigou, não. Juiz: Tá certo então? Fraqueza do que, John, se o senhor está falando que ele falou para matar lá em Castanheira? John: Como que é sr? Juiz: Por que que o senhor falou para mim que foi um momento de fraqueza do senhor? Quando o senhor atendeu aí a solicitação do Luiz Fernando foi lá. Se o senhor disse para mim que o Luiz Fernando não chamou o senhor para matar, é, lá em Juruena, mas a proposta de matar foi lá, surgiu lá em Castanheira. Porque é que quando ele chama o senhor e o senhor falou que foi um momento de fraqueza, se o senhor está falando para mim que ia lá em Castanheira para passear, dar uma volta, ir numa festa, sei lá. O que é essa fraqueza que o sr. está falando? John: É porque eu tinha falado que não ia fazer isso e acabei fazendo né. Juiz: Entendi. John: a fatalidade. Juiz: Tá certo. E então ele pediu pro senhor fazer. Ele pediu pro senhor ir em Castanheira. O sr. estava em Juruena, o senhor veio e sua mulher. Daí o senhor foi junto e vocês foram de quê? John: Foi de moto. Juiz: O senhor se arrepende do que o senhor fez, de ter matado o Giovani? John: Muito, muito porque eu não comentei nada com a minha esposa e com a minha mãe, pois se tivesse ela tinha me dado conselho. Se eu tivesse falado com ela, com certeza que a minha mãe tinha falado, meu filho para que que você vai fazer isso? O que que você lá para conhecer cidade, fica aí. A minha mãe gosta, que eu saia, e minha esposa também e nós vivíamos muito bem eu e ela. Eu sou trabalhador, trabalho... E eu perdi tudo doutor, entendeu? Juiz: Ô, John, só mais uma coisa ou só mais uma coisa. Quem pediu pro senhor é ir em Castanheira, é, matar o Giovani foi o Luiz Fernando? John: Eu vim até aqui, aí que eu fui saber, não sabia que que é que eu ia fazer... Juiz: Mas foi o Luiz Fernando que te chamou? John: Isso. Juiz: Para matar? John:, Não, depois que ele chegou ali que ele comentou sobre isso. Juiz: Quando foi que o Luiz Fernando comentou com o senhor que era para matar o Giovani? John: Foi num sábado, um sábado, no dia que aconteceu esse fato aí que ele falou. Juiz: O senhor devia algum favor para ele? John: Não. Juiz: Quando o sr. foi, o sr. foi é pilotando a moto ou foi a Silvany que foi Juruena para cá? John: Foi eu, eu, eu acho que foi. Eu não me recordo certo, mas acho que foi eu sim. Juiz: Outra coisa, John? É quando o senhor matou o Giovanni, o senhor, o senhor, como foi? O senhor parou a moto? O senhor continuou com a moto andando? O senhor só atirou de cima da moto, como foi? John: Eu não me lembro ao certo, eu não me lembro, eu fui chorando e ela brigou comigo e não viu nada, ela escutou os estalos lá e falou o que que você fez, a Silvany, entendeu? Juiz: Ela que estava dirigindo John? John: Então ela chegou, e disse, o que você vai fazer ai, e eu disse, fica ai, me espera um pouco ai. Ai ela saiu para a moto ela que saiu para a moto sim, só que ela não sabia de nada. Juiz: O senhor estava de garupa então? John: É eu montei na garupa. Juiz: Como que o senhor soube que era o Giovani? John: Foi mostrado para mim. Mostrou o para mim quem que era. Juiz: Quem mostrou? John: O Luiz Fernando. (...). Cabe salientar que para a pronúncia não se exige prova cabal e inequívoca da autoria, bastando a existência de indícios suficientes de que o acusado seja o autor ou partícipe do crime, os quais, na hipótese vertente, encontram-se devidamente caracterizados pelas provas orais colhidas na instrução processual, devidamente amparadas pelos vestígios reunidos na fase investigativa. Diante desse quadro, entende-se que o magistrado de primeiro grau agiu acertadamente ao pronunciar os recorrentes, pois devidamente preenchido o standard probatório necessário. Nesse sentido é o entendimento da Corte Superior: “AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIOS QUALIFICADOS E VILIPÊNDIO A CADÁVER. PRONÚNCIA. INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA. QUALIFICADORA. EXCLUSÃO. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A decisão de pronúncia é juízo de mera admissibilidade da acusação, prelibatório, competindo aos jurados o julgamento do mérito da causa, competência esta consagrada constitucionalmente. No caso, a decisão de pronúncia, corroborada quando do exame do recurso em sentido estrito, deixou assente a possibilidade de o agravante ser o autor dos delitos em comento diante do acervo probatório produzido, de modo que, amealhados indícios suficientes de autoria, não há reparos a fazer quanto à decisão de pronúncia, já que as provas conclusivas e os juízos de certeza e de verdade real revelam-se necessários apenas na formação do juízo condenatório, após o percurso de toda a marcha processual. [...] (AgRg no HC n. 894.353/MG, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 22/4/2024, DJe de 25/4/2024)” (grifos meus). No mesmo sentido é o entendimento deste Sodalício: “RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – PRONÚNCIA – HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO MOTIVO TORPE E RECURSO QUE IMPOSSIBILITOU A DEFESA DA VÍTIMA (ARTIGO 121, § 2°, INCISOS I E IV, DO CP) E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA (ART. 2º, §2º, DA LEI 12.850/2013) – PRETENDIDA A IMPRONÚNCIA - IMPOSSIBILIDADE – MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA – RECURSO NÃO PROVIDO. A decisão de pronúncia encerra mero juízo de admissibilidade da acusação, sendo exigido tão somente a certeza da materialidade do crime e indícios suficientes de sua autoria. (N.U 1009667-26.2022.8.11.0006, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, PAULO DA CUNHA, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 21/05/2024, Publicado no DJE 24/05/2024)” (grifos meus). Diante desse quadro, o argumento de fragilidade probatória ancorado apenas e tão somente na negativa veemente quanto à prática do delito não conduz à aventada fragilidade da prova carreada aos autos. Especificamente quanto à negativa de autoria da recorrente Silvany, a sua negativa de autoria, aliada às declarações prestadas no interrogatório de seu marido, apenas trazem uma versão dos fatos que deverá ser submetida a julgamento perante o tribunal do júri, eis que era ela que pilotava a motocicleta no momento do crime, bem como que faria parte de organização criminosa e possuía desentendimento pretérito com a vítima. O mesmo pode ser dito quanto às qualificadoras do crime de homicídio. A qualificadora do motivo torpe, prevista no art. 121, § 2º, I, do Código Penal, fundamenta-se nos relatos de que o crime teria sido motivado por “suposta dívida de drogas” que a vítima possuiria. Nesse sentido entende este e. TJMT: RECURSOS EM SENTIDO ESTRITO - HOMICÍDIO QUALIFICADO POR MOTIVO TORPE E EMPREGO RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA E COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO [PRIMEIRO RECORRENTE] - HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO MOTIVO TORPE E EMPREGO RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA - SEGUNDO RECORRENTE - PRONÚNCIA - INDÍCIOS INSUFICIENTES PARA PRONÚNCIA - PEDIDO DE DESPRONÚNCIA - PRIMEIRO RECORRENTE - INFORMAÇÃO ANÔNIMA RECEBIDA PELA POLÍCIA CIVIL - DILIGÊNCIAS COM MORADORES DO LOCAL DO CRIME - TEMOR - REPRESÁLIA - DEPOIMENTOS DE INVESTIGADORES - ADMISSÃO DA AUTORIA AO GENITOR DA VÍTIMA - DEPOIMENTOS PRESTADOS EM JUÍZO - INDÍCIOS SUFICIENTES - SUBMISSÃO AO CONSELHO DE SENTENÇA - PLEITO DE RECORRER EM LIBERDADE DO PRIMEIRO RECORRENTE - CRIME CONEXO - COMPETÊNCIA DO JÚRI - SEGREGAÇÃO CAUTELAR - GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA - FORMA DE EXECUÇÃO DE HOMICÍDIO - SEGUNDO RECORRENTE - INFORMAÇÃO ANÔNIMA NÃO CORROBORADA POR PROVA JUDICIALIZADAS - ARESTOS DO TJMT - DESPRONÚNCIA - RECURSO DO PRIMEIRO RECORRENTE DESPROVIDO E DO SEGUNDO RECORRENTE PROVIDO. Para a decisão de pronúncia, “não é necessária prova plena de autoria, bastando meros indícios, isto é, a probabilidade de que o réu tenha sido o autor do crime” (Capez, Fernando. Curso de Processo Penal - Ed. Saraiva - 13ª ed. - p. 641/642). “Comprovada a materialidade do crime, existindo indícios suficientes da autoria delitiva e indicativos de que o réu concorreu para a prática delitiva, agindo com manifesto animus necandi, inviável a desclassificação da conduta, mostrando-se imperiosa a manutenção da pronúncia.” (RSE NU 1023917-10.2021.8.11.0003) O julgamento da suposta coação no curso do processo compete ao Tribunal do Júri, por força da conexão (STJ, HC nº 103.049/AC). O c. STJ firmou entendimento no sentido de que a motivação e forma de execução do homicídio - praticado em concurso de agentes, em via pública, após emboscada e em razão de dívida de drogas -, demonstra efetivo risco ao meio social, de modo a justificar a manutenção da custódia para a garantia da ordem pública (RHC 116679/ES; HC 520805/MG). “Mostra-se injustificável a pretensão de recorrer em liberdade quando o recurso encontra-se apto para julgamento, máxime se a decisão negativa está justificada na subsistência dos pressupostos da prisão preventiva” (TJMT, Ap nº 23950/2018). A informação anônima recebida pela polícia civil, sem amparo em provas judicializadas, não se mostra suficiente para submetê-lo a julgamento popular (TJMT, RSE N.U 1008346-76.2019.8.11.0000). O juízo de probabilidade inerente à pronúncia não autoriza, em si, o “imenso risco de submeter alguém ao júri, quando não houver elementos probatórios suficientes (verossimilhança) de autoria e materialidade” (JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional, Volume II, Lúmen Júris Editora, 2009, Rio de Janeiro, p. 261/262). (N.U 0004801-49.2020.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, MARCOS MACHADO, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 03/10/2023, Publicado no DJE 10/10/2023) Igualmente há elementos a indicar a incidência da qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima por dissimulação (art. 121, § 2º, IV, do Código Penal), considerando que a vítima teria sido atraída por Luiz Fernando ao local do crime, sob o pretexto de receber droga adquirida. Este TJMT entende que havendo elementos nos autos de que o crime de homicídio ocorreu com a atração da vítima usuária de drogas sob o pretexto de consumo de entorpecentes configuraria a qualificadora da dissimulação: EMENTA: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. PRONÚNCIA. RECURSO DESPROVIDO. i. caso em exame Recursos em Sentido Estrito interpostos contra decisão que os pronunciou por tentativa de homicídio qualificado (motivo torpe, dissimulação e recurso que dificultou a defesa da vítima), por duas vezes, e por organização criminosa armada, visando a impronúncia dos crimes ou, subsidiariamente, o afastamento das qualificadoras. ii. questão em discussão Há três questões: 1) ilegalidade dos mapas de tornozeleira eletrônica; 2) ausência de indícios de autoria e materialidade delitiva dos crimes; 3) qualificadoras não estariam caracterizadas. iii. razões de decidir O laudo de monitoramento eletrônico da tornozeleira não apresenta ilegalidade, tendo sido precedido de autorização judicial, afastando-se a alegação de quebra da cadeia de custódia. A materialidade dos crimes de tentativa de homicídio qualificado está comprovada pelos laudos periciais e depoimentos das vítimas e agentes policiais, que relatam a dinâmica dos fatos e os disparos de arma de fogo. Existem indícios suficientes de autoria que justificam a pronúncia, sobretudo pelo reconhecimento do segundo recorrente como responsável por efetuar os disparos de arma de fogo e nos dados do mapa de monitoramento eletrônico que posicionam o primeiro recorrente no local do crime. As qualificadoras do motivo torpe, dissimulação e recurso que dificultou a defesa da vítima não são manifestamente improcedentes, uma vez que há indícios de que o crime foi motivado por disputas relacionadas ao tráfico de drogas, em contexto de organização criminosa, e que as vítimas foram atraídas ao local mediante dissimulação. Os indícios do crime conexo de organização criminosa e envolvimento dos recorrentes com a facção criminosa Comando Vermelho estão consubstanciados pelos depoimentos das vítimas e agentes policiais, justificando sua submissão ao Tribunal do Júri. iv. dispositivo 6. Recurso desprovido. Dispositivos relevantes citados: CP, art. 121, § 2º, I e IV; CP, art. 14, II; Lei 12.850/2013, art. 2º, § 2º; CPP, art. 413; Resolução CNJ nº 412, art. 13. Jurisprudência relevante citada: STJ, RHC nº 94.803/RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 11.06.2019; STJ, AgRg no AREsp nº 1507361/PR, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 12.09.2019; TJMT, RSE nº 1001637-84.2022.8.11.0011, Rel. Des. Gilberto Giraldelli, j. 15.11.2023. (N.U 1021999-61.2023.8.11.0015, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, MARCOS MACHADO, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 24/09/2024, Publicado no DJE 27/09/2024) Quanto à qualificadora do perigo comum, prevista no art. 121, § 2º, III, do Código Penal, também restam indícios para sua apreciação, pois os disparos de arma de fogo foram efetuados em local público, com a presença de diversas pessoas, inclusive uma criança de 5 a 6 anos de idade, revelando potencial risco a terceiros. A jurisprudência deste e. Sodalício é no sentido de que o disparo de arma de fogo em lugar público é idônea para a pronúncia com base na qualificadora de perigo comum: DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO. GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA. MODUS OPERANDI. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. ORDEM DENEGADA. I. CASO EM EXAME 1. Habeas corpus impetrado em favor de paciente acusado de homicídio triplamente qualificado por motivo torpe, recurso que dificultou a defesa da vítima e perigo comum (art. 121, §2º, I, III e IV, CP). A defesa alega constrangimento ilegal, argumentando que o decreto preventivo não apontou elementos concretos que justificassem a manutenção da prisão com base na ordem pública. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) se os elementos de autoria e materialidade justificam a manutenção da prisão preventiva do paciente; e (ii) se a gravidade concreta do delito, evidenciada pelo modus operandi e suas repercussões sociais, fundamenta a segregação cautelar para preservação da ordem pública. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A gravidade concreta do crime justifica a prisão preventiva, pois o delito foi praticado em local de grande circulação, com uso de arma de fogo, e por motivo torpe, em contexto de vingança pessoal, configurando um risco real e específico à ordem pública. 4. O modus operandi, com disparos em local público, além de resultar em duas vítimas, causou grande repercussão social e representa ameaça concreta à segurança coletiva. 5. Predicados pessoais do paciente não são suficientes para afastar a necessidade da prisão preventiva, considerando a periculosidade da conduta e o potencial de perturbação da ordem pública. IV. DISPOSITIVO E TESE Ordem denegada. 6. Tese de julgamento: A gravidade concreta do crime de homicídio triplamente qualificado, praticado com violência em local público e por motivo torpe, justifica a prisão preventiva para garantia da ordem pública. Dispositivos relevantes citados: CP, art. 121, §2º, I, III e IV; CPP, art. 312. Jurisprudência relevante citada: TJMT, HC nº 1018366-53.2024.8.11.0000, Rel. Des. Orlando de Almeida Perri, j. 23/07/2024. (N.U 1028757-67.2024.8.11.0000, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, WESLEY SANCHEZ LACERDA, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 05/11/2024, Publicado no DJE 08/11/2024) Assim, havendo prova da materialidade delitiva e indícios suficientes de autoria do crime de suas qualificadoras, a manutenção da pronúncia do recorrente é medida que se impõe, sob pena de usurpação da competência constitucional do Tribunal do Júri para apreciação do mérito da causa. A discussão sobre qual versão dos fatos será acolhida, se a versão dos acusados ou a dada pelas testemunhas, deverá ser decidida pelo Conselho de Sentença. Do que se observa dos autos, é que apenas os jurados podem dirimir todas as versões ventiladas ao longo de todo o levantamento de informações sobre o crime em tela. Ante o exposto, em consonância com o parecer ministerial, conheço dos recursos e NEGO-LHES PROVIMENTO, mantendo incólume a pronúncia dos recorrentes Luiz Fernando Trajano Ferreira e Silvany Fernandes Rodrigues de Freitas, nos precisos termos da sentença de pronúncia. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 20/05/2025
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