Processo nº 0000316-34.2018.4.01.4004
ID: 330949691
Tribunal: TRF1
Órgão: Gab. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 0000316-34.2018.4.01.4004
Data de Disponibilização:
22/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ANA PAULA OLIVEIRA ARAGAO PARENTE
OAB/PI XXXXXX
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JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0000316-34.2018.4.01.4004 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000316-34.2018.4.01.4004 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: INOCENCIO LEAL PAREN…
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 0000316-34.2018.4.01.4004 PROCESSO REFERÊNCIA: 0000316-34.2018.4.01.4004 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: INOCENCIO LEAL PARENTE REPRESENTANTES POLO ATIVO: ANA PAULA OLIVEIRA ARAGAO PARENTE - PI17724-A POLO PASSIVO:MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - MPF e outros RELATOR(A):MARCOS AUGUSTO DE SOUSA PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0000316-34.2018.4.01.4004 RELATÓRIO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: Trata-se de recurso de apelação interposto por Inocencio Leal Parente, em face da sentença proferida pelo Juízo Federal da Vara Única da Subseção Judiciária de São Raimundo Nonato/PI que, nos autos da ação de improbidade administrativa movida pelo Ministério Público Federal em desfavor de Inocencio Leal Parente, Solon Oliveira Ruben, Ruben & Ruben Ltda. e João Rodrigues Damasceno Neto, julgou parcialmente procedente o pedido e condenou os três primeiros pela prática de atos ímprobos capitulados no artigo 10, I, VI e XI, da Lei 8.429/1992, aplicando as sanções previstas no art. 12, II, da mesma Lei e julgou improcedente quanto à João Rodrigues Damasceno Neto (ID. 108570175, fls. 104/135). Cuida-se, na origem, de ação de improbidade administrativa movida pelo Ministério Público Federal, em razão de supostas irregularidades na aplicação de recursos federais oriundos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE, repassados por meio do Convênio TC-N-025847/12, destinado à construção de uma Unidade de Educação Infantil Creche/Pré Escola Pró-infância tipo B (ID. 108570711, fls. 2/23). Sustenta o apelante Inocencio Leal Parente, preliminarmente, a incompetência da Justiça Federal para julgamento da causa, tendo em vista que a sua competência é definida em razão da pessoa, nos termos do art. 109, I, da CF. Argumentando, para tanto, que o FNDE não demonstrou interesse jurídico efetivo para integrar a lide, o que afastaria a competência federal. Aponta a ocorrência de litispendência, em razão da existência de uma ação idêntica (Processo 0023353-78.2013.4.01.4000), com as mesmas partes, causa de pedir e pedido, tramitando na 1ª Vara Federal de Teresina desde 2013, ou subsidiariamante, que deve ser reconhecida a conexão entre as duas ações, por terem o mesmo objeto e causa de pedir, nos termos do art. 55 do CPC, devendo os autos ser reunidos para julgamento conjunto, por se tratar de competência relativa, a fim de evitar decisões conflitantes. No mérito, afirma que o ato de improbidade exige a comprovação de dolo ou má-fé do agente, não bastando a mera irregularidade administrativa, não havendo nos autos prova de enriquecimento ilícito do apelante ou de prejuízo efetivo ao erário, que não pode ser presumido. Alega, ainda, a impossibilidade de acatamento do Laudo 093/2017-SETEC/SR/PI da Polícia Federal, que concluiu que apenas 7,53% da obra foi executada, posto que foi produzido de forma unilateral, sem a garantia do contraditório e da ampla defesa, e que o órgão competente para a fiscalização seria o próprio FNDE, inexistindo documento emitido pelo concedente dos recursos no sentido de haver discrepância na aplicação dos recursos recebidos pelo município. Por fim, argui que o dever de prestar contas era de seu sucessor, já que o prazo para tal se encerrou durante o mandato deste, a quem incumbe regularizar pendências anteriores. Requer a concessão de gratuidade de justiça (ID. 108570175, fls. 146/171). Com contrarrazões do MPF (ID. 108570232). O Ministério Público Federal (PRR1) opina pelo não provimento da apelação (ID. 117063539). É o relatório. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0000316-34.2018.4.01.4004 VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA, Relator: 1. PRELIMINARES 1.1. Incompetência da Justiça Federal Preliminarmente, o apelante sustenta que o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE, responsável pelo repasse dos recursos ao Município de Dom Inocêncio/PI não demonstrou interesse jurídico efetivo para integrar a lide, pois que apenas afirmou não ter o que acrescer aos argumentos apresentados pelo Ministério Público Federal, o que afastaria a competência da Justiça Federal. Observa-se que, instado a se manifestar sobre o interesse em integrar a lide, o FNDE aponta a necessidade de ser integrado como litisconsorte ativo, tendo em vista que os recursos eventualmente recuperados por meio da ação em apreço deverão ser restituídos aos cofres da autarquia. Acerca do tema, o STJ definiu o seguinte, transcrevo: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA INSTAURADO ENTRE JUÍZOS ESTADUAL E FEDERAL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA AJUIZADA POR ENTE MUNICIPAL EM RAZÃO DE IRREGULARIDADES EM PRESTAÇÃO DE CONTAS DE VERBAS FEDERAIS. MITIGAÇÃO DAS SÚMULAS 208/STJ E 209/STJ. COMPETÊNCIA CÍVEL DA JUSTIÇA FEDERAL (ART. 109, I, DA CF) ABSOLUTA EM RAZÃO DA PESSOA. AUSÊNCIA DE ENTE FEDERAL EM QUALQUER DOS POLOS DA RELAÇÃO PROCESSUAL. JURISPRUDÊNCIA DO STJ. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. No caso dos autos, o Município de Água Doce do Maranhão/MA ajuizou ação de improbidade administrativa contra José Eliomar da Costa Dias, em razão de irregularidades na prestação de contas de verbas federais decorrentes de convênio firmado com o PRONAT. 2. A competência para processar e julgar ações de ressarcimento ao erário e de improbidade administrativa, relacionadas à eventuais irregularidades na utilização ou prestação de contas de repasses de verbas federais aos demais entes federativos, estava sendo dirimida por esta Corte Superior sob o enfoque das Súmulas 208/STJ ("Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita à prestação de contas perante órgão federal") e 209/STJ ("Compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal"). 3. O art. 109, I, da Constituição Federal prevê, de maneira geral, a competência cível da Justiça Federal, delimitada objetivamente em razão da efetiva presença da União, entidade autárquica ou empresa pública federal, na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes na relação processual. Estabelece, portanto, competência absoluta em razão da pessoa (ratione personae), configurada pela presença dos entes elencados no dispositivo constitucional na relação processual, independentemente da natureza da relação jurídica litigiosa. 4. Por outro lado, o art. 109, VI, da Constituição Federal dispõe sobre a competência penal da Justiça Federal, especificamente para os crimes praticados em detrimento de bens, serviços ou interesse da União, entidades autárquicas ou empresas públicas. Assim, para reconhecer a competência, em regra, bastaria o simples interesse da União, inexistindo a necessidade da efetiva presença em qualquer dos polos da demanda. 5. Nesse contexto, a aplicação dos referidos enunciados sumulares, em processos de natureza cível, tem sido mitigada no âmbito deste Tribunal Superior. A Segunda Turma afirmou a necessidade de uma distinção (distinguishing) na aplicação das Súmulas 208 e 209 do STJ, no âmbito cível, pois tais enunciados provêm da Terceira Seção deste Superior Tribunal, e versam hipóteses de fixação da competência em matéria penal, em que basta o interesse da União ou de suas autarquias para deslocar a competência para a Justiça Federal, nos termos do inciso IV do art. 109 da CF. Logo adiante concluiu que a competência da Justiça Federal, em matéria cível, é aquela prevista no art. 109, I, da Constituição Federal, que tem por base critério objetivo, sendo fixada tão só em razão dos figurantes da relação processual, prescindindo da análise da matéria discutida na lide (excertos da ementa do REsp 1.325.491/BA, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/06/2014, DJe 25/06/2014). 6. Assim, nas ações de ressarcimento ao erário e improbidade administrativa ajuizadas em face de eventuais irregularidades praticadas na utilização ou prestação de contas de valores decorrentes de convênio federal, o simples fato das verbas estarem sujeitas à prestação de contas perante o Tribunal de Contas da União, por si só, não justifica a competência da Justiça Federal. 7. O Supremo Tribunal Federal já afirmou que o fato dos valores envolvidos transferidos pela União para os demais entes federativos estarem eventualmente sujeitos à fiscalização do Tribunal de Contas da União não é capaz de alterar a competência, pois a competência cível da Justiça Federal exige o efetivo cumprimento da regra prevista no art. 109, I, da Constituição Federal. 8. Igualmente, a mera transferência e incorporação ao patrimônio municipal de verba desviada, no âmbito civil, não pode impor de maneira absoluta a competência da Justiça Estadual. Se houver manifestação de interesse jurídico por ente federal que justifique a presença no processo, (v.g. União ou Ministério Público Federal) regularmente reconhecido pelo Juízo Federal nos termos da Súmula 150/STJ, a competência para processar e julgar a ação civil de improbidade administrativa será da Justiça Federal. 9. Em síntese, é possível afirmar que a competência cível da Justiça Federal, especialmente nos casos similares à hipótese dos autos, é definida em razão da presença das pessoas jurídicas de direito público previstas no art. 109, I, da CF na relação processual, seja como autora, ré, assistente ou oponente e não em razão da natureza da verba federal sujeita à fiscalização da Corte de Contas da União. Precedentes: AgInt no CC 167.313/SE, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 11/03/2020, DJe 16/03/2020; AgInt no CC 157.365/PI, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/02/2020, DJe 21/02/2020; AgInt nos EDcl no CC 163.382/PA, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 27/11/2019, DJe 07/05/2020; AgRg no CC 133.619/PA, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/05/2018, DJe 16/05/2018. 10. No caso dos autos, não figura em nenhum dos pólos da relação processual ente federal indicado no art. 109, I, da Constituição Federal, o que afasta a competência da Justiça Federal para processar e julgar a referida ação. Ademais, não existe nenhuma manifestação de interesse em integrar o processo por parte de ente federal e o Juízo Federal consignou que o interesse que prevalece restringe-se à órbita do Município autor, o que atrai a competência da Justiça Estadual para processar e julgar a demanda. 11. Agravo interno não provido. (AgInt no Conflito de Competência 174.764/MA, Primeira Seção, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Dje 17/02/2022.) Logo, considerando que nas ações de improbidade a competência da Justiça Federal é definida em razão da presença das pessoas jurídicas de direito público previstas no art. 109, I, da Constituição Federal, assim como a do MPF (Precedente: AC 1001696-51.2017.4.01.3700), e não em razão da natureza da verba federal sujeita à fiscalização do Tribunal de Contas da União, não há que se falar em incompetência da Justiça Federal. Ademais, considerando que a origem dos recursos públicos utilizados no objeto da demanda é federal, ainda que repassados ao município, não se afasta a competência da Justiça Federal para o processamento e julgamento de ações de improbidade administrativa. Conforme mencionado, a mera transferência das verbas para o ente municipal não desnatura sua natureza federal, tampouco exclui o interesse da União na correta aplicação dos recursos, o que atrai a incidência do art. 109, I, da Constituição Federal. Nesse contexto, revela-se incontestável a legitimidade do parquet Federal para propor ação com o objetivo de apurar ato de improbidade envolvendo verbas federais, mesmo que transferidas a Município, uma vez que lhe é atribuída a defesa do patrimônio público federal e o controle da legalidade na aplicação das verbas oriundas da União. Neste sentido, cito precedente desta Corte: Ação de improbidade administrativa. Preliminar de incompetência da Justiça Federal. Recursos oriundos do Fundo Nacional de Saúde (FNS) transferidos ao município. Fiscalização pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Consequente: competência (rectius: jurisdição) da Justiça Federal e legitimidade do Ministério Público Federal (MPF). Aplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa aos agentes políticos. Condenação da ré pela prática da conduta ímproba consistente em "ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições". Lei 8.429, de 2 de junho de 1992 (Lei 8.429, Lei de Improbidade Administrativa [LIA]), Art. 11, caput, na redação original. Sentença reformada. 1. (A) Preliminar de incompetência da Justiça Federal. (B) Improcedência. (C) Os recursos transferidos pela União aos municípios, ainda que na modalidade "fundo a fundo", estão sujeitos à fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU). (D) A Constituição da República não deixa margem para dúvidas ao dispor que "[o] controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete", dentre outras coisas, "fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município". CR, Art. 71, caput, VI. (E) O STF tem decidido que "[é] competência do TCU fiscalizar a aplicação de verbas originárias da União por parte dos demais entes da Federação." (STF, ADI 5791; ARE 1416920 AgR.) "É firme a jurisprudência [do STF] no sentido de que o fato de a verba repassada ser proveniente de recursos federais sujeita à fiscalização do Tribunal de Contas da União é suficiente à demonstração do interesse da União e a atrair a competência da Justiça Federal para o caso." (STF, ARE 1288016 AgR-ED.) (F) "Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal." (STJ, Súmula 208.) (G) Como decidido pelo STF, compete à Justiça Federal o "julgamento de agente público municipal por desvio de verbas repassadas pela União para realizar incumbência privativa da União - a eles delegada mediante convênio ou não - ou de interesse comum da União e da respectiva unidade federada, como ocorre em recursos destinados à assistência social (CF, art. 23, II e X)." (STF, RE 232093.) "Segundo o posicionamento do Supremo Tribunal Federal e [do STJ], compete à Justiça Federal processar e julgar as causas relativas ao desvio de verbas do Sistema Único de Saúde - SUS, independentemente de se tratar de repasse fundo a fundo ou de convênio, visto que tais recursos estão sujeitos à fiscalização federal, atraindo a incidência do disposto no art. 109, IV, da Carta Magna, e na Súmula 208 do STJ." (STJ, AgRg no CC 122.555/RJ.) (H) Situação fática e jurídica similar que autoriza a aplicação do mesmo entendimento. (H) Consequente: competência (rectius: jurisdição) da Justiça Federal e legitimidade do Ministério Público Federal (MPF). (...) 5. Apelação provida. (AC 0002890-71.2015.4.01.3701, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Leão Alves, PJe 24/02/2025.) Deste modo, deve ser rejeitada a preliminar. 1.2. Litispendência, Conexão e Continência Verifica-se, pelo exame dos autos, que na Ação de Improbidade 0023353-78.2013.4.01.4000 proposta pelo Município de Dom Inocêncio/PI em desfavor de Inocêncio Leal Parente e Construtora Ruben & Ruben Ltda., ajuizada em 1º/10/2013 na Seção Judiciária do Piauí para discutir supostas irregularidades na execução do Convênio TC-N-025847/12, houve o declínio da competência e determinada a remessa dos autos à Subseção Judiciária de São Raimundo Nonato/PI, subseção criada pela Resolução/Presi/Secge 192/2013 e instalada em 29/11/2013 com jurisdição sobre o Município de Dom Inocêncio. Cumpre frisar que, da decisão que determinou a remessa dos autos, proferida em 14/09/2017, não foi interposto qualquer recurso e tal ação de improbidade recebeu o número 1002281-93.2019.4.01.4004 na recém criada subseção. O Ministério Público Federal, por sua vez, ajuizou em 19/12/2017 a presente ação de improbidade em face de Inocencio Leal Parente, Solon Oliveira Ruben, Ruben & Ruben Ltda. e João Rodrigues Damasceno Neto apontando irregularidades na execução do mesmo Convênio TC-N-025847/12. Não obstante as Ações de Improbidade 1002281-93.2019.4.01.4004 (anterior 0023353-78.2013.4.01.4000) e 0000316-34.2018.4.01.4004 tratem das mesmas irregularidades relacionadas ao Convênio TC-N-025847/12, o Juízo Federal da Subseção Judiciária de São Raimundo Nonato/PI entendeu que, apesar de mais recente, a ação proposta pelo Ministério Público Federal possui conteúdo mais amplo. Por esse motivo, proferiu sentença reconhecendo a litispendência e extinguiu a Ação 1002281-93.2019.4.01.4004, sem julgamento do mérito. Como não houve interposição de recurso, a decisão transitou em julgado, o que impede nova discussão sobre litispendência, conexão ou continência. Assim, devem ser rejeitadas as preliminares. 2. MÉRITO Consta na petição inicial, em síntese, que o Município de Dom Inocêncio/PI firmou o Convênio TC-N-025847/12 com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE, no âmbito do Programa Nacional de Reestruturação e Aparelhagem da Rede Escolar Pública de Educação Infantil - PROINFÂNCIA, para a construção de uma Unidade de Educação Infantil Creche/Pré Escola Pró-infância tipo B, recebendo repasse de recursos federais no montante de R$ 727.152,00 (setecentos e vinte e sete mil cento e cinquenta e dois reais), tendo os réus desviado os recursos mediante o pagamento antecipado de serviços, sem a devida contraprestação, no importe de R$ 581.721,60 (quinhentos e oitenta e um mil, setecentos e vinte e um reais e sessenta centavos). Na sentença, o magistrado concluiu o seguinte: (...) Considerando que os mesmos fatos já foram analisados com propriedade pelo então magistrado oficiante, PABLO BALDIVIESO, ao sentenciar a Ação Penal n° 2265-30.2017.4.01.4004, transcrevo parte dos fundamentos da aludida sentença que condenou Inocêncio Leal Parente e Solon Oliveira Ruben como incursos nas penas do art. 1°, I, do Decreto-Lei n° 201/67 e absolveu João Rodrigues Damasceno Neto, na forma do art. 386, VII, do Código de Processo Penal. "O feito envolve irregularidades detectadas pelo MPF no tocante à utilização de recursos federais do TC-N-025847/12, Termo de Compromisso PAC n° 203009/2012, celebrado entre o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE e o Município de Dom Inocêncio/PI, no âmbito do Programa Nacional de Reestruturação e Aparelhagem da Rede Escolar Pública de Educação Infantil - PROINFÂNCIA, o qual tinha como objeto a construção de uma Creche Pró Infância Tipo B na sede daquele município. (...) Verifico que no caso em análise a materialidade delitiva foi fartamente comprovada nos autos. Com efeito, análise pericial realizada pelo Setor Técnico da Polícia Federal identificou uma gritante incompatibilidade entre os recursos federais liberados ao Município de Dom Inocêncio por meio do TC/PAC n° 203009/2012 e o valor efetivamente empregado na obra, que se pretendia realizar com aqueles recursos. O montante repassado à Construtora Ruben & Ruben atingiu a cifra de R$ 581.884,28 (quinhentos e oitenta e um mil, oitocentos e oitenta e quatro reais e vinte e oito centavos), valor repassado no ano de 2012. Sucede que ao realizar vistoria in loco o Setor Técnico da Polícia Federal encontrou uma construção abandonada ainda em sua fase inicial, tendo estimado o emprego de apenas R$ 109.485,88 (cento e nove mil, quatrocentos e oitenta e cinco reais e oitenta e oito centavos). Transcrevo, por pertinentes, os seguintes excertos do Laudo n° 93/2017 - SETEC/SR/PF/PI acostado às fls. 382/451:(...) IV - RESPOSTAS AOS QUESITOS 1°) A obra encontra-se de fato paralisada, ou ainda está em andamento, ou mesmo foi devidamente concluída? 40. A obra encontrava-se paralisada e abandonada na data (14/02/2017) em que foram realizados os exames de campo. (...) 3°) Qual foi o percentual de realização das obras de construção da creche tipo 'B' em questão pela empresa RUBEN & RUBEN LTDA., ou por alguma firma subcontratada para aquele mesmo fim? 43. Na situação em que a obra foi encontrada durante a realização dos exames de campo (14/02/2017), foram executados serviços equivalentes a 7,53% (sete vírgula cinquenta e três por cento) do contrato original. 4°) Quanto foi o valor total pago à empresa contratada, RUBEN & RUBEN LTDA., ou a outra firma subcontratada para aquele mesmo fim? Requer-se as discriminações dos valores pagos, meios de pagamento utilizados, identificações dos ordenadores de despesas responsáveis pela movimentação da conta específica do convênio (c/c n° 32.784-0, agência 2660-3, do Banco do Brasil S/A)? 44. A empresa Ruben & Ruben Ltda. recebeu da Prefeitura Municipal de Dom Inocêncio - PI, segundo a documentação disponibilizada para exame, duas parcelas de R$ 290.942,14 (duzentos e noventa mil, novecentos e quarenta e dois reais e catorze centavos), totalizando R$ 581.884,28 (quinhentos e oitenta e um mil, oitocentos e oitenta e quatro reais e vinte e oito centavos). 45. O meio de pagamento utilizado para as transações financeiras foi com documento intitulado 'Ordem de Pagamento', no qual o pagador, Prefeitura de Dom Inocêncio - PI, solicita à instituição financeira, Banco do Brasil S/A, a sua emissão com valor a ser pago em favor do credor, podendo, este, realizar o saques em agências ou depositar em conta bancária. 46. Os ordenadores de despesas responsáveis pela movimentação da conta corrente examinada são o Sr. Inocêncio Leal Parente - Prefeito do Município - e o Sr. João Rodrigues Damasceno Neto - Tesoureiro do Município. 47. Mais detalhes, ver subitem III.4 - Movimentações Financeiras. 5°) Há correspondência entre o total pago pela Prefeitura com recursos da conta mencionada no quesito 4° acima e o percentual de execução da meta física daquele convênio n° TC-PAC n° 203009/2012-MEC/FNDE? 48. A Construtora Ruben & Ruben Ltda. recebeu, até o dia 27 de novembro de 2012, R$ 581.884,28 (quinhentos e oitenta e um mil, oitocentos e oitenta e quatro reais e vinte e oito centavos), equivalente a 40,00% (quarenta por cento) do total contratado. 49. De acordo com o Cronograma Físico-Financeiro disposto na tabela 5, adaptado do Cronograma Físico disponível para exame, o percentual de execução da meta física, acumulado até o sexto mês de execução da obra (27 de novembro de 2012, totalizando 5,5 meses) deveria ser de 88,54% (oitenta e oito vírgula cinquenta e quatro por cento), correspondendo a R$ 1.287.373,34 (um milhão, duzentos e oitenta e sete mil, trezentos e setenta e três reais e trinta e quatro centavos). 50. Isso significa dizer que a Construtora Ruben & Ruben Ltda. recebeu um valor menor do que o previsto na meta física daquele convênio. Por outro lado, a Construtora recebeu um valor acima do que foi por ela executado. Mais detalhes, ver subitem III. 9 - Cronograma de Execução/Desembolso. 6°) Em não havendo resposta afirmativa ao quesito 6° acima, permite-se concluir que os recursos do convênio n° TCPAC n° 203009/2012-MEC/FNDE foram utilizados em finalidade diversa? 51. Sim. A obra periciada foi contratada pelo preço de R$ 1.454.006,22 (um milhão, quatrocentos e cinquenta e quatro mil, seis reais e vinte e dois centavos). A Construtora Ruben & Ruben Lida., executou, segundo a Análise por Quantidades, serviços equivalentes à quantia de R$ 109.485,88 (cento e nove mil, quatrocentos e oitenta e cinco reais e oitenta e oito centavos). De acordo com a tabela 1, disposta no subitem III.4 - Movimentações Financeiras, a Construtora Ruben & Ruben Ltda. recebeu R$ 581.884,28 (quinhentos e oitenta e um mil, oitocentos e oitenta e quatro reais e vinte e oito centavos). Isso significa dizer que houve um Superfaturamento por Quantidades de R$ 472.398,40 (quatrocentos e setenta e dois mil, trezentos e noventa e oito reais e quarenta centavos), correspondendo ao percentual de 431,47% (quatrocentos e trinta e um vírgula quarenta e sete por cento) em relação ao Preço da Análise Pericial por Quantidades. Mais detalhes, ver subitem III.8 -Análise do Dano ao Erário Devido a Quantidades. (...) Diante da moldura acima delineada, verifico que há elementos contundentes acerca do desvio de recursos financeiros oriundos do FNDE, em proveito particular, no expressivo valor estimado em R$ 472.398,40 (quatrocentos e setenta e dois mil, trezentos e noventa e oito reais e quarenta centavos), na época da gestão do réu INOCÊNCIO LEAL PARENTE. Em vistoria no local da obra realizada em 14 de fevereiro de 2017, o setor especializado da Polícia Federal atestou o percentual de execução de apenas 7,53% da meta física prevista para o convênio em referência (fls. 382/451), valendo observar que nos poucos serviços realizados ainda se observou desconformidade com o projeto executivo, consoante pontuaram os peritos, verbis: "conforme a figura 19, a obra possui vigasbaldrame que foram executadas em desconformidade com o projeto, reduzindo seu custo de construção." É de se notar, outrossim, que em razão do abandono da obra, os serviços realizados ficaram expostos as intempéries, motivo pelo qual dificilmente serão aproveitados, como é possível observar nas imagens extraídas da obra e colacionadas no Laudo n° 93/2017 - SETEC/SR/PF/PI, de forma que a pequena monta de recursos aplicados será totalmente desperdiçada. Registro que a perícia feita pela Polícia Federal foi bastante detalhada, havendo no laudo imagens, tabelas, análise de documentos pertinentes, demonstrando o percentual execução da obra e o estado em que ela se encontrava. Foi elaborada, ademais, a partir de exames de campo realizados por profissionais especializados, os quais conseguiram calcular, de forma satisfatória, o amplo descompasso entre o valor repassado e o efetivamente executado pelos réus, a denotar severo desvio ao erário. Desse modo, adiro ao laudo da PF. pelo que constato o desvio de R$ 472.398,40 (quatrocentos e setenta e dois mil, trezentos e noventa e oito reais e quarenta centavos), tendo vista o percentual de execução de apenas 7,53% (sete virgula cinquenta e três por cento) da meta física do convênio. Durante a instrução processual os réus não apresentaram nada que pudesse afastar nem mesmo infirmar as conclusões do Setor Técnico da Polícia Federal. Em seu interrogatório (mídia de fl. 736, índice 00.53.42.183000) o réu Inocêncio Leal Parente afirma que, na sua compreensão, os valores gastos correspondem aos serviços efetivamente realizados. Essa afirmativa, contudo, não encontra qualquer respaldo probatório, estando totalmente dissociada das constatações da perícia técnica. Ora, as imagens colacionadas no laudo (fls. 396/398) mostram de forma cristalina a inexecução da obra. Não precisa ser nenhum expert em execução de obras para saber que os parcos serviços que se apresentam naquelas imagens estão em absoluto descompasso com os vultosos recursos sacados da conta do convênio, na ordem de mais de meio milhão de reais. Inexiste ainda qualquer outro elemento que corrobore a afirmação do réu. Ao contrário, os demais elementos de informação constantes dos autos confirmam a inexecução da obra. Em seu depoimento (mídia de fl. 736, índice 01.11.40.760000) o co-réu SOLON OLIVEIRA RUBEN, responsável legal pela Construtora Ruben & Ruben, informa que não executou nenhum serviço na obra da creche, sendo que aqueles trabalhos iniciais encontrados pelo Setor Técnico da Polícia Federal foram realizados por pessoas contratadas pelo próprio ex-prefeito Inocêncio Leal, o qual, segundo se infere do seu interrogatório, era o idealizador e responsável de fato pela Construtora Ruben & Ruben Ltda. Segundo informou o co-réu aquela empresa não passava de empresa de "fachada", que não tinha funcionários, não dispunha de nenhuma experiência em obras de engenharia, a qual serviu apenas para, inicialmente, dar ares de legalidade ao processo de contratação e, em passo seguinte, viabilizar os desvios de recursos públicos federais repassados pelo FNDE. Embora não seja a fase pré-contratual objeto do presente feito, cabe uma breve digressão a respeito da Tomada de Preços n° 11/2012 que precedeu o Contrato n° 37/2012 firmado entre o Município de Dom Inocêncio/PI e a Construtora Ruben & Ruben. Em que pese a aparente legalidade do referido certame licitatório (fls. 222/277) e considerando ainda o fato de que o Município de Dom Inocêncio/PI se encontra encravado no semiárido nordestino, distante cerca de 600 km da capital, é de se estranhar que apenas uma empresa se apresente como interessada na realização de uma obra de aproximadamente um milhão e meio de reais, com proposta muita muito próxima do valor total previsto para o convênio, tudo a indicar que mesmo na fase pré-contratual os atos já eram coordenados para viabilizar a reprovável apropriação de recursos públicos em proveito particular. Ressalte-se que ao ser questionado em Juízo se realmente havia participado de licitação, o réu Solon Oliveira Ruben afirmou laconicamente que "a documentação foi pra lá", "levaram a documentação" (mídia de fl. 736, índice 01.11.40.760000). Chama ainda atenção o fato de que o repasse integral da primeira parcela a construtora contratada tenha ocorrido no mesmo dia da assinatura do contrato em absoluta contrariedade as próprias regras contratuais e as mais basilares normas de execução financeira na administração pública. Indo além, o réu Solon Oliveira Ruben detalhou que os recursos eram depositados em sua conta e logo em seguida eram destinados a contas indicadas e em proveito particular do ex-gestor municipal, Inocêncio Leal Parente. Não se trata de informação vaga. Cuida-se, ao revés, de informação amplamente comprovada. Com feito, durante as investigações que culminaram com a denominada "Operação Pastor" foram deferidas medidas cautelares de afastamento do sigilo bancário dos investigados, sendo que após analisar a documentação bancária, a Polícia Federal constatou que somente nos últimos três meses de 2012 e em janeiro de 2013, o então prefeito Inocêncio Leal Parente recebeu em sua conta bancária diversos depósitos e transferências on line oriundos da Construtora Ruben & Ruben e do seu sócio administrador SOLON OLIVEIRA RUBEN. Transcrevo, por oportuno, trecho da representação formulada pela autoridade policial na Medida Cautelar de Afastamento de Sigilo Bancário e Fiscal que tramitou neste Juízo sob o n° 2212- 83.2016.4.01.40041: (...) 5. Entre os anos de 2011 e 2012, a CONSTRUTORA RUBEN & RUBEN recebeu pagamentos do município de Dom Inocêncio/PI que totalizam R$ 3.239.739,54 (três milhões, duzentos e trinta e nove mil reais: R$ 877.236,51 em 2011 e R$ 2.362.503,03 em 2012, segundo o TCE/PI). Nos últimos três meses de 2012 e em janeiro de 2013, o então prefeito Inocêncio Leal Parente recebeu em sua conta bancária depósitos em dinheiro e transferências on line oriundos desta empresa e de seu sócio administrador, SOLON OLIVEIRA RUBEN. Foram R$ 50.000,00 em 27/11/2012, mais R$ 34.030 em 10/11/2012, mais R$ 50.000,00 em 05/12/2012, mais R$ 5.410,00 em 06/12/2012, mais R$ 100.000,00 (cem mil reais) em 27/12/2012, mais R$ 320.000,00 em 02/01/2013 (oficio SIAPRO 08410.003551/2016-81), do Banco do Brasil, anexo II). 6. Parte destes valores tem origem comprovada em ordens de pagamento emitidas pela Prefeitura Municipal de Dom Inocêncio/PI. Para lastrear as ordens de pagamento, foram emitidas as notas de empenho n°s 1107/12, 1068/12 e 1121/12 (anexo III), as quais reservam recursos da Funasa e do FNDE destinados à construção de cisternas, redes de abastecimento de água e creches, mediante processos de dispensa de licitação. Ou seja, o prefeito emitia notas de empenho e ordens de pagamento e as entregava ao empresário, que, no momento do saque, desviava parte dos valores à conta bancária do gestor. Note-se que na mesma data de 27/11/2012 em que é repassada a 2ª parcela do convênio a Construtora Ruben & Ruben no valor de R$ 290.942,14 (duzentos e noventa mil, novecentos e quarenta e dois reais e quatorze centavos), o réu Inocêncio Leal Parente recebe em sua conta pessoal um lançamento de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) efetuado pela dita empresa, confirmando, desse modo, as afirmações do co-réu SOLON em seu interrogatório. Conclui-se, portanto, a partir dos documentos reunidos na fase investigativa e dos elementos de informação colhidos durante a instrução processual, sem margem de dúvidas, que houve o desvio de recursos financeiros oriundos do FNDE, no valor de R$ 472.398,40 (quatrocentos e setenta e dois mil, trezentos e noventa e oito reais e quarenta centavos). Assim, resta comprovada a materialidade delitiva." Ante contundente prova dos autos, concordo integralmente com a linha de intelecção do ilustre juiz federal Pablo Enrique Carneiro Baldivieso, de que, no caso dos autos, ocorreu desvio de rendas públicas - art. 1°, I, do Decreto-lei 201/67, conduta que, da forma como perpetrada nos autos, se subsume àquela prevista no art. 10, incisos I, VI e XI na Lei 8.429/92. (...) Quanto à Inocêncio Leal Parente e Solon Oliveira Ruben, diante do que foi produzido nos autos, não restam dúvidas de que participaram ativamente da prática do ato ímprobo. O primeiro, além de ser o gestor das verbas, atuava como uma espécie de proprietário de fato da Construtora Ruben & Ruben, desviando em proveito próprio, dinheiro público. Já Solon Oliveira Ruben, proprietário formal da Construtora, emprestou seu nome para criar a empresa e forneceu toda documentação para conferir ares de legalidade ao procedimento licitatório. Inclusive, em seu interrogatório judicial (mídia acostada à fl. 810) afirma que não é da área de engenharia e que nunca realizou obra alguma, não tendo sequer, um trabalhador contratado, além de que o CNPJ da "Construtora Ruben & Ruben" surgiu de um trailer que possuía na cidade de São João do Piauí. Informou, ainda, que quando os valores caíam em sua conta, Inocêncio lhe passava um "relatório" indicando outras contas bancárias para as quais ele deveria distribuir o dinheiro, inclusive para conta pessoal do próprio prefeito. Para tanto, recebia um valor fixo de R$ 700,00 (setecentos reais). Destarte, tenho como certa a existência de ato de improbidade administrativa previsto no art. 10, I, VI e XI da Lei 8.429/92, praticado, em conluio, por Inocêncio Leal Parente, Solon Oliveira Ruben, e por consequência, pela Construtora Ruben & Ruben, o que enseja a aplicação das sanções descritas no artigo 12, II, do mesmo diploma legal. (...). Analisando a questão, verifico que a presente ação foi proposta ainda sob a redação original da Lei 8.429/1992, antes das alterações introduzidas pela Lei 14.230/2021, podendo esta ser aplicada às hipóteses anteriores à sua vigência, em circunstâncias específicas, respeitadas as balizas estabelecidas pelo STF no julgamento do ARE 843.989/PR, com repercussão geral (Tema 1.199). O STF, no mencionado julgamento, fixou, dentre outras, as seguintes teses após exame da Lei 14.230/2021: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; (...). Do que se extrai, pois, do entendimento fixado pelo STF, pode-se concluir, primeiramente, que a nova lei exige que o elemento subjetivo “dolo” seja demonstrado nos tipos legais descritos nos arts. 9º, 10 e 11. Segundo, que a lei nova revogou a ação de improbidade na modalidade culposa trazida no antigo artigo 10 (dano ao erário - único que até então admitia a condenação também por culpa), em caráter irretroativo. No entanto, essa revogação não alcançará ações, iniciadas sob a égide da Lei 8.429/1992, que tiverem transitado em julgado. Cabe destacar, por oportuno, que o STF nada dispôs sobre a questão alusiva à revogação de alguns tipos da anterior Lei 8.429/1992, nem quanto às alterações introduzidas pela nova lei em certos tipos legais, até porque não era objeto do RE 843.989/PR. Não obstante, pode-se inferir, numa interpretação lógico-sistemática, ser possível a aplicação do princípio da retroatividade da lei mais benéfica ao réu, previsto no art. 5º, XL, da CF, aos casos em que houve revogação ou modificação de tipos legais, para as ações ainda em curso, a exemplo do quanto admitido para aquelas originadas por atos de improbidade culposos. O STJ, por sua vez, entendeu recentemente ser possível a aplicação da Lei 14.230/2021, com relação à exigência do dolo específico para a configuração do ato ímprobo, aos processos em curso. Precedente: REsp 2.107.601/MG, Primeira Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 02/05/2024. Destaque-se, ainda, que o artigo 1º, § 4º, da nova lei expressamente estabelece a aplicação ao sistema da improbidade dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador, os quais incidem retroativamente em benefício da parte ré. O apelante foi condenado pela prática dos atos previstos no art. 10, I, VI e XI, da LIA, que antes das alterações levadas a efeito pela Lei 14.230/2021, se encontrava expresso nos seguintes termos: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei; (...) VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea; (...) XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular; (...). Com a redação dada pela nova lei, o dispositivo ficou assim redigido: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: I - facilitar ou concorrer, por qualquer forma, para a indevida incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, de rendas, de verbas ou de valores integrantes do acervo patrimonial das entidades referidas no art. 1º desta Lei; (...) VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea; (...) XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular; (...). No presente caso restou amplamente comprovado pela investigação realizada pela Polícia Federal, Laudo 093/2017-SETEC/SR/PI (ID. 108570166 - fls. 182/206), que, apesar de pagas à Construtora Ruben & Ruben Ltda. no ano de 2012 duas parcelas dos recursos transferidos ao Município de Dom Inocêncio/PI para a construção de uma Unidade de Educação Infantil Creche/Pré Escola Pró-infância tipo B, cujo montante é equivalente a 40% (quarenta por cento) do contrato, com a primeira parcela indevidamente antecipada na data de assinatura do Contrato 037/2012 (referente à Tomada de Preços 011/2012), em vistoria realizada em 14/02/2017 foi constatado que os serviços executados são equivalentes a tão somente 7.53% (sete virgula cinquenta e três por cento) do projeto original contratado e a obra encontrava-se paralisada e abandonada. Cumpre frisar que, o laudo técnico elaborado pela Policia Federal durante a investigação é prova irrepetível, pois que certos vestígios e evidências podem se perder ou se deteriorar com o tempo, tornando impossível a reprodução do exame, especialmente no caso em questão que trata de inexecução de obra pública ainda na fase inicial. Da mesma forma, sendo o objetivo do laudo esclarecer pontos técnicos relevantes para o processo, não está sujeito ao contraditório e ampla defesa para sua elaboração, ressaltando-se, apenas, que deve ser submetido ao conhecimento das partes interessadas quando servir de fundamento para o julgamento do caso, o que de fato ocorreu na espécie. O acervo probatório colhido é robusto e válido, não merecendo prosperar a alegação de ausência de provas do ato ímprobo, devendo ser inclusive ressaltado que o réu foi condenado pelo crime de responsabilidade previsto no art. 201, I, do Decreto-Lei 201/1967, na Ação Penal 0002265-30.2017.4.01.4004 em que se discutia os mesmos fatos, cuja sentença condenatória foi confirmada em sede de apelação por este Regional, reconhecendo o dolo do acusado na prática delitiva. Assim, não obstante a independência das instâncias civil, penal e administrativa, restou comprovado na Medida Cautelar de Afastamento de Sigilo Bancário e Fiscal 0002212-83.2016.4.01.4004, utilizada como um dos fundamentos para a condenação criminal, que grande parte dos valores recebidos pela Construtora Ruben & Ruben Ltda. foram transferidos para a conta pessoal do réu, sendo observado inclusive o lançamento de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) efetuado pela empresa na mesma data em que repassada a segunda parcela do Convênio TC-N-025847/12. Do que se extraí das provas colhidas, verifica-se que as irregularidades não resultaram de meros erros ou inabilidade do apelante, mas sim que foram cometidas deliberada e intencionalmente com o intuito de aplicação irregular de verba pública em benefício próprio e de terceiros. Além disso, é fato incontroverso o dano causado ao erário, sendo desnecessária a comprovação de que o agente se enriqueceu ilicitamente para incidir no tipo previsto no art. 10 da LIA. Cito precedente desta Corte: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/92. PRESCRIÇÃO. PRELIMINAR REJEITADA. ART. 11, I. AFASTADO. TEMA 1199. LEI 14.230/2021. EX-SERVIDORA DO INSS. CONCESSÕES DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. FRAUDE. DANO AO ERÁRIO. COMPROVADO. DOLO PRESENTE. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. ATO DE IMPROBIDADE CONFIGURADO. ART. 9º, I. ART. 10, VII E XII. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. HONORÁRIOS AFASTADOS. (...) 4. A apelante, na qualidade de servidora do INSS, habilitou e concedeu benefícios de aposentadoria por tempo de contribuição a segurados, sem, deliberadamente, confrontar os dados da carreira profissional dos referidos segurados com os requisitos exigidos pela legislação para o deferimento dos benefícios, causando um prejuízo à autarquia federal. 5. As condutas irregulares da apelante foram: permitir que os requerimentos dos benefícios fossem assinados fora das dependências da agência; habilitar e protocolizar diversos benefícios sem a presença do segurado; majorar valor das contribuições que foram recolhidas a menor; inserir informações falsas no sistema; aceitar documentação forjada e etc. 6. A demandada, livre e conscientemente, inseriu dados falsos no sistema informatizado do INSS, com o fim de obter vantagem indevida em favor de terceiros, consistente em beneficio previdenciário de aposentadoria em razão do cargo público exercido por ela no INSS. 7. Relativamente à materialidade dos fatos, está demonstrada nos autos pelo processo administrativo de concessão e revisão de aposentadoria a diversos trabalhadores. Depreende-se do conjunto probatório que a apelante efetivamente tinha ciência da falsidade das informações apresentadas em instrução ao requerimento do benefício, o que configura o dolo em sua conduta. 8. A apelante agiu de má-fé e com deslealdade em relação à instituição a que pertencia, objetivando conceder vantagem econômica ilícita, bem como receber vantagens pecuniárias em detrimento da dignidade da função pública, causando efetivos prejuízos ao erário. As condutas da recorrente se enquadram no art. 9º, inciso I, e art. 10, incisos VII e XII, da Lei nº 8.429/92. 9. Recurso de apelação parcialmente provido para afastar a condenação da apelante por imputação no art. 11, inciso I, da LIA, readequando as sanções impostas. 10. Afastada, de ofício, a condenação em honorários sucumbenciais. Mantida a sentença no restante pelos seus próprios fundamentos. (AC 0090708-28.2014.4.01.3400, TRF1, Décima Turma, Rel. Juiz Federal convocado Marllon Sousa, PJe 06/11/2023.) Sendo assim, comprovado o dolo específico do apelante e efetivo dano ao erário, deve ser mantida a condenação pela prática dos atos ímprobos previstos no art. 10, I, VI e XI, da LIA. Por fim, nos termos do art. 98 do CPC “a pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça”. De acordo com a Súmula 481 do STJ: "faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais". Sendo assim, é de ser deferido o pedido de gratuidade da justiça. Ante o exposto, rejeito as preliminares e dou parcial provimento à apelação tão somente para conceder os benefícios da gratuidade da justiça ao apelante. É o voto. Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO GAB. 11 - DESEMBARGADOR FEDERAL MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) 0000316-34.2018.4.01.4004 APELANTE: INOCENCIO LEAL PARENTE Advogado do(a) APELANTE: ANA PAULA OLIVEIRA ARAGAO PARENTE - PI17724-A APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA), FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO EMENTA ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VERBA FEDERAL REPASSADA AO MUNICÍPIO. PRESENÇA DO MPF. ALEGAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL AFASTADA. LITISPENDENCIA, CONEXÃO E CONTINÊNCIA. MATÉRIA APRECIADA COM TRÂNSITO EM JULGADO. IMPOSSIBILIDADE DE NOVA DISCUSSÃO. PRELIMINARES REJEITADAS. ALTERAÇÕES NA LEI 8.429/1992 PELA LEI 14.230/2021. RETROATIVIDADE. POSSIBILIDADE, NO CASO CONCRETO. STF, ARE 843.989/PR. TEMA 1.199. ART. 10 DA LIA. CONVÊNIO ENTRE MUNICÍPIO E FNDE. DESVIO DE VERBA PÚBLICA. DOLO ESPECÍFICO E DANO AO ERÁRIO COMPROVADOS. ATO ÍMPROBO CONFIGURADO. CONDENAÇÃO MANTIDA. PEDIDO DE GRATUIDADE DE JUSTIÇA DEFERIDO. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1. Apelação interposta contra sentença que julgou parcialmente procedente pedido formulado em ação de improbidade administrativa ajuizada pelo MPF. A sentença condenou solidariamente o apelante, gestor municipal, a pessoa jurídica contratada e o seu responsável pela prática de atos ímprobos descritos no art. 10, I, VI e XI, da Lei 8.429/1992, aplicando as sanções previstas no art. 12, II, do mesmo diploma legal. 2. A controvérsia envolve as seguintes questões: (i) saber se estão presentes os pressupostos processuais e condições da ação, incluindo a competência da Justiça Federal e a eventual existência de litispendência ou conexão; (ii) saber se há elementos probatórios suficientes para configurar atos de improbidade administrativa previstos no art. 10, I, VI e XI da Lei 8.429/1992, com observância das alterações promovidas pela Lei 14.230/2021; e (iii) a concessão do benefício da gratuidade da justiça. 3. Nas ações de improbidade administrativa a competência da Justiça Federal é definida em razão da presença das pessoas jurídicas de direito público previstas no art. 109, I, da Constituição Federal, assim como a do MPF, e não em razão da natureza da verba federal sujeita à fiscalização do Tribunal de Contas da União. Preliminar de incompetência afastada. 4. O Ministério Público Federal possui legitimidade para propor ação com o objetivo de apurar ato de improbidade envolvendo verbas federais, mesmo que transferidas a Município, uma vez que lhe é atribuída a defesa do patrimônio público federal e o controle da legalidade na aplicação das verbas oriundas da União. 5. Não obstante as ações de improbidade 1002281-93.2019.4.01.4004 (anterior 0023353-78.2013.4.01.4000) e 0000316-34.2018.4.01.4004 tratem das mesmas irregularidades relacionadas ao Convênio TC-N-025847/12, o Juízo Federal da Subseção Judiciária de São Raimundo Nonato/PI entendeu que, apesar de mais recente, a ação proposta pelo Ministério Público Federal possui conteúdo mais amplo. Por esse motivo, proferiu sentença reconhecendo a litispendência e extinguiu a ação 1002281-93.2019.4.01.4004, sem julgamento do mérito. Como não houve interposição de recurso, a decisão transitou em julgado, o que impede nova discussão sobre litispendência, conexão ou continência. Preliminares rejeitadas. 6. O dolo específico restou demonstrado nos autos, uma vez que o apelante liberou antecipadamente verba pública repassada ao município mediante convênio federal, de modo deliberado e intencional, a fim de facilitar a aplicação irregular em benefício próprio e de terceiros, embora sabidamente não cumprido o objeto do convênio firmado com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE, no âmbito do Programa Nacional de Reestruturação e Aparelhagem da Rede Escolar Pública de Educação Infantil - PROINFÂNCIA, para a construção de uma Unidade de Educação Infantil Creche/Pré Escola Pró-infância tipo B. 7. Comprovado o dolo específico do apelante e o efetivo dano ao erário, deve ser mantida a condenação pela prática de ato ímprobo previsto no art. 10 da LIA. 8. Nos termos do art. 98 do CPC "A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça". 9. Preliminares rejeitadas. Apelação parcialmente provida. ACÓRDÃO Decide a Turma, por unanimidade, rejeitar as preliminares e dar parcial provimento à apelação. 4ª Turma do TRF da 1ª Região - 15/07/2025 (data do julgamento). Desembargador Federal MARCOS AUGUSTO DE SOUSA Relator
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