Processo nº 1019079-36.2023.8.11.0041
ID: 258773918
Tribunal: TJMT
Órgão: 4ª VARA CÍVEL DE CUIABÁ
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 1019079-36.2023.8.11.0041
Data de Disponibilização:
22/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
RENATO CHAGAS CORREA DA SILVA
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 4ª VARA CÍVEL DE CUIABÁ SENTENÇA Processo: 1019079-36.2023.8.11.0041. REQUERENTE: J. L. A. F. REPRESENTANTE: JOAO FALCÃO DE ARRUDA NETO REQUERIDO: BRADESCO SAUD…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO 4ª VARA CÍVEL DE CUIABÁ SENTENÇA Processo: 1019079-36.2023.8.11.0041. REQUERENTE: J. L. A. F. REPRESENTANTE: JOAO FALCÃO DE ARRUDA NETO REQUERIDO: BRADESCO SAUDE S/A Visto. Trata-se de AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER ajuizada por JOÃO LUCAS ARRUDA FALCÃO, representado por seu genitor JOAO FALCÃO DE ARRUDA NETO, em face de BRADESCO SAÚDE S/A. Aduz que o menor, desde os primeiros anos de vida, apresentou atraso no desenvolvimento, especialmente nas áreas de fala, interação social e linguagem. Após avaliação médica, foi diagnosticado com Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e Transtorno d o E s p e c t r o A u t i s t a ( T E A ) - CIDS 11 6ª02 + 6ª05, necessitando de suporte intensivo multiprofissional. No id. 119261360, consta decisão proferida por este Juízo deferindo o pedido de tutela de urgência, determinado que a requerida autorizasse e custeasse integralmente todo o tratamento multidisciplinar de que o autor necessita, na quantidade e pelo tempo necessário, conforme relatório e solicitações médicas constates dos Id.s 118733011 a 118733013. A requerida apresentou a Contestação no id. 122119151 e no id. 123753181, informou o cumprimento da tutela de urgência e requereu a declaração do cumprimento da obrigação de fazer. No id. 124250541, a requerente apresentou Impugnação a Contestação. No id. 124310414, a parte requerente requereu o julgamento antecipado da lide. No id. 126451329, a parte requerente noticiou o descumprimento da liminar deferida por este Juízo, requerendo: a ratificação da liminar, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00; a convalidação da multa de astreinte no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), bem como a ocorrência do CRIME DE DESOBEDIÊNCIA com base no artigo 330 do Código Penal Brasileiro e, por fim, o bloqueio de verbas via BACENJUD, no valor do orçamento juntado aos autos, nos termos do art. 536, § 1º c/c art. 538, § 3º, ambos do CPC. No id. 127623588, a parte requerida peticionou nos autos informando que não há que se falar em descumprimento, uma vez que a liminar foi cumprida. No id. 135969409, consta decisão proferida por este Juízo indeferindo o pedido da parte requerida de ausência de descumprimento da decisão liminar e, em razão do descumprimento da reiterado da ordem liminar impôs a aplicação de multa no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), determinou a intimação da empresa requerida para comprovar o cumprimento da decisão liminar, no prazo de 05 (cinco) dias e para o caso de descumprimento, majorou a multa diária para R$1.000,00 (mil reais), até o limite de R$40.000,00 (quarenta mil reais). No id. 136990784, a parte requerida informou que cumpriu com a determinação deste juízo e requereu que seja declarado o cumprimento da obrigação de fazer. No id. 154575176, foi acostado aos autos Acórdão, proferido pela Quarta Câmara Criminal de Direito Privado desprovendo o recurso interposto pela parte requerida e mantendo r. decisão que fixou multa no valor de R$10.000,00 (dez mil reais), bem como determinou a intimação da ré para comprovar o cumprimento da liminar, no prazo de 05 (cinco) dias, sob pena de multa diária de R$1.000,00 (mil reais), até o limite de R$40.000,00 (quarenta mil reais). No id. 156268768, foi proferida decisão de saneamento do feito. Os autos vieram-me conclusos. É O RELATÓRIO. DECIDO. Passo a análise das preliminares. IMPUGNAÇÃO À JUSTIÇA GRATUITA A parte Ré impugna a concessão da justiça gratuita a parte Autora, todavia, a insurgência não veio acompanhada de documentos, mas sim de meras elucubrações, que não são capazes de afastar a comprovada hipossuficiência financeira da parte requerente. A propósito: “DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. JUSTIÇA GRATUITA. IMPUGNAÇÃO. ÔNUS DA PROVA DO IMPUGNANTE. CERCEAMENTO DE DEFESA. PERÍCIA CONTÁBIL. INOCORRÊNCIA. DESNECESSIDADE PARA FINS DE APURAÇÃO ABUSIVIDADE. MÉRITO. REVISÃO CONTRATUAL. JUROS REMUNERATÓRIOS. COISA JULGADA. MATÉRIA ANALISADA E DECIDIDA EM AÇÃO REVISIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE REDISCUSSÃO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME Recurso de apelação interposto contra sentença, que julgou procedente ação de busca e apreensão ajuizada pelo banco, consolidando a posse e propriedade do bem móvel ao credor fiduciário, autorizando sua venda e condenando a requerida ao pagamento de custas e honorários advocatícios, com exigibilidade suspensa nos termos do art. 98, §3º, do CPC. A apelante sustenta, preliminarmente, cerceamento de defesa em razão do indeferimento da perícia contábil postulada. No mérito, alega abusividade de cláusulas contratuais e incidência de juros remuneratórios acima da taxa média, pleiteando o reconhecimento da descaracterização da mora e a inversão do ônus sucumbencial. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO Há três questões em discussão: (i) definir se a justiça gratuita concedida à apelante pode ser revogada diante da impugnação do banco apelado; (ii) verificar se houve cerceamento de defesa pelo indeferimento de prova pericial contábil; e (iii) estabelecer se é possível a revisão das cláusulas contratuais, especialmente quanto aos juros remuneratórios, diante da coisa julgada. III. RAZÕES DE DECIDIR A impugnação à gratuidade da justiça não prospera, pois o ônus da prova cabe ao impugnante, que deve demonstrar a capacidade financeira da parte contrária para arcar com as custas processuais. No caso, a instituição financeira não apresentou elementos suficientes para infirmar a presunção de hipossuficiência da apelante. Não há cerceamento de defesa no indeferimento da perícia contábil, pois cabe ao magistrado avaliar a necessidade da produção probatória, conforme o princípio da persuasão racional. A prova documental apresentada foi considerada suficiente para o deslinde da controvérsia, justificando o julgamento antecipado da lide nos termos do art. 355, I, do CPC. A revisão contratual pleiteada não é admissível, pois a questão já foi objeto de ação revisional anterior, na qual foi reconhecida a validade dos juros remuneratórios contratados. O reexame da matéria encontra óbice na coisa julgada, nos termos dos arts. 502 e 505 do CPC. IV. DISPOSITIVO E TESE Recurso desprovido. Tese de julgamento: O ônus da prova quanto à impugnação da justiça gratuita cabe ao impugnante, que deve demonstrar a capacidade financeira da parte beneficiária. O indeferimento de prova pericial não configura cerceamento de defesa quando as provas documentais constantes dos autos são suficientes para a solução da controvérsia. É vedado reexaminar cláusulas contratuais já analisadas e decididas em ação revisional anterior, em razão da coisa julgada. Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 98, §3º; 355, I; 502; 505. Jurisprudência relevante citada: TJ-MT, AgReg Cível nº 1000688-22.2019.8.11.0090, Rel. Des. Guiomar Teodoro Borges, j. 05/06/2024; TJ-MT, Ap Cível nº 1013649-11.2020.8.11.0041, Rel. Des. Guiomar Teodoro Borges, j. 23/03/2022; TJ-MT, Ap Cível nº 1038360-51.2018.8.11.0041, Rel. Des. Antônia Siqueira Gonçalves, j. 14/12/2022.” (N.U 1044399-88.2023.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, SERLY MARCONDES ALVES, Quarta Câmara de Direito Privado, Julgado em 19/02/2025, Publicado no DJE 22/02/2025) Assim, REJEITO a impugnação ao pedido de justiça gratuita, levantada pela ré, mantendo a benesse da gratuidade outrora concedida. Inexistindo outras preliminares, passo a análise do mérito. O feito comporta julgamento no estado em que se encontra, tendo em vista que as alegações da parte autora e os documentos acostados aos autos permitem a prolação da sentença, independentemente da produção de outras provas, nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil. Neste sentido: “DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE TRATAMENTO. TERAPIA PELO MÉTODO ABA (ANÁLISE APLICADA AO COMPORTAMENTO). TRANSTORNO DE ESPECTRO AUTISTA (TEA). EFICÁCIA E ADEQUAÇÃO. COMPROVADA. CONCESSÃO JUDICIAL DO TRATAMENTO POSTULADO. CABIMENTO. A Portaria nº 324, de 31 de março de 2016 do Ministério da Saúde aprovou Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) do Comportamento Agressivo no Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), reconhecendo a eficácia científica do tratamento pelo método ABA a ser disponibilizado pelo sistema público. Enquanto a terapia não estiver disponível no SUS, cabe a concessão de ordem judicial pelo fornecimento.” (TRF-4 - RECURSO CÍVEL: 50029034420194047004 PR 5002903-44.2019.4.04.7004, Relator: MARCELO MALUCELLI, Data de Julgamento: 25/03/2021, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO PR). Deste modo, não há necessidade de realização de prova documental, tampouco pericial para avaliação do tratamento prescrito pelo médico, mormente quando as questões já se encontram superadas na decisão de saneamento do feito. Ademais, ressalte-se que os contratos de planos de saúde estão submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, tratando-se de relação de consumo, consoante traduz o artigo 3º, § 2º do CDC: Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. § 1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. § 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (grifo nosso) Para afastar qualquer dúvida quanto à aplicação do CDC ao contrato em análise, confira-se a Súmula 608 do STJ: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão”. Logo, é possível a adequação dos contratos aos ditames legais, de modo a viabilizar inclusive, se for o caso, a decretação de nulidade das cláusulas que “estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou seja, incompatíveis com a boa-fé ou a equidade” (art. 6º, V c/c art. 51, IV do CDC), de modo que em razão da hipossuficiência do consumidor, impõe-se a inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor. Pois bem. Vê-se que restou comprovada a necessidade da parte autora na realização do tratamento acerca do “Transtorno do Espectro Autista (TEA) + Transtorno de Défict de Atenção e Hiperatividade (TDAH)”, consoante prescrição médica trazida na exordial. Conforme atestado pela médica que acompanha a parte autora, ela necessita de tratamento especializado e com profissionais que possuem experiência em técnicas utilizadas em autismo, no caso: acompanhamento Psicossocial (ABA), Fonoaudiólogo, terapia ocupacional e equoterapia, conforme prescrição médica. Deste modo, descabe a alegação da ré de que a autora pode realizar os procedimentos convencionais através dos profissionais credenciados. A requerida ainda aduz que o tratamento requerido pela parte autora não se encontra previsto no rol de procedimento e eventos em saúde da ANS, sendo legítima a negativa da cobertura. Conforme a literatura médica: “O autismo é um transtorno invasivo do desenvolvimento, e seu quadro comportamental é composto basicamente de quatro manifestações: déficits qualitativos na interação social, déficits na comunicação, padrões de comportamento repetitivos e estereotipados e um repertório restrito de interesses e atividades.[1] Somando-se aos sintomas principais, crianças autistas frequentemente apresentam distúrbios comportamentais graves, como automutilação e agressividade em resposta às exigências do ambiente, além de sensibilidade anormal a estímulos sensoriais. Apesar de décadas de pesquisas e investigações, a etiologia do autismo permanece indefinida, pois se trata de um distúrbio complexo e heterogêneo com graus variados de severidade”. (Disponível em Acesso em 26/09/2019). A lei 12.764/2012 que Instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, dispõe que: “Art. 3º São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista: [...]. b) o atendimento multiprofissional;” O direito à saúde encontra-se umbilicalmente relacionado com o princípio da dignidade da pessoa humana, sendo esta garantia fundamental uma das vigas mestras da Constituição da República de 1988. A jurisprudência é firme no sentido de ser abusiva a negativa de cobertura pelo plano de saúde de procedimento, tratamento, medicamento ou material considerado essencial para preservar a saúde e a vida do paciente, mesmo porque a opção da técnica a ser utilizada cabe ao médico especialista. Nesse sentido: “SEGURO SAÚDE – Segurado portador de Transtorno do Espectro Autista – Prescrição de terapia por equipe multidisciplinar – Método ABA - Inexistência de profissionais credenciados especializados no método terapêutico prescrito – Havendo a cobertura da doença, é nula a disposição contratual que desobriga a cobertura de procedimentos e inválidas as limitações de sessões, uma vez prescritas, porque necessárias ao desenvolvimento da paciente, devendo ser cobertos integralmente os serviços em clínica particular, se não disponibilizados adequadamente na rede credenciada no município de sua residência – Método específico, reconhecido pela Comunidade Médica, para conferir melhor qualidade de vida e desenvolvimento ao autista, o que não pode ser obtido pelo fornecimento de profissionais sem interação e experiência sobre o autismo – Sentença mantida – Recurso desprovido.” (TJ-SP - AC: 10015864820198260565 SP 1001586-48.2019.8.26.0565, Relator: Alcides Leopoldo, Data de Julgamento: 05/03/2020, 4ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 05/03/2020)(grifo nosso) “AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PLANO DE SAÚDE. RECUSA DE ATENDIMENTO. INEXISTÊNCIA DE CLÁUSULA DE EXCLUSÃO OU LIMITAÇÃO DE COBERTURA. RECUSA INDEVIDA/INJUSTIFICADA. DANO MORAL CARACTERIZADO. ROL DA ANS EXEMPLIFICATIVO. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Está firmada a orientação de que é inadmissível a recusa do plano de saúde em cobrir tratamento médico voltado à cura de doença coberta pelo contrato sob o argumento de não constar da lista de procedimentos da ANS, pois este rol é exemplificativo, impondo-se uma interpretação mais favorável ao consumidor, de modo a atrair a aplicação da Súmula n. 83 do STJ. 2. Agravo interno desprovido”. (STJ, AgInt no REsp 1723344/DF, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 25/03/2019, DJe 28/03/2019). (grifo nosso) Não bastasse isso, em recente julgado, o STJ afirmou que: “[...] a competência legal atribuída à ANS pelas Leis 9.656/98 e 9.961/2000 pelos os atos normativos por ela exarados, além de compatíveis com as referidas Leis, devem ter conformidade com a CF/1988 e as normas insertas no CDC, inclusive os seus princípios, não lhe cabendo inovar a ordem jurídica. Impende ressaltar, por oportuno, que, embora a Lei 9.656/1998 seja a lei especial que regula os planos privados de assistência à saúde, há expressa menção em seu art. 35-G de aplicação do CDC aos contratos celebrados entre usuários e operadoras Essa orientação se justifica ainda mais diante da natureza de adesão do contrato de plano de saúde e se confirma, no âmbito jurisdicional, com a edição da súmula 608 pelo STJ: ‘Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão’. Por isso, o poder atribuído à ANS de normatizar a Lei 9.656/1998 deve ser exercido dentro dos limites estabelecidos pelo legislador e em conformidade com os dispositivos constitucionais e consumeristas, ressalvando-se, apenas, os atos relativos aos contratos celebrados com as entidades de autogestão, os quais não se submetem ao CDC. Logo, não cabe a ANS estabelecer outras hipóteses de exceção da cobertura obrigatória pelo plano-referência, além daquelas expressamente previstas nos incisos do art. 10 da Lei 9.656/1998, assim como não lhe cabe reduzir a amplitude da cobertura, excluindo procedimentos ou eventos necessários ao tratamento das doenças listadas na CID, ressalvadas, nos termos da lei, as limitações impostas pela segmentação contratada. É forçoso concluir, portanto, no sentido da manutenção da orientação da Terceira Turma, há muito firmada nesta Corte no sentido de que a natureza do referido rol é meramente exemplificativa e, por isso, reputa abusiva a recusa de custeio do tratamento de doença coberta pelo contrato. Citam-se, por oportuno: AgInt no AREsp 1683820/SP, 3ª Turma, DJe 10/03/2021; AgInt no REsp 1882735/SP, 3ª Turma, DJe 12/02/2021; AgInt nos EDcl no AgInt no AREsp 1691550/SP, 3ª Turma, DJe 08/02/2021; e AgInt no REsp 1890825/SP, 3ª Turma, DJe 18/12/2020 Por sinal, na sessão de 03/02/2021, esse entendimento foi reafirmado, à unanimidade, pela Terceira Turma no julgado citado na decisão agravada (REsp 1846108/SP, 3ª Turma, DJe 05/02/2021)”.(STJ, AgInt no REsp 1897025/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 22/06/2021, DJe 25/06/2021). Grifo nosso) Além disso, oportuno registrar que recentemente houve a publicação da Lei nº 14.454, de 21 de setembro de 2022, que alterou e estabeleceu critérios que permitem a cobertura de exames ou tratamentos de saúde que não estão incluídos no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar editados pela ANS, portanto, não é mais aplicável a tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça que o rol seria taxativo. Nesse sentido: “RECURSO DE APELAÇÃO - Ação dE Obrigação de Fazer – tratamento prescrito por médico - OCLUSÃO TRAQUEAL FETAL ENDOSCÓPICA –– negativa de cobertura - procedimento ausente do rol da ans – INAPLICABILIDADE DO ENTENDIMENTO DO STJ FIRMADO PELA SEGUNDA SEÇÃO, NO JULGAMENTO DOS ERESP 1.886.929/SP E DOS ERESP 1.889.704/SP (DJE 03/08/2022). LEI POSTERIOR QUE DEFINIU QUE O ROL DA ANS POSSUI NATUREZA EXEMPLIFICATIVA COM CONDICIONANTES. LEI 14.454/2022 DE 21 DE SETEMBRO DE 2022. TRATAMENTO COM EFICÁCIA COMPROVADA SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. 1. “Deveras, consoante cediço, o princípio pacta sunt servanda, a força obrigatória dos contratos, porquanto sustentáculo do postulado da segurança jurídica, é princípio mitigado, posto sua aplicação prática estar condicionada a outros fatores, como, por v.g., a função social, as regras que beneficiam o aderente nos contratos de adesão e a onerosidade excessiva. [...].” (REsp nº 838.127 – DF. Relator Ministro Luiz Fux. Publicado em: 03-12-2008) 2. “não existe hierarquia em abstrato entre princípios, devendo a precedência relativa de um sobre o outro ser determinada à luz do caso concreto”. (Luís Carlos Barroso, Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 329) 3. A Segunda Seção do STJ fixou o entendimento de que o rol de procedimento e eventos em saúde complementar é, em regra, taxativo (ERESps n. 1.889.707/SP E 1.886.929/SP, julgados em 8/6/2022, DJe de 3/08/2022). Todavia, em 21-09-2022, sobreveio a Lei 14.454/2022 que alterou a Lei nº 9.656/98 incluindo os §§ 12 e 13 no art. 10 da Lei 9.656/98 fixando o entendimento de que o rol da ANS possui natureza exemplificativa com condicionantes. 4. Nos termos do § 12 do art. 10 da Lei 9.656/98 “O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, atualizado pela ANS a cada nova incorporação, constitui a referência básica para os planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999”, portanto, o rol da ANS possui natureza exemplificativa, por expressa disposição legal. 5. Tendo a parte demonstrada a existência de expressa indicação por médico especializado para seu tratamento, e comprovada a sua eficácia, não compete ao plano de saúde discutir a pertinência da prescrição feita ao paciente. 6. No caso concreto, o tratamento indicado é hoje o único, e o mais indicado para a patologia que acomete o feto. 7. Se há indicação médica para tratamento e tendo este eficácia comprovada, não há falar em ausência de cobertura ou de previsão em resoluções para a realização do procedimento. Inteligência do art. 10, § 12 e § 13, I da Lei 9.656/98 com redação dada pela Lei 14.454/2022.” (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 1021029-85.2020.8.11.0041, Relator: SEBASTIAO BARBOSA FARIAS, Data de Julgamento: 14/11/2023, Primeira Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 16/11/2023).(grifo nosso). De outra sorte, a parte ré não demonstrou que oferece os procedimentos prescritos pelo médico em sua rede credenciada (art. 373, II, CPC), de modo que deverá arcar integralmente com os custos dos tratamentos indicados pelo profissional médico que trata a parte autora. No que tange a terapia com acompanhante terapêutico em ambiente escolar ou domiciliar, verifico que socorre razão a parte requerida. É assim, porque, aludida terapia apresenta natureza educacional e não integra o escopo dos contratos de planos e seguros saúde, de modo que extrapolado o âmbito clínico, não há que se falar em cobertura obrigatória pelas operadoras de saúde. A propósito: “DIREITO DO CONSUMIDOR E DA SAÚDE. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. PLANO DE SAÚDE. PACIENTE DIAGNOSTICADO COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA). COBERTURA DO TRATAMENTO PRESCRITO. EQUOTERAPIA E ACOMPANHAMENTO TERAPEUTICO (AT). DANO MORAL AFASTADO. PARCIAL PROCEDÊNCIA. I. Caso em exame Apelação cível interposta contra sentença que condenou a operadora de plano de saúde a custear integralmente tratamento multidisciplinar para menor diagnosticado com TEA (CID F84), e limitando a coparticipação a duas mensalidades, além de condená-la ao pagamento de dano moral no valor de R$ 10.000,00. II. Questão em discussão Questões em discussão: (i) a obrigatoriedade de cobertura integral do tratamento multidisciplinar prescrito para paciente com TEA; limitação da coparticipação e (ii) a caracterização de dano moral pela negativa parcial de cobertura do plano de saúde. (iii). Obrigatoriedade de fornecimento de equoterapia e acompanhante terapêutico. III. Razões de decidir A relação entre consumidor e operadora de plano de saúde está sujeita ao CDC, conforme Súmula nº 608/STJ, e as cláusulas contratuais devem ser interpretadas em benefício do consumidor (CDC, art. 47).A Lei nº 12.764/12 assegura o atendimento multiprofissional aos portadores de TEA, impondo à operadora o custeio integral de terapias incluídas no rol da ANS e métodos indicados por médico assistente, conforme Resoluções Normativas nº 465/2021 e nº 539/2022. Legalidade da cobrança da coparticipação fixada em 02 vezes o valor do plano contratado. IV. Dispositivo e tese Apelação cível parcialmente provida para excluir a condenação em dano moral e afastar a obrigatoriedade de custear o tratamento de acompanhamento terapêutico (AT). Tese de julgamento: "Operadoras de planos de saúde devem custear tratamentos multidisciplinares prescritos para pacientes com TEA, observando as normas regulatórias e os limites de coparticipação razoáveis. Reconhecida da legalidade da cláusula, sendo aplicada apenas uma limitação do percentual previsto, não há o que se falar em falha na prestação de serviço, tampouco ato ilícito em relação às cobranças de coparticipação. O tratamento prescrito de acompanhamento terapêutico acarreta uma onerosidade excessiva para a empresa ré, uma vez que ultrapassa as coberturas típicas dos contratos de planos de saúde, que se limitam, em regra, a serviços de caráter ambulatorial ou hospitalar.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 196; CDC, arts. 47 e 51, IV; Lei nº 12.764/12, arts. 2º, III, e 3º, III. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula nº 608; RAC nº 1014327-47.2023.8.11.0000, Rel. Desa. Marilsen Andrade Addario, j. 25.10.2023.” (N.U 1011997-51.2023.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 21/11/2024, Publicado no DJE 25/11/2024) No que tange a alegação de danos materiais, não assiste razão a parte autora. É assim, porque, da própria narrativa trazida na exordial, “o tratamento SEQUER FORA INCIADO”, bem como inexiste nos autos qualquer comprovação de desembolso efetuado pela parte, ônus que lhe competia e do qual não de desincumbiu, nos termos do art. 373, I do CPC. Quanto ao pedido da parte autora de indenização pelos danos morais sofridos. Entendo que tal pedido merece acolhimento. Importa acentuar que, atingido o direito da personalidade diretamente, o dano moral (puro ou direto) estará vinculado à própria existência do fato (in re ipsa), cujos resultados são presumidos, diversamente de quando é atingido o direito da personalidade mediante lesão a bens de natureza patrimonial (dano moral impuro ou indireto). Nesse sentido: “APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C DANOS MORAIS E MATERIAIS – PLANO DE SAÚDE - TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) - NEGATIVA DE COBERTURA - EQUOTERAPIA - ROL DA ANS - TAXATIVIDADE MITIGADA - ABUSIVIDADE DA RECUSA - DANO MORAL CONFIGURADO - MANUTENÇÃO DA SENTENÇA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação cível interposta por operadora de plano de saúde contra sentença que a condenou a fornecer tratamento de equoterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional a beneficiário diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA), bem como ao pagamento de indenização por danos morais. 2. A sentença reconheceu a abusividade da negativa de cobertura, fundamentando-se na legislação consumerista e em precedentes jurisprudenciais, além de fixar indenização por danos morais em R$ 5.000,00. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 3. A controvérsia consiste em definir se a operadora de plano de saúde pode recusar a cobertura da equoterapia sob o argumento de ausência no rol da ANS e na inexistência de obrigação contratual. III. RAZÕES DE DECIDIR 4. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que o rol de procedimentos da ANS é, em regra, taxativo, mas admite exceções quando demonstrada a necessidade do tratamento por prescrição médica e ausência de alternativa terapêutica eficaz no rol. 5. A equoterapia é reconhecida como método terapêutico interdisciplinar pela Lei nº 13.830/2019 e pelo Conselho Federal de Medicina, sendo indicada para pacientes com TEA. A negativa de cobertura viola o princípio da boa-fé contratual e a legislação consumerista, conforme Súmula nº 469/STJ. 6. O dano moral se configura pela recusa indevida do tratamento prescrito, agravando o sofrimento do beneficiário e impondo-lhe angústia e aflição desnecessárias. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Apelação cível conhecida e desprovida. Majoração dos honorários advocatícios sucumbenciais para 15% sobre o valor da condenação. Tese de julgamento: “É abusiva a negativa de cobertura de tratamento prescrito por profissional de saúde para paciente com Transtorno do Espectro Autista (TEA), mesmo que não previsto no rol da ANS, quando não houver alternativa terapêutica eficaz disponível e houver respaldo científico para sua indicação.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 5º, XXXII, e 196; CDC, arts. 2º, 3º, 47 e 51; Lei nº 9.656/1998, art. 35-G; CPC, art. 85, § 11.Jurisprudência relevante citada: STJ, AgInt no REsp 2.024.908/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 13.02.2023; STJ, AgInt no AREsp 1.442.296/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª Turma, DJe 25.03.2020; STJ, AgInt no REsp 1884640/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, j. 16.11.2020.” (N.U 1012549-65.2021.8.11.0015, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, DIRCEU DOS SANTOS, Terceira Câmara de Direito Privado, Julgado em 26/02/2025, Publicado no DJE 28/02/2025) Já no que concerne ao arbitramento da condenação para a compensação do dano moral, a jurisprudência aponta alguns critérios, o que, por óbvio, deve amoldar-se a cada caso. Em geral, além da proporcionalidade segundo a intensidade dos transtornos sofridos pela vítima, a compensação pelo dano moral deve observar o princípio da razoabilidade (modicidade e adequação). No presente caso, observadas as finalidades compensatória, punitiva e pedagógica da condenação, bem assim as circunstâncias da causa, em especial a grave condição de saúde da parte autora, afigura-se proporcional e razoável o arbitramento no valor de R$10.000,00 (dez mil reais). Dispositivo. Posto isso, com fundamento no artigo 487, I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados nesta ação para o fim de: 1 - CONFIRMAR parcialmente a tutela de urgência deferida nos autos, a fim de que a parte ré forneça o tratamento prescrito pelo médico assistente do paciente, com exceção de eventual tratamento de acompanhamento terapêutico em âmbito escolar e domiciliar; 2 - CONDENAR a parte ré ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$10.000,00 (dez mil reais), valor este que deve ser atualizado com correção monetária pelo INPC desde o arbitramento (S. 362 do STJ) e juros de mora legais desde a citação. Condeno a ré ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios que fixo de 15% sobre o valor da condenação, com espeque no art. 85, § 2º do CPC. Certificado o trânsito em julgado, arquive-se o processo com as baixas e anotações de estilo. Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se. Cuiabá-MT, 14 de abril de 2025. Ana Cristina Silva Mendes Juíza de Direito
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