Processo nº 5002064-39.2023.8.24.0068
ID: 331435645
Tribunal: TJSC
Órgão: Diretoria de Recursos e Incidentes
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 5002064-39.2023.8.24.0068
Data de Disponibilização:
22/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
FERNANDA RAFAELLA OLIVEIRA DE CARVALHO
OAB/PE XXXXXX
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JULIO MANUEL URQUETA GOMEZ JUNIOR
OAB/SC XXXXXX
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Apelação Nº 5002064-39.2023.8.24.0068/SC
APELANTE
: NADIR PAULO ALTENHOFEN (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: JULIO MANUEL URQUETA GOMEZ JUNIOR (OAB SC052867)
APELANTE
: BANCO BMG S.A (RÉU)
ADVOGADO(A)
: FERNAND…
Apelação Nº 5002064-39.2023.8.24.0068/SC
APELANTE
: NADIR PAULO ALTENHOFEN (AUTOR)
ADVOGADO(A)
: JULIO MANUEL URQUETA GOMEZ JUNIOR (OAB SC052867)
APELANTE
: BANCO BMG S.A (RÉU)
ADVOGADO(A)
: FERNANDA RAFAELLA OLIVEIRA DE CARVALHO (OAB PE032766)
DESPACHO/DECISÃO
1.
Por refletir com fidelidade o trâmite na origem, adoto o relatório da sentença (
evento 54, SENT1
, origem):
Nadir Paulo Altenhofen
ajuizou ação em desfavor de Banco Bmg S.a, ambos qualificados, objetivando: a) a declaração de nulidade dos contratos de empréstimo n. 15238620, consignado em seu benefício previdenciário (NB 185.692.480-4:); b) a declaração de inexistência de relação jurídica entre as partes; c) a condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos morais; e d) a condenação da parte ré ao ressarcimento dos valores descontados do seu benefício, de forma dobrada.
Para tanto, alegou, em síntese, que: a) nunca firmou contrato com a parte ré; b) acredita ter sido vítima de fraude; c) os descontos mensais são ilegais; e d) a conduta da parte ré constitui ato ilícito, inclusive por violação às disposições da Lei Geral de Proteção de Dados, e enseja o dever de reparação de danos. No mais, pugnou pela concessão da gratuidade judiciária.
Foi deferida a gratuidade judiciária à parte autora (
evento 10, SENT1
).
Citada, a parte ré apresentou contestação, suscitando preliminares e, no mérito, requerendo a improcedência da pretensão inicial, sob os argumentos de que os contratos foram convencionados de forma válida, sendo legítimas as assinaturas apostas nos instrumentos negociais. Expressou que, dada a regularidade das contratações e da ausência de utilização indevida das informações pessoais da parte autora, não há ato ilícito a justificar o pleito indenizatório. No mais, pugnou pela compensação dos valores disponibilizados à consumidora (
evento 31, CONT1
).
Houve réplica (
evento 36, RÉPLICA1
).
As partes foram intimadas para indicarem as provas que pretendiam produzir, nada tendo a parte ré postulado (
evento 44, PET1
).
Sobreveio o seguinte dispositivo:
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos contidos na inicial, extinguindo o feito com resolução do mérito (art. 487, I, do CPC), para:
a) DECLARAR a
inexistência
de relação jurídica entre as partes quanto aos
contratos 15238620
;
b) DETERMINAR, em decorrência do decidido na alínea anterior, a
suspensão definitiva
dos descontos efetuados no benefício previdenciário da parte autora;
c) CONDENAR a parte ré a restituir, de
forma simples
, os valores descontados do benefício previdenciário da autora relativos às parcelas anteriores a
30/03/2021
, e,
em dobro
, os valores descontados posteriormente à referida data, nos termos da fundamentação, corrigidos monetariamente pelo INPC e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, ambos a partir do evento danoso (cada desconto indevido - art. 398 do CC e Súmula 54 do STJ), até 29/08/2024, indexadores que, a partir do início da vigência da Lei n.º 14.905/24 (30/08/2024), passarão a incidir unicamente pela taxa referencial SELIC,deduzido o IPCA (art. 389, parágrafo único, e art. 406, § 1º, ambos do CC);
d) AUTORIZAR a
compensação
com as quantias recebidas pela parte autora, as quais deverão ser corrigidas pela mesma forma, observando-se, porém, quanto aos termos iniciais, que a correção monetária inicia-se da data do recebimento dos valores e os juros de mora a partir do trânsito em julgado desta decisão.
Em razão da sucumbência recíproca, condeno a parte ré ao pagamento de 30% (trinta por cento) das custas processuais, além de honorários advocatícios de sucumbência em favor do procurador da parte autora, os quais arbitro em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação (arts. 85, §§2º e 8º, e 86, ambos do CPC).
De outro lado, também condeno a parte autora ao pagamento de 70% (setenta por cento) das custas processuais, além de honorários advocatícios de sucumbência em favor do procurador do réu, os quais arbitro em 10% (dez por cento) sobre a sua sucumbência - diferença entre o que foi pleiteado e o que foi concedido (arts. 85, §§2º e 8º, e 86, ambos do CPC).
Irresignadas, ambas as partes interpuseram recursos de apelação.
Em suas razões (
evento 68, APELAÇÃO1
, origem), a parte ativa sustenta que: (i) “
impor a compensação dos valores resultará em enriquecimento sem causa à Instituição Financeira, tendo em vista que o contrato já está liquidado, ao passo que a parte Autora restituirá duas vezes o valor supostamente depositado
”; (ii) seja determinada a “
condenação da parte Requerida ao pagamento a título de danos morais, nos termos da inicial, no montante de R$10.000,00 (dez mil reais), bem como a repetição do indébito em dobro
”; (iii) “
verifica-se que quem decaiu parte mínima dos pedidos foi o autor e não o réu, razão pela qual deve ser a Instituição Financeira condenada ao pagamento dos honorários sucumbenciais e arcar com as custas processuais
”; e (iv) deve-se “
MAJORAR os honorários advocatícios sucumbenciais em 20% sobre o valor atualizado da causa
”.
Nesses termos, pugna pelo provimento do recurso.
Por seu turno, a parte requerida (
evento 63, APELAÇÃO1
, origem) sustenta que: (i) a pretensão encontra-se prescrita, por possuir prazo prescricional de três anos, somado ao fato de que os descontos tiveram início em agosto de 2019, motivo pelo qual estaria consumada a prescrição; (ii) houve decadência do direito vindicado, uma vez que o prazo decadencial aplicável ao presente pleito é de quatro anos; (iii) a contratação do cartão de crédito consignado é regular, porquanto se deu com o consentimento do contratante, que, inclusive, realizou saques por meio do referido produto; (iv) não há falar em restituição do indébito, haja vista a regularidade da contratação; (v) não há que se falar em restituição do indébito em dobro, diante da ausência de demonstração de má-fé por parte da instituição financeira; (vi) a correção monetária deve incidir a partir da data da condenação, enquanto os juros de mora devem incidir a partir da data da citação válida; e (vii) seja determinada a condenação do procurador da parte autora em litigância de má-fé.
Assim, postula o provimento do reclamo.
Apresentadas contrarrazões aos
evento 74, CONTRAZAP1
, origem e
evento 73, CONTRAZ2
, origem, respectivamente.
Desnecessária a remessa à Procuradoria-Geral de Justiça.
É o relatório.
2.
No exercício da admissibilidade, algumas observações.
Inicialmente, cumpre observar que, a despeito do alegado pela parte autora em sua apelação, esta pugna pela restituição integral do indébito na forma dobrada.
No entanto, verifico não ter havido pedido e fundamentação específica quanto ao ponto, não havendo mínima indicação dos motivos que importariam na reforma da sentença, revelando evidente ausência de dialeticidade recursal.
Por oportuno, transcrevo excerto isolado que menciona a repetição do indébito:
[...] Nesse sentido, para fixação do valor do dano moral é preciso atentar à satisfação e compensação do lesado, bem como ao caráter pedagógico e punitivo ao causador do dano.
Pelo exposto, pugna-se pela condenação da parte Requerida ao pagamento a título de danos morais, nos termos da inicial, no montante de R$10.000,00 (dez mil reais),
bem como a repetição do indébito em dobro
(
evento 68, APELAÇÃO1
, origem).
Desse modo, considerando que o recurso não se presta a indicar e combater os fundamentos da sentença quanto ao ponto, forçoso o não conhecimento da questão.
Nesse sentido, deste Tribunal:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA COM PEDIDO DE REPETIÇÃO DO INDÉBITO E DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO DA PARTE AUTORA.
CONTRARRAZÕES.
ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE. VÍCIO VERIFICADO EM PARTE. FUNDAMENTOS DA SENTENÇA NÃO IMPUGNADOS NO TOCANTE AO PLEITO DE AFASTAMENTO DA CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ACOLHIMENTO PARCIAL
.[...] RECURSO CONHECIDO EM PARTE E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5003436-92.2022.8.24.0024, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Silvio Franco, Primeira Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos, j. 16-07-2025).
No demais, presentes os requisitos de admissibilidade, sobretudo diante do recolhimento do preparo recursal (
evento 63, COMP2
, origem) e do benefício da gratuidade da justiça concedido à parte autora (
evento 10, SENT1
, origem), conheço dos recursos.
3.
Antes de adentrar ao mérito, procedo à análise das prejudiciais de mérito indicadas pelo banco réu.
A instituição financeira alega, em sua apelação, que o direito de demandar da parte autora foi abarcado pela decadência.
Nos termos do artigo 178 do Código Civil, a anulação do contrato em razão dos defeitos do negócio jurídico deve ser requerida no prazo máximo de 4 (quatro) anos, sob pena de decadência do direito:
Art. 178. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado:
I - no caso de coação, do dia em que ela cessar;
II - no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico;
III - no de atos de incapazes, do dia em que cessar a incapacidade.
Esse preceito, entretanto, não se aplica à presente demanda, uma vez que a parte autora não alega qualquer vício de consentimento, tampouco pretende a invalidação de um contrato já celebrado.
O cerne da controvérsia reside no reconhecimento da inexistência de relação jurídica, configurando um pedido de natureza declaratória, que não está sujeito a prazos decadenciais, conforme entendimento consolidado na jurisprudência deste Tribunal:
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. RECURSO DO RÉU.[...]1.2) ALEGADA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA. [...]
TESE DA DECADÊNCIA. INAPLICABILIDADE DO ART. 178, DO CC. PRETENSÃO BASEADA EM DESCONHECIMENTO DA CONTRATAÇÃO. HIPÓTESES DO ART. 178, DO CC, APLICÁVEIS AO VÍCIO DE CONSENTIMENTO NA FORMALIZAÇÃO DA AVENÇA. PLEITOS AFASTADOS.
[...]RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESTA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5002391-70.2023.8.24.0007, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Gerson Cherem II, Oitava Câmara de Direito Civil, j. 24-09-2024).
Além disso, a instituição financeira aventa que a pretensão deduzida encontra-se abarcada pela prescrição, pois, quando da propositura da presente demanda, já havia transcorrido o prazo de 3 anos desde a contratação contestada, nos termos do art. 206, § 3º, inc. V do Código Civil.
Contudo, a prejudicial deve ser afastada.
Isso porque, conforme o Código de Defesa do Consumidor — cuja incidência se reconhece para lides como a presente (
TJSC, Apelação nº 5001122-18.2022.8.24.0011, rel. Rosane Portella Wolff, 2ª Câmara de Direito Civil, j. 07-06-2023
) – a pretensão à reparação veiculada pelo autor tem prazo prescricional de cinco anos, a saber:
Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.
Ademais, o termo inicial do prazo prescricional consiste na data do último desconto do empréstimo consignado realizado no benefício previdenciário do consumidor (
v.g., TJSC, Apelação n. 5000928-18.2020.8.24.0066, rel. Saul Steil, 3ª Câmara de Direito Civil, j. 04-04-2023
).
In casu,
considerando que os descontos iniciaram em 2019 e a presente ação foi proposta em 2023, verifico que não transcorreu o lustro prescricional.
Dessa forma, rechaço as prefaciais de mérito aventadas.
4.
No mérito, de início, destaco que os poderes do relator abrangem a possibilidade de dar parcial provimento, mediante decisão monocrática, a IV e V, do recurso em compasso com a jurisprudência dominante, consoante sistema de precedentes estabelecido pelo art. 932, incisos Código de Processo Civil. Nesse mesmo sentido caminha o Regimento Interno deste Tribunal de Justiça:
Art. 132, RITJSC — São atribuições do relator, além de outras previstas na legislação processual: […]
XV —
negar provimento
a recurso nos casos previstos no inciso IV do art. 932 do Código de Processo Civil ou quando esteja
em confronto com enunciado ou jurisprudência dominante do Tribunal de Justiça
;
XVI — depois de facultada a apresentação de contrarrazões,
dar provimento
a recurso nos casos previstos no inciso V do art. 932 do Código de Processo Civil ou quando a decisão recorrida for
contrária a enunciado ou jurisprudência dominante do Tribunal de Justiça
.
O regramento aplica-se ao caso em exame, sobretudo por se tratar de matéria pacificada neste Órgão Fracionário.
Pois bem.
Por celeridade processual, considerando que a regularidade da avença supostamente celebrada entre os litigantes foi analisada de forma exauriente na sentença, adoto os seus fundamentos como razão de decidir (
evento 54, SENT1
, origem):
Com relação ao(s) contrato(s) escrito(s) n.º 15238620, a parte autora
impugnou a autenticidade
das assinaturas, mas o banco réu
não manifestou interesse na produção de prova pericial
, mesmo diante do art. 429, II, do CPC e orientação repetitiva objeto do tema 1061 do STJ, não se desonerando, portanto, do dever de provar a legitimidade dos contratos. Em consequência, conclui-se que tal(is) pacto(s) não gozam de autenticidade (TJSC, Apelação n. 5001051-81.2021.8.24.0033, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Saul Steil, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 10-08-2021).
A ausência de contratação, sob o viés da parte autora, é prova de impossível produção, já que envolve fato negativo, consoante orientação da Corte Catarinense, de onde se extrai o seguinte aresto:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA NEGÓCIO JURÍDICO C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INTERLOCUTÓRIO QUE POSTERGOU A ANÁLISE DA TUTELA ANTECIPADA. RECURSO DO AUTOR. ADMISSIBILIDADE RECURSAL. POSTERGAMENTO DE ANÁLISE DE PLEITO DE PLEITO ANTECIPATÓRIO QUE, DO PONTO DE VISTA PRÁTICO, CORRESPONDE AO SEU INDEFERIMENTO. EXCEPCIONAL HIPÓTESE DE CABIMENTO DO RECURSO, ANTE O MANIFESTO INTERESSE RECURSAL. PRECEDENTES. MÉRITO. PREENCHIMENTO DOS PRESSUPOSTOS DO ART. 300, DO CPC (PERICULUM IN MORA E FUMUS BONI IURIS). DECISUM REFORMADO. ÔNUS DE COMPROVAR A LEGITIMIDADE DA CONTRATAÇÃO QUE É DO BANCO AGRAVADO (ARTS. 6º, INC. VIII E 14, AMBOS DO CDC). IMPOSSIBILIDADE DO CONSUMIDOR PRODUZIR PROVA DE FATO NEGATIVO (CPC, ART. 373, § 1º - PROVA DIABÓLICA). Versando os autos sobre declaratória de inexistência dos débitos que se discute a (i)legalidade dos descontos a título de empréstimo consignado atrelado a cartão de crédito (RMC), é do fornecedor o ônus de provar a legitimidade da operação bancária (CDC, arts. 6º, inc. VIII e 14), não podendo redistribuir este encargo ao consumidor, mormente considerar a produção de prova impossível ou extrema dificuldade (CPC, art. 373, § 1º - prova diabólica). Decisão reformada. Precedentes. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 5065478-89.2021.8.24.0000, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. André Carvalho, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 02-08-2022).
Desse modo, tem-se por ilegítima a contratação, a derruir todas as teses defensivas. Aliás, colhe-se do TJSC:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. DESCONTOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DA AUTORA. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DO RÉU PRELIMINAR. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA. INSUBSISTÊNCIA. IMPUGNAÇÃO DA AUTENTICIDADE DO CONTRATO BANCÁRIO. ÔNUS PROBATÓRIO IMPOSTO À INSTITUIÇÃO FINANCEIRA EM DESPACHO SANEADOR, COM FULCRO NO ART. 429, INCISO II, DO CÓDIGO CIVIL. AUSÊNCIA DE INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO (ART. 1.015, INCISO IX, DO CPC). PRECLUSÃO DA MATÉRIA. REALIZAÇÃO DA PERÍCIA GRAFOTÉCNICA FRUSTRADA. REQUERIDO QUE, ALÉM DE DISCORDAR DO PAGAMENTO DOS HONORÁRIOS DO PERITO, MANIFESTOU EXPRESSAMENTE O DESINTERESSE NA PRODUÇÃO DA PROVA TÉCNICA. PRETENSÃO DE CONFECÇÃO DA PERÍCIA DESCABIDA. PREFACIAL REJEITADA. (TJSC, Apelação n. 0302732-67.2018.8.24.0045, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Cláudia Lambert de Faria, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 30-03-2021).
Vale reforçar que o ônus de comprovar a solicitação do crédito e a regularidade da contratação, inclusive com a oferta vinculante (CDC, art. 48), é da instituição ré, por força do art. 373, II, do CPC, do art. 6º, VIII, do CDC, e por se tratar de prova impossível de ser produzida pela parte autora (CPC, art. 373, II e § 1º).
Estando a relação regida pelo CDC, incidem, notadamente, as regras relativas à responsabilidade objetiva do fornecedor pelos danos causados ao consumidor, independentemente da demonstração de culpa. Com efeito, pela teoria do risco da atividade, “[...]
quem exerce uma atividade no mercado de consumo, dela obtendo vantagem econômica, tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos produtos ou serviços fornecidos, independentemente de culpa
” (ANDRADE, Adriano; MASSON, Cleber; ANDRADE, Landolfo.
Interesses difusos e coletivos
. São Paulo: Método, 2017, p. 499).
A situação sob análise caracteriza, sob a ótica do CDC, vício na prestação dos serviços, constituindo fortuito interno (não externo), porque envolve o risco da atividade ou do empreendimento, não sendo crível relegar ao consumidor o ônus por suportar eventuais prejuízos.
Nessa linha, o STJ firmou a seguinte orientação em recurso repetitivo:
RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. JULGAMENTO PELA SISTEMÁTICA DO ART. 543-C DO CPC. RESPONSABILIDADE CIVIL. INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS. DANOS CAUSADOS POR FRAUDES E DELITOS PRATICADOS POR TERCEIROS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. FORTUITO INTERNO. RISCO DO EMPREENDIMENTO. 1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros - como, por exemplo, abertura de conta-corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno. 2. Recurso especial provido. (STJ, REsp 1197929/PR, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgamento 24/08/2011, Publicação/Fonte DJe 12/09/2011, Tema 466, Súmula 479).
Assim, o vício na prestação dos serviços dá azo ao ato ilícito, impondo ao fornecedor o dever de reparar os danos eventualmente suportados pelo consumidor, conforme orientação da Corte Catarinense:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANO MATERIAL. FRAUDE NA EMISSÃO DE BOLETO BANCÁRIO. DEMANDA PROPOSTA CONTRA O BANCO EMITENTE. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DO AUTOR. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA RESPONSÁVEL PELA EMISSÃO DE TÍTULO FRAUDULENTO. TESES DEFENSIVAS GENÉRICAS DE AUSÊNCIA DE PROVA DA FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E DO PREJUÍZO. ALEGADA CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA OU DE TERCEIRO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO BANCO. SÚMULA 479 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PRESENÇA, NO BOLETO, DE TODAS AS INFORMAÇÕES ATINENTES À TRANSAÇÃO COMERCIAL MANTIDA ENTRE O AUTOR E A EMPRESA CREDORA. GOLPE QUE NÃO PODERIA TER SIDO IDENTIFICADO PELO CONSUMIDOR. FORTUITO INTERNO E CONSEQUENTE DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADOS. SENTENÇA REFORMADA. ÔNUS SUCUMBENCIAIS. INVERSÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS NO PATAMAR DE 15% (QUINZE POR CENTO) DO VALOR DA CONDENAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJSC, Apelação n. 0307628-05.2016.8.24.0020, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Stanley da Silva Braga, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 06-07-2021).
Por tais fundamentos, impõe-se
declarar a inexistência de relação jurídica decorrente dos contratos 15238620
e a
nulidade dos referidos negócios jurídicos,
com o consequente retorno das partes ao
status quo ante
, em conformidade com o art. 182 do CC
(“anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente”)
.
Assim, não tendo a instituição financeira satisfeito o ônus de demonstrar a regularidade da contratação impugnada pela parte requerente, o qual lhe incumbia por força do Tema 1.061 do STJ, restam presumidos como verdadeiros os argumentos da exordial e, por consequência, evidente a inexistência de relação jurídica.
Desta feita, adequado o retorno das partes ao
status quo ante,
com a restituição, pela instituição financeira, dos valores indevidamente descontados do benefício previdenciário do autor com relação ao contrato nº 15238620, como determinado na sentença vergastada.
Quanto à imposição da devolução em dobro do indébito, adequado o desprovimento do pleito da parte ré.
Isso porque o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar os Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 600.663/RS, fixou entendimento com relação à desnecessidade de prova da má-fé do fornecedor para restituição em dobro das quantias indevidamente cobradas do consumidor, nos termos do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor.
No entanto, estabeleceu a modulação dos efeitos da decisão no referido Embargos de Divergência em Recurso Especial, a fim de que, em data anterior a sua publicação, permaneça em aplicação o entendimento anteriormente predominante na Corte Superior, qual seja, pela compreensão da má-fé do fornecedor como requisito para restituição dobrada do indébito. Transcrevo a tese e respectiva modulação de efeitos constantes do julgado citado:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO CONSUMIDOR. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. HERMENÊUTICA DAS NORMAS DE PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CDC. REQUISITO SUBJETIVO. DOLO/MÁ-FÉ OU CULPA. IRRELEVÂNCIA. PREVALÊNCIA DO CRITÉRIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. MODULAÇÃO DE EFEITOS PARCIALMENTE APLICADA. ART. 927, § 3º, DO CPC/2015.
[…]
TESE FINAL
28. Com essas considerações, conhece-se dos Embargos de Divergência para, no mérito, fixar-se a seguinte tese: A REPETIÇÃO EM DOBRO, PREVISTA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CDC, É CABÍVEL QUANDO A COBRANÇA INDEVIDA CONSUBSTANCIAR CONDUTA CONTRÁRIA À BOA-FÉ OBJETIVA, OU SEJA, DEVE OCORRER INDEPENDENTEMENTE DA NATUREZA DO ELEMENTO VOLITIVO.
MODULAÇÃO DOS EFEITOS
29. Impõe-se MODULAR OS EFEITOS da presente decisão para que o entendimento aqui fixado — quanto a indébitos não decorrentes de prestação de serviço público — se aplique somente a cobranças realizadas após a data da publicação do presente acórdão. (STJ, EAREsp n. 600.663/RS, relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, relator para acórdão Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, julgado em 21/10/2020,
DJe de 30/3/2021
).
Diante da modulação imposta pelo Superior Tribunal de Justiça, bem assim da ausência nos autos de elementos firmes de prova da má-fé da instituição financeira, a restituição dos valores descontados até 30 de março de 2021 deve ocorrer na forma simples. A partir desse marco, a repetição do indébito deverá se dar de maneira dobrada.
No caso em comento, como os descontos declarados indevidos foram incluídos na folha de pagamento da parte autora em julho de 2019 (competência da 1ª parcela sinalizada no
evento 1, EXTR7
, origem), a restituição será em dobro apenas a partir da data de 30 de março de 2021, conforme previsto na sentença recorrida.
É o posicionamento adotado neste Tribunal de Justiça:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DESCONTOS NÃO AUTORIZADOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. CARTÃO DE CRÉDITO COM MARGEM CONSIGNÁVEL NÃO CONTRATADO. PARCIAL PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. RECURSO DO BANCO RÉU. [...]
REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PRETENSO AFASTAMENTO DA REPETIÇÃO DE INDÉBITO EM DOBRO
. ACOLHIMENTO PARCIAL. APLICAÇÃO DAS NORMAS CONSUMERISTAS. ILICITUDE DO ATO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE FOI DEMONSTRADA.
RESSARCIMENTO DO DESCONTO REALIZADO INDEVIDAMENTE QUE SE AFIGURA MEDIDA IMPOSITIVA. NECESSIDADE, TODAVIA, DE ADOÇÃO DA DECISÃO TOMADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO ÂMBITO DOS AUTOS DO EARESP N. 600.663/RS, NA QUAL HÁ CONVERGÊNCIA DA SUPRACITADA TESE, MAS COM MODULAÇÃO DOS EFEITOS. APLICABILIDADE DO ENTENDIMENTO APENAS ÀS PARCELAS DESCONTADAS APÓS A DATA DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO PROFERIDO PELO STJ. DESCONTOS OCORRIDOS ANTERIORMENTE À DECISÃO QUE DEVEM SER OBJETO DE RESTITUIÇÃO NA FORMA SIMPLES
. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA NO PONTO. [...] SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. HONORÁRIOS RECURSAIS INCABÍVEIS. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5004835-88.2021.8.24.0058, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Osmar Nunes Júnior, Sétima Câmara de Direito Civil, j. 01-06-2023).
..........
APELAÇÃO CÍVEL. CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DO INDÉBITO C/C DANOS MORAIS. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL. INCONFORMISMO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. [...]
TESE DE QUE A REPETIÇÃO DO INDÉBITO DEVE OCORRER DE FORMA SIMPLES E NÃO EM DOBRO. ACOLHIMENTO EXCEPCIONAL. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA TESE FIRMADA NO EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL N. 676.608/RS/STJ. REPETIÇÃO EM DOBRO QUE É DEVIDA APENAS PARA COBRANÇAS QUE SEJAM POSTERIORES À PUBLICAÇÃO DAQUELE ACÓRDÃO, O QUE SE DEU APENAS EM 30/03/2021
. INDÉBITO DISCUTIDO QUE É ANTERIOR AO PERÍODO DE QUE TRATA A MODULAÇÃO DA TESE FIXADA. RESTITUIÇÃO QUE, NA ESPÉCIE, DEVE OCORRER DE FORMA SIMPLES. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. ÔNUS SUCUMBENCIAIS REDISTRIBUÍDOS. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5006934-77.2020.8.24.0054, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Eduardo Gallo Jr., Sexta Câmara de Direito Civil, j. 13-06-2023).
Destaco, a propósito, que a apuração dos efetivos débitos no benefício previdenciário da parte autora, para fins de restituição do indébito, ocorrerá somente em sede de liquidação de sentença.
Quanto ao pleito de modificação do termo inicial dos juros de mora e atualização monetária, tenho que razão não acolhe a parte requerida, porquanto o caso compreende responsabilidade extrapatrimonial.
Dessa forma, devem ambos incidir desde o evento danoso, isto é, a data de concretização dos descontos pela instituição financeira, em atenção aos termos das Súmulas 54 e 43 do Superior Tribunal de Justiça.
Colho, a propósito, da jurisprudência deste TJSC:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. REPETIÇÃO DO INDÉBITO.
JUROS DE MORA. MARCO INICIAL. EVENTO DANOSO. ENUNCIADO 54 DA SÚMULA DO STJ. ACLARATÓRIOS ACOLHIDOS
. (TJSC, Apelação n. 5000143-50.2023.8.24.0034, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Vania Petermann, Terceira Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos, j. 13-08-2024).
..........
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CÍVEL. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO FRAUDULENTO. DECISÃO QUE DEU PROVIMENTO AO RECURSO DE APELAÇÃO INTERPOSTO PELA AUTORA PARA CONDENAR O REQUERIDO AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ALEGADO ERRO MATERIAL. TERMO INICIAL DOS JUROS MORATÓRIOS. NÃO ACOLHIMENTO. ACÓRDÃO INTEGRATIVO QUE FOI EXPRESSO QUANTO AO
INÍCIO DA CONTAGEM DOS JUROS DE MORA A PARTIR DO EVENTO DANOSO. SÚMULA N. 54 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ENTENDIMENTO DESTA CÂMARA DE DIREITO CIVIL. AUSÊNCIA DE VÍCIO NO JULGADO
. MERA REDISCUSSÃO DO MÉRITO. EMBARGOS MERAMENTE PROTELATÓRIOS. INCIDÊNCIA DA MULTA PREVISTA NO ART. 1.026, § 2º, DO CPC. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5001148-43.2023.8.24.0023, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Flavio Andre Paz de Brum, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 25-07-2024).
Outrossim, quanto à pretensão da parte autora para que não haja compensação entre os valores que recebeu em sua conta bancária, a título de empréstimo consignado, e o montante que o banco lhe deve em razão da condenação proferida nestes autos, tenho que deve ser rechaçada. É que embora os depósitos tenham sido, de fato, realizados sem o pedido da parte autora, o reconhecimento da inexistência das relações jurídicas impõe o retorno das partes ao
status quo
ante.
Assim, a fim de evitar o enriquecimento ilícito da parte autora (art. 884 do Código Civil), deve haver a compensação de valores determinada na sentença, nos termos do art. 368 do Código Civil.
A propósito, é deste Órgão Fracionário:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO JURÍDICO C/C REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. PRETENDIDO RECONHECIMENTO DE INEXISTÊNCIA DE CONTRATAÇÃO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO E REPETIÇÃO DE INDÉBITO, ALÉM DA REPARAÇÃO PELO ABALO ANÍMICO SOFRIDO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO DO RÉU. [...] PEDIDO DE COMPENSAÇÃO DE VALORES. ACOLHIMENTO. MONTANTE DEPOSITADO INDEVIDAMENTE NA CONTA BANCÁRIA DA AUTORA QUE DEVE SER COMPENSANDO COM O VALOR DA CONDENAÇÃO NESTES AUTOS, SOB PENA DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA REDISTRIBUÍDOS. SEM FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação n. 0301189-65.2016.8.24.0282, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Marcos Fey Probst, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 04-04-2023).
Em acréscimo, compreendo não haver espaço para condenação da instituição financeira ao pagamento de indenização por danos morais.
Registro que, em casos de descontos indevidos em benefícios previdenciários, oriundos de cartão de crédito consignado não contratado, não há falar em dano moral presumido, devendo o requerente comprovar, a fim de ter a sua pretensão reparatória acolhida, a ocorrência de prejuízo concreto advindo da conduta irregular da instituição financeira.
Aliás, a inexistência de dano moral
in re ipsa
em demandas do presente jaez foi alvo de discussão e julgamento no âmbito do Grupo de Câmaras de Direito Civil deste Tribunal de Justiça (sob relatoria deste Desembargador, inclusive), sendo fixada a seguinte tese (Tema 25), na data de 18/08/2023:
Tema 25
- Não é presumido o dano moral quando o desconto indevido em benefício previdenciário decorrer de contrato de empréstimo consignado declarado inexistente pelo poder judiciário.
Desta feita, tenho que a mera alegação do abalo anímico suportado pela parte demandante, desacompanhada de qualquer prova acerca da ocorrência de dano concreto, como o comprometimento de parcela considerável da sua renda mensal, ou, ainda, circunstância suficiente à violar a sua honra ou imagem, não é capaz de ensejar o reconhecimento de dano moral a ser indenizado.
Nesse caminho, cumpre destacar que os descontos mensais de R$ 49,90 não são suficientes para prejudicar sua subsistência, porquanto não superam 10% do seu benefício previdenciário bruto à época, de R$ 998,00 -
evento 1, HISCRE8
, origem (
v. g. TJSC, Ap. Civ. 5000742-73.2022.8.24.0082, 6ª Câmara de Direito Civil, rel. Renato Luiz Carvalho Roberge, j. 05/09/2023
).
Ainda, verifico que os descontos perduraram por aproximadamente 50 meses até que fosse ajuizada a ação em comento, elemento o qual demonstra, em verdade, a ausência de percepção da parte ativa quanto à ação perpetrada pela instituição financeira — não havendo falar, logo, em abalo anímico.
No mesmo sentido ruma a jurisprudência catarinense:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO JURÍDICO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO E REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. ALEGADA OCORRÊNCIA DE DESCONTOS INDEVIDOS EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO POR CONTRATO DE ORIGEM DESCONHECIDA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. APELO DO RÉU. [...]
ADEMAIS, ALMEJADO AFASTAMENTO DA REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS, AO FUNDAMENTO DE QUE NÃO RESTARAM COMPROVADOS. PRETENSÃO QUE DEVE SER ACOLHIDA. DESCONTOS INDEVIDOS QUE NÃO GERAM DANO MORAL PRESUMIDO (IN RE IPSA). ABATES MENSAIS ÍNFIMOS QUE NÃO PERMITEM PRESSUPOR O COMPROMETIMENTO DA SUBSISTÊNCIA DA PARTE AUTORA. AUSÊNCIA DE PROVA DE INVASÃO SIGNIFICATIVA DA DIGNIDADE OU DIREITOS DA PERSONALIDADE DE QUE A REQUERENTE É TITULAR. REPARAÇÃO INDEVIDA. SENTENÇA, NESTE PARTICULAR, REFORMADA
. REDISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. RECURSO DO RÉU CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5001625-58.2021.8.24.0016, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Álvaro Luiz Pereira de Andrade, Sétima Câmara de Direito Civil, j. 23-02-2023).
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APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO, INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRETENDIDO RECONHECIMENTO DE INEXISTÊNCIA DE CONTRATAÇÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO E REPETIÇÃO DE INDÉBITO, ALÉM DA REPARAÇÃO PELO ABALO ANÍMICO SOFRIDO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO DE AMBAS AS PARTES. RECURSO DA PARTE RÉ. ALEGADO DESACERTO DA DECISÃO OBJURGADA. AVENTADA REGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO. INSUBSISTÊNCIA. [...] RECURSO DA PARTE AUTORA.
PLEITO DE REPARAÇÃO PELO ABALO ANÍMICO SOFRIDO. INSUBSISTÊNCIA. SITUAÇÃO INCAPAZ, POR SI SÓ, DE CAUSAR ABALO ANÍMICO INDENIZÁVEL. DANO QUE NÃO SE PRESUME. AUSÊNCIA DE PROVAS QUANTO AOS PREJUÍZOS CONCRETOS SUPORTADOS PELA PENSIONISTA, A EXEMPLO DE REDUÇÃO DA MARGEM CONSIGNÁVEL OU COMPROMETIMENTO DE PARCELA SIGNIFICATIVA DA RENDA
. SENTENÇA MANTIDA. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS. RECURSOS DESPROVIDOS. (TJSC, Apelação n. 5000575-61.2021.8.24.0027, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Marcos Fey Probst, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 23-05-2023).
Sendo assim, incabível a condenação da instituição financeira requerida ao ressarcimento por danos morais.
Ademais, rechaço o pedido de condenação do advogado da parte autora ao pagamento de multa por litigância de má-fé e de expedição de ofícios.
Isso porque, a multiplicidade de demandas ajuizadas pelo patrono em ações similares não é caso, por si só, de caracterização de litigância de má-fé. Ademais, registro que eventual apuração de infração disciplinar e conduta típica pelo patrono da parte demandante deve ser perquirida perante a autoridade competente, sem a necessidade de intervenção judicial.
A propósito, sobre o ponto, colho deste Tribunal de Justiça:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. SENTENÇA PROCEDENTE. INSURGÊNCIA DA PARTE RÉ. PRELIMINARES.
USO PREDATÓRIO DA JURISDIÇÃO E LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ PELO ADVOGADO DA PARTE AUTORA. PATROCÍNIO DE DIVERSAS DEMANDAS COM CAUSA DE PEDIR E PEDIDOS SIMILARES EM FACE DE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS QUE É INSUFICIENTE PARA CONFIGURAÇÃO DE TAL CONDUTA. INVESTIGAÇÃO DO ÂNIMO DA PARTE E EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO AOS ÓRGÃOS COMPETENTES PARA APURAÇÃO DE PRÁTICA DE INFRAÇÃO DISCIPLINAR E CONDUTA TÍPICA PELO ADVOGADO PASSÍVEIS DE EFETIVAÇÃO PELA PARTE RÉ SEM NECESSIDADE DE INTERVENÇÃO JUDICIAL.
[...] RECURSO CONHECIDO EM PARTE E PROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5036869-09.2020.8.24.0008, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Guilherme Nunes Born, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 22-03-2023).
Por fim, vejo que o autor pretende a redistribuição dos ônus de sucumbência, uma vez que
“quem decaiu parte mínima dos pedidos foi o autor e não o réu, razão pela qual deve ser a Instituição Financeira condenada ao pagamento dos honorários sucumbenciais e arcar com as custas processuais”
.
Isso porque o autor sagrou-se vencedor do pedido principal (declaração de inexistência de débito) e que os demais pleitos são apenas decorrência do primeiro, aplicando-se ao caso o princípio da causalidade (
v. g. TJSC, Apelação n. 5015627-79.2021.8.24.0033, rel. Renato Luiz Carvalho Roberge, Sexta Câmara de Direito Civil, j. 27-06-2023
).
Dessa forma, devem as custas e honorários de sucumbência recaírem exclusivamente sobre a parte ré.
Considerando a baixa complexidade da demanda, o curto tempo de tramitação (pouco mais de 1 ano), fixo honorários de sucumbência em favor do patrono da parte autora em 10% sobre o valor atualizado da causa.
5.
Diante do desprovimento do recurso da parte ré, arbitro os honorários recursais em 5% (art. 85, §11, do CPC), estabelecendo a verba honorária global em favor dos advogados da parte autora em 15% sobre o valor atualizado da causa.
Considerando o desprovimento do recurso da parte ré, arbitro os honorários recursais em 5% sobre o valor da condenação (art. 85, §11 do CPC), montante que deverá incidir isoladamente em desfavor da parte ré e, após, ser acrescido à fixação realizada nos autos de origem.
Ademais, provido em parte o recurso da parte demandante, inviável a fixação de honorários recursais, consoante o entendimento consolidado através do Tema Repetitivo nº 1.059 do Superior Tribunal de Justiça: “
A majoração dos honorários de sucumbência prevista no art. 85, § 11, do CPC pressupõe que o recurso tenha sido integralmente desprovido ou não conhecido pelo tribunal, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente. Não se aplica o art. 85, § 11, do CPC em caso de provimento total ou parcial do recurso, ainda que mínima a alteração do resultado do julgamento ou limitada a consectários da condenação”.
6.
Ante o exposto, com fundamento no art. 932 do Código de Processo Civil c/c o art. 132 do Regimento Interno do TJSC,
conheço em parte
e, nessa extensão,
dou parcial provimento
ao recurso da parte autora para inverter os ônus de sucumbência. De outro lado,
nego provimento
ao apelo da parte ré. Fixo honorários recursais em favor da parte demandante, nos termos da fundamentação.
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