Banco Do Estado Do Rio Grande Do Sul S/A - Banrisul x Delamir Roberto Dos Santos Machado e outros
ID: 300948814
Tribunal: TJRS
Órgão: Secretaria da 23ª Câmara Cível
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 5159182-53.2025.8.21.7000
Data de Disponibilização:
17/06/2025
Polo Passivo:
Advogados:
ANNA CANDICE WEILER MIRALLES
OAB/RS XXXXXX
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MAURICIO RODRIGUES DE FREITAS
OAB/RS XXXXXX
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GUSTAVO CENCI AGOSTINI
OAB/RS XXXXXX
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PAULO EDUARDO SILVA RAMOS
OAB/RS XXXXXX
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Agravo de Instrumento Nº 5159182-53.2025.8.21.7000/RS
TIPO DE AÇÃO:
Superendividamento
RELATOR
: Desembargador MARCIO ANDRE KEPPLER FRAGA
AGRAVANTE
: BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRI…
Agravo de Instrumento Nº 5159182-53.2025.8.21.7000/RS
TIPO DE AÇÃO:
Superendividamento
RELATOR
: Desembargador MARCIO ANDRE KEPPLER FRAGA
AGRAVANTE
: BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL
AGRAVADO
: DELAMIR ROBERTO DOS SANTOS MACHADO
ADVOGADO(A)
: GUSTAVO CENCI AGOSTINI (OAB RS102173)
ADVOGADO(A)
: MAURICIO RODRIGUES DE FREITAS (OAB RS100379)
INTERESSADO
: FACTA FINANCEIRA S.A. CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO
ADVOGADO(A)
: PAULO EDUARDO SILVA RAMOS
EMENTA
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA DE URGÊNCIA. SUPERENDIVIDAMENTO. LIMITAÇÃO DE DESCONTOS. RECURSO DESPROVIDO.
I. CASO EM EXAME:
1. Agravo de instrumento interposto pelo réu contra decisão que deferiu parcialmente a tutela de urgência.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO:
1. Há duas questões em discussão: (i) a alegação de nulidade da decisão por ausência de fundamentação e (ii) que seja observada a margem de 70% para readequação dos contratos, observando o decreto estadual nº 43.337/04, por se tratar de servidor público estadual, bem como sejam excluídos da ação de repactuação de dívidas as operações de crédito consignado e seja revogada a liminar para ser afastada a limitação em conta-corrente.
III. RAZÕES DE DECIDIR:
1. A decisão recorrida está devidamente fundamentada, não havendo nulidade por ausência de enfrentamento de todas as alegações das partes.
2. constata-se que os descontos incidentes sobre a folha de pagamento E CONTA CORRENTE da parte autora somam montante superior ao limite legalmente admitido, ultrapassando o percentual de 35% dos rendimentos líquidos e comprometendo, assim, a preservação do mínimo existencial.
3. A jurisprudência deste Tribunal tem reconhecido a legitimidade da limitação dos descontos em ações dessa natureza, inclusive, nos casos em que há, cumulativamente, incidência de débito em folha e em conta-corrente, desde que demonstrados os requisitos autorizadores da tutela provisória, conforme artigo 300 do Código de Processo Civil.
4. A concessão da tutela de urgência está amparada nos requisitos do art. 300 do CPC, considerando o comprometimento excessivo da renda da parte autora.
5. A alegação de impedimento ao controle de constitucionalidade do Decreto nº 11.567/2023 não prospera, pois a decisão recorrida respeita a garantia do mínimo existencial como direito fundamental do consumidor superendividado.
6. Quanto ao pedido subsidiário, de observância à margem de 70% para readequação dos contratos, em atenção ao Decreto Estadual nº 43.337/04, inviável a análise do referido pedido neste momento processual, já que a insurgência em debate deve ser levada à exame,
a priori
, ao juízo de origem, sob pena de violar o princípio do duplo grau de jurisdição.
IV. DISPOSITIVO:
1. Recurso desprovido.
___________
Dispositivos relevantes citados:
CPC, art. 300; CDC, arts. 54-A e 104-B.
Jurisprudência relevante citada:
TJRS, Agravo de Instrumento, Nº 53429329220248217000, Rel. Ana Paula Dalbosco, j. 18-03-2025; TJRS, Agravo de Instrumento, Nº 53292584720248217000, Rel. Antônio Vinícius Amaro da Silveira, j. 18-03-2025.
DECISÃO MONOCRÁTICA
Trata-se de recurso de agravo de instrumento interposto por Banco do Estado do Rio Grande do Sul (BANRISUL) em virtude de decisão proferida nos autos da ação ajuizada por
DELAMIR ROBERTO DOS SANTOS MACHADO
, assim proferida
evento 11, DESPADEC1
:
Passo a decidir na presente data, ressaltando que no mês de maio/2025 tramitam junto ao Projeto de Gestão de Superendividamento mais de 13.000 ações.
Defiro, de forma excepcional, a gratuidade judiciária à parte demandante.
Ainda que o comprovante de rendimentos acostado com a inicial demonstre a percepção de alta remuneração mensal bruta, há confirmação de descontos substanciais realizados em folha de pagamento, bem como em conta bancária. Além disso, em sede de cognição sumária, os documentos juntados com a inicial indicam situação de superendividamento, condição que será apurada nos autos detalhamente, sem prejuízo de revogação do benefício ao final.
Sobre a concessão da gratuidade em casos com o dos autos, cito os precedentes que seguem:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE REVISIONAL. PESSOA FÍSICA. GRATUIDADE DE JUSTIÇA INDEFERIDA NA ORIGEM. Documentos demonstram rendimentos brutos superiores a cinco salários-mínimos, entretanto com baixo rendimento líquido, em razão de superendividamento; desta forma, deve ser concedido o benefício da gratuidade judiciária. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO, EM DECISÃO MONOCRÁTICA.(Agravo de Instrumento, Nº 53567199120248217000, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roberto José Ludwig, Julgado em: 04-12-2024)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. GRATUIDADE JUDICIÁRIA. PESSOA FÍSICA COM RENDA BRUTA SUPERIOR AO LIMITE, MAS COM RENDA LÍQUIDA REDUZIDA POR SUPERENDIVIDAMENTO. RECURSO PROVIDO. Agravo de instrumento interposto contra decisão que indeferiu o pedido de concessão do benefício da justiça gratuita ao recorrente. A controvérsia trata de verificar se a situação de superendividamento, que reduz a renda líquida do recorrente, justifica a concessão da gratuidade judiciária, ainda que a renda bruta mensal seja superior ao limite de cinco salários mínimos, conforme artigo 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal e o artigo 98 do CPC/2015. Embora a renda bruta mensal do recorrente seja superior ao limite de cinco salários mínimos, o seu contracheque comprova que a renda líquida se encontra substancialmente reduzida devido a compromissos financeiros que configuram superendividamento. Essa condição justifica a concessão da assistência judiciária gratuita, especialmente quando a diferença entre a renda líquida do recorrente e o limite de cinco salários mínimos é irrisória. A jurisprudência da 16ª Câmara Cível deste Tribunal já firmou entendimento favorável à concessão da gratuidade em casos semelhantes, considerando a necessidade e a hipossuficiência econômica demonstrada. Jurisprudência e lei relevantes citadas: CF/1988, art. 5º, LXXIV; CPC/2015, art. 98; TJRS, Agravo de Instrumento nº 53118902520248217000, Rel. Deborah Coleto Assumpção de Moraes, 16ª Câmara Cível, j. 25.10.2024; TJRS, Agravo de Instrumento nº 53142339120248217000, Rel. Sandro Silva Sanchotene, 16ª Câmara Cível, j. 24.10.2024. RECURSO PROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 52682731520248217000, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vivian Cristina Angonese Spengler, Julgado em: 05-12-2024)
Todavia, ressalvo que a concessão da gratuidade é modulada e restrita a determinados atos processuais, na forma do permissivo legal disposto no parágrafo 5º do artigo 98 do Código de Processo Civil.
A esse respeito, adianto que a vedação imposta pelo parágrafo 3º do artigo 104-B do Código de Defesa do Consumidor poderá ser relativizada, em caso de violação do dever de cooperação e lealdade processual, permitindo-se eventual oneração do credor com relação às despesas necessárias ao procedimento de repactuação, as quais poderão ser incluídas na sucumbência em ação de procedência.
Recebo a inicial com base na tutela legal prevista na Lei 14.181/21, tendo em vista que a causa de pedir noticiando o superendividamento do consumidor.
DA FASE CONCILIATÓRIA:
Observado que a fase conciliatória não ocorreu anteriormente ao ajuizamento da ação, SUSPENDO o feito após o cumprimento da tutela de urgência deferida, se deferida, para DETERMINAR a remessa dos autos ao
CEJUSC
, para realização de audiência de conciliação, fase obrigatória da Lei 14.181/21, artigo 104-A.
Registro que, de fato, a fase consensual do procedimento é compulsória e prévia, de acordo com o artigo 104-A do CDC.
Excepcionalmente, evidenciada a necessidade, este Juízo tem analisado a tutela de urgência como forma de assegurar a preservação do mínimo existencial.
Por essa razão, consigno que
É OBRIGATÓRIA A PRESENÇA DO CONSUMIDOR
NA AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO/MEDIAÇÃO
, pela aplicação do princípio da cooperação, porque fase compulsória do procedimento,
sob pena de reapreciação da tutela de urgência,
uma vez que esta se submete ao "condicionamento de seu efeitos à abstenção, pelo consumidor, de condutas que importem no agravamento de sua situação de superendividamento " (art. 104-A,§ 4.º, IV, do CDC).
A ausência deverá ser justificada comprovadamente e
de forma prévia
ao ato, salvo situação excepcional a ser apreciada.
A AUSÊNCIA INJUSTIFICADA DA PARTE AUTORA IMPORTARÁ NA REVOGAÇÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA.
Outrossim, FICAM OS CREDORES ADVERTIDOS, desde já, que a
ausência injustificada
, bem como o
comparecimento do representante do credor
sem poderes reais e plenos para transigir
ou, ainda,
a
falta de proposta ou de proposta inviável dos credores
, contrariam a finalidade da norma e podem autorizar a aplicação de sanção, em especial e por analogia, do art. 104-A, § 2.º, do CDC, nos termos dos Enunciados n. 36, n. 37, n.º38 e n. 39 todos do FONAMEC (Fórum Nacional da Mediação e Conciliação).
Para composição, saliento às partes que:
1) A modificação da forma de pagamento pactuada no acordo, com a previsão de desconto em conta-corrente de débitos que foram contratados de forma originária mediante
pagamento por consignação em folha de pagamento
, altera o equilíbrio da relação originariamente pactuada, ante a possibilidade da incidência do Tema 1085 do STJ.
No entanto,
com a concordância expressa o consumidor
, na ausência de margem consignável em folha de pagamento, fica autorizado, TEMPORARIAMENTE, o pagamento mediante desconto em conta-corrente, desde que mantida a natureza da obrigação originária.
2) A pactuação deve observar as informações trazidas pela parte demandante no
plano preliminar
apresentado (
e que deve ser apresentado, OBRIGATORIAMENTE, antes da realização da audiência
), especialmente, a parcela disponível para pagamento dos credores, observado o mínimo existencial.
Eventual modificação nas possibilidades do requerente deverá ser justificada nos autos, sempre que possível, de forma prévia à audiência, com retificação do plano preliminar
.
Cite-se a parte demandada para comparecer à audiência de conciliação/mediação.
Não havendo entendimento, deverá apresentar contestação em 15 dias, contados da data da audiência.
Consigno que, nos termos do CPC, a citação será feita preferencialmente por meio eletrônico, no prazo de até 2 (dois) dias úteis, contado da decisão que a determinar, por meio dos endereços eletrônicos indicados pelo citando.
Ainda de acordo com o diploma legal as empresas privadas são obrigadas a manter cadastro nos sistemas de processo em autos eletrônicos, para efeito de recebimento de citações e intimações, as quais serão efetuadas preferencialmente por esse meio.
Ante a ausência de confirmação, no prazo de até 3 (três) dias úteis, contados do recebimento da citação eletrônica, expeça-se Carta AR de citação pelo correio, nos termos do art. 246, §1°-A.
Tendo em vista que se considera ato atentatório à dignidade da justiça, passível de multa de até 5% (cinco por cento) do valor da causa, deixar de confirmar no prazo legal, sem justa causa, o recebimento da citação recebida por meio eletrônico, o réu deverá justificar a falta de confirmação no prazo da contestação.
DA TUTELA DE URGÊNCIA
Consoante determina a Lei 14.181/21, a audiência de conciliação é fase obrigatória, nos termos do artigo 104-A, tratando-se do primeiro ato a ser realizado.
Nada impede
, todavia, que o pedido de tutela de urgência possa ser apreciado tão logo distribuída a ação, até porque, a fase consensual é requisito para a fase de mérito, e não para a fase de cognição sumária.
Nesse sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. SUPERENDIVIDAMENTO. DECISÃO QUE DEFERIU A LIMITAÇÃO DE DESCONTOS EM TUTELA DE URGÊNCIA. PRELIMINAR DE NULIDADE DA DECISÃO POR VIOLAÇÃO AO ART. 489, §1º, III, DO CPC: A decisão agravada apresenta fundamentos que são coerentes e se conectam diretamente com o caso concreto, observando suas particularidades, de modo que não há nulidade a ser reconhecida. POSSIBILIDADE DO DEFERIMENTO DA TUTELA ANTES DA AUDIÊNCIA CONCILIATÓRIA: Uma vez instaurado o processo, não há obstáculo legal ao deferimento da tutelas antecipatória que, no caso concreto, se deu como meio de assegurar a perfeita eficácia da função jurisdicional e a proteção do consumidor em situação de superendividamento (...). AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 50725947720248217000, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roberto José Ludwig, Julgado em: 18-03-2024)
Na lição de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero:
"(...) Toda e qualquer providência capaz de alcançar um resultado prático à parte pode ser antecipada. Vale dizer: o pedido de tutela de urgência - satisfativa ou cautelar - não está limitado à proteção de apenas determinadas situações substanciais. A atipicidade da tutela de urgência, como da tutela jurisdicional geral, está ligada à necessidade de se oferecer uma cobertura o mais completa possível às situações substanciais carentes de proteção (...)".
Outrossim, incidente o artigo 318 do Código de Processo Civil a autorizar a prestação jurisdicional de cognição sumária no procedimento especial instaurado para tratamento do superendividamento, como forma de
assegurar o resultado útil do processo e a preservação do mínimo existencial
:
Art.318: Aplica-se a todas as causas o procedimento comum, salvo disposição em contrário deste Código ou de lei.
Parágrafo único. O procedimento comum aplica-se subsidiariamente aos demais procedimentos especiais e ao processo de execução.
Assim,
entendo pela possibilidade de análise do pedido de tutela antes da realização da audiência de conciliação
, o que passo a fazer, conforme fundamentação supra:
DO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE - DECRETO 11.567/2023
A leitura do Decreto n. 11.567, de 19 de junho de 2023, confrontou o superprincípio da dignidade da pessoa, cuja função precípua era conferir-lhe unidade material. Nessa senda, o princípio da dignidade atua como fundamento à proteção do consumidor superendividado e criador do direito ao mínimo existencial, cuja previsão infraconstitucional foi sedimentada pelo Poder Legislativo na Lei n.14.181/21, que atualizou o Código de Defesa do Consumidor, instalando um microssistema de crédito ao consumo.
Para além da redação do regulamento determinado no Código do Consumidor atualizado, artigo 6
o
, XI, a eficácia horizontal direta dos direitos fundamentais nas relações privadas para a preservação da dignidade da pessoa era avanço doutrinário e jurisprudencial pátrios já reconhecidos, a partir da previsão do art. 5
o
, parágrafo 1
o
da CF/88.
A respeito da vigência do Decreto em apreço, duas demandas pendem de julgamento no STF, respectivamente, a ADPF 1.005 e a ADPF 1.006, sob o fundamento da inconstitucionalidade do conteúdo, cuja fundamentação encontra coro na doutrina brasileira e Notas Técnicas elaboradas pelo Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor(Brasilcon), firmada pelo seu diretor-presidente (membro do Ministério Público e professor) Fernando Rodrigues Martins, e do Instituto de Defesa Coletiva, de Belo Horizonte, respectivamente publicadas em 27/7/2022 e 29/7/2022. Afinal, a garantia de R$ 600,00 (seiscentos reais) a qualquer família brasileira, sem considerar a situação sócio-econômica e individualizar as necessidades que comportam as despesas básicas de sobrevivência não representa interpretação harmônica com os valores constitucionais.
Além disso, a lei n. 14. 181/2021 padece de conceito de mínimo existencial, que é um termo indeterminado e amplo, sem regulamentação.
Portanto, passo à análise do caso concreto,
sem incidência do Decreto n.11.567/2023, em controle difuso de constitucionalidade.
CASO CONCRETO:
De acordo com os documentos apresentados pela parte demandante (
evento 9, CHEQ2
,
evento 9, CHEQ3
,
evento 9, EXTRBANC4
,
evento 1, CHEQ5
,
evento 1, EXTRBANC6
), entendo que o requerimento de tutela de urgência merece acolhimento, pois a
demora no recebimento da citação
e consequente
espera na designação de audiência de conciliação
não pode atuar em prejuízo à parte demandante
.
Além disso, os argumentos expostos pela parte autora (analisados em conjunto com a prova documental) revelam-se coerentes e, em sede de cognição sumária, demonstram a probabilidade do direito afirmado, pois a continuidade dos descontos,
na proporção efetuada atualmente
prejudica a sua própria subsistência, conforme demonstro a seguir:
Dos descontos em folha de pagamento e conta-corrente
Conforme os documentos anexados, observo que a parte demandante contratou empréstimos com modalidade de pagamento mediante desconto direto em folha de pagamento, bem como em conta-corrente (
evento 9, CHEQ2
,
evento 9, CHEQ3
,
evento 9, EXTRBANC4
,
evento 1, CHEQ5
,
evento 1, EXTRBANC6
).
A Lei n. 10.820/2003 trouxe o patamar dos
descontos em folha de pagamento ao montante de 35% (trinta e cinco por cento)
. Cabe destacar que, nos termos do Art. 1º, §1º da Lei 10.820/2003, dentre o limite de 35% (trinta e cinco por cento) estipulado para o desconto em folha de pagamento, 5% (cinco por cento) deveriam ser destinados exclusivamente para a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito ou a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito.
Tais limites restaram alterados, acrescendo-se 5% aos percentuais máximos para contratação até então estipulados, consoante a Lei n. 14.131/2021
1
, a qual converteu a Medida Provisória 1.006/2020, autorizando-se, assim,
consignações de até 40%
quando existente contratação de cartão de crédito:
Art. 1º Até 31 de dezembro de 2021, o percentual máximo de consignação nas hipóteses previstas no
inciso VI do
caput do art. 115 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991
, no
§ 1º do art. 1º
e no
§ 5º do art. 6º da Lei nº 10.820, de 17 de dezembro de 2003
, e no
§ 2º do art. 45 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990
, bem como em outras leis que vierem a sucedê-las no tratamento da matéria, será de 40% (quarenta por cento), dos quais 5% (cinco por cento) serão destinados exclusivamente para:
I - amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou
II - utilização com finalidade de saque por meio do cartão de crédito.
DA NÃO INCIDÊNCIA DO TEMA 1085 DO STJ:
Não desconheço que os descontos em conta bancária de titularidade do consumidor decorrem de cláusula contratual pactuada de forma voluntária, tampouco da formação da tese repetitiva n. 1085 pelo Superior Tribunal de Justiça, com reconhecimento da ausência de analogia capaz de limitar o percentual de desconto em conta-corrente preponderando a autonomia da vontade das partes.
Contudo, o suporte fático descrito não apresenta, salvo melhor juízo, identidade de fundamentos com aquele que motivou a formação da tese repetitiva em comento, porquanto evidenciado que a globalidade das obrigações existentes apresentam como pano de fundo o superendividamento do consumidor, comprometendo o mínimo existencial, direito básico tutelado pelo artigo 6
o
, XI e XII, ambos do Código de Defesa do Consumidor, como outrora tivemos a oportunidade de diferenciar:
“A tese repetitiva proferida pelo STJ foi ao encontro da teoria dos contratos, no berço da autonomia da vontade, na pacta sunt servanda, aplicando todo o arcabouço de uma relação contratual sadia, celebrada e executada dentro da normalidade, sem patologia ou necessidade especial das partes envolvidas; é o desconto de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta-corrente de correntistas/consumidores saudáveis, os quais se encontram em condições de manter o pagamento das suas contas básicas, como luz, água e alimentação.
Situação diametralmente oposta são dos correntistas/consumidores superendividados, que buscam no Poder Judiciário a reorganização dos descontos efetuados tanto no contracheque como na conta-corrente sob o fundamento do excesso de descontos em detrimento da preservação do mínimo existencial. Neste cenário vem demonstrados descontos acima do limite legal e extrato bancário com saldo negativo, pois todo o valor líquido depositado em sua conta-corrente está sendo utilizado para pagamento de empréstimos bancários comuns, juros do cheque especial, seguro, entre outros. Nas hipóteses relatadas, verifica-se a diversidade do suporte fático daquele submetido à apreciação no julgado que ensejou a formação do convencimento na tese repetitiva nº. 1085, uma vez que não se estava diante de consumidor superendividado, sujeito destinatário da norma que introduziu no país a concreção da dignidade da pessoa com a preservação do mínimo existencial. Aliás, insta destacar, mínimo existencial já assegurado na fase da formação do contrato, quando da análise da capacidade de reembolso pelo concedente de crédito, de acordo com a inteligência do artigo 54-D do Código atualizado. Daí a interpretação sobre a necessidade de limitação dos descontos em conta-corrente quando evidenciada situação de superendividamento do consumidor.” (
A repactuação de dívidas do consumidor superendividado e os descontos bancários em conta-corrente, BERTONCELLO, Káren R. D.; RANGEL, Andréia Fernandes de Almeida. Extrato texto encaminhado para publicação no CONJUR, novembro/2022)
Na linha do entendimento que firmo, pertinentes as palavras da respeitável Desembargadora Carmem Maria Azambuja Farias, quando do julgamento do Agravo de Instrumento Nº 5308681-48.2024.8.21.7000/RS, relacionado a caso similar:
A tese do Tema 1.085 do STJ, invocada pelo agravante, refere-se a uma situação jurídica diversa, não aplicável ao caso de superendividamento regulado pela Lei nº 14.181/2021, que possui disposições específicas para proteção do consumidor nesta condição. A decisão agravada observou corretamente que o caso dos autos não se enquadra nos critérios do Tema 1.085, justificando, portanto, a limitação dos descontos de forma abrangente.
Ressalvada a questão sobre os percentuais a serem utilizados como balizadores e não aplicação do Tema 1085 do STJ, saliento que, ainda que respeitados os limites individuais das modalidades acima destacadas,
o conjunto dos descontos ultrapassa 50% da remuneração disponível
.
Daí porque, necessária a limitação, fins de possibilitar a reestruturação financeira da parte demandante.
Destaco que, a parte reservada ao pagamento das despesas de subsistência encontra identificação na proteção do mínimo existencial, enquanto direito fundamental social de defesa originário do princípio da dignidade da pessoa humana, assegurado na Constituição Federal, art. 1º, inciso III; e no Código de Defesa do Consumidor, artigo 6º, XII, in verbis:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
XII - a preservação do mínimo existencial, nos termos da regulamentação, na repactuação de dívidas e na concessão de crédito;
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
Como tal, o direito fundamental ao mínimo existencial independe de atuação legislativa, uma vez que revestido de eficácia imediata, consoante vasta doutrina de Ingo Wolfgang Sarlet.
Consoante bem delineado pelo douto Desembargador Aymoré Roque Pottes de Mello, quando do julgamento de pretensão similar nos autos do Agravo de Instrumento Nº 51630265020218217000, a manutenção dos descontos "coloca em risco o postulado constitucional da dignidade da pessoa humana e o princípio de garantia do mínimo existencial, materializados na garantia de subsistência do autor-agravante e de sua família, posto que os valores creditados na sua conta-corrente são utilizados
integralmente
para abater as suas dívidas, não havendo sobra de qualquer dinheiro para garantir o seu
mínimo existencial.
(...)".
Nesta linha de entendimento, situa-se a jurisprudência infra ao preservar a dignidade do consumidor mediante o deferimento da limitação dos descontos:
DIREITO DO CONSUMIDOR. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. SUPERENDIVIDAMENTO. LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS SOBRE PROVENTOS DO CONSUMIDOR. PRESERVAÇÃO DO MÍNIMO EXISTENCIAL. AGRAVO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Agravo de instrumento interposto contra decisão proferida nos autos de ação de repactuação de dívidas, que deferiu parcialmente a tutela de urgência, determinando a limitação dos descontos sobre os comprovados do autor ao percentual máximo de 35%, com acréscimo de 5% para dívidas de cartão de crédito, sob pena de multa, bem como a abstenção de inscrição em cadastros de inadimplentes e protesto de títulos. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se é permitido a limitação dos descontos incidentes sobre os comprovados do consumidor superendividado, incluindo descontos automáticos em conta-corrente, garantindo o mínimo existencial; (ii) avaliar a razoabilidade da multa cominatória aplicada para garantir o cumprimento da tutela de urgência. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A decisão agravada observa os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial, previstos no art. 1º, III, da CF/1988, e assegurados pelo art. 6º, inciso XII, do Código de Defesa do Consumidor, com as alterações introduzidas pela Lei nº 14.181/2021 (Lei do Superendividamento). 4. A redução dos descontos em 35% dos rendimentos líquidos do consumidor, acrescidos de 5% para dívidas de cartão de crédito, está em conformidade com a exclusão consolidada e tem por objetivo resguardar a subsistência do consumidor em situação de superendividamento. 5. O suporte fático do caso, caracterizado pelo comprometimento substancial da renda da parte agravada, não guarda com o tema relação com Tema 1.085 do STJ, que trata da liberdade contratual em descontos em conta-corrente, aplicável a consumidores em condições regulares, não a superendividados. 6. A multa cominatória no valor de R$ 500,00 por desconto indevido, limitada ao valor da dívida, é adequada e proporcional, obrigando o cumprimento da decisão judicial sem configurar enriquecimento ilícito. 7. A proteção ao mínimo existencial, fundamentada na preservação da dignidade da pessoa humana, justifica a restrição abrangente dos descontos, inclusive para descontos automáticos em conta-corrente, conforme precedentes do TJRS e STJ. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Recurso desprovido. Tese de julgamento : 1. A redução de descontos a 35% dos rendimentos líquidos, com acréscimo de 5% para dívidas de cartão de crédito, é aplicável às obrigações financeiras que comprometam a subsistência do consumidor superendividado, abrangendo descontos automáticos em conta-corrente. 2. A fixação de multa cominatória é válida, proporcional e visa garantir a efetividade da tutela judicial para resguardar o mínimo existencial do consumidor. Dispositivos relevantes citados : CF/1988, art. 1º, III; CDC, art. 6º, XII; PCC, arts. 300, 537 e 932, VIII; Lei nº 10.820/2003; Lei nº 14.181/2021. Jurisprudência relevante relevante : TJRS, Agravo de Instrumento nº 51553675320228217000, Rel. Des. Aimoré Roque Pottes de Mello, j. 24-03-2023; TJRS, Agravo de Instrumento nº 53445082320248217000, Rel. Des. Roberto José Ludwig, j. 25-11-2024; TJRS, Agravo de Instrumento nº 52789259120248217000, Rel. Des. Carla Patrícia Boschetti Marcon, j. 13-11-2024. (Agravo de Instrumento, Nº 53086814820248217000, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carmem Maria Azambuja Farias, Julgado em: 16-01-2025)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. SUPERENDIVIDAMENTO. DECISÃO QUE DEFERIU A LIMITAÇÃO DE DESCONTOS EM TUTELA DE URGÊNCIA. REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DA MEDIDA: A decisão agravada se valeu das disposições da Lei nº 10.820/2003 e da Lei nº 14.131/2021 para fundamentar que a ocorrência de descontos em patamar superior a 35% da renda do consumidor comprometeria o seu mínimo existencial. Esse critério vem sendo aceito por esta Câmara no âmbito das ações de repactuação de dívidas, pelo que está presente a probabilidade do direito e a urgência para justificar a concessão da medida. MULTA POR DESCUMPRIMENTO DA MEDIDA: A multa tem caráter coercitivo, incidindo em razão do descumprimento da medida pelo destinatário da ordem. Dessa forma, falar em desnecessidade é desvirtuar o objetivo da previsão legal, que é se adiantar a eventual descumprimento e, sob pena de incidência de multa, obrigar o demandado ao cumprimento da obrigação imposta. No caso, a multa foi arbitrada pelo juízo de origem de forma adequada, tanto no valor, quanto na periodicidade. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO, EM DECISÃO MONOCRÁTICA.(Agravo de Instrumento, Nº 50280125520258217000, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roberto José Ludwig, Julgado em: 13-02-2025)
Em vista disso, com base no artigo 300, do Código de Processo Civil
DEFIRO parcialmente a tutela de urgência
a fim de determinar que:
a) A parte
ré LIMITE
os descontos relativos a todos os empréstimos consignados com desconto em folha de pagamento e empréstimos não consignados com débito automático na conta-corrente da parte autora ao percentual máximo de
35% dos proventos desta (abatidos os valores da previdência, IRPF e pensão alimentícia)
,
percentual que pode ser acrescido de
5%, em se tratando de dívida de cartão de crédito cujo pagamento decorre de débito em conta
;
dividindo-se o percentual de forma igualitária entre todos os credores demandados até elaboração do plano de pagamento ao final do processo;
b) A limitação aqui determinada é aplicável, inclusive, em se tratando de portabilidade salarial;
c) No caso em discussão, pelas razões já expostas,
esta limitação também se aplica aos descontos no cheque especial
, dividindo-se o percentual entre todos os credores demandados até elaboração do plano de pagamento ao final do processo.
d) Outrossim, DETERMINO que o (os) credor (res) se
abstenha(m) de incluir a parte autora nos cadastros restritivos de crédito ou emitir títulos para fins de protesto
, enquanto pendente a lide. Caso já o tenham feito, seja SUSPENSO o efeito da restrição.
A esse respeito, a determinação não se aplica ao Sistema de Informações de Crédito do Banco Central - SCR, o qual, conforme a Resolução CMN n° 5.037 de 29/9/2022, em seu artigo 2º, possui duas finalidades:
Art. 2º O SCR é administrado pelo Banco Central do Brasil e tem por finalidades:
I - prover informações ao Banco Central do Brasil, para fins de monitoramento do crédito no sistema financeiro e para o exercício de suas atividades de fiscalização; e
II - propiciar o intercâmbio de informações entre instituições financeiras e entre demais entidades, conforme definido no art. 1º da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, sobre o montante de responsabilidades de clientes em operações de crédito.
Conforme destacou a respeitável Ministra Maria Isabel Gallotti, quando do julgamento do Recurso Especial Nº 1.365.284 - SC (2011/0263949-3), ambas as finalidades do sistema dizem com interesse público:
(...) o interesse público primário, direto, imediato, de viabilizar a supervisão do Sistema Financeiro pelo Banco Central (inciso I do art 2º da Resolução 3658/2008) e o interesse público indireto, consistente em detectar e evitar operações financeiras arriscadas, causadoras de risco bancário sistêmico, protegendo os recursos depositados, tudo consultando o interesse do consumidor bom pagador de obter melhores taxas de juros (inciso II) do art 2º da Resolução 3658/2008 (...)".
Observadas as finalidades supra e considerando as disposições sobre a prevenção do superendividamento trazidas pela Lei 14.181/21, entendo que se trata de ferramenta protetiva, em verdade, que auxilia no controle da concessão de crédito sem capacidade de reembolso, evitando o agravamento da situação do superendividamento da parte consumidora.
Atua como ferramenta consultiva de relevância, visando ao controle das operações de crédito existentes e comprometimento de renda, evitando a concessão de crédito desmedida, penalizada pela legislação protetiva:
Art. 54-D. Na oferta de crédito, previamente à contratação, o fornecedor ou o intermediário deverá, entre outras condutas:
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
(...)
II - avaliar, de forma responsável, as condições de crédito do consumidor, mediante análise das informações disponíveis em bancos de dados de proteção ao crédito, observado o disposto neste Código e na legislação sobre proteção de dados;
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
(...)
Parágrafo único. O descumprimento de qualquer dos deveres previstos no caput deste artigo e nos arts. 52 e 54-C deste Código poderá acarretar judicialmente a redução dos juros, dos encargos ou de qualquer acréscimo ao principal e a dilação do prazo de pagamento previsto no contrato original, conforme a gravidade da conduta do fornecedor e as possibilidades financeiras do consumidor, sem prejuízo de outras sanções e de indenização por perdas e danos, patrimoniais e morais, ao consumidor.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
Sobre a importância das informações disponibilizadas pelo sistema SCR, ponderou referida Ministra:
Trata-se, como visto, de cadastro público, de consulta restrita, necessário à atividade do BACEN, o qual ficaria seriamente comprometido com sua equiparação à regência legal e jurisprudencial dos cadastros de inadimplentes e mesmo de centrais de risco de crédito privadas.
Não pode, portanto, ser considerado como cadastro restritivo comum, exigindo tratamento diferenciado dos demais cadastros de inadimplentes como SPC e Serasa.
Dessa forma, a exclusão dos dados em relação aos débitos em repactuação não se aplica ao sistema SCR do Banco Central.
ADVIRTO, TAMBÉM a ambas as partes:
1. A tutela de urgência compreende, em cognição sumária, o restabelecimento do mínimo existencial ao consumidor que detem descontos em folha e/ou conta-corrente em percentuais que comprometam sua sobrevivência, na forma da fundamentação supra.
Daí por que NÃO
abrange eventuais obrigações pendentes, cujo pagamento deva ser efetuado mediante boleto bancário ou outra forma de pagamento voluntária.
2. Em preservação à cooperação das partes e boa-fé dos contrantes,
NÃO
podem ser abrangidos na presente repactuação, os
contratos celebrados após o ajuizamento da ação
, em razão da vedação, ao consumidor, da prática de condutas que importem no agravamento de sua situação de superendividamento, artigo 104-A, § 4º, IV, do CDC.
A esse respeito, pondero que o consumidor que adota tal prática enquadra-se na definição de superendividado ativo, conceito que, conforme a doutrina, pode ser dividido em ativo consciente, assim considerado aquele que agiu com a intenção deliberada de não pagar ou fraudar seu credor (consumidor de má-fé), ou, ativo inconsciente, o qual, ou age de forma impulsiva ou sem formular o cálculo correto no momento da contratação de novas dívidas (consumidor imprevidente e sem malícia).
3. Fica a parte demandada, ainda, ADVERTIDA de que
a concessão irresponsável de crédito após o ajuizamento da presente ação
, será igualmente valorada na decisão final, acarretando, inclusive, a aplicação das penalidades definidas pela lei.
4 Ademais, saliento que a presente decisão
NÃO
abrange
contratos com garantia real e/ou alienação fiduciária
, visto que não apresentam identidade com os pressupostos contidos no artigo 54-A do CDC.
5. Ainda,
INDEFIRO
a
suspensão indiscriminada de ações ou atos de constrição patrimonial
, ante a impossibilidade de determinação genérica e desprovida de fundamentação.
6. Fica a parte demandada CIENTIFICADA sobre a impossibilidade de proceder a cobranças
de forma abusiva
, bem como,
PRATICAR CONDUTAS
que importem no agravamento da situação de superendividamento da parte demandante.
7. Por fim, fica a parte demandante CIENTIFICADA sobre a
vedação da prática de condutas que importem no agravamento de sua situação de superendividamento
, sob pena de REVOGAÇÃO DA TUTELA PARCIAL AQUI DEFERIDA.
DO CUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL
O DESCUMPRIMENTO desta decisão judicial importará incidência de multa de R$ 500,00 por cada desconto indevido até o limite da dívida pendente. Saliento que a presente decisão, deverá ser cumprida no prazo máximo de 30 dias. A data inicial de contagem do prazo do descumprimento iniciará do protocolo de entrega do ofício/despacho.
Esta decisão vale como ofício, que deverá ser encaminhado pela parte autora de forma pessoal aos credores réus, fins de atender a exigência da Súmula 410 do STJ.
Fica registrado que, em caso de eventual descumprimento de ordem judicial, a cobrança do valor da multa deverá ser promovida em ação autônoma, a fim de evitar tumulto processual.
DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
Ficam os credores réus intimados a juntar aos autos cópia dos contratos firmados entre as partes e
extratos bancários em formato XLS
, em face da inversão do ônus da prova em favor da parte autora que, desde já determino, nos termos do disposto no artigo 6°, inciso VIII do CDC.
DO MÍNIMO EXISTENCIAL E DA INDICAÇÃO DAS DESPESAS DE SUBSISTÊNCIA
Oriento a parte demandante sobre a
importância da descrição da quantia a ser reservada ao mínimo existencial
e demonstração,
de forma documental e discriminada
, especialmente com relação às despesas de sobrevivência, fins de possibilitar a elaboração de plano de pagamento viável.
Assim,
deverá trazer aos autos
, se ainda não o fez, os comprovantes das despesas de subsistência (alimentação, luz, água, etc.), tendo em vista que serão objeto de análise quando da segunda fase do procedimento. Quando da nomeação do administrador,
deverá apresentar
os comprovantes de rendimentos atualizados.
Consigno que, a omissão da parte demandante quanto à comprovação das despesas de sobrevivência e apresentação dos documentos necessários influirá no plano de pagamento a ser elaborado pelo administrador judicial.
Tratando-se de Juízo 100% Digital e em atenção aos princípios da celeridade e eficiência, as respostas remetidas por carta não serão anexadas ao processo.
Por fim, cabe ressaltar que o sistema E-proc disponibiliza, no menu principal, a opção substabelecimento com reserva ou sem reserva, viabilizando ao procurador a atualização do cadastro de advogados, para recebimento de intimações,
sendo de responsabilidade do procurador tal gerenciamento e cadastro dos profissionais
, na forma do art. 2º da Lei 11.419/2006.
Sendo a parte Entidade, a retificação/alteração dos procuradores cabe apenas à própria, em atualização cadastral, ou ao procurador.
Para maiores informações sobre o rito da Lei n. 14.181/2021, destaco a leitura da Cartilha sobre Superendividamento do Conselho Nacional de Justiça -
CARTILHA SOBRE O TRATAMENTO DO SUPERENDIVIDAMENTO DO CONSUMIDOR
O Banco do Estado do Rio Grande do Sul (BANRISUL) afirmou que a decisão que concedeu a tutela provisória de urgência foi nula por ausência de fundamentação, violando os artigos 93, IX da Constituição Federal e 489, § 1º, III do Código de Processo Civil (CPC). Argumentou que o autor não se enquadrava na condição de superendividamento, uma vez que sua renda mensal era superior ao mínimo existencial estabelecido pelo Decreto 11.567/23. Referiu que a parte agravada possui rendimentos brutos de R$ 14.497,46 e que há omissão de vínculo conjugal no IRPF, não comprovando condição de superendividamento. Aduziu que a parte compromete parte importante de seus rendimentos com o pagamento de mensalidade a associação, desconto que é facultativo. O agravante também destacou que os contratos de crédito consignado não deveriam ser incluídos na análise de superendividamento, conforme o art. 4º, parágrafo único, inciso I, alínea "h" do Decreto 11.150/22. Por fim, requereu: a) O acolhimento das preliminares suscitadas; Caso não seja esse o entendimento dessa Turma Recursal, requer, subsidiariamente, que: a) Seja observada a margem de 70% para readequação dos contratos, observando o DECRETO ESTADUAL Nº 43.337/04, por se tratar de servidor público estadual; b) Sejam excluídos da ação de repactuação de dívidas as operações de crédito consignado, sujeitas à regramento específico; e c) Seja revogada a liminar para que seja afastada a limitação em conta corrente.
Distribuídos os autos a esta Egrégia Corte, vieram conclusos para julgamento.
É o relatório
.
Decido.
Inicialmente, recebo o recurso, pois tempestivo e devidamente preparado.
O art. 206, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça (RITJRS), estabelece que compete ao relator
"[...] negar ou dar provimento ao recurso quando houver jurisprudência dominante acerca do tema no Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça com relação, respectivamente, às matérias constitucional e infraconstitucional e
deste Tribunal"
. (grifei)
No caso dos autos, o presente agravo se enquadra na hipótese de julgamento monocrático, porquanto a matéria é recorrente na presente Câmara, com parâmetros de julgamento já assentados.
Inicialmente, ressalto que não há falar em nulidade por ausência de fundamentação, pois não há obrigatoriedade de enfrentamento de cada uma das alegações ou dispositivos legais suscitados pelas partes quando, como no caso, à luz de todo o conjunto fático e probatório constante nos autos, o julgador alicerça a sua conclusão em fundamentos suficientemente aptos a embasá-la.
No mérito, cuida-se de pedido formulado nos autos de ação voltada à reorganização de obrigações financeiras, com fundamento na Lei n. 14.181/2021 — que instituiu o regime jurídico do superendividamento do consumidor no âmbito do Código de Defesa do Consumidor — no qual a parte autora pleiteia, em sede de tutela provisória, a limitação dos descontos incidentes sobre seus rendimentos líquidos ao percentual máximo de 35%.
A demanda, por sua natureza, insere-se no campo das relações de consumo, sendo aplicável a disciplina normativa introduzida pelo artigo 104-B do Código de Defesa do Consumidor.
Com efeito, o objeto da controvérsia transcende a simples pretensão de restrição de descontos consignados em folha nos moldes previstos em legislações específicas, tratando-se, na verdade, de ação que visa garantir a proteção do mínimo existencial do consumidor em situação de comprometimento excessivo de sua renda — característica central do estado de superendividamento, nos termos do artigo 54-A, §1º, do Código de Defesa do Consumidor.
Eis as normas de regência supracitadas:
Art. 104-B.
Se não houver êxito na conciliação em relação a quaisquer credores, o juiz, a pedido do consumidor, instaurará processo por
superendividamento
para revisão e integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes mediante plano judicial compulsório e procederá à citação de todos os credores cujos créditos não tenham integrado o acordo porventura celebrado.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
§ 1º
Serão considerados no processo por
superendividamento
, se for o caso, os documentos e as informações prestadas em audiência.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
§ 2º
No prazo de 15 (quinze) dias, os credores citados juntarão documentos e as razões da negativa de aceder ao plano voluntário ou de renegociar.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
§ 3º
O juiz poderá nomear administrador, desde que isso não onere as partes, o qual, no prazo de até 30 (trinta) dias, após cumpridas as diligências eventualmente necessárias, apresentará plano de pagamento que contemple medidas de temporização ou de atenuação dos encargos.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
§ 4º
O plano judicial compulsório assegurará aos credores, no mínimo, o valor do principal devido, corrigido monetariamente por índices oficiais de preço, e preverá a liquidação total da dívida, após a quitação do plano de pagamento consensual previsto no art. 104-A deste Código, em, no máximo, 5 (cinco) anos, sendo que a primeira parcela será devida no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, contado de sua homologação judicial, e o restante do saldo será devido em parcelas mensais iguais e sucessivas.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
Art. 54-A.
Este Capítulo dispõe sobre a prevenção do
superendividamento
da pessoa natural, sobre o crédito responsável e sobre a educação financeira do consumidor.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
§ 1º
Entende-se por
superendividamento
a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
Na hipótese dos autos, de acordo com o comprovante de rendimento juntado aos autos (
evento 1, CHEQ5
), o autor percebeu remuneração bruta de R$ 14.497,46.
Após as deduções obrigatórias (IRPF no valor de R$ 2.595,96 e contribuição previdenciária de R$ 1.799,40), apura-se rendimento líquido de R$ 10.102,10.
Assim, aplicando-se o limite legal de 35%, nos termos do artigo 2º, parágrafo único, da Lei nº 14.509/2022, o montante disponível para descontos contratuais não deveria ultrapassar
R$ 3.535,73.
Entretanto, constata-se que os descontos incidentes sobre a folha de pagamento da parte autora, bem como os valores debitados diretamente em sua conta-corrente, somam montante superior ao limite legalmente admitido, ultrapassando o percentual de 35% dos rendimentos líquidos e comprometendo, assim, a preservação do mínimo existencial.
A seguir, apresenta-se a relação discriminada dos descontos atualmente praticados no contracheque do demandante e em conta corrente, que totalizam
R$ 7.195,06
(
evento 1, CHEQ5
e
evento 9, EXTRBANC4
):
Ou seja, mesmo diante das alegações de eventual omissão de renda familiar - se o agravado é ou não casado - e de eventuais bens, como suscitado pelo agravante, tal, ainda assim, neste cenário acima delineado, não afasta o superendividamente reconhecido provisoriamente.
Importa destacar, ademais, que, tratando-se de ação de repactuação de dívidas, cujo objetivo é permitir o reequilíbrio financeiro do consumidor em estado de superendividamento, não se aplica automaticamente a tese firmada no Tema 1.085 do Superior Tribunal de Justiça, que trata da impossibilidade de limitação de descontos quando pactuados por meio de débito em conta-corrente, cuja redação abaixo transcrevo:
Tese Firmada: São lícitos os descontos de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta-corrente, ainda que utilizada para recebimento de salários, desde que previamente autorizados pelo mutuário e enquanto esta autorização perdurar, não sendo aplicável, por analogia, a limitação prevista no § 1º do art. 1º da Lei n. 10.820/2003, que disciplina os empréstimos consignados em folha de pagamento. (fonte:
https://processo.stj.jus.br/repetitivos/temas_repetitivos/
)
Há de se observar aqui a peculiaridade da pretensão voltada à reorganização integral das dívidas nos moldes da Lei n. 14.181/2021, o que justifica a adoção de
distinguishing
, afastando-se, no caso, a aplicação do referido precedente vinculante.
A jurisprudência deste Tribunal tem reconhecido a legitimidade da limitação dos descontos em ações dessa natureza, inclusive nos casos em que há, cumulativamente, incidência de débito em folha e em conta-corrente, desde que demonstrados os requisitos autorizadores da tutela provisória — probabilidade do direito e risco de dano irreparável ou de difícil reparação — conforme artigo 300 do Código de Processo Civil.
Trata-se de medida que visa, em caráter emergencial, assegurar condições mínimas para a sobrevivência da parte consumidora enquanto se processa a repactuação integral das obrigações.
A par disso, cito precedentes recentes deste Colegiado que reconhecem a validade da medida ora pleiteada, inclusive afastando alegações de nulidade por ausência de audiência conciliatória ou de fundamentação, além de enfatizar a compatibilidade entre a concessão da tutela de urgência e a tramitação pelo procedimento especial previsto na legislação do superendividamento:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE SUPERENDIVIDAMENTO. REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. PRESERVAÇÃO DO MÍNIMO EXISTENCIAL. TUTELA DE URGÊNCIA. ART. 300 DO CPC. REQUISITOS PREENCHIDOS. 1. Nulidade por ausência de fundamentação: a decisão recorrida não ofende os artigos 93, inciso IX, da CF/1988 e 489, §1°, inciso III, do CPC/2015. A circunstância de o seu teor ser observado em outros feitos semelhantes decorre do fato de que há inúmeras situações similares sendo apresentadas diariamente no âmbito desta Corte, em caráter individual, a traduzir o insucesso de outros mecanismos, coletivos ou extrajudiciais, para a resolução de controvérsias do gênero, a ponto, inclusive, de justificar a instalação de um projeto para "gestão de superendividamento". Adequabilidade da fundamentação que deve ser aferida em cotejo com a documentação amealhada com a inicial, a qual é hábil a revelar situação de fragilidade socioeconômica atrair a incidência do rito instituído pela Lei n.° 14.181/2021. Outrossim, não há óbice à cumulação, tampouco incongruência, entre a formulação de pedido de tutela provisória, com o objetivo de readequar as parcelas de contratos vigentes entre a parte requerente e as instituições financeira dela credoras, e a pretensão final de repactuação de dívidas, com base no procedimento especificado no artigo 104-A do CDC. Princípio da inafastabilidade da jurisdição que, outrossim, justifica o exame imediato da tutela relativa à limitação dos descontos ora realizados, a qual, de mais a mais, poderia ser pleiteada por outros meios. 2. Tutela provisória. Limitação dos descontos consignados e em conta corrente: a concessão da tutela de urgência pressupõe que os elementos constantes dos autos evidenciem a probabilidade do direito em conjunto com o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, a teor do exposto no art. 300 do Código de Processo Civil vigente. No caso em apreço, em juízo de cognição sumária, os elementos acostados aos autos evidenciam a probabilidade do direito e o perigo de dano, diante dos indícios de que a renda da parte consumidora se encontra amplamente comprometida com empréstimos e outros encargos bancários. Nesse sentido, a autora se enquadraria na definição de superendividamento prevista no art. 54-A, § 1º, do CDC, revelando-se possível cogitar da incidência da norma do artigo 104-A do diploma consumerista. Demonstrado, portanto, o preenchimento cumulativo dos requisitos previstos no art. 300 do CPC, deve ser mantida a limitação dos descontos e da vedação de inscrição de seu nome em rol de inadimplentes. 3. Em se cuidando de ação em que a parte autora busca repactuar as suas dívidas em virtude do superendividamento, a qual não se confunde com demandas em que se discute a ausência de observância dos limites previstos nas legislações aplicáveis, revela-se adequado o percentual adotado pela Magistrada "a quo" para fins de concessão da tutela de urgência, o qual, além de preservar o sustento do consumidor, permite o adimplemento, ainda que parcial, das obrigações contratadas junto às credoras. 4. Incidência do Decreto n.° 11.150/2022. Interpretação sistemática: a concessão da tutela se justifica, no caso em apreço, por estar constatada a existência de perigo de dano, decorrente da supressão da integralidade dos rendimentos da parte autora para fazer frente a dívidas de natureza bancária, em violação ao princípio da dignidade da pessoa humana, diante da inexistência de recursos suficientes para garantir o mínimo existencial. Débitos decorrentes de empréstimos consignados que, no caso concreto, à luz das disposições do CDC e do artigo 2° do Decreto n°. 11.150/2022, podem ser sopesadas, a partir da realidade socioeconômica da parte autora, para fins de deferimento da medida liminar, sob pena de inviabilizar os próprios objetivos do procedimento especificado no aludido artigo 104-A do CDC. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento, Nº 50315261620258217000, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Umberto Guaspari Sudbrack, Julgado em: 22-04-2025)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. SUPERENDIVIDAMENTO. TUTELA DE URGÊNCIA. LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS EM FOLHA DE PAGAMENTO E EM CONTA CORRENTE. POSSIBILIDADE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 300 DO CPC. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. 1. PRELIMINARES AFASTADAS. Decisão agravada que se coaduna com o caso concreto, restando justificados os fundamentos para a concessão da tutela de urgência, com a verificação do preenchimento dos requisitos do art. 300 do CPC, a fim de assegurar a preservação do mínimo existencial da parte autora. Determinação de posterior remessa dos autos ao CEJUSC, para a realização da audiência de conciliação/mediação, nos termos da Lei 14.181/21, artigo 104-A, que não macula o procedimento legal. 2. Hipótese dos autos em que demonstrada a impossibilidade da reserva do mínimo existencial à subsistência da parte consumidora autora, diante do pagamento de parcelas de empréstimos que superam o patamar de 35% (trinta e cinco por cento) dos seus rendimentos - abatidos os valores da previdência, IRPF e de pensão alimentícia, nos termos da previsão do art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 14.509/2022. 3. Presença dos requisitos autorizadores para a concessão da tutela de urgência, nos termos do art. 300 do CPC, calcados na probabilidade do direito invocado, consubstanciada na comprovação do superendividamento da parte autora, e no perigo dano ou risco ao resultado útil do processo, em razão da privação dos seus rendimentos mensais, em decorrência das dívidas contraídas. 4. Tratando-se de ação de repactuação de dívidas, afasta-se a tese firmada no Tema 1.085 do STJ, autorizando-se, assim, a limitação dos descontos (35%) em folha de pagamento e também na seara dos descontos a título de débito automático em conta corrente. 5. Precedentes ilustrativos de casos análogos, retratando posicionamento dos magistrados integrantes desta Câmara. 6. Deferimento do pedido de tutela de urgência na origem mantido. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 53292584720248217000, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Antônio Vinícius Amaro da Silveira, Julgado em: 18-03-2025)
Portanto, em sede de cognição sumária, mostra-se necessária a limitação dos descontos até a repactuação das obrigações da parte agravada.
Quanto ao pedido subsidiário, de observância à margem de 70% para readequação dos contratos, em atenção ao Decreto Estadual nº 43.337/04, inviável a análise do referido pedido neste momento processual, já que a insurgência em debate deve ser levada à exame,
a priori
, ao juízo de origem, sob pena de violar o princípio do duplo grau de jurisdição.
No tocante à alegação de impedimento formal ao exercício de controle de constitucionalidade do Decreto nº 11.567/2023, que alterou o Decreto nº 11.150/2022, por se tratar de ato normativo secundário, tenho que a decisão recorrida, por se tratar de demanda de ação de superendividamento, com pedido de tutela de urgência, restou, de qualquer sorte, bem fundamentada, forte na Lei 14.181/21, norma plenamente vigente e aplicável, com respeito a garantia do mínimo existencial como direito fundamental do consumidor superendividado.
Por pertinência, reproduzo os julgados dessa Corte:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. SUPERENDIVIDAMENTO. LIMITAÇÃO DE DESCONTOS. Incidência da margem consignável prevista em lei federal. Limitação em 35% dos rendimentos líquidos. Necessidade de se assegurar um mínimo indispensável à subsistência do consumidor em situação de superendividamento. A questão já foi enfrentada pelo Superior Tribunal de Justiça, que entendeu pela ausência de antinomia entre as normas Estadual e Federal, entendendo pela imposição da limitação de 30% (que, atualmente, é de 35%), sob pena de violação ao princípio da dignidade da pessoa humana. Caso concreto em que os descontos, após as consignações legais, superam o limite legal que, em sede de cognição sumária, autoriza o pedido de limitação.
Demanda que controverte o mínimo existencial do agravado, de modo que a limitação deverá permanecer até ulterior resolução da demanda originária pelo juízo a quo. Em observância ao controle difuso de constitucionalidade, ora observado pelo juízo singular, os efeitos do Decreto n.º 11.567/23, que alterou o Decreto n.º 11.150/22, não foram observados, sobretudo diante da probabilidade do direito invocado pelo consumidor e perigos de danos irreparáveis, nos termos do art. 300 do CPC, a fim de garantir o mínimo existencial com a limitação dos descontos à razão de 35% (trinta e cinco por cento) dos proventos do autor, nos liames da Lei n.º 14.131/21.
Caso dos autos que se impõe manter a limitação dos descontos no percentual determinado pela decisão recorrida. RECURSO DESPROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 51148572720248217000, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Clovis Moacyr Mattana Ramos, Julgado em: 26-06-2024)
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. OMISSÃO. (1) ALEGAÇÃO DE APLICABILIDADE DO TEMA 1.085 DO STJ. QUESTÃO NÃO TRATADA NO JULGADO EMBARGADO. OMISSÃO VERIFICADA. INAPLICABILIDADE DA TESE FIRMADA NO JULGAMENTO DO TEMA 1085 DO STJ. TRATANDO-SE DE AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS PELO RITO DA LEI N.° 14.181/21, DEVE-SE PRIMAR PELA PRESERVAÇÃO DO MÍNIMO EXISTENCIAL DA PARTE DEVEDORA, RAZÃO PELA QUAL A LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS DEVE INCIDIR SOBRE TODAS AS DÍVIDAS DA PARTE, QUE SERÃO SUBMETIDAS AO PLANO DE PAGAMENTO CONSENSUAL OU COMPULSÓRIO (ARTIGOS. 104-A E 104-B DO CDC). (2
) QUESTÃO LIGADA À CONSTITUCIONALIDADE DO DECRETO N.º 11.150/22. DEBATE SOBRE NORMA APLICÁVEL AO CASO QUE SE MOSTRA DESCABIDA NESTE MOMENTO INICIAL DO PROCESSO, EM QUE A TUTELA DEFERIDA NA ORIGEM TEM POR OBJETIVO EVITAR PREJUÍZO IMINENTE À PARTE ENDIVIDADA.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS PARA SANAR A OMISSÃO, SEM EFEITOS INFRINGENTES. (Agravo de Instrumento, Nº 50675187220248217000, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mara Lúcia Coccaro Martins, Julgado em: 11-04-2024)
Para além, não soa razoável, como destacado na decisão guerreada, que R$ 600,00 (seiscentos reais) sejam considerados para qualquer família brasileira, sem considerar a situação sócio-econômica e particular relacionadas as despesas básicas de sobrevivência.
Mais, o patamar acima pode ser considerado - para efeitos regulamentares - como um piso, digamos assim, para efeitos de reconhecimento do mínimo existencial, não impedindo, por conseguinte, o reconhecimento de violação ao mesmo mínimo existencial em patamares superiores, a depender, claro, das particularidades de cada caso: doenças, dificuldades momentâneas, etc.
Nesse contexto, restando evidenciado o comprometimento excessivo da renda da parte autora e a consequente inviabilidade de garantir-lhe o mínimo existencial, mostra-se correta a concessão da tutela de urgência a fim de limitar os descontos mensais incidentes, conforme determinada na decisão recorrida.
Diante do exposto, em decisão monocrática, N
EGO PROVIMENTO
ao recurso.
Intimem-se.
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