Processo nº 1019389-36.2021.8.11.0001
ID: 336088980
Tribunal: TJMT
Órgão: VARA ESP. DE EXECUÇÃO FISCAL ESTADUAL DE CUIABÁ
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 1019389-36.2021.8.11.0001
Data de Disponibilização:
28/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
WALDEX MOREIRA DE MATTOS REGISTRADO(A) CIVILMENTE COMO WALDEX MOREIRA DE MATTOS
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO CORREGEDORIA GERAL DE JUSTIÇA NÚCLEO DE ATUAÇÃO ESTRATÉGICA - NAE Processo: 1019389-36.2021.8.11.0001. SENTENÇA Trata-se de ação declaratória de negativa de pro…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO CORREGEDORIA GERAL DE JUSTIÇA NÚCLEO DE ATUAÇÃO ESTRATÉGICA - NAE Processo: 1019389-36.2021.8.11.0001. SENTENÇA Trata-se de ação declaratória de negativa de propriedade, cumulada com anulatória de débitos fiscais, pedido de tutela provisória de urgência e indenização por danos morais, proposta por Iverley Figueiredo de Campos em face do Departamento Estadual de Trânsito de Mato Grosso – Detran/MT e do Estado de Mato Grosso, por meio da qual se busca o reconhecimento da inexistência de vínculo de propriedade em relação aos veículos indicados, bem como a declaração de inexigibilidade dos débitos fiscais indevidamente imputados ao autor, com o objetivo de desonerá-lo de quaisquer encargos tributários e multas incidentes sobre referidos bens. Requer-se, ainda, a condenação dos réus ao pagamento de indenização por danos morais no montante de R$ 14.000,00 (quatorze mil reais). O Autor sustenta em síntese, ter sido indevidamente inscrito na Dívida Ativa e protestado por débitos de IPVA relativos a três veículos vendidos e transferidos a terceiros ainda em 2019. Sustenta que os fatos geradores dos tributos ocorreram em 2020 e 2021, quando já não era mais proprietário, conforme comprovantes do DETRAN/MT. Aponta falha na integração entre SEFAZ/MT e DETRAN/MT, que resultou em protestos e negativação nos cadastros de inadimplentes, gerando prejuízos financeiros e morais, sobretudo por depender de crédito para sua atividade comercial. Defende que a responsabilidade pelo IPVA recai sobre o adquirente, com base na tradição do bem, na legislação aplicável e na jurisprudência pacificada. Requer tutela antecipada para a concessão do benefício da justiça gratuita, suspensão dos débitos e das restrições, declaração de inexistência de propriedade e inexigibilidade dos tributos, inversão do ônus da prova, regularização cadastral junto aos órgãos competentes e indenização por danos morais no valor de R$ 14.000,00. Em Id. 56271607, foi determinada a remessa dos autos à Vara Especializada de Execução Fiscal de Cuiabá, nos termos do art. 2º da Resolução 023/2013/TP. Em Id. 56532701, foi determinada a intimação do Requerente para, no prazo de 30 dias, comprovar sua hipossuficiência econômica com documentos hábeis ou recolher as custas processuais, sob pena de indeferimento da petição inicial, nos termos do art. 321, parágrafo único, do CPC. Em cumprimento à decisão de Id. 56532701, o Requerente apresentou emenda à petição inicial, acompanhada da guia de recolhimento e do comprovante de pagamento das custas processuais, nos termos do art. 321 do CPC (Id. 57079794). Em manifestação posterior (Id. 67033651), o Requerente informou que as CDA’s foram canceladas e não mais constam em dívida ativa, conforme certidão emitida pela SEFAZ/MT e PGE/MT. Contudo, relatou que seu nome permanece inscrito no SERASA e protestado no 2º Serviço Notarial de Várzea Grande/MT, em razão de três títulos ainda vinculados à PGE/MT, reiterando o pedido de tutela antecipada para exclusão de tais registros, bem como o pleito de indenização por danos morais no valor de R$ 12.000,00. Requereu, ainda, o julgamento procedente dos pedidos e a adoção de celeridade processual. Em Id. 66504791, o Juízo recebeu a emenda à inicial e deferiu parcialmente o pedido de tutela de urgência, reconhecendo a probabilidade do direito e o perigo de dano diante da comprovação de que os veículos mencionados já estavam registrados em nome de terceiros à época dos fatos geradores dos tributos. Determinou a suspensão da exigibilidade das CDA’s nº 2021105811, 20193301125, 2021209056 e 2021107123, bem como do protesto referente à CDA nº 20193301125, até ulterior deliberação. Determinou, ainda, a citação dos Réus para apresentação de contestação. O DETRAN/MT apresentou contestação (Id. 73931540), suscitando, preliminarmente, ausência de poderes para transação por parte de seus procuradores e ilegitimidade passiva, ao argumento de que não possui competência para lançamento, cobrança ou cancelamento de débitos tributários, os quais seriam de responsabilidade exclusiva da SEFAZ/MT e da PGE/MT. No mérito, alegou ausência de nexo causal e inexistência de ato ilícito por parte da Autarquia, sustentando que os dados cadastrais dos veículos foram corretamente lançados e que não há comprovação de conduta culposa ou dano indenizável. Requereu o acolhimento das preliminares para extinção do feito sem julgamento do mérito, a exclusão do DETRAN/MT do polo passivo e, subsidiariamente, a improcedência dos pedidos. Em impugnação à contestação apresentada o Autor, reitera que os veículos foram vendidos e transferidos antes do fato gerador dos tributos (01/01/2020), e que a omissão do órgão em atualizar os dados levou à cobrança indevida, inscrição em dívida ativa e protesto em seu nome. Alegou nexo causal entre a falha administrativa e os danos sofridos, defendendo a legitimidade do DETRAN/MT no polo passivo. Requereu a rejeição da contestação por ausência de impugnação específica, a procedência dos pedidos iniciais, a condenação por danos morais e o arbitramento de honorários (Id. 76563813). O Estado de Mato Grosso apresentou contestação, alegando preliminarmente a perda do objeto, diante do cancelamento das CDA’s e baixa do protesto, sustentando ausência de interesse processual. Subsidiariamente, requereu homologação do reconhecimento jurídico do pedido. No mérito, defendeu a improcedência do dano moral por ausência de prova do abalo e, caso superado, pediu fixação do valor em patamar razoável, considerando a boa-fé estatal e o histórico de negativações do Autor (Id. 77686286). Em Id. 79353164, foi juntado aos autos o Ofício nº 139/2022, emitido pelo 2º Serviço Notarial e Registral da Comarca de Várzea Grande/MT, informando que a CDA nº 20193301125 foi cancelada pela parte credora em 21/02/2022. Em Id. 79908418, a parte autora apresentou impugnação à contestação apresentada pelo Estado de Mato Grosso, sustentando que os veículos relacionados aos débitos já haviam sido transferidos antes dos fatos geradores do IPVA, e que ainda há dois protestos indevidos em seu nome, o que mantém o interesse de agir e afasta a alegada perda de objeto. Rebate a tese de boa-fé da Fazenda Pública, afirmando que os cancelamentos só ocorreram após o ajuizamento da ação. Afirma que a contestação é genérica e atrai confissão ficta quanto aos fatos não impugnados. Defende que o dano moral decorre automaticamente da inscrição indevida e dos protestos, os quais lhe causaram prejuízos comerciais. Reforça que o valor pleiteado é proporcional aos danos sofridos. Ao final, requer a rejeição da contestação, a procedência da ação, o cancelamento dos protestos restantes sem custos ao Autor, e a condenação dos Réus ao pagamento de danos morais, custas e honorários. As partes foram intimadas para manifestação sobre provas (Id. 154078994) e ambas informaram não haver interesse na produção de novas provas, sendo o pedido da parte ré protocolado no Id. 155893258 e o da parte autora no Id. 157186233. Vieram os autos conclusos. É o relatório. Decido. Conforme relatado, trata-se de ação declaratória de negativa de propriedade, cumulada com pedido de anulação de débitos fiscais e indenização por danos morais, ajuizada por Iverley Figueiredo de Campos em face do Departamento Estadual de Trânsito de Mato Grosso – DETRAN/MT e do Estado de Mato Grosso, por meio da qual o autor pretende o reconhecimento da inexistência de vínculo de propriedade em relação a três veículos automotores, a consequente inexigibilidade dos débitos de IPVA neles lançados e a reparação pelos prejuízos decorrentes de protestos e inscrições indevidas em cadastros restritivos de crédito. A controvérsia gira em torno da legitimidade das Certidões de Dívida Ativa nº 2021105811, 20193301125, 2021209056 e 2021107123, emitidas com base em fatos geradores ocorridos nos exercícios de 2019, 2020 e 2021, quando, segundo afirma o autor, os veículos já haviam sido regularmente alienados e transferidos a terceiros, constando inclusive nos sistemas do DETRAN/MT como pertencentes a novos proprietários à época dos lançamentos tributários. Sustenta-se, ainda, que a ausência de integração sistêmica entre a SEFAZ/MT, a PGE/MT e o DETRAN/MT teria ensejado a manutenção indevida dos débitos em nome do autor, gerando não apenas obrigações tributárias indevidas, mas também constrições creditícias que impactaram diretamente sua atividade econômica. Desde logo, verifico que o feito comporta julgamento antecipado do mérito, nos termos do art. 355, inciso I, do CPC, diante da desnecessidade de produção de novas provas. Art. 355, I, do Código de Processo Civil: “O juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando: I – não houver necessidade de produção de outras provas.” A instrução documental constante dos autos mostra-se suficiente ao deslinde da controvérsia. Além disso, o julgamento antecipado, quando devidamente fundamentado, não configura cerceamento de defesa, conforme orientação pacífica do Superior Tribunal de Justiça: “AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO CONFIGURADO. SÚMULA Nº 7/STJ. 1. Não configura cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide, devidamente fundamentado, sem a produção das provas tidas por desnecessárias pelo juízo, uma vez que cabe ao magistrado dirigir a instrução e deferir a produção probatória que considerar necessária à formação do seu convencimento. 2. Rever o acórdão que afastou o cerceamento de defesa implicaria o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que é vedado pela Súmula nº 7/STJ. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ - AgRg no AREsp 636.461/SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, j. 03/03/2015, DJe 10/03/2015) Postas essas premissas fáticas e jurídicas, passo à análise das preliminares suscitadas pelas partes, para, em seguida, adentrar no exame do mérito propriamente dito. PRELIMINAR DE ILEGETIMIDADE PASSIVA O DETRAN/MT, em contestação, argui sua ilegitimidade passiva ad causam, ao argumento de que não possui competência para lançamento, inscrição ou cancelamento de débitos tributários, tratando-se de função atribuída exclusivamente à SEFAZ/MT e à PGE/MT. Sustenta, ademais, que sua atuação restringe-se ao registro da situação dos veículos e que não praticou qualquer conduta que justifique sua permanência no polo passivo. Não lhe assiste razão. Embora o lançamento e a inscrição em dívida ativa sejam atribuições da Secretaria da Fazenda e da Procuradoria Geral do Estado, é fato incontroverso que a origem dos lançamentos em questão está diretamente vinculada aos registros cadastrais do DETRAN/MT, cuja função não é meramente cartorária, mas integra o sistema de controle fiscal do IPVA no Estado, conforme disciplina o art. 13, §2º, do Decreto Estadual nº 1.977/2000. Veja-se: “Art. 13 É pessoalmente responsável pelo pagamento do imposto o adquirente ou o remitente do veículo, em relação a fato gerador anterior ao tempo de sua aquisição. [...] § 2° Nos casos em que houver a regular comunicação de venda veicular junto ao DETRAN/MT e uma vez efetuado o lançamento da comunicação de venda no sistema estadual de veículos, a Secretaria de Estado de Fazenda poderá responsabilizar o adquirente pelo pagamento do imposto devido, independentemente da efetiva ocorrência da transferência de propriedade no documento do veículo. (Nova redação dada pelo Dec. 824/2021)” Esse dispositivo demonstra que a responsabilização correta do sujeito passivo do IPVA depende diretamente do lançamento da informação de venda no sistema estadual de veículos, o qual é alimentado pelo DETRAN/MT. Ou seja, ainda que a formalização da transferência documental não tenha ocorrido, o Fisco pode – e deve – responsabilizar o adquirente, desde que o DETRAN tenha recebido e registrado a comunicação de venda. Ademais, o próprio Código de Trânsito Brasileiro, em seu art. 134, reforça essa relação funcional entre o dever do antigo proprietário de comunicar a venda e o dever do órgão de trânsito de registrar esse dado de forma efetiva. Confira-se: “Art. 134 - No caso de transferência de propriedade, expirado o prazo previsto no § 1º do art. 123 deste Código sem que o novo proprietário tenha tomado as providências necessárias à efetivação da expedição do novo Certificado de Registro de Veículo, o antigo proprietário deverá encaminhar ao órgão executivo de trânsito do Estado ou do Distrito Federal, no prazo de 60 (sessenta) dias, cópia autenticada do comprovante de transferência de propriedade, devidamente assinado e datado, sob pena de ter que se responsabilizar solidariamente pelas penalidades impostas e suas reincidências até a data da comunicação.” Conforme se extrai dos autos, a comunicação de venda e a formalização da transferência dos veículos foram regularmente realizadas pelo autor ainda em 2019, dentro do prazo legal, mediante apresentação da documentação exigida. Caberia, pois, ao DETRAN/MT assegurar a correta atualização dos registros, sem a qual o sistema tributário estadual perpetua a cobrança de débitos contra quem já não detinha a propriedade ou a posse do bem. Nesse contexto, a omissão no dever de lançar corretamente a comunicação de venda no sistema estadual de veículos, ou a inconsistência no repasse dessas informações ao Fisco, possui nexo direto com os lançamentos indevidos ora questionados. Por consequência, revela-se legítima a presença da autarquia no polo passivo da demanda, ao menos para fins de esclarecimento da cadeia de atos administrativos e eventual responsabilidade subsidiária. Além disso, a jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça de Mato Grosso reconhece expressamente a legitimidade passiva do DETRAN em situações análogas, em que a indevida manutenção de registros veiculares resultou em inscrição em dívida ativa e protesto, ainda que a cobrança tributária seja de competência da Fazenda Pública. Confira-se: “RECURSO INOMINADO. INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA. PROTESTO. VEÍCULO FURTADO . COBRANÇA DE LICENCIAMENTO. DISCUSSÃO ACERCA DA LEGITIMIDADE PASSIVA DO DETRAN. PARTE LEGÍTIMA. CAUSA MADURA . APLICAÇÃO DO ARTIGO 1.013, § 3º, I, CPC. COBRANÇA INDEVIDA. COMUNICAÇÃO DO FURTO AO ENTE RESPONSÁVEL . DECLARAÇÃO DE INEXIGIBILIDADE DO DÉBITO. DANO MORAL CONFIGURADO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Constatando que se encontra em condições de imediato julgamento, deve ser o feito julgado nos termos do artigo 1 .013, § 4º do Código de Processo Civil. Se o presente feito discute, exclusivamente, a inscrição em dívida ativa referente a licenciamento de veículo furtado, é legítimo para figurar no polo passivo o DETRAN. Uma vez comprovada à perda da propriedade do veículo, em decorrência de furto, o imposto e taxas não são mais exigíveis desde a data do fato. A autora ajuizou ação distinta questionando a incidência do IPVA, que foi declarado inexigível, de modo que, também deve ser isento das demais taxas . O protesto indevido do nome da autora configura falha na prestação de serviço e enseja no dever de indenizar a título de dano moral. Recurso parcialmente provido. (TJ-MT - RECURSO INOMINADO: 1005386-02.2023 .8.11.0003, Relator.: VALMIR ALAERCIO DOS SANTOS, Data de Julgamento: 19/04/2024, Terceira Turma Recursal, Data de Publicação: 22/04/2024)” Por tais razões, afasto a preliminar de ilegitimidade passiva arguida pelo DETRAN/MT. PRELIMINAR DE PERDA DO OBJETO E AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR O Estado de Mato Grosso suscita preliminar de perda superveniente do objeto, ao argumento de que parte das Certidões de Dívida Ativa questionadas foi cancelada administrativamente, com a correspondente baixa de protestos, o que, segundo alega, esvaziaria a controvérsia e afastaria o interesse de agir do autor. A tese, contudo, não se sustenta. Embora os autos demonstrem que houve o cancelamento de parte das CDA’s após o ajuizamento da demanda, tal circunstância não afasta a utilidade do provimento jurisdicional, tampouco suprime a necessidade da tutela pleiteada. Subsistem registros de restrição creditícia e protestos vinculados aos débitos objeto da ação, como consta expressamente do relatório emitido pelo SPC, acostado em Id. 79908422, e dos documentos cartorários acostados, os quais não foram integralmente anulados, mantendo-se ativos à época da última manifestação da parte autora. Ademais, há pretensão declaratória autônoma, voltada ao reconhecimento judicial da inexistência de relação jurídico-tributária entre o autor e os débitos questionados, a qual possui efeitos permanentes e independentes da atuação posterior da Administração. Soma-se a isso o pedido de reparação por danos morais, que se refere a eventos anteriores ao suposto reconhecimento administrativo e aos prejuízos efetivamente suportados pelo autor em decorrência das inscrições indevidas, não elididos pelo simples cancelamento posterior das CDA’s. Ressalta-se, ainda, que o ajuizamento da ação foi determinante para que a Administração procedesse à revisão dos lançamentos, não havendo nos autos qualquer indicativo de que o reconhecimento da improcedência das cobranças tenha ocorrido de forma espontânea. Ao contrário, a atuação judicial revelou-se instrumental para a retificação parcial das ilegalidades, de modo que o interesse de agir permanece presente. Rejeita-se, assim, a preliminar de perda de objeto e ausência de interesse processual. Estabelecidas tais premissas, passo à análise da controvérsia de fundo. MÉRITO A controvérsia posta nos autos cinge-se à existência ou não de relação jurídico-tributária entre o autor e os débitos constantes das Certidões de Dívida Ativa nº 2021105811, 2021107123, 20193301125 e 2021209056, todas originadas da suposta inadimplência do IPVA referente aos veículos Renault Clio de placas OBJ-9623, Ford Ka de placas QBB-5213 e Fiat Palio Weekend de placas QBF-9868. O autor alega que os débitos foram lançados indevidamente, pois os veículos já haviam sido vendidos e transferidos a terceiros, constando como registrados em nome de novos proprietários nos sistemas do DETRAN/MT desde o exercício anterior ao da ocorrência dos fatos geradores. A tese encontra amparo nos documentos juntados aos autos. Em relação ao Renault Clio de placa OBJ-9623, os documentos constantes no Id. 73932944 demonstram que a comunicação de venda foi realizada em 07/11/2019, tendo o Certificado de Registro de Veículo (CRV) sido emitido em nome do terceiro adquirente ainda em 18/11/2019 (Id. 55811883). No caso do Ford Ka, placas QBB-5213, conforme Id. 73932945, a alienação ocorreu em 19/07/2019, com emissão do novo CRV em nome do adquirente datada de 20/09/2019 (Id. 55812163). Por fim, quanto ao Fiat Palio Weekend de placas QBF-9868, os dados do histórico veicular colacionados no Id. 73932946 apontam que a venda ocorreu em 25/01/2019, com emissão do CRV no nome do terceiro adquirente em 11/06/2019(Id. 55812150). Tais datas assumem caráter determinante, na medida em que, nos termos dos artigos 2º e 3º, inciso I, da Lei Estadual nº 7.301/2000, o fato gerador do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA – consuma-se na data da primeira aquisição do veículo novo pelo consumidor final. Veja-se: “Art. 2º O Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) incide anualmente sobre a propriedade de veículo automotor de qualquer espécie sujeito a registro, matrícula ou licenciamento neste Estado. (Nova redação dada ao art. pela Lei 11.306/2021) Art. 3º Ocorre o fato gerador do imposto: I - na data da primeira aquisição do veículo novo por consumidor final;” Já o art. 134 do Código de Trânsito Brasileiro estabelece que: “Art. 134. No caso de transferência de propriedade, expirado o prazo previsto no § 1º do art. 123 deste Código sem que o novo proprietário tenha tomado as providências necessárias à efetivação da expedição do novo Certificado de Registro de Veículo, o antigo proprietário deverá encaminhar ao órgão executivo de trânsito do Estado ou do Distrito Federal, no prazo de 60 (sessenta) dias, cópia autenticada do comprovante de transferência de propriedade, devidamente assinado e datado, sob pena de ter que se responsabilizar solidariamente pelas penalidades impostas e suas reincidências até a data da comunicação. (Redação dada pela Lei nº 14.071, de 2020) (Vigência)” Comprovada a comunicação tempestiva e a emissão dos novos CRVs antes de 1º de janeiro dos exercícios em que os tributos foram lançados, não remanesce qualquer responsabilidade do autor, tampouco vínculo jurídico com os fatos geradores em debate. Conforme também previsto no §2º do art. 13 do Decreto Estadual nº 1.977/2000, com redação dada pelo Decreto nº 824/2021: “Art. 13 É pessoalmente responsável pelo pagamento do imposto o adquirente ou o remitente do veículo, em relação a fato gerador anterior ao tempo de sua aquisição. [..] § 2° Nos casos em que houver a regular comunicação de venda veicular junto ao DETRAN/MT e uma vez efetuado o lançamento da comunicação de venda no sistema estadual de veículos, a Secretaria de Estado de Fazenda poderá responsabilizar o adquirente pelo pagamento do imposto devido, independentemente da efetiva ocorrência da transferência de propriedade no documento do veículo. (Nova redação dada pelo Dec. 824/2021)” Verifica-se, portanto, que o lançamento fiscal dos débitos em nome do autor ocorreu em manifesta desconformidade com os dados cadastrais dos veículos e com a legislação estadual, que permite – e impõe – a responsabilização do adquirente quando a comunicação for devidamente formalizada. A falha na integração sistêmica entre o DETRAN/MT e a SEFAZ/MT, portanto, não pode ser imputada ao contribuinte, tampouco servir de fundamento à constituição de crédito tributário indevido. Aliás, a própria Fazenda Pública reconheceu a irregularidade dos lançamentos, tendo procedido ao cancelamento das Certidões de Dívida Ativa e à baixa dos protestos relativos aos veículos de placas OBJ9623, QBF9868 e QBB5213. Tal medida evidencia que a pretensão do autor era legítima desde a origem, e que os débitos jamais deveriam ter sido constituídos em seu nome. A manutenção dos débitos, ainda que parcialmente cancelados após o ajuizamento da presente ação, gerou consequências concretas ao autor, com destaque para sua inscrição indevida nos cadastros de inadimplência e o protesto extrajudicial de títulos nulos. Os danos ultrapassam o mero aborrecimento cotidiano e consistem em restrições creditícias objetivamente verificáveis, que impactam a vida negocial do contribuinte, que atua no comércio e na revenda de veículos. Pois bem. Quanto ao pedido de indenização por danos morais, verifica-se que restou configurada falha na prestação do serviço público, nos termos do art. 37, §6º, da Constituição Federal, que estabelece: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) [...] § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.” O autor comprovou que os veículos em questão foram devidamente alienados e transferidos a terceiros no ano de 2019, com comunicação regular ao órgão de trânsito competente, o que foi inclusive reconhecido nos autos por meio do deferimento parcial da tutela de urgência e, posteriormente, pelo próprio Estado ao cancelar os lançamentos e protestos indevidos. Não obstante tal reconhecimento, os registros restritivos e os protestos foram mantidos por período significativo, ensejando abalo à esfera extrapatrimonial do autor, que, conforme narrado e não impugnado de modo específico, teve seu nome negativado em cadastros de inadimplentes, sofrendo restrições de crédito e prejuízos à sua atividade comercial. O protesto indevido de título, notadamente de certidão de dívida ativa, constitui hipótese de dano in re ipsa, ou seja, prescinde de demonstração de prejuízo concreto, bastando a prova do ato ilícito e do nexo de causalidade para que se reconheça o direito à indenização. Esse entendimento encontra respaldo na jurisprudência consolidada do TJMT, conforme se vê do seguinte precedente: “DIREITO ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. PROTESTO INDEVIDO DE CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA (CDA). FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO CONFIGURADA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. DANO IN RE IPSA. FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. ADOÇÃO DO MÉTODO BIFÁSICO. RECURSO NÃO PROVIDO. I. Caso em exame: 1. Apelação interposta pelo Estado de Mato Grosso e pelo Departamento de Trânsito do Estado de Mato Grosso (DETRAN/MT) contra sentença que homologou o reconhecimento do pedido autoral, declarou a inexistência de relação jurídica tributária relativa ao IPVA de veículo transferido a terceiro e condenou os apelantes ao pagamento de indenização por danos morais. II. Questão em discussão: 2. A questão em discussão consiste em verificar a responsabilidade pela inclusão indevida do nome do autor em dívida ativa, mesmo após a devida comunicação de transferência do veículo ao órgão de trânsito competente. III. Razões de decidir: 3. Restou demonstrado que a transferência do veículo foi comunicada regularmente ao DETRAN/MT, configurando falha na prestação do serviço público ao inscrever o nome do autor na dívida ativa. 4. A falha na prestação do serviço consistente no protesto indevido de certidão de dívida ativa dispensa a prova do dano moral, por se cuidar de dano in re ipsa. 5. “O STJ entende que a fixação de indenização por danos morais pelo método bifásico atende às exigências de um arbitramento equitativo da indenização, minimizando eventual arbitrariedade ao se adotar critérios unicamente subjetivos do julgador, além de afastar eventual tarifação do dano moral. Precedentes.” (STJ – AgInt no REsp 1798479/DF, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 18.12.2023, DJe 20.12.2023). 6. A fixação do quantum indenizatório respeitou os critérios de razoabilidade e proporcionalidade, não havendo motivo para sua alteração. IV. Dispositivo e tese: 7. Recurso não provido. Tese de julgamento: “A inscrição indevida em dívida ativa por falha na prestação do serviço público configura ato ilícito ensejador de reparação por dano moral, sendo suficiente a demonstração do ato irregular, do dano e do nexo causal para a responsabilidade objetiva da Administração Pública.” ______________ Dispositivos relevantes citados: CF, art. 37, §6º; CPC, arts. 85, §11, e 487, I e III, a. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp n. 1.059.663/MS, Rela. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 02.12.2008, DJe de 17.12.2008; TJMT, apelação cível n. 1011166-96.2018.8.11.0002, Rela. Desa. Maria Aparecida Ribeiro, Terceira Câmara de Direito Público e Coletivo, j. 18.9.2024, DJe de 26.9.2024; TJMT, apelação cível n. 1001412-36.2018.8.11.0001, Rel. Des. Mario Roberto Kono de Oliveira, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, j. 04.4.2023, DJe de 14.4.2023. (N.U 1043886-62.2019.8.11.0041, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, RODRIGO ROBERTO CURVO, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 17/02/2025, Publicado no DJE 17/02/2025)[g.n.]” “DIREITO ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PROTESTO INDEVIDO DE CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA. DANO IN RE IPSA. MANUTENÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. RECURSO NÃO PROVIDO. I. Caso em exame: 1.Apelação cível interposta pela Fazenda Pública contra sentença que determinou o cancelamento do protesto de certidão de dívida ativa e condenou ao pagamento de indenização por danos morais. II. Questão em discussão: 2.A questão em discussão consiste em saber se: (i) o protesto indevido de certidão de dívida ativa enseja a indenização por danos morais; e (ii) se o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) fixado a título de indenização por danos morais é excessivo, considerando os precedentes da Corte em casos similares, justificando sua redução. III. Razões de decidir: 3.O protesto indevido de dívida constitui dano moral presumido (in re ipsa), dispensando acomprovação de violação à intimidade, à honra e à imagem da vítima. 4.A aplicação do método bifásico, conforme orientação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), permite a fixação equitativa da indenização, considerando-se os precedentes e as circunstâncias do caso concreto. O valor do dano moral fixado em R$ 10.000,00 (dez mil reais) atende aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. IV. Dispositivo e tese: 5.Recurso não provido. Tese de julgamento: “1. O protesto indevido de certidão de dívida ativa constitui dano in re ipsa. 2.O valor da indenização por danos morais deve ser fixado de forma proporcional e razoável, considerando as circunstâncias do caso e os precedentes.” ________________________________ Dispositivos relevantes citados: Nenhum dispositivo foi citado explicitamente. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1152541/RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, j. 13.9.2011; TJMT, N.U 1001924-50.2017.8.11.0002, Rela. Desa. Serly Marcondes Alves, Quarta Câmara de Direito Privado, j. 26.6.2024; TJMT, N.U 1007199-50.2023.8.11.0040, Rel. Des. Mário Roberto Kono de Oliveira, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, j. 21.5.2024; TJMT, N.U 1031396-94.2020.8.11.0001, Rel. Des. Márcio Vidal, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, j. em 13.2.2023. (N.U 1045347-19.2024.8.11.0001, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, RODRIGO ROBERTO CURVO, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 10/12/2024, Publicado no DJE 10/12/2024)[g.n.]” Assim, à luz da responsabilidade objetiva do Estado e da configuração de dano moral presumido em razão da inscrição e protesto indevido, reputa-se devida a reparação por danos morais. No tocante ao valor da indenização, afigura-se adequado o montante de R$ 8.000,00 (oito mil reais), haja vista a extensão do dano, a natureza da violação e a capacidade econômica das partes envolvidas. Embora o protesto indevido de certidão de dívida ativa configure violação à honra e à credibilidade do cidadão perante o mercado, nos termos já delineados, a repercussão do abalo extrapatrimonial, no caso concreto, não se mostrou de especial gravidade, tampouco resultou em consequências irreversíveis à vida profissional ou pessoal do autor. Portanto, reduzo a indenização por danos morais para o valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais), quantia que atende aos critérios legais e jurisprudenciais vigentes. DISPOSITIVO Ante o exposto, com fundamento no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos para declarar a inexistência de vínculo de propriedade entre o autor e os veículos de placas OBJ-9623, QBF-9868 e QBB-5213, reconhecendo a inexigibilidade dos respectivos débitos de IPVA e encargos correlatos. Determino, por conseguinte, a baixa definitiva de quaisquer protestos ou restrições creditícias oriundas das certidões de dívida ativa indevidamente lavradas, incumbindo aos réus, no prazo de 10 (dez) dias, a adoção das medidas administrativas necessárias junto aos órgãos de registro e proteção ao crédito. Condeno solidariamente o DETRAN/MT e o Estado de Mato Grosso ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais), valor este que deverá ser atualizado exclusivamente pela taxa SELIC, desde o evento danoso, nos termos do art. 3º da Emenda Constitucional nº 113/2021. Condeno, ainda, os réus ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, na forma do art. 85, §§ 2º e 11, do Código de Processo Civil. Em caso de interposição de recurso, intime-se a parte adversa para, querendo, apresentar contrarrazões e, na sequência, remetam-se os autos ao Egrégio Tribunal de Justiça. Transitado em julgado, certifique-se e arquivem-se os autos com as baixas de estilo. Publique-se. Intime-se. Cumpra-se. (datado e assinado digitalmente) PORTARIA CGJ N. 7/2025-GAB-CGJ, DE 15 DE JANEIRO DE 2025
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