Itau Unibanco S.A. x Volmir Silva Gambarra
ID: 312577522
Tribunal: TJRS
Órgão: Secretaria da 18ª Câmara Cível
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº Processo: 5151823-52.2025.8.21.7000
Data de Disponibilização:
01/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
NATALIA PERONI LEONARDELI
OAB/SP XXXXXX
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JULIANO RICARDO SCHMITT
OAB/SC XXXXXX
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Agravo de Instrumento Nº 5151823-52.2025.8.21.7000/RS
TIPO DE AÇÃO:
Superendividamento
RELATOR
: Desembargador ANDRE GUIDI COLOSSI
AGRAVANTE
: ITAU UNIBANCO S.A.
ADVOGADO(A)
: JULIANO RICARDO SCHMIT…
Agravo de Instrumento Nº 5151823-52.2025.8.21.7000/RS
TIPO DE AÇÃO:
Superendividamento
RELATOR
: Desembargador ANDRE GUIDI COLOSSI
AGRAVANTE
: ITAU UNIBANCO S.A.
ADVOGADO(A)
: JULIANO RICARDO SCHMITT (OAB SC020875)
AGRAVADO
: VOLMIR SILVA GAMBARRA
ADVOGADO(A)
: NATALIA PERONI LEONARDELI (OAB SP497604)
EMENTA
DIREITO DO CONSUMIDOR. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. SUPERENDIVIDAMENTO. LIMITAÇÃO DE DESCONTOS. TUTELA DE URGÊNCIA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO. DECISÃO MONOCRÁTICA.
I. CASO EM EXAME:
1. Agravo de instrumento interposto por instituição financeira contra decisão que deferiu parcialmente a tutela de urgência para limitar os descontos relativos a empréstimos consignados e não consignados ao percentual máximo de 35% dos proventos do autor, com acréscimo de 5% para dívidas de cartão de crédito, dividindo-se o percentual entre todos os credores até a elaboração do plano de pagamento.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO:
1. Há quatro questões em discussão: (i) não foram preenchidos os requisitos para a concessão da tutela de urgência; (ii) que o meio de efetivação da tutela é a expedição de ofício aos órgãos de proteção ao crédito; (iii) a revogação da multa ou, de forma subsidiária (iv) a redução do valor fixado a título de multa pelo descumprimento da ordem judicial.
III. RAZÕES DE DECIDIR:
1. Recurso não conhecido quanto ao tópico "que o meio de efetivação da tutela é a expedição de ofício aos órgãos de proteção ao crédito", por ausência de dialeticidade recursal.
2. A decisão agravada está em conformidade com a Lei nº 14.181/2021, que visa proteger o consumidor superendividado, garantindo o mínimo existencial e a dignidade da pessoa humana. A limitação dos descontos a 35% dos rendimentos líquidos, com acréscimo de 5% para dívidas de cartão de crédito, é medida necessária para assegurar a subsistência do consumidor.
3. A multa cominatória de R$ 500,00 por desconto indevido é proporcional e adequada, visando compelir o cumprimento da decisão judicial sem gerar enriquecimento ilícito, não comportando seu afastamento ou minoração.
IV. DISPOSITIVO E TESE:
1. Recurso parcialmente conhecido e, na parte conhecida, desprovido em decisão monocrática.
Tese de julgamento:
1. A limitação de descontos a 35% dos rendimentos líquidos, com acréscimo de 5% para dívidas de cartão de crédito, é aplicável às obrigações financeiras que comprometam a subsistência do consumidor superendividado, abrangendo descontos automáticos em conta-corrente.
___________
Dispositivos relevantes citados:
CPC, arts. 300, 537 e 932, VIII; Lei nº 10.820/2003; Lei nº 14.181/2021. Art. 206, XXXVI do Regimento Interno TJRS.
Jurisprudência relevante citada:
Apelação Cível, Nº 50055354620208210070, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dulce Ana Gomes Oppitz, Julgado em: 07-11-2024; Agravo de Instrumento, Nº 53445082320248217000, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roberto José Ludwig, Julgado em: 25-11-2024; Agravo de Instrumento, Nº 52789259120248217000, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carla Patricia Boschetti Marcon, Julgado em: 13-11-2024; Agravo de Instrumento, Nº 53258582520248217000, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carmem Maria Azambuja Farias, Julgado em: 08-11-2024; Agravo de Instrumento, Nº 50305166820248217000, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carmem Maria Azambuja Farias, Julgado em: 09-02-2024; Agravo de Instrumento, Nº 53528554520248217000, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carmem Maria Azambuja Farias, Julgado em: 29-11-2024; Agravo de Instrumento, Nº 53660648120248217000, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eugênio Couto Terra, Julgado em: 30-12-2024; Agravo de Instrumento, Nº 53660648120248217000, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eugênio Couto Terra, Julgado em: 30-12-2024; Agravo de Instrumento, Nº 53390035120248217000, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vivian Cristina Angonese Spengler, Julgado em: 12-12-2024; Agravo de Instrumento, Nº 53122656020238217000, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fernando Antônio Jardim Porto, Julgado em: 09-12-2024.
DECISÃO MONOCRÁTICA
Trata-se de recurso de agravo de instrumento interposto por ITAU UNIBANCO S.A. em face da decisão
evento 14, DESPADEC1
que, nos autos da ação de repactuação de dívidas (superendividamento) movida por
VOLMIR SILVA GAMBARRA
, deferiu parcialmente a tutela de urgência para limitar
os descontos relativos a todos os empréstimos consignados com desconto em folha de pagamento e empréstimos não consignados com débito automático na conta-corrente da parte autora ao percentual máximo de 35% dos proventos desta (abatidos os valores da previdência, IRPF e pensão alimentícia), percentual que pode ser acrescido de 5%, em se tratando de dívida de cartão de crédito cujo pagamento decorre de débito em conta; dividindo-se o percentual de forma igualitária entre todos os credores demandados até elaboração do plano de pagamento ao final do processo
.
Por oportuno transcrevo a decisão recorrida:
(...)
DA TUTELA DE URGÊNCIA
Consoante determina a Lei 14.181/21, a audiência de conciliação é fase obrigatória, nos termos do artigo 104-A, tratando-se do primeiro ato a ser realizado.
Nada impede
, todavia, que o pedido de tutela de urgência possa ser apreciado tão logo distribuída a ação, até porque, a fase consensual é requisito para a fase de mérito, e não para a fase de cognição sumária.
Nesse sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. SUPERENDIVIDAMENTO. DECISÃO QUE DEFERIU A LIMITAÇÃO DE DESCONTOS EM TUTELA DE URGÊNCIA. PRELIMINAR DE NULIDADE DA DECISÃO POR VIOLAÇÃO AO ART. 489, §1º, III, DO CPC: A decisão agravada apresenta fundamentos que são coerentes e se conectam diretamente com o caso concreto, observando suas particularidades, de modo que não há nulidade a ser reconhecida. POSSIBILIDADE DO DEFERIMENTO DA TUTELA ANTES DA AUDIÊNCIA CONCILIATÓRIA: Uma vez instaurado o processo, não há obstáculo legal ao deferimento da tutelas antecipatória que, no caso concreto, se deu como meio de assegurar a perfeita eficácia da função jurisdicional e a proteção do consumidor em situação de superendividamento (...). AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 50725947720248217000, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roberto José Ludwig, Julgado em: 18-03-2024)
Na lição de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero:
"(...) Toda e qualquer providência capaz de alcançar um resultado prático à parte pode ser antecipada. Vale dizer: o pedido de tutela de urgência - satisfativa ou cautelar - não está limitado à proteção de apenas determinadas situações substanciais. A atipicidade da tutela de urgência, como da tutela jurisdicional geral, está ligada à necessidade de se oferecer uma cobertura o mais completa possível às situações substanciais carentes de proteção (...)".11
Outrossim, incidente o artigo 318 do Código de Processo Civil a autorizar a prestação jurisdicional de cognição sumária no procedimento especial instaurado para tratamento do superendividamento, como forma de
assegurar o resultado útil do processo e a preservação do mínimo existencial
:
Art.318: Aplica-se a todas as causas o procedimento comum, salvo disposição em contrário deste Código ou de lei.
Parágrafo único. O procedimento comum aplica-se subsidiariamente aos demais procedimentos especiais e ao processo de execução.
Assim,
entendo pela possibilidade de análise do pedido de tutela antes da realização da audiência de conciliação
, o que passo a fazer, conforme fundamentação supra:
DO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE - DECRETO 11.567/2023
A leitura do Decreto n. 11.567, de 19 de junho de 2023, confrontou o superprincípio da dignidade da pessoa, cuja função precípua era conferir-lhe unidade material.12 Nessa senda, o princípio da dignidade atua como fundamento à proteção do consumidor superendividado e criador do direito ao mínimo existencial, cuja previsão infraconstitucional foi sedimentada pelo Poder Legislativo na Lei n.14.181/21, que atualizou o Código de Defesa do Consumidor, instalando um microssistema de crédito ao consumo.
Para além da redação do regulamento determinado no Código do Consumidor atualizado, artigo 6
o
, XI, a eficácia horizontal direta dos direitos fundamentais nas relações privadas para a preservação da dignidade da pessoa era avanço doutrinário e jurisprudencial pátrios já reconhecidos, a partir da previsão do art. 5
o
, parágrafo 1
o
da CF/88.13
A respeito da vigência do Decreto em apreço, duas demandas pendem de julgamento no STF, respectivamente, a ADPF 1.005 e a ADPF 1.006, sob o fundamento da inconstitucionalidade do conteúdo, cuja fundamentação encontra coro na doutrina brasileira e Notas Técnicas elaboradas pelo Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor(Brasilcon), firmada pelo seu diretor-presidente (membro do Ministério Público e professor) Fernando Rodrigues Martins, e do Instituto de Defesa Coletiva, de Belo Horizonte, respectivamente publicadas em 27/7/2022 e 29/7/2022. Afinal, a garantia de R$ 600,00 (seiscentos reais) a qualquer família brasileira, sem considerar a situação sócio-econômica e individualizar as necessidades que comportam as despesas básicas de sobrevivência não representa interpretação harmônica com os valores constitucionais.
Além disso, a lei n. 14. 181/2021 padece de conceito de mínimo existencial, que é um termo indeterminado e amplo, sem regulamentação.
Portanto, passo à análise do caso concreto,
sem incidência do Decreto n.11.567/2023, em controle difuso de constitucionalidade.
CASO CONCRETO:
De acordo com os documentos apresentados pela parte demandante (
evento 11, CHEQ2
,
evento 11, EXTRBANC4
,
evento 11, EXTRBANC5
), entendo que o requerimento de tutela de urgência merece acolhimento, pois a
demora no recebimento da citação
e consequente
espera na designação de audiência de conciliação
não pode atuar em prejuízo à parte demandante
.
Além disso, os argumentos expostos pela parte autora (analisados em conjunto com a prova documental) revelam-se coerentes e, em sede de cognição sumária, demonstram a probabilidade do direito afirmado, pois a continuidade dos descontos,
na proporção efetuada atualmente
prejudica a sua própria subsistência, conforme demonstro a seguir:
Dos descontos em folha de pagamento e conta-corrente
Conforme os documentos anexados, observo que a parte demandante contratou empréstimos com modalidade de pagamento mediante desconto direto em folha de pagamento, bem como em conta-corrente (
evento 11, CHEQ2
,
evento 11, EXTRBANC4
,
evento 11, EXTRBANC5
).
A Lei n. 10.820/2003 trouxe o patamar dos
descontos em folha de pagamento ao montante de 35% (trinta e cinco por cento)
. Cabe destacar que, nos termos do Art. 1º, §1º da Lei 10.820/2003, dentre o limite de 35% (trinta e cinco por cento) estipulado para o desconto em folha de pagamento, 5% (cinco por cento) deveriam ser destinados exclusivamente para a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito ou a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito.
Tais limites restaram alterados, acrescendo-se 5% aos percentuais máximos para contratação até então estipulados, consoante a Lei n. 14.131/2021
1
, a qual converteu a Medida Provisória 1.006/2020, autorizando-se, assim,
consignações de até 40%
quando existente contratação de cartão de crédito:
Art. 1º Até 31 de dezembro de 2021, o percentual máximo de consignação nas hipóteses previstas no
inciso VI do
caput do art. 115 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991
, no
§ 1º do art. 1º
e no
§ 5º do art. 6º da Lei nº 10.820, de 17 de dezembro de 2003
, e no
§ 2º do art. 45 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990
, bem como em outras leis que vierem a sucedê-las no tratamento da matéria, será de 40% (quarenta por cento), dos quais 5% (cinco por cento) serão destinados exclusivamente para:
I - amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou
II - utilização com finalidade de saque por meio do cartão de crédito.
DA NÃO INCIDÊNCIA DO TEMA 1085 DO STJ:
Não desconheço que os descontos em conta bancária de titularidade do consumidor decorrem de cláusula contratual pactuada de forma voluntária, tampouco da formação da tese repetitiva n. 1085 pelo Superior Tribunal de Justiça, com reconhecimento da ausência de analogia capaz de limitar o percentual de desconto em conta-corrente preponderando a autonomia da vontade das partes.
Contudo, o suporte fático descrito não apresenta, salvo melhor juízo, identidade de fundamentos com aquele que motivou a formação da tese repetitiva em comento, porquanto evidenciado que a globalidade das obrigações existentes apresentam como pano de fundo o superendividamento do consumidor, comprometendo o mínimo existencial, direito básico tutelado pelo artigo 6
o
, XI e XII, ambos do Código de Defesa do Consumidor, como outrora tivemos a oportunidade de diferenciar:
“A tese repetitiva proferida pelo STJ foi ao encontro da teoria dos contratos, no berço da autonomia da vontade, na
pacta sunt servanda
, aplicando todo o arcabouço de uma relação contratual sadia, celebrada e executada dentro da normalidade, sem patologia ou necessidade especial das partes envolvidas; é o desconto de parcelas de empréstimos bancários comuns em conta-corrente de correntistas/consumidores saudáveis, os quais se encontram em condições de manter o pagamento das suas contas básicas, como luz, água e alimentação.
Situação diametralmente oposta são dos correntistas/consumidores superendividados, que buscam no Poder Judiciário a reorganização dos descontos efetuados tanto no contracheque como na conta-corrente sob o fundamento do excesso de descontos em detrimento da preservação do mínimo existencial. Neste cenário vem demonstrados descontos acima do limite legal e extrato bancário com saldo negativo, pois todo o valor líquido depositado em sua conta-corrente está sendo utilizado para pagamento de empréstimos bancários comuns, juros do cheque especial, seguro, entre outros. Nas hipóteses relatadas, verifica-se a diversidade do suporte fático daquele submetido à apreciação no julgado que ensejou a formação do convencimento na tese repetitiva nº. 1085, uma vez que não se estava diante de consumidor superendividado, sujeito destinatário da norma que introduziu no país a concreção da dignidade da pessoa com a preservação do mínimo existencial. Aliás, insta destacar, mínimo existencial já assegurado na fase da formação do contrato, quando da análise da capacidade de reembolso pelo concedente de crédito, de acordo com a inteligência do artigo 54-D do Código atualizado. Daí a interpretação sobre a necessidade de limitação dos descontos em conta-corrente quando evidenciada situação de superendividamento do consumidor.” (
A repactuação de dívidas do consumidor superendividado e os descontos bancários em conta-corrente, BERTONCELLO, Káren R. D.; RANGEL, Andréia Fernandes de Almeida. Extrato texto encaminhado para publicação no CONJUR, novembro/2022)
Na linha do entendimento que firmo, pertinentes as palavras da respeitável Desembargadora Carmem Maria Azambuja Farias, quando do julgamento do Agravo de Instrumento Nº 5308681-48.2024.8.21.7000/RS, relacionado a caso similar:
A tese do Tema 1.085 do STJ, invocada pelo agravante, refere-se a uma situação jurídica diversa, não aplicável ao caso de superendividamento regulado pela Lei nº 14.181/2021, que possui disposições específicas para proteção do consumidor nesta condição. A decisão agravada observou corretamente que o caso dos autos não se enquadra nos critérios do Tema 1.085, justificando, portanto, a limitação dos descontos de forma abrangente.
Ressalvada a questão sobre os percentuais a serem utilizados como balizadores e não aplicação do Tema 1085 do STJ, saliento que, ainda que respeitados os limites individuais das modalidades acima destacadas,
o conjunto dos descontos ultrapassa 50% da remuneração disponível
.
Daí porque, necessária a limitação, fins de possibilitar a reestruturação financeira da parte demandante.
Destaco que, a parte reservada ao pagamento das despesas de subsistência encontra identificação na proteção do mínimo existencial, enquanto direito fundamental social de defesa originário do princípio da dignidade da pessoa humana, assegurado na Constituição Federal, art. 1º, inciso III; e no Código de Defesa do Consumidor, artigo 6º, XII,
in verbis:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
XII - a preservação do mínimo existencial, nos termos da regulamentação, na repactuação de dívidas e na concessão de crédito;
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
Como tal, o direito fundamental ao mínimo existencial independe de atuação legislativa, uma vez que revestido de eficácia imediata, consoante vasta doutrina de Ingo Wolfgang Sarlet.
Consoante bem delineado pelo douto Desembargador Aymoré Roque Pottes de Mello, quando do julgamento de pretensão similar nos autos do Agravo de Instrumento Nº 51630265020218217000, a manutenção dos descontos "
coloca em risco o postulado constitucional da dignidade da pessoa humana e o princípio de garantia do mínimo existencial, materializados na garantia de subsistência do autor-agravante e de sua família, posto que os valores creditados na sua conta-corrente são utilizados
integralmente
para abater as suas dívidas, não havendo sobra de qualquer dinheiro para garantir o seu
mínimo existencial.
(...)".
Nesta linha de entendimento, situa-se a jurisprudência infra ao preservar a dignidade do consumidor mediante o deferimento da limitação dos descontos:
DIREITO DO CONSUMIDOR. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. SUPERENDIVIDAMENTO. LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS SOBRE PROVENTOS DO CONSUMIDOR. PRESERVAÇÃO DO MÍNIMO EXISTENCIAL. AGRAVO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Agravo de instrumento interposto contra decisão proferida nos autos de ação de repactuação de dívidas, que deferiu parcialmente a tutela de urgência, determinando a limitação dos descontos sobre os comprovados do autor ao percentual máximo de 35%, com acréscimo de 5% para dívidas de cartão de crédito, sob pena de multa, bem como a abstenção de inscrição em cadastros de inadimplentes e protesto de títulos. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se é permitido a limitação dos descontos incidentes sobre os comprovados do consumidor superendividado, incluindo descontos automáticos em conta-corrente, garantindo o mínimo existencial; (ii) avaliar a razoabilidade da multa cominatória aplicada para garantir o cumprimento da tutela de urgência. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A decisão agravada observa os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial, previstos no art. 1º, III, da CF/1988, e assegurados pelo art. 6º, inciso XII, do Código de Defesa do Consumidor, com as alterações introduzidas pela Lei nº 14.181/2021 (Lei do Superendividamento). 4. A redução dos descontos em 35% dos rendimentos líquidos do consumidor, acrescidos de 5% para dívidas de cartão de crédito, está em conformidade com a exclusão consolidada e tem por objetivo resguardar a subsistência do consumidor em situação de superendividamento. 5. O suporte fático do caso, caracterizado pelo comprometimento substancial da renda da parte agravada, não guarda com o tema relação com Tema 1.085 do STJ, que trata da liberdade contratual em descontos em conta-corrente, aplicável a consumidores em condições regulares, não a superendividados. 6. A multa cominatória no valor de R$ 500,00 por desconto indevido, limitada ao valor da dívida, é adequada e proporcional, obrigando o cumprimento da decisão judicial sem configurar enriquecimento ilícito. 7. A proteção ao mínimo existencial, fundamentada na preservação da dignidade da pessoa humana, justifica a restrição abrangente dos descontos, inclusive para descontos automáticos em conta-corrente, conforme precedentes do TJRS e STJ. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Recurso desprovido. Tese de julgamento : 1. A redução de descontos a 35% dos rendimentos líquidos, com acréscimo de 5% para dívidas de cartão de crédito, é aplicável às obrigações financeiras que comprometam a subsistência do consumidor superendividado, abrangendo descontos automáticos em conta-corrente. 2. A fixação de multa cominatória é válida, proporcional e visa garantir a efetividade da tutela judicial para resguardar o mínimo existencial do consumidor. Dispositivos relevantes citados : CF/1988, art. 1º, III; CDC, art. 6º, XII; PCC, arts. 300, 537 e 932, VIII; Lei nº 10.820/2003; Lei nº 14.181/2021. Jurisprudência relevante relevante : TJRS, Agravo de Instrumento nº 51553675320228217000, Rel. Des. Aimoré Roque Pottes de Mello, j. 24-03-2023; TJRS, Agravo de Instrumento nº 53445082320248217000, Rel. Des. Roberto José Ludwig, j. 25-11-2024; TJRS, Agravo de Instrumento nº 52789259120248217000, Rel. Des. Carla Patrícia Boschetti Marcon, j. 13-11-2024. (Agravo de Instrumento, Nº 53086814820248217000, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carmem Maria Azambuja Farias, Julgado em: 16-01-2025)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. SUPERENDIVIDAMENTO. DECISÃO QUE DEFERIU A LIMITAÇÃO DE DESCONTOS EM TUTELA DE URGÊNCIA. REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DA MEDIDA: A decisão agravada se valeu das disposições da Lei nº 10.820/2003 e da Lei nº 14.131/2021 para fundamentar que a ocorrência de descontos em patamar superior a 35% da renda do consumidor comprometeria o seu mínimo existencial. Esse critério vem sendo aceito por esta Câmara no âmbito das ações de repactuação de dívidas, pelo que está presente a probabilidade do direito e a urgência para justificar a concessão da medida. MULTA POR DESCUMPRIMENTO DA MEDIDA: A multa tem caráter coercitivo, incidindo em razão do descumprimento da medida pelo destinatário da ordem. Dessa forma, falar em desnecessidade é desvirtuar o objetivo da previsão legal, que é se adiantar a eventual descumprimento e, sob pena de incidência de multa, obrigar o demandado ao cumprimento da obrigação imposta. No caso, a multa foi arbitrada pelo juízo de origem de forma adequada, tanto no valor, quanto na periodicidade. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO, EM DECISÃO MONOCRÁTICA.(Agravo de Instrumento, Nº 50280125520258217000, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roberto José Ludwig, Julgado em: 13-02-2025)
Em vista disso, com base no artigo 300, do Código de Processo Civil
DEFIRO parcialmente a tutela de urgência
a fim de determinar que:
a) A parte
ré LIMITE
os descontos relativos a todos os empréstimos consignados com desconto em folha de pagamento e empréstimos não consignados com débito automático na conta-corrente da parte autora ao percentual máximo de
35% dos proventos desta (abatidos os valores da previdência, IRPF e pensão alimentícia)
,
percentual que pode ser acrescido de
5%, em se tratando de dívida de cartão de crédito cujo pagamento decorre de débito em conta
;
dividindo-se o percentual de forma igualitária entre todos os credores demandados até elaboração do plano de pagamento ao final do processo;
b) A limitação aqui determinada é aplicável, inclusive, em se tratando de portabilidade salarial;
c) No caso em discussão, pelas razões já expostas,
esta limitação também se aplica aos descontos no cheque especial
, dividindo-se o percentual entre todos os credores demandados até elaboração do plano de pagamento ao final do processo.
d) Outrossim, DETERMINO que o (os) credor (res) se
abstenha(m) de incluir a parte autora nos cadastros restritivos de crédito ou emitir títulos para fins de protesto
, enquanto pendente a lide. Caso já o tenham feito, seja SUSPENSO o efeito da restrição.
A esse respeito, a determinação não se aplica ao Sistema de Informações de Crédito do Banco Central - SCR, o qual, conforme a Resolução CMN n° 5.037 de 29/9/2022, em seu artigo 2º, possui duas finalidades:
Art. 2º O SCR é administrado pelo Banco Central do Brasil e tem por finalidades:
I - prover informações ao Banco Central do Brasil, para fins de monitoramento do crédito no sistema financeiro e para o exercício de suas atividades de fiscalização; e
II - propiciar o intercâmbio de informações entre instituições financeiras e entre demais entidades, conforme definido no art. 1º da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, sobre o montante de responsabilidades de clientes em operações de crédito.
Conforme destacou a respeitável Ministra Maria Isabel Gallotti, quando do julgamento do Recurso Especial Nº 1.365.284 - SC (2011/0263949-3), ambas as finalidades do sistema dizem com interesse público:
(...) o interesse público primário, direto, imediato, de viabilizar a supervisão do Sistema Financeiro pelo Banco Central (inciso I do art 2º da Resolução 3658/2008) e o interesse público indireto, consistente em detectar e evitar operações financeiras arriscadas, causadoras de risco bancário sistêmico, protegendo os recursos depositados, tudo consultando o interesse do consumidor bom pagador de obter melhores taxas de juros (inciso II) do art 2º da Resolução 3658/2008 (...)".
Observadas as finalidades supra e considerando as disposições sobre a prevenção do superendividamento trazidas pela Lei 14.181/21, entendo que se trata de ferramenta protetiva, em verdade, que auxilia no controle da concessão de crédito sem capacidade de reembolso, evitando o agravamento da situação do superendividamento da parte consumidora.
Atua como ferramenta consultiva de relevância, visando ao controle das operações de crédito existentes e comprometimento de renda, evitando a concessão de crédito desmedida, penalizada pela legislação protetiva:
Art. 54-D. Na oferta de crédito, previamente à contratação, o fornecedor ou o intermediário deverá, entre outras condutas:
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
(...)
II - avaliar, de forma responsável, as condições de crédito do consumidor, mediante análise das informações disponíveis em bancos de dados de proteção ao crédito, observado o disposto neste Código e na legislação sobre proteção de dados;
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
(...)
Parágrafo único. O descumprimento de qualquer dos deveres previstos no caput deste artigo e nos arts. 52 e 54-C deste Código poderá acarretar judicialmente a redução dos juros, dos encargos ou de qualquer acréscimo ao principal e a dilação do prazo de pagamento previsto no contrato original, conforme a gravidade da conduta do fornecedor e as possibilidades financeiras do consumidor, sem prejuízo de outras sanções e de indenização por perdas e danos, patrimoniais e morais, ao consumidor.
(Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)
Sobre a importância das informações disponibilizadas pelo sistema SCR, ponderou referida Ministra:
Trata-se, como visto, de cadastro público, de consulta restrita, necessário à atividade do BACEN, o qual ficaria seriamente comprometido com sua equiparação à regência legal e jurisprudencial dos cadastros de inadimplentes e mesmo de centrais de risco de crédito privadas.
Não pode, portanto, ser considerado como cadastro restritivo comum, exigindo tratamento diferenciado dos demais cadastros de inadimplentes como SPC e Serasa.
Dessa forma, a exclusão dos dados em relação aos débitos em repactuação não se aplica ao sistema SCR do Banco Central.
ADVIRTO, TAMBÉM a ambas as partes:
1. A tutela de urgência compreende, em cognição sumária, o restabelecimento do mínimo existencial ao consumidor que detem descontos em folha e/ou conta-corrente em percentuais que comprometam sua sobrevivência, na forma da fundamentação supra.
Daí por que NÃO
abrange eventuais obrigações pendentes, cujo pagamento deva ser efetuado mediante boleto bancário ou outra forma de pagamento voluntária.
2. Em preservação à cooperação das partes e boa-fé dos contrantes,
NÃO
podem ser abrangidos na presente repactuação, os
contratos celebrados após o ajuizamento da ação
, em razão da vedação, ao consumidor, da prática de condutas que importem no agravamento de sua situação de superendividamento, artigo 104-A, § 4º, IV, do CDC.
A esse respeito, pondero que o consumidor que adota tal prática enquadra-se na definição de superendividado ativo, conceito que, conforme a doutrina, pode ser dividido em ativo consciente, assim considerado aquele que agiu com a intenção deliberada de não pagar ou fraudar seu credor (consumidor de má-fé), ou, ativo inconsciente, o qual, ou age de forma impulsiva ou sem formular o cálculo correto no momento da contratação de novas dívidas (consumidor imprevidente e sem malícia).1
3. Fica a parte demandada, ainda, ADVERTIDA de que
a concessão irresponsável de crédito após o ajuizamento da presente ação
, será igualmente valorada na decisão final, acarretando, inclusive, a aplicação das penalidades definidas pela lei.
4 Ademais, saliento que a presente decisão
NÃO
abrange
contratos com garantia real e/ou alienação fiduciária
, visto que não apresentam identidade com os pressupostos contidos no artigo 54-A do CDC.
5. Ainda,
INDEFIRO
a
suspensão indiscriminada de ações ou atos de constrição patrimonial
, ante a impossibilidade de determinação genérica e desprovida de fundamentação.
6. Fica a parte demandada CIENTIFICADA sobre a impossibilidade de proceder a cobranças
de forma abusiva
, bem como,
PRATICAR CONDUTAS
que importem no agravamento da situação de superendividamento da parte demandante.
7. Por fim, fica a parte demandante CIENTIFICADA sobre a
vedação da prática de condutas que importem no agravamento de sua situação de superendividamento
, sob pena de REVOGAÇÃO DA TUTELA PARCIAL AQUI DEFERIDA.
DO CUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL
O DESCUMPRIMENTO desta decisão judicial importará incidência de multa de R$ 500,00 por cada desconto indevido até o limite da dívida pendente. Saliento que a presente decisão, deverá ser cumprida no prazo máximo de 30 dias. A data inicial de contagem do prazo do descumprimento iniciará do protocolo de entrega do ofício/despacho.
Esta decisão vale como ofício, que deverá ser encaminhado pela parte autora de forma pessoal aos credores réus, fins de atender a exigência da Súmula 410 do STJ.
Fica registrado que, em caso de eventual descumprimento de ordem judicial, a cobrança do valor da multa deverá ser promovida em ação autônoma, a fim de evitar tumulto processual. (...)
Em suas razões recursais (
evento 1, INIC1
), onde postula pela concessão do efeito suspensivo requer o provimento do recurso para revogar a liminar deferina na origem. Para tanto sustenta que (i) não foram preenchidos os requisitos para a concessão da tutela de urgência; (ii) que o meio de efetivação da tutela é a expedição de ofício aos órgãos de proteção ao crédito; (iii) a revogação da multa ou, de forma subsidiária (iv) a redução do valor fixado a título de multa pelo descumprimento da ordem judicial.
Vieram os autos conclusos para decisão.
É o relatório.
I. ADMISSIBILIDADE
O presente recurso de agravo de instrumento comporta apenas parcial conhecimento, como explico:
Em suas razões recursais o recorrente sustenta, como fundamento para a reforma da decisão, que o meio de efetivação da tutela é a expedição de ofício aos órgãos de proteção ao crédito.
Ocorre que a decisão de primeiro grau não tratou da respectiva matéria, tampouco foram manejados embargos de declaração para suprir eventual omissão, logo, ausente a dialeticidade recursal, bem como resta impossibilitado do conhecimento da matéria em grau recursal , sob pena de supressão de instância.
A dialeticidade recursal é um princípio do direito processual que exige que o recurso seja apresentado de forma fundamentada, ou seja, com a devida exposição dos argumentos que justifiquem a reforma ou anulação da decisão recorrida.
Esse princípio decorre do artigo 1.010, II e III, do Código de Processo Civil (CPC)
1
, que estabelece que o recurso deve impugnar especificamente os fundamentos da decisão recorrida, sob pena de supressão de instância.
Assim, não conheço o recurso da parte ré - de que o meio de efetivação da tutela é a expedição de ofício aos órgãos de proteção ao crédito - por ausência de dialeticidade recursal e de supressão de instância.
Nesse sentido, é a seguinte ementa:
APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. EMBARGOS À EXECUÇÃO. RECURSO QUE NÃO IMPUGNA OS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA.
AUSÊNCIA
DE
DIALETICIDADE
. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. A MERA REITERAÇÃO DOS ARGUMENTOS INICIAIS, SEM IMPUGNAR A DECISÃO RECORRIDA, NÃO ATENDE AO REQUISITO ESSENCIAL DE FUNDAMENTAÇÃO DO RECURSO, CONFORME ART. 1.010, III, DO CPC. PORTANTO, DIANTE
AUSÊNCIA
DE
DIALETICIDADE
RECURSAL
, É CASO DE NÃO CONHECER DO RECURSO. RECURSO DE APELAÇÃO NÃO CONHECIDO. (Apelação Cível, Nº 50055354620208210070, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dulce Ana Gomes Oppitz, Julgado em: 07-11-2024)
No mais, preenchidos os demais requisitos, conheço em parte o recurso.
Conforme estabelecido no artigo 932, VIII, do CPC, incumbe ao relator “
exercer outras atribuições estabelecidas no regimento interno do tribunal
”.
Nesse sentido o artigo 206, XXXVI do Regimento Interno deste Tribunal autoriza o Relator negar ou dar provimento ao recurso quando há jurisprudência dominante acerca da matéria em discussão no âmbito do próprio Tribunal, a saber:
Art. 206. Compete ao Relator:
(...) XXXVI – negar ou dar provimento ao recurso quando houver jurisprudência dominante acerca do tema no Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça com relação, respectivamente, às matérias constitucional e infraconstitucional e deste Tribunal; (...).
Em reforço, estabeleceu a Súmula 568 do STJ que "
o relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema.
".
Portanto, o presente agravo de instrumento comporta pronunciamento monocrático.
II. MÉRITO
Adianto que é o caso de negar provimento ao recurso
Dos requisitos da tutela de urgência:
Conforme o art. 300, caput, do CPC, para a concessão da antecipação de tutela é necessária a presença de dois requisitos cumulativos: (i.) a probabilidade do direito invocado pela parte; e (ii.) o fundado receio de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Ausente um dos requisitos cumulativos, deve ser indeferido o pedido de antecipação de tutela.
Além disso, consoante art. 300, §3º, do CPC, é necessário que não haja perigo de irreversibilidade dos efeitos decisão que analisa a tutela de urgência de natureza antecipada.
A decisão de antecipação de tutela ora questionada envolve a análise das normas aplicáveis às situações de superendividamento e à limitação dos descontos nas contas da parte agravada, razão pela qual passo à análise das normas relacionadas.
Desde a vigência da Lei nº 14.181/2021, conhecida também como "Lei do Superendividamento", vigora sistema de tratamento diferenciado ao superendividamento.
Conforme a redação atual do art. 54-A, §1º, do CDC, incluído pela Lei nº 14.181/2021, entende-se por superendividamento "a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação".
Em razão da situação de elevada vulnerabilidade do consumidor superendividado, a Lei nº 14.181/2021 enfatiza a importância de preservar o mínimo existencial desse consumidor, tendo acrescentado no rol de direitos básicos do consumidor o art. 6º, XII, do CDC, o qual prevê expressamente como tal a preservação do mínimo existencial no procedimento de repactuação de dívidas.
Nesse contexto, consoante entendimento reiterado deste Tribunal de Justiça, os descontos realizados em folha de pagamento e conta corrente do consumidor não podem prejudicar a sua subsistência, em observância aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da garantia do mínimo existencial, de modo que a limitação dos descontos objetiva justamente garantir à parte superendividada o mínimo existencial. Colaciono a título exemplificativo, os seguintes julgados:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. SUPERENDIVIDAMENTO. DECISÃO QUE DEFERIU A LIMITAÇÃO DE DESCONTOS EM TUTELA DE URGÊNCIA. REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DA MEDIDA: A decisão agravada se valeu das disposições da Lei nº 10.820/2003 e da Lei nº 14.131/2021 para fundamentar que a ocorrência de descontos em patamar superior a 35% da renda do consumidor comprometeria o seu mínimo existencial. Esse critério vem sendo aceito por esta Câmara no âmbito das ações de repactuação de dívidas, pelo que está presente a probabilidade do direito e a urgência para justificar a concessão da medida. MULTA POR DESCUMPRIMENTO DA MEDIDA: A multa tem caráter coercitivo, incidindo em razão do descumprimento da medida pelo destinatário da ordem. Dessa forma, falar em desnecessidade é desvirtuar o objetivo da previsão legal, que é se adiantar a eventual descumprimento e, sob pena de incidência de multa, obrigar o demandado ao cumprimento da obrigação imposta. No caso, a multa foi arbitrada pelo juízo de origem de forma adequada, tanto no valor, quanto na periodicidade. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO, EM DECISÃO MONOCRÁTICA.(Agravo de Instrumento, Nº 53445082320248217000, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roberto José Ludwig, Julgado em: 25-11-2024) [Grifos ausentes no original]
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS C/C REVISÃO DE CONTRATO. DECISÃO AGRAVADA QUE DEFERIU PARCIALMENTE A TUTELA DE URGÊNCIA. 1. Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que deferiu parcialmente a tutela de urgência determinando: a) limitação de descontos dos empréstimos consignados e não consignados no percentual máximo de 35% dos proventos desta (abatidos os valores da previdência, IRPF e pensão alimentícia), percentual que pode ser acrescido de 5%, em se tratando de dívida de cartão de crédito cujo pagamento decorre de débito em conta e b) abstenção de inclusão do nome da parte autora nos cadastros restritivos de crédito ou emitir títulos para fins de protesto, enquanto pendente a lide. 2. Considerando tratar-se de ação de repactuação de dívidas pelo rito da Lei n.° 14.181/21, necessário assegurar o mínimo indispensável à subsistência do consumidor. 3. No caso, o superendividamento do autor, ora agravado, restou configurado pelos descontos em folha de pagamento e pelos débitos em conta-corrente, razão pela qual justificada a limitação imposta. 4. Constatada a situação de superendividamento capaz de ensejar a repactuação das obrigações contratuais, corolário lógico, concebível a ordem liminar de abstenção de inscrições em órgão restritivos de crédito. 5. Multa aplicada que deve ser mantida, sobretudo considerando a finalidade preventiva, ressalvada a possibilidade de discussão quanto ao valor e ao cabimento em caso de efetiva incidência. 6. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento, Nº 52789259120248217000, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carla Patricia Boschetti Marcon, Julgado em: 13-11-2024) [Grifos ausentes no original]
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO CONSUMIDOR. AGRAVO DE INSTRUMENTO. REPETIÇÃO DE DÍVIDA. SUPERENDIVIDAMENTO. LIMITAÇÃO DE DESCONTOS. MÍNIMO EXISTENCIAL. MULTA COMINATÓRIA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Agravo de instrumento interposto contra decisão proferida em ação de repactuação de dívidas. A decisão agravada deferiu parcialmente a tutela de urgência, determinando a limitação dos descontos incidentes sobre os proventos do autor para preservar o mínimo existencial, bem como estabeleceu multa diária por descumprimento. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se a limitação de descontos a 35% dos rendimentos líquidos se aplica a dívidas não consignadas; (ii) avaliar a razoabilidade da multa cominatória fixada para garantir o cumprimento da tutela de urgência. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A decisão agravada baseia-se nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial, assegurados pelo art. 6º, inciso XII, do Código de Defesa do Consumidor, com as alterações introduzidas pela Lei nº 14.181/2021, conhecida como Lei do Superendividamento, que estabelece proteção ao consumidor em situação de superendividamento. 4. A limitação de 35% dos rendimentos líquidos visa resguardar o mínimo existencial, não se restringindo apenas a dívidas consignadas, sendo aplicável também a débitos automáticos em conta-corrente quando os descontos comprometem a subsistência do consumidor. 5. Jurisprudência consolidada no Superior Tribunal de Justiça e no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul corrobora a limitação de descontos para garantir a dignidade da pessoa humana e evitar o comprometimento integral da renda do consumidor superendividado. 6. A multa cominatória estabelecida, nos termos do art. 537 do CPC, mostra-se proporcional e adequada para compelir o cumprimento da decisão, sem gerar enriquecimento ilícito, assegurando a efetividade da tutela de urgência deferida. IV. DISPOSITIVO E TESE 7. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. A limitação de descontos de 35% dos rendimentos líquidos aplica-se a todas as obrigações financeiras que comprometam a subsistência do consumidor superendividado, incluindo débitos automáticos em conta-corrente. 2. A fixação de multa cominatória para assegurar o cumprimento de decisão judicial é válida e proporcional quando visa resguardar o mínimo existencial do consumidor superendividado. Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 1º, III; CDC, art. 6º, XII; CPC, arts. 537 e 932, VIII; Lei nº 10.820/2003; Lei nº 14.181/2021. Jurisprudência relevante citada: TJRS, Agravo de Instrumento nº 51553675320228217000, Rel. Des. Aymoré Roque Pottes de Mello, j. 24-03-2023; STJ, REsp nº 1.555.722/SP, Tema 1085.(Agravo de Instrumento, Nº 53258582520248217000, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carmem Maria Azambuja Farias, Julgado em: 08-11-2024) [Grifos ausentes no original]
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. EMPRÉSTIMOS PESSOAIS CONSIGNADOS. DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO. CARTÃO DE CRÉDITO - 5%. LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS. READEQUAÇÃO DOS DESCONTOS. POSSIBILIDADE. CORRETA A LIMITAÇÃO EM 35% DOS PROVENTOS DA PARTE AUTORA, SENDO A LIMITAÇÃO NO PERCENTUAL DE 5% EM RELAÇÃO AOS CONTRATOS DE CARTÃO DE CRÉDITO. ALTERAÇÃO ADVINDA COM A LEI Nº 14.131/2021. PREVALÊNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA GARANTIA DO MÍNIMO EXISTENCIAL NECESSÁRIO À SOBREVIVÊNCIA DO CONSUMIDOR EM SITUAÇÃO DE SUPERENDIVIDAMENTO. ASTREINTES. CABIMENTO. OBJETIVO DE ALCANÇAR O RESULTADO PRÁTICO DA TUTELA JUDICIAL CONCEDIDA, NÃO DISPONDO DE CARÁTER PUNITIVO, MAS UNICAMENTE PREVENTIVO, AO EFEITO DE IMPEDIR O DESCUMPRIMENTO DA DECISÃO JUDICIAL. VALOR FIXADO EM CONFORMIDADE COM A OBRIGAÇÃO. PERIODICIDADE DAS ASTREINTES. POR EVENTO. MANUTENÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO, EM DECISÃO MONOCRÁTICA.(Agravo de Instrumento, Nº 50305166820248217000, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carmem Maria Azambuja Farias, Julgado em: 09-02-2024) [Grifos ausentes no original]
DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. SUPERENDIVIDAMENTO. LIMITAÇÃO DE DESCONTOS. MÍNIMO EXISTENCIAL. MULTA COMINATÓRIA. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Agravo de instrumento interposto contra decisão proferida em ação de repactuação de dívidas. A decisão agravada deferiu parcialmente a tutela de urgência, determinando a limitação dos descontos relativos a todos os empréstimos consignados com desconto em folha de pagamento e débito em automático na conta-corrente da parte autora de valores até 35% dos seus proventos (abatidos os valores da previdência, IRPF e pensão alimentícia), limitação que também se aplica aos descontos no cheque especial, para fins de preservar o mínimo existencial, sob pena de multa diária por descumprimento. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há três questões em discussão: (i) verificar se ocorreu descumprimento do disposto no art. 330 §2º e 3º do CPC; (ii) definir se a limitação de descontos a 35% dos rendimentos líquidos se aplica a dívidas não consignadas e cartão de crédito; (iii) avaliar a razoabilidade da multa cominatória aplicada para garantir o cumprimento da tutela de urgência. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. A análise do pedido de tutela de urgência antes da realização de audiência conciliatória não caracteriza nulidade, na medida em que basta, para o seu reconhecimento, o preenchimento dos requisitos do art. 300 do CPC para que seja deferido o pleito. 4. A decisão agravada fundamenta-se nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial, assegurados pelo art. 6º, inciso XII, do Código de Defesa do Consumidor, com as alterações introduzidas pela Lei nº 14.181/2021 (Lei do Superendividamento), que protege o consumidor em situação de superendividamento. 5. A limitação de 35% dos rendimentos líquidos aplica-se tanto às dívidas consignadas quanto aos descontos automáticos em conta-corrente (incluindo cartão de crédito e cheque especial), quando tais descontos comprometem a subsistência do consumidor, garantindo o direito ao mínimo existencial. 6. A fixação de multa cominatória para garantir o cumprimento da decisão é válida e encontra-se respalda no art. 537 do CPC, sendo proporcional e adequado ao caso concreto. Tal medida visa garantir a efetividade da tutela jurisdicional sem gerar enriquecimento ilícito. 7. A jurisprudência consolidada no STJ e no TJRS reafirma que a dignidade da pessoa humana e a garantia do mínimo existencial prevalecem sobre a autonomia contratual, especialmente em situações de superendividamento. IV. DISPOSITIVO E TESE 8. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1.A análise do pedido de tutela de urgência antes da realização de audiência conciliatória não caracteriza nulidade. 2. As limitações de descontos de 35% dos rendimentos líquidos aplicam-se a todas as obrigações financeiras que comprometam a subsistência do consumidor superendividado, incluindo descontos automáticos em conta-corrente. 3. A fixação de multa cominatória para garantir o cumprimento de decisão judicial é válida e proporcional quando visa resguardar o mínimo existencial do consumidor superendividado. Dispositivos relevantes citados : CF/1988, art. 1º, III; CDC, art. 6º, XII; PCC, artes. 537, 932, VIII, e 139, IV; Lei nº 10.820/2003; Lei nº 14.181/2021; Lei nº 14.131/2021. Jurisprudência relevante relevante: STJ, REsp nº 1.169.334/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 23/08/2011, DJe 29/09/2011; TJRS, Agravo de Instrumento nº 53445082320248217000, Rel. Des. Roberto José Ludwig, j. 25-11-2024; TJRS, Agravo de Instrumento nº 52789259120248217000, Rel. Des. Carla Patrícia Boschetti Marcon, j. 13-11-2024.(Agravo de Instrumento, Nº 53528554520248217000, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carmem Maria Azambuja Farias, Julgado em: 29-11-2024) [Grifos ausentes no original]
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. TUTELA DE URGÊNCIA. LIMITAÇÃO DE DESCONTOS EM FOLHA DE PAGAMENTO. CABIMENTO. LEI N° 14.181/2021. SUPERENDIVIDAMENTO. NECESSIDADE DE PROTEGER O CONSUMIDOR SUPERENDIVIDADO PESSOA NATURAL. FIXAÇÃO DE MULTA MANTIDA. MANUTENÇÃO DA DECISÃO. I. Caso em exame. Trata-se de agravo de instrumento em face da decisão que, nos autos da ação de repactuação de dívidas, deferiu, em parte, a tutela de urgência, determinando que a parte recorrente limite os descontos relativos a todos os empréstimos consignados com desconto em folha de pagamento e débito em automático na conta da parte autora, ora recorrida, de valores até 35% dos seus proventos (abatidos os valores da previdência, IRPF e pensão alimentícia), dividindo-se o percentual entre todas as demandadas até elaboração do plano de pagamento ao final do processo. A decisão permitiu o acréscimo de 5%, em se tratando de dívida de cartão de crédito cujo pagamento decorre de débito em conta e para o caso de descumprimento, fixou multa de R$ 500,00 por cada desconto indevido até o limite da dívida pendente. Também proibiu a inscrição da parte agravada aos órgãos de restrição ao crédito. II. Questão em discussão. (i) Verificar se ocorreu descumprimento do disposto no art. 330 §2º e 3º do CPC; (ii) definir se a limitação de descontos a 40% dos rendimentos líquidos se aplica a dívidas de cheque especial e cartão de crédito; (iii) avaliar a razoabilidade da multa cominatória aplicada para garantir o cumprimento da tutela de urgência. III. Razões de decidir. (i) O superendividamento da parte autora é comprovado pelos contracheques e documentos de dívidas juntados aos autos, os quais demonstram a necessidade de limitar os descontos em folha de pagamento para que a parte autora possa honrar seus compromissos financeiros sem comprometer o mínimo existencial. Estão presentes, portanto, os requisitos para a concessão da tutela. (ii) O limite de 40% estabelecido na decisão agravada mostra-se adequado, considerando que se trata de ação de repactuação de dívidas (Lei nº 14.181/21), na qual a preservação do mínimo existencial do devedor é primordial. Em virtude disso, a limitação dos descontos deve abranger todas as dívidas da parte superendividada, incluindo as originadas de cheque especial e cartão de crédito, as quais serão submetidas ao plano de pagamento, seja ele consensual ou compulsório. (iii) A fixação de multa cominatória para a hipótese de descumprimento da decisão judicial encontra respaldo no art. 537, caput e § 1º, do CPC, devendo ser mantida. IV. Dispositivo. Recurso não provido, em decisão monocrática Dispositivos relevantes citados: Lei n° 14.181/2021; Lei nº 8.078/1990; art. 537, caput e §1º, do CPC.(Agravo de Instrumento, Nº 53660648120248217000, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eugênio Couto Terra, Julgado em: 30-12-2024) [Grifos ausentes no original]
A propósito, como bem destacado pelo juízo singular, previa o art. 1º, §1º, da Lei nº 10.820/2003 que o patamar dos descontos em folha de pagamento limitava-se ao montante de 35%, sendo que 5% deveriam ser destinados exclusivamente para a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito ou a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito.
Com o advento da Lei nº 14.131/2021 novos limites foram estabelecidos, autorizando-se, assim, consignações de até 40%, dos quais 5% devem ser destinados exclusivamente para amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito ou utilização com finalidade de saque por meio do cartão de crédito, como se vê:
Art. 1º Até 31 de dezembro de 2021, o percentual máximo de consignação nas hipóteses previstas no inciso VI do caput do art. 115 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, no § 1º do art. 1º e no § 5º do art. 6º da Lei nº 10.820, de 17 de dezembro de 2003, e no § 2º do art. 45 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, bem como em outras leis que vierem a sucedê-las no tratamento da matéria, será de 40% (quarenta por cento), dos quais 5% (cinco por cento) serão destinados exclusivamente para:
I - amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou
II - utilização com finalidade de saque por meio do cartão de crédito.
Art. 2º Após 31 de dezembro de 2021, na hipótese de as consignações contratadas nos termos e no prazo previstos no art. 1º desta Lei ultrapassarem, isoladamente ou combinadas com outras consignações anteriores, o limite de 35% (trinta e cinco por cento) previsto no inciso VI do caput do art. 115 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, no § 1º do art. 1º e no § 5º do art. 6º da Lei nº 10.820, de 17 de dezembro de 2003, e no § 2º do art. 45 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, será observado o seguinte:
I - ficarão mantidos os percentuais de desconto previstos no art. 1º desta Lei para as operações já contratadas;
II - ficará vedada a contratação de novas obrigações.
[...]
No presente caso, na fase processual atual, entendo que se mostram caracterizados os requisitos (art. 300 do CPC) da antecipação de tutela pretendida, conforme compreensão registrada na decisão de primeiro grau.
A decisão agravada ressaltou a importância de garantir o mínimo existencial ao autor, considerando sua situação de superendividamento, a qual foi evidenciada, em sede de cognição sumária, pelos documentos apresentados pela parte agravada nos autos originários, bem como pela relação de débitos indicada na petição inicial e emenda.
No ponto, ressalto que é possível inferir do documento acostado no XX, fl. 3, referente a novembro/2024 (documento mais atualizado existente quando prolatada a decisão recorrida), o total das vantagens recebidas pela autora foi de R$ 2.919,17 (dois mil novecentos e dezenove reais e dezessete centavos) e o total de descontos consignados foi de R$ 1.272,03 (um mil duzentos e setenta e dois reais e três centavos), o que representa 43,57% das vantagens recebidas. Vejamos:
Ademais, conforme é possível inferir do extrato bancário juntado com a petição inicial (
evento 1, EXTR16
), existem débitos que ocorrem diretamente na conta da parte agravada, o que acaba por aumentar o percentual de comprometimento da renda com dívidas de consumo.
Diante disso, tenho que a probabilidade de direito encontra respaldo na situação de superendividamento da parte autora e consequente aplicação das premissas jurídicas referidas, em especial, do sistema protetivo da Lei nº 14.181/2021, e o perigo de dano se consubstancia na continuidade do comprometimento dos proventos da parte recorrida.
Da multa para cumprimento da ordem judicial:
Conforme disposto no art. 139, IV, do CPC, incumbe ao magistrado, na direção do processo, determinar todas as medidas coercitivas necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial.
A multa diária é medida coercitiva que pode ser determinada pelo juiz, inclusive, na fase de conhecimento, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação, conforme os arts. 536 c/c 537 do CPC.
A propósito, o art. 537,
caput
, do CPC prevê expressamente a possibilidade de fixação de multa diária para assegurar o adimplemento de obrigações de fazer em tutela provisória.
Com relação à redução do valor da multa em questão, as hipóteses de sua modificação estão dispostas no art. 537, § 1º, do CPC, quais sejam:
Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.
§ 1º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que:
I - se tornou insuficiente ou excessiva;
II - o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento.
[Grifos não contidos no original]
Nesse sentido, a multa diária deve ser arbitrada em um valor suficiente para impelir o cumprimento da obrigação, dada a sua natureza coercitiva.
No presente caso, a multa arbitrada em R$ 500,00 por cada desconto indevido até o limite da dívida pendente não se mostra exorbitante, uma vez que o polo passivo é composto por instituições financeiras e/ou empresas com significativa capacidade econômica, mostrando-se razoável e proporcional ao objetivo da tutela, sem gerar enriquecimento ilícito.
Nessa linha, colaciono julgados deste Tribunal de Justiça que consideram adequada multa diária fixada no mesmo valor em casos análogos:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. TUTELA DE URGÊNCIA. LIMITAÇÃO DE DESCONTOS EM FOLHA DE PAGAMENTO. CABIMENTO. LEI N° 14.181/2021.
SUPERENDIVIDAMENTO
. NECESSIDADE DE PROTEGER O CONSUMIDOR
SUPERENDIVIDADO
PESSOA NATURAL. FIXAÇÃO DE
MULTA
MANTIDA. MANUTENÇÃO DA DECISÃO. I. Caso em exame. Trata-se de agravo de instrumento em face da decisão que, nos autos da ação de repactuação de dívidas, deferiu, em parte, a tutela de urgência, determinando que a parte recorrente limite os descontos relativos a todos os empréstimos consignados com desconto em folha de pagamento e débito em automático na conta da parte autora, ora recorrida, de valores até
35
% dos seus proventos (abatidos os valores da previdência, IRPF e pensão alimentícia), dividindo-se o percentual entre todas as demandadas até elaboração do plano de pagamento ao final do processo. A decisão permitiu o acréscimo de 5%, em se tratando de dívida de cartão de crédito cujo pagamento decorre de débito em conta e para o caso de descumprimento,
fixou
multa
de R$
500,00
por cada desconto indevido até o limite da dívida pendente.
Também proibiu a inscrição da parte agravada aos órgãos de restrição ao crédito. II. Questão em discussão. (i) Verificar se ocorreu descumprimento do disposto no art. 330 §2º e 3º do CPC; (ii) definir se a limitação de descontos a 40% dos rendimentos líquidos se aplica a dívidas de cheque especial e cartão de crédito; (iii) avaliar a razoabilidade da
multa
cominatória aplicada para garantir o cumprimento da tutela de urgência. III. Razões de decidir. (i) O
superendividamento
da parte autora é comprovado pelos contracheques e documentos de dívidas juntados aos autos, os quais demonstram a necessidade de limitar os descontos em folha de pagamento para que a parte autora possa honrar seus compromissos financeiros sem comprometer o mínimo existencial. Estão presentes, portanto, os requisitos para a concessão da tutela. (ii) O limite de 40% estabelecido na decisão agravada mostra-se adequado, considerando que se trata de ação de repactuação de dívidas (Lei nº 14.181/21), na qual a preservação do mínimo existencial do devedor é primordial. Em virtude disso, a limitação dos descontos deve abranger todas as dívidas da parte
superendividada
, incluindo as originadas de cheque especial e cartão de crédito, as quais serão submetidas ao plano de pagamento, seja ele consensual ou compulsório. (iii)
A fixação de
multa
cominatória para a hipótese de descumprimento da decisão judicial encontra respaldo no art. 537, caput e § 1º, do CPC, devendo ser mantida.
IV. Dispositivo. Recurso não provido, em decisão monocrática Dispositivos relevantes citados: Lei n° 14.181/2021; Lei nº 8.078/1990; art. 537, caput e §1º, do CPC.(Agravo de Instrumento, Nº 53660648120248217000, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eugênio Couto Terra, Julgado em: 30-12-2024) [Grifos ausentes no original]
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL.
SUPERENDIVIDAMENTO
. LIMITAÇÃO DE DESCONTOS. I. Caso em exame: Insurgência contra decisão que deferiu tutela de urgência para limitar os descontos de empréstimos consignados e em conta corrente ao patamar de
35
% dos proventos,
sob pena de
multa
diária de R$
500,00
por evento, fundamentada na Lei nº 14.181/2021 (Lei do
Superendividamento
).
II. Questão em discussão: A questão em discussão consiste em analisar a validade da decisão que, antes da fase conciliatória, deferiu tutela de urgência limitando os descontos nos proventos da autora e determinou a abstenção de inclusão de seu nome nos cadastros de restrição ao crédito. III. Razões de decidir: Concluiu-se pela inexistência de nulidade da decisão recorrida, considerando que foi observada a Lei nº 14.181/2021 e que o rito processual foi adequadamente aplicado pelo juízo de origem. A tutela de urgência foi deferida com fundamento na evidência de
superendividamento
e na proteção do mínimo existencial, preservando os princípios da dignidade da pessoa humana e do acesso ao mínimo existencial.
A aplicação da
multa
diária de R$
500,00
foi considerada proporcional e adequada para assegurar o cumprimento da medida.
Ademais, a extensão da tutela para cobrir empréstimos descontados em conta corrente foi considerada legítima diante do quadro fático e jurídico apresentado. Lei nº 14.181/2021; CPC/2015, art. 300; CDC, art. 104-A; CPC/2015, art. 536, § 1º. TJRS, AI nº 52960622320238217000, Rel. Des. Maria Ines Claraz de Souza Linck, j. 25.09.2023; TJRS, AI nº 50461752020248217000, Rel. Des. Jucelana Lurdes Pereira dos Santos, j. 28.02.2024; STJ, AgRg no RMS 30.821/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 11.05.2010. RECURSO DESPROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 53390035120248217000, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vivian Cristina Angonese Spengler, Julgado em: 12-12-2024) [Grifos ausentes no original]
DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUPEREENDIVIDAMENTO. LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS EM FOLHA DE PAGAMENTO E CONTA-CORRENTE. MÍNIMO EXISTENCIAL. VALIDADE DA TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA.
MULTA
POR DESCUMPRIMENTO. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO POR INSTITUIÇÃO BANCÁRIA CONTRA DECISÃO QUE DEFERIU PARCIALMENTE TUTELA DE URGÊNCIA EM AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS, DETERMINANDO A LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS REALIZADOS EM FOLHA DE PAGAMENTO E CONTA-CORRENTE A
35
% DOS RENDIMENTOS LÍQUIDOS DA CONSUMIDORA AGRAVADA. A DECISÃO VISOU PRESERVAR O MÍNIMO EXISTENCIAL DA PARTE AUTORA, PROIBIU COBRANÇAS ABUSIVAS, SUSPENDEU A INCLUSÃO DA CONSUMIDORA EM CADASTROS DE INADIMPLENTES E ESTABELECEU
MULTA
POR DESCUMPRIMENTO. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO HÁ CINCO QUESTÕES EM DISCUSSÃO: (I) VERIFICAR SE A DECISÃO QUE DEFERIU A TUTELA ANTECIPADA SEM A PRÉVIA REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO VIOLA O PROCEDIMENTO DO ART. 104-A DO CDC; (II) DETERMINAR SE A LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS PODE ABRANGER DÉBITOS REALIZADOS EM CONTA-CORRENTE; (III) DEFINIR A BASE DE CÁLCULO CORRETA PARA APLICAÇÃO DO LIMITE DE
35
%; (IV) AVALIAR A PROPORCIONALIDADE E CRONOLOGIA DOS DESCONTOS ENTRE AS INSTITUIÇÕES CREDORAS; (V) ANALISAR A ADEQUAÇÃO DA
MULTA
FIXADA PELO DESCUMPRIMENTO DA DECISÃO. III. RAZÕES DE DECIDIR A DECISÃO QUE DEFERIU A TUTELA ANTECIPADA ANTES DA REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO NÃO VIOLA O ART. 104-A DO CDC, POIS ESTE NÃO ESTABELECE OBRIGATORIEDADE DE AUDIÊNCIA PRÉVIA PARA CONCESSÃO DE TUTELAS DE URGÊNCIA. ADEMAIS, NO CASO CONCRETO, A AUDIÊNCIA FOI POSTERIORMENTE REALIZADA, ESVAZIANDO O ARGUMENTO DE NULIDADE POR AUSÊNCIA DE PREJUÍZO CONCRETO. A LIMITAÇÃO DOS DESCONTOS ABRANGE TANTO OS CONSIGNADOS QUANTO OS REALIZADOS EM CONTA-CORRENTE, COM FUNDAMENTO NA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E NA PRESERVAÇÃO DO MÍNIMO EXISTENCIAL, EM CONFORMIDADE COM O ART. 6º, XI E XII, DO CDC, E A JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DO STJ E DO TRIBUNAL LOCAL. A BASE DE CÁLCULO CORRETA PARA OS DESCONTOS É O VALOR LÍQUIDO DOS RENDIMENTOS, JÁ DESCONTADOS TRIBUTOS E OUTRAS DEDUÇÕES OBRIGATÓRIAS, POIS O MONTANTE BRUTO NÃO REFLETE A DISPONIBILIDADE FINANCEIRA EFETIVA DA CONSUMIDORA, E CONSIDERAR O VALOR BRUTO AGRAVARIA SUA VULNERABILIDADE FINANCEIRA. A PROPORCIONALIDADE ENTRE OS CREDORES DEVE SER ASSEGURADA, MAS SEM COMPROMETER O LIMITE TOTAL DE
35
% DOS RENDIMENTOS LÍQUIDOS. A DIVISÃO PROPORCIONAL DOS DESCONTOS NÃO ALTERA A REDUÇÃO SUBSTANCIAL NECESSÁRIA PARA PRESERVAR O MÍNIMO EXISTENCIAL.
A
MULTA
FIXADA POR DESCUMPRIMENTO (R$
500,00
POR DESCONTO INDEVIDO, LIMITADA A 30 DIAS-
MULTA
) É PROPORCIONAL E COMPATÍVEL COM O CARÁTER COERCITIVO DAS ASTREINTES, CONSIDERANDO A URGÊNCIA DE PRESERVAR VERBA ALIMENTAR E A SITUAÇÃO DE
SUPERENDIVIDAMENTO
DA CONSUMIDORA.
A PERIODICIDADE MENSAL ESTÁ ALINHADA À SISTEMÁTICA DOS DESCONTOS EM FOLHA E CONTA. IV. DISPOSITIVO RECURSO DESPROVIDO.(Agravo de Instrumento, Nº 53122656020238217000, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fernando Antônio Jardim Porto, Julgado em: 09-12-2024) [Grifos ausentes no original]
Assim, inviável o afastamento ou a redução da multa diária, sendo impositiva a manutenção da decisão recorrida no ponto.
Sob tais prismas, o recurso não comporta provimento.
PREQUESTIONAMENTO
O julgador não precisa citar especificadamente os dispositivos indicados quando sua análise está incorporada nos fundamentos jurídicos da decisão adversa à pretensão do recorrente, ainda que suscitados com o propósito de prequestionamento.
Contudo, para não dar ensejo ao manejo de embargos de declaração com o mesmo propósito, tenha-se por apreciados e incorporados nas razões de decidir os dispositivos legais invocados pela parte recorrente.
Dispositivo
Ante o exposto, conheço parcialmente do agravo de instrumento, e na parte conhecida
NEGO PROVIMENTO
ao recurso, em decisão monocrática.
1
. Art. 1.010. A apelação, interposta por petição dirigida ao juízo de primeiro grau, conterá: (...) II - a exposição do fato e do direito; III - as razões do pedido de reforma ou de decretação de nulidade; (...)
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