Processo nº 1001369-56.2024.4.01.3508
ID: 313736458
Tribunal: TRF1
Órgão: Juizado Especial Cível e Criminal Adjunto à Vara Federal da SSJ de Itumbiara-GO
Classe: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CíVEL
Nº Processo: 1001369-56.2024.4.01.3508
Data de Disponibilização:
02/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
RITA DE CASSIA PEREIRA BORGES
OAB/GO XXXXXX
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Subseção Judiciária de Itumbiara/GO Juizado Especial Cível e Criminal Adjunto à Vara Federal da SSJ de Itumbiara/GO PROCESSO: 1001369-56.2024.4.01.3508 CLASSE: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL …
Subseção Judiciária de Itumbiara/GO Juizado Especial Cível e Criminal Adjunto à Vara Federal da SSJ de Itumbiara/GO PROCESSO: 1001369-56.2024.4.01.3508 CLASSE: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436) AUTOR: LAURA FERNANDA DIAS CAMPOS Advogado do(a) AUTOR: RITA DE CASSIA PEREIRA BORGES - GO28280 TERCEIRO INTERESSADO: CENTRAL DE ANÁLISE DE BENEFÍCIO - CEAB/INSS REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS SENTENÇA TIPO "A" - RESOLUÇÃO Nº. 535/06-CJF SENTENÇA Relatório dispensado (Lei 9.099/1995, artigo 38 e Lei 10.259/2001, artigo 1º). Trata-se de ação cível proposta por LAURA FERNANDA DIAS CAMPOS em desfavor do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, cujo pedido é a concessão de benefício assistencial à pessoa portadora de deficiência. Tenho por presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, merecendo destaque a existência de interesse processual por parte do autor, mormente porque o INSS indeferiu seu requerimento administrativo de benefício assistencial apresentado em 27/11/2023 (ID 2130484110). Quanto à prejudicial de mérito, declaro, desde já, prescrita a pretensão referente a crédito vencido em data anterior ao quinquênio imediatamente anterior ao ajuizamento desta ação, que se deu em 04/06/2024. Não há, assim, preliminares ou prejudiciais que impeçam a apreciação do mérito da presente ação previdenciária, na porção referente ao crédito vencido em data posterior a 04/06/2019, apreciação que passo a fazer. Para fruição do benefício de assistência social previsto no art. 203, V, da Constituição da República, no valor de um salário mínimo por mês, a legislação de regência impõe a necessidade da satisfação de dois requisitos. O primeiro em forma alternativa: deficiência que incapacite tanto para a vida independente como para o trabalho ou idade mínima de 65 anos (Lei 8.742/1993, artigo 20, caput, primeira parte; Lei 10.741/03, artigo 34, caput). O segundo se traduz na impossibilidade de a pessoa pleiteante prover sua manutenção ou tê-la provida por sua família (Lei 8.742/1993, artigo 20, caput, parte final). a) Incapacidade como requisito para fruição do benefício assistencial. Suficiência, em regra, de que gere óbice à atividade laboral. Desnecessidade de que, além disso, inviabilize a vida independente. Caso excepcional do menor deficiente. Suficiência de que a deficiência inviabilize atividades compatíveis com sua idade. Descabimento, no caso, da análise da capacidade laboral. Data de Início do Benefício coincide, em regra, com a Data do Requerimento Administrativo (ou da cessação administrativa da concessão anterior). Extravagância da aceitação de que a incapacidade somente surgiu durante a demanda judicial. Necessidade de prova desta situação excepcional. Doutrina. Jurisprudência. Quanto à incapacidade, anoto o seguinte: A interpretação que faço do artigo 20, §2º, da Lei 8.742/1993, não é no sentido de que a incapacidade para a vida independente deve tornar o requerente dependente da ajuda de terceiros para a consecução de suas necessidades vitais diárias. Basta que seja a pessoa incapaz de prover a própria subsistência por meio do trabalho: esta é, sem dúvida, incapaz para a vida independente, eis que, não tendo condições físicas para, por meio do trabalho, obter os recursos necessários a sua subsistência, estará, por depender da subvenção de terceiros, incapaz de viver de forma independente. A compreensão, que já me vinha de respeitável escólio doutrinário (por todos: Fábio Zambitte Ibrahim, Curso de Direito Previdenciário, 16ª edição, 2011, página 20), já fora sedimentada na Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU, Súmula n. 29) e mesmo adotada pela Advocacia Geral da União como recomendação vinculante a seus advogados e procuradores (AGU, Súmula n. 30), parece ter animado a alteração promovida na redação do §2º do artigo 20 da Lei 8.742/1993 promovida pela Lei 12.470/2011. Para aferição da referida incapacidade laboral, os parâmetros não devem ser exclusivamente os médicos, tratando-se, pelo contrário, de fenômeno multidimensional. Dessa forma, devem, além da limitação médica, ser analisadas as condições individuais do autor (sobretudo sua idade e nível de instrução) e as referentes ao meio social e ambiental em que vive (se hábeis absorver sua força de trabalho, consideradas as limitações médicas e as condições pessoais referidas). Trata-se de compreensão sustentada em doutrina (Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari, Manual de Direito Previdenciário, 11ª edição, 2009, páginas 579 e 580) e que encontra conforto na jurisprudência da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU, IUJEF n. 2005.83.00506090-2, Maria Divina Vitória, 17/12/2007), parecendo, outrossim, ter animado a alteração promovida na redação do §2º do artigo 20 da Lei 8.742/1993 pela Lei 12.470/2011. Tratando-se de menor de dezesseis anos, a incapacidade a ser comprovada para fins de percepção do amparo assistencial é aquela que decorre da doença/deficiência, e não a que resulta da própria condição de criança. Além disso, em que pese respeitável magistério doutrinário em sentido contrário (Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari, Manual de Direito Previdenciário, 11ª edição, 2009, página 666), tenho que não basta que o menor seja uma pessoa com deficiência, devendo tal deficiência torná-lo incapaz para as atividades e para a integração social compatíveis com sua idade, sendo dispensável a análise da incapacidade laboral. É essa a exigência depreendida do §2º do artigo 20 da Lei 8.742/1993 e detalhada pelos §§1º, 2º e 5º, do artigo 16 do Decreto 6.214/2007, sendo, ademais, explícita no §2º do artigo 4º deste Decreto. Não caberá, portanto, neste caso, negativa do benefício por ausência de incapacidade laboral (nesse sentido: Fábio Zambitte Ibrahim, Curso de Direito Previdenciário, 16ª edição, 2011, página 21). Constatada a incapacidade pelo perito nomeado por este juízo e havendo nos autos elementos que indiquem ser pretérita (exames, pareceres e laudos médicos, prescrição de medicamentos, por exemplo), em regra terá o benefício data de início (DIB) na data em que veiculado o pertinente requerimento administrativo pelo autor (DER), ou se este for anterior à data da cessação do benefício (DCB) que por ele estava em gozo, o dia posterior a esta (DCB) será a DIB do benefício concedido por este juízo. Isto é, da constatação pericial da incapacidade associada aos indigitados indicativos de surgimento em data pretérita, derivará a compreensão de que o segurado se encontrava incapaz quando veiculou a postulação administrativa perante o INSS (ou quando cessado administrativamente o benefício que vinha auferindo, quando a DCB for posterior à DER), sendo contrário à ordem natural das coisas (CPC, artigo 335), em tal contexto, imaginar que o segurado somente se tornou incapaz no curso da demanda judicial. Assim entendendo, não divirjo do magistério doutrinário que tenho por mais correto (Fábio Zambitte Ibrahim, Curso de Direito Previdenciário, 16ª edição, 2011, página 584), filiando-me, ademais, à jurisprudência sedimentada pela Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU, Súmula n. 22). Entretanto, nas situações em que o exame pericial indicar que a incapacidade surgiu em momento posterior à data de requerimento administrativo do benefício pelo segurado (DER) ou à data de cessação do benefício anterior (DCB), a data de início do benefício corresponderá à data indicada pelo expert ou, na ausência de sua especificação, à data em que elaborado o laudo pericial. Acolho, nesse ponto, orientação exarada pela Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU, PEDILEF 2005.84.00.501493-1, Élio Wanderley Siqueira, DJ 07/11/2008 e PEDILEF 2007.63.06.00.5169-3, Jacqueline Bilhalva, DJ 21/11/2008). b) Hipossuficiência como requisito para fruição do benefício assistencial. Critério legal da renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo. Relativização. Presunção relativa de miserabilidade (superação pela TNU da tese da presunção absoluta) que pode ser afastada mediante prova idônea produzida para o caso concreto. Possibilidade, por outro lado, de excepcional reconhecimento da miserabilidade de pessoa inserida em grupo familiar com renda per capita superior ao limite legal. Relativamente à impossibilidade de o requerente prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família, anoto o seguinte. De início, destaco que o critério legal de ¼ do salário mínimo, como renda familiar per capita máxima a gerar a miserabilidade que habilita o requerente ao benefício, é critério legal relativo, que tanto pode ser mitigado para estender o benefício a quem se insira em família com rendimento superior quanto pode ser relativizado para restringir o benefício a quem se insira em família com renda declarada inferior. Tanto o Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.112.557, 1ª Seção, Napoleão Maia Filho, DJe 20/11/2009), quanto o Supremo Tribunal Federal (RE 580.963, Pleno, Gilmar Mendes, DJe 14/11/2013), sedimentaram a compreensão de que o critério legal objetivo – estipulado no artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/1993 – de renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo não deve ser o único conducente à conclusão de apresentar o requerente a hipossuficiência necessária à percepção do benefício assistencial. Trata-se de orientação que já havia sido vertida na Súmula n. 11 da TNU (posteriormente cancelada), bem como no Enunciado n. 51 do Fórum Nacional dos Juizados Especiais Federais (FONAJEF), além de reclamada por segmentos da doutrina especializada (por todos: Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari, Manual de Direito Previdenciário, 11ª edição, 2009, páginas 666 e 667). Dessa forma, ao magistrado é dado, deparando-se com requerente cuja renda familiar per capita é superior a ¼ do salário mínimo, servir-se de critérios outros para concluir pela indigitada hipossuficiência. Sobre essa última situação – concessão de benefício assistencial àquele que tenha renda familiar per capita superior a ¼ do salário mínimo –, destaco o seguinte. A seguridade social é regida pelo princípio da seletividade (CF, artigo 194, parágrafo único, III) exatamente por, considerada a impossibilidade orçamentária e financeira de o Estado fazer cessar a pobreza em todos os seus graus, ser necessária a “delimitação do rol de prestações, ou seja, a escolha dos benefícios e serviços a serem mantidos pela seguridade social” (Wagner Balera, Noções Preliminares de Direito Previdenciário, 2004, página 87). Em tal situação, inevitável é que se efetuem as denominadas escolhas trágicas (Fábio Zambite Ibrahim, Curso de Direito Previdenciário, 16ª edição, 2011, página 67): dada a impossibilidade de se atenderem todas as demandas sociais na sua completa extensão, exclui-se o atendimento de algumas demandas de modo a possibilitar o atendimento daquelas tidas por prementes. Ora, referidas escolhas trágicas estão a cargo do legislador, eis que “essas decisões, fazendo uma opção num quadro de prioridades a que obrigam a escassez de recursos, devem ficar a cargo de órgão político, legitimado pela representação popular” (Gilmar Ferreira Mendes et. al, Curso de Direito Constitucional, 5ª edição, 2010, páginas 338 e 339). Tais opções feitas pelo legislador, em regra, não são suscetíveis de apreciação judicial, “a não ser em havendo manifesta arbitrariedade do legislador” (Gilmar Ferreira Mendes et. al, Curso de Direito Constitucional, 5ª edição, 2010, páginas 338 e 339). Pois bem. O que tenho é que o critério legal de ¼ do salário mínimo representa legítima escolha feita pelo legislador: na impossibilidade de fazer cessar a pobreza em todos os seus níveis, selecionou, legitimado pela representação popular, a necessidade premente (atendimento daqueles cuja renda familiar per capita seja de até ¼ do salário mínimo) tida como comportável nos sempre limitados recursos orçamentários. Somente me servirei da possibilidade aberta pelos julgados acima referidos – qual seja, de, servindo-me de critérios ‘outros’, conceder o benefício assistencial a pessoa que tenha renda per capita familiar superior a ¼ do salário mínimo – em excepcionalíssimas hipóteses, nas quais seja constatado que o grupo familiar suporta, para sua subsistência, despesas não usuais, não encontradiças nas famílias em geral, tais como remédios em valores manifestamente desproporcionais a seus rendimentos, alimentação/vestuário/transporte que, pelas peculiares necessidades que revela o grupo familiar, esteja a causar gravame excepcional. De forma inversa, anoto que, ainda que a renda familiar per capita do requerente seja inferior a ¼ do salário mínimo, não haverá presunção absoluta de sua miserabilidade, mas, tão somente, presunção relativa. É dizer, tendo renda inferior ao limite legal, presume-se pobre e, portanto, habilitado ao benefício assistencial. Tal presunção, porém, pode ser afastada no caso concreto quando existentes provas de que não se encontra o requerente em estado de miserabilidade, seja por perceber contínua ajuda de familiares que revelam condições de supri-lo, seja por indicarem as circunstâncias ter ele rendas outras não declaradas ou por qualquer outra circunstância que permita afirmar não estar ele em situação de miserabilidade. Trata-se de compreensão que, assim, alinha-se com a concepção constitucional do caráter seletivo da seguridade social – deve selecionar aqueles que realmente dela necessitem (CF, artigo 194, II) – e, especificamente quanto à assistência social, do caráter subsidiário, devendo ser prestado apenas a “quem dela necessitar” (CF, artigo 203, caput). Nesse contexto, embora complexa a discussão no seio da jurisprudência, tem-se que o anterior entendimento do Superior Tribunal de Justiça (Resp 1.112.557, 3ª Seção, Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 20/11/2009) pela presunção absoluta de miserabilidade foi superado pela Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (Pedilef 5009459-52.2011.4. 04.7001, Paulo Ernane Moreira Barros, 09/04/2014 e Processo 5000493-92.2014.4.04.7002, Daniel Machado da Rocha, 14/04/2016) e à luz do entendimento do Supremo Tribunal Federal manifestado na Rcl 4374 (Gilmar Mendes, Pleno, DJe 04/09/2013). Registre-se que a tese da presunção relativa da miserabilidade – à qual me filio – vem sendo constante e recentemente reiterada pela jurisprudência da TNU (Rcl 0000083-72.2020.4.90.0000, Fábio de Souza Lima, DOU 10/09/2020), do STJ (AgInt no REsp 1.738.928/SP, Segunda Turma, Rel. Ministro Francisco Falcão, DJe 10/09/2019; PUIL 75/PR 2016/0118138-2, Primeira Seção, Rel. Ministro Francisco Falcão, DJe 30/11/2020) e do TRF1 (AC 0022822-07.2016.4.01.9199, 1ª Câmara Regional Previdenciária da Bahia, Rel. Juiz Federal Saulo José Casali Bahia, e-DJF1 20/09/2018). Destarte, tenho que, mesmo em situações em que a renda familiar per capita seja inferior ao critério legal de ¼ do salário mínimo, sendo concretamente rechaçada a presunção, pode a miserabilidade ser afastada, já que a renda é apenas um critério – objetivo – e não o único para a aferição da hipossuficiência necessária à percepção do benefício assistencial. c) Exclusão do cômputo da renda familiar para aferição da renda per capita: (i) dos benefícios assistenciais e previdenciários recebidos por idosos e incapazes no valor de um salário mínimo; (ii) dos rendimentos de pessoas que não se compreendam no conceito legal de família. Em passo seguinte, abordo os rendimentos que podem ser excluídos da renda familiar na apuração de mencionada renda per capita. Inicialmente, imprescindível é a fixação do conceito de família, para os fins da percepção do benefício assistencial em questão: conceito amplo de família implica em contabilizar rendas de contingente amplo de pessoas, o que, aumentando a renda familiar, pode prejudicar o requerente, eis que sua renda familiar per capita tenderá a superar o limite legal de ¼ do salário mínimo; conceito restrito de família implica em excluir rendas de contingente amplo de pessoas, o que, reduzindo a renda familiar, pode beneficiar o requerente, eis que sua renda familiar per capita tenderá a comportar-se no limite legal de ¼ do salário mínimo. O que tenho por decisivo para dirimir a controvérsia – que é profunda entre os estudiosos – é a premissa que desenvolvi linhas acima: no contexto em que os recursos orçamentários sempre serão inferiores às necessidades sociais a que deveriam fazer frente, cabe ao legislador – não ao juiz –, legitimado pela vontade popular, efetuar as denominadas escolhas trágicas. Ora, é exatamente no exercício de tal missão que compreendo ter sido elaborado o conceito legal de família para fins de percepção do benefício assistencial (Lei 8.742/1993, artigo 20, §1º). Estabelecendo aqueles cuja renda deve ser contabilizada para apuração da renda familiar per capita, definiu o legislador a decantada subsidiariedade da atuação Estatal em matéria de assistência social: por um lado, somente atua o Estado se a renda daquelas pessoas enumeradas no dispositivo legal não for suficiente à subsistência do requerente; por outro, não se nega o Estado a atuar quando renda de pessoas outras, não compreendidas no conceito de família estabelecido pelo legislador, pudessem fazer frente à subsistência do requerente. Com esses fundamentos, não adiro à respeitável compreensão doutrinária (que animou, por exemplo, a edição do Enunciado n. 51 do FONAJEF) que preconiza poder o magistrado estender o conceito de família estabelecido no artigo 20, §1º, da Lei 8.742/1993 para abranger pessoas ali não elencadas: repito que a atribuição de selecionar normativamente – o que fez também ao elencar as pessoas cujos rendimentos podem obstar a atuação assistencial estatal – o contingente de pessoas titulares do benefício assistencial em questão é do legislador, não do juiz. Por isso, fico com a compreensão consagrada na Turma Nacional de Uniformização (Pedilef 2006.63.01.052381-5, Alcides Saldanha Lima e Pedilef 0054205-83.2011.4.03.6301, Frederico Augusto Leopoldino Koehler, 21/10/2015), compreensão que me vem também de respeitável escólio doutrinário (Fábio Zambitte Ibrahim, Curso de Direito Previdenciário, 16ª edição, página 20): a interpretação do conceito de família deve ser restritiva, atendo-se aos estritos termos da definição legal presente no artigo 20, §1º, da Lei 8.742/1993. Dessa forma, somente se incluem no conceito de família do requerente, para fins de apuração de sua renda familiar per capita, as pessoas expressamente enumeradas no artigo 20, §1º, da Lei 8.742/1993. Devem, a um só tempo: (1) relativamente ao requerente, “viver sob o mesmo teto” e (2) ter com o requerente as estritas relações de parentesco elencadas na norma (“o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados”). Donde concluo, por exemplo, que a renda do filho solteiro não deve ser computada, se residir em local diverso do requerente. Também não deve ser computada a renda do tio, que viva sob o mesmo teto do requerente. Ainda a propósito da exclusão de rendimentos na apuração da renda familiar per capita, conforme já reclamava a doutrina (Fábio Zambite Ibrahim, Curso de Direito Previdenciário, 16ª edição, 2011, página 18), o Supremo Tribunal Federal (RE 580.963, Pleno, Gilmar Mendes, DJe 14/11/2013 – julgado já acima referido), reconheceu a existência de discriminação inconstitucional no artigo 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso). Isso porque, ao permitir que a renda decorrente de beneficio assistencial recebido por idoso seja excluída do cômputo da renda familiar para o fim da percepção de benefício assistencial por outro idoso, concede aos idosos que recebem benefício assistencial privilégio indevidamente não estendido aos idosos que recebem benefício previdenciário de um salário mínimo e aos deficientes que recebem benefício assistencial (que não poderiam excluir tais benefícios do cômputo da renda familiar para o fim da percepção do benefício assistencial por outro membro do grupo familiar). Por isso, tanto os benefícios assistenciais recebidos por idosos, quanto os benefícios previdenciários de um salário mínimo recebido por idosos e os benefícios assistenciais recebidos por deficientes não deverão ser computados na renda familiar para o fim da concessão do benefício em apreço. Trata-se de orientação que foi exaustivamente adotada pelo Superior Tribunal de Justiça (AgInt no AREsp 923.074/SP, Segunda Turma, Rel. Ministro Francisco Falcão, DJe 17/09/2018; AgInt no REsp 1.831.410/SP, Primeira Turma, Rel. Ministra Regina Helena Costa, DJe 27/11/2019; REsp 1.832.289/PE, Segunda Turma, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 04/12/2020) e pelos Tribunais Regionais Federais (TRF1, AMS 0001351-54.2012.4.01.3805, 1ª Câmara Regional Previdenciária de Minas Gerais, Rel. Juíza Federal Luciana Pinheiro Costa, e-DJF1 27/09/2018; TRF4, AC 5000441-10.2016.4.04.7202, Turma Regional Suplementar de Santa Catarina, Rel. Desembargador Federal Jorge Antônio Maurique, 06/11/2019). Recentemente, seguindo essa linha de compreensão e acolhendo a jurisprudência majoritária, houve alteração legislativa trazida pela Lei n. 13.982/2020, que conferiu nova redação ao 14º do artigo 20 da Lei n. 8.742/1993, qual seja: “o benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo”. Assim sendo, não resta qualquer dúvida acerca da obrigatoriedade de exclusão do cômputo da renda familiar dos benefícios assistenciais ou previdenciários de um salário mínimo recebidos por idosos ou por deficientes. Nesse ponto, concluo que, articulando-se as supramencionadas compreensões, a exclusão no cômputo da renda familiar da renda de um salário mínimo de benefício assistencial ou previdenciário de idoso ou deficiente, resultando em renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo, não conduzirá à automática procedência do pedido, já que a presunção relativa de miserabilidade poderá ser afastada no caso concreto, como, por exemplo, quando a renda excluída de um salário mínimo servir ao sustento de grupo familiar de apenas duas pessoas sem despesas excepcionais, isto é, quando a realidade - que não pode ser desconsiderada em matéria de direitos sociais (princípio da realidade) - indicar renda familiar per capita equivalente ao dobro exigido pela lei. d) Princípio da subsidiariedade. Conformação pela TNU (Processo 0517397-48.2012.4.05.8300). Descabimento da assistência social estatal quando particulares (família ou sociedade) estejam a assistir de forma idônea o requerente. Superação da discussão sobre quais rendas podem ser excluídas do cômputo da renda familiar para aferição da renda per capita. Ética do respeito aos precedentes. Ocorre que a discussão posta na primeira parte do tópico ‘b’ supra restou parcialmente prejudicada. É que no julgamento do Processo 0517397-48.2012.4.05.8300 (Relator Juiz Federal Fábio César dos Santos Oliveira, julgamento concluído em 23/02/2017) a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais deu conformação ao princípio da subsidiariedade como regente da atuação positiva estatal na concessão do benefício assistencial em questão. Afirmou-se, em síntese, com apoio em respeitável magistério doutrinário, que “quando alguma tarefa pode ser cumprida pelo homem ou grupos sociais, bem como pelo Estado, deve-se dar preferências aos primeiros”. Consagrou-se, assim, a seguinte tese: “o benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar demonstrado que os devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua manutenção”. Em síntese, presente pessoa que, ainda que não integrante do conceito de família aludido no tópico ‘b’, esteja a suprir de forma adequada as necessidades alimentares do requerente, descabida será, em nome do princípio da subsidiariedade, a assunção do dever pelo Estado via prestação do benefício assistencial aqui postulado. Trata-se de julgado que vem sendo referido na doutrina especializada como necessário ao enfrentamento atual do tema (assim, Frederico Amado, Curso de Direito e Processo Previdenciário, 10ª edição, 2018, página 52). A aplicação do entendimento consolidado por Tribunal de Uniformização, quando verificada semelhança de casos, deve ser observada, sendo certo que este julgador tem sido fiel à ética do respeito aos precedentes, isto é, uma vez definida determinada tese jurídica à luz da orientação jurisprudencial majoritária ou de racional extração interpretativa do ordenamento jurídico, tal tese jurídica é aplicada em todos os casos a ela referentes, imposição que se tem dos princípios da segurança jurídica e do tratamento isonômico dos jurisdicionados, conforme impõe o mais autorizado escólio doutrinário (Luiz Guilherme Marinoni, A Ética dos Precedentes, 2ª edição, 2016, páginas 103 a 114) e o Código de Processo Civil (p. ex. art. 927). e) Caso concreto. Não constatado impedimento de longo prazo pelo perito judicial. No laudo médico pericial juntado a estes autos (ID 2153249235), o perito médico declarou que a autora lhe informou: i) data de nascimento: 18/02/2004 (21 anos); ii) ter como nível de instrução o segundo grau completo; iii) profissão ou atividade habitual “maquiadora” e “operadora de caixa”. O expert atestou que a autora é portadora de Hipertensão Intracraniana (CID10: G93), sendo submetida a tratamento cirúrgico em 09/09/2023 para colocação de válvula ventriculoperitonial, que se encontra posicionada adequadamente (item “a” e anamnese). O perito informou que a autora está realizando tratamentos médico e medicamentoso, apresentando bom prognóstico (item “e”). Por fim, concluiu pela inexistência do impedimento de longo prazo e pela aptidão para o labor (itens “c”, “f”, “g” e “k”). Há de se ressaltar que, em matéria de LOAS, não é necessário constatar a incapacidade laboral, bastando que o quadro biológico, eventualmente associado ao social, coloque a pessoa em situação de desigualdade com as demais nos aspectos gerais afetos à vida social, conforme artigo 20, §2° da Lei 8.742/1993. Para corroborar, destaco o recente Tema 173 da TNU editado no julgamento do PEDILEF 0073261-97.2014.4.03.6301/SP em sede de embargos de declaração, e transitado em julgado em 06/03/2020, de que “para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de incapacidade laborativa, exige a configuração de impedimento de longo prazo com duração mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde o início do impedimento até a data prevista para a sua cessação” (TNU, 0073261-97.2014.4.03.6301/SP, Sérgio de Abreu Brito, 25/04/2019). Acrescente também a Súmula 48 da TNU, que teve sua redação alterada na Sessão de 25/04/2019, passando a possuir a mesma redação do Tema em destaque. No presente caso, mesmo a autora apresentando quadro de hipertensão intracraniana, não foi constatado qualquer impedimento que, associado ao quadro social, dificulte a sua participação de forma plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Lado outro, não há contradição entre o laudo pericial e os documentos coligidos aos autos. Primeiro porque a patologia alegada na exordial e comprovada nos autos, qual seja, hipertensão intracraniana (ID 2130483562), foi avaliada na perícia realizada pelo douto médico judicial (ID 2153249235). Não há, com efeito, omissão substancial no laudo, isto é, patologia comprovada nos autos com aptidão de alterar a perícia e não analisada. Segundo porque inexistem exames médicos ou processo de regulação interna no SUS para procedimento médico frontalmente incompatíveis com conclusão pericial. Não havendo frontal divergência entre a conclusão pericial e tais documentos médicos, remanesce apenas eventual pronunciamento diverso do(s) médico(s) assistente(s) da parte, via relatório ou atestado sugestivos de incapacidade/impedimento, merecendo prevalecer a conclusão pericial porque o perito, além de ostentar conhecimentos técnicos especializados para o exame de tais fatos, é equidistante das partes e se baseou em documentos acostados aos autos (assim: TRF1, AC 0033453-49.2013.4.01.3400, Marcelo Velasco Nascimento Albernaz (convocado), Oitava Turma, e-DJF1 16/08/2019). Não há, ademais, contradição interna no laudo pericial, já que a conclusão pericial de ausência de incapacidade/impedimento é compatível com as respostas apresentadas pelo perito aos demais quesitos. Não há quesitos com respostas sugestivas do impedimento negada na conclusão. No tocante à impugnação apresentada (ID 2169658200), importante se faz ressaltar que as assertivas, por si sós, não possuem o condão de afastar o laudo produzido, em cuja elaboração foram consideradas as condições pessoais e sociais da postulante, bem como todos os documentos médicos constantes nos autos, numa análise ancorada nas diretrizes legais vigentes, na experiência pessoal e profissional do especialista e também na literatura médica especializada. Destaco, ainda, que o perito do juízo trabalha sob a nota da imparcialidade, tendo realizado a anamnese, inteirando-se do histórico do periciado, realizou exame clínico na sala de perícias e respondeu aos quesitos de forma a retratar a inexistência da alegada incapacidade laborativa. Ademais, não foram apresentados elementos hábeis e suficientes para anular a conclusão do perito oficial. Ausente o requisito de impedimento de longo prazo, não há, sob a égide da legislação de regência, embasamento à concessão de benefício assistencial pleiteado pela parte autora. Em virtude disso, faz-se desnecessária a análise da hipossuficiência. DISPOSITIVO Com fundamento no exposto, JULGO IMPROCEDENTE a pretensão deduzida na inicial, extinguindo o processo com resolução de mérito nos moldes do art. 487, inc. I, do Código de Processo Civil. Sem custas e tampouco honorários advocatícios (art. 55 da Lei 9.099/95). Defiro o pedido de gratuidade da justiça, nos termos do artigo 98 e seguintes do Código de Processo Civil, considerando a declaração de hipossuficiência firmada pela autora (ID 2130484543, p. 2), uma vez que inexiste nos autos elementos que a desconstituam. Oportunamente, arquivem-se os autos. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Itumbiara/GO, (data da assinatura eletrônica). (assinado eletronicamente) FRANCISCO VIEIRA NETO Juiz Federal AA
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