Processo nº 1000426-45.2021.8.11.0044
ID: 295930180
Tribunal: TJMT
Órgão: Regime de Cooperação da 2ª Câmara de Direito Público
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1000426-45.2021.8.11.0044
Data de Disponibilização:
11/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO REGIME DE COOPERAÇÃO DA 2ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO Número Único: 1000426-45.2021.8.11.0044 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral] …
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO REGIME DE COOPERAÇÃO DA 2ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO Número Único: 1000426-45.2021.8.11.0044 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Indenização por Dano Moral] Relator: Des(a). AGAMENON ALCANTARA MORENO JUNIOR Turma Julgadora: [DES(A). AGAMENON ALCANTARA MORENO JUNIOR, DES(A). DEOSDETE CRUZ JUNIOR, DES(A). LUIS OTAVIO PEREIRA MARQUES] Parte(s): [ESPÓLIO DE ELIAS ANDRE DE LIMA SANCHES registrado(a) civilmente como ELIAS ANDRE DE LIMA SANCHES - CPF: 975.664.030-87 (APELANTE), ALINE APARECIDA RODRIGUES - CPF: 026.144.071-35 (ADVOGADO), MARCOS GATTASS PESSOA JUNIOR - CPF: 922.353.361-91 (ADVOGADO), NADIA FRAZZON SAMARA - CPF: 002.172.920-46 (APELANTE), S. Y. S. S. - CPF: 085.718.961-19 (APELANTE), M. C. S. S. - CPF: 100.028.001-28 (APELANTE), MUNICIPIO DE GAUCHA DO NORTE - CNPJ: 01.614.539/0001-01 (APELADO), JOSE EDUARDO DE ANDRADE SANTOS - CPF: 038.069.401-85 (ADVOGADO), ESPÓLIO DE ELIAS ANDRE DE LIMA SANCHES registrado(a) civilmente como ELIAS ANDRE DE LIMA SANCHES - CPF: 975.664.030-87 (TERCEIRO INTERESSADO), NADIA FRAZZON SAMARA - CPF: 002.172.920-46 (REPRESENTANTE/NOTICIANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a REGIME DE COOPERAÇÃO DA 2ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). DEOSDETE CRUZ JUNIOR, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO. E M E N T A DIREITO ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. PUBLICAÇÃO DE PORTARIA QUE TRANSCREVE DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE EXCESSO. EXERCÍCIO REGULAR DO PODER DISCIPLINAR. DESPROVIMENTO. I. CASO EM EXAME 1. Apelação cível interposta contra sentença que julgou improcedente o pedido de indenização por danos morais, formulado por herdeiros de servidor público municipal em razão da publicação de portaria que instaurou sindicância administrativa e transcreveu denúncia recebida pela ouvidoria. 2. Alegação de que a exposição de conteúdo ofensivo na portaria e sua repercussão na imprensa local causaram constrangimento, abalo à imagem e prejuízo à saúde do servidor, contribuindo para seu falecimento. 3. Sentença que reconheceu a regularidade do procedimento administrativo instaurado e a inexistência de ilicitude na publicação da portaria. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 4. A questão em discussão consiste em saber se a transcrição integral da denúncia na portaria de instauração da sindicância, com subsequente divulgação, configura ato ilícito ensejador de indenização por danos morais. III. RAZÕES DE DECIDIR 5. A publicidade dos atos administrativos, inclusive em procedimentos disciplinares, é regra prevista no art. 37, caput, da CF/1988, podendo ser mitigada em casos que exijam resguardo à intimidade, honra ou imagem. 6. A sindicância foi instaurada com base em denúncia formal recebida pela ouvidoria e conduzida segundo as normas legais e regulamentares locais. 7. A simples transcrição da denúncia na portaria não configura excesso ou violação a direito de personalidade quando feita no exercício regular da função administrativa e sem dolo específico de prejudicar. 8. A jurisprudência do STJ (Súmula 641) não exige exposição detalhada dos fatos, mas também não veda sua descrição, desde que necessária à instrução do feito. 9. Ausente demonstração de ato ilícito ou de dano moral indenizável, não há responsabilidade civil do ente público. IV. DISPOSITIVO E TESE 10. Recurso conhecido e desprovido. Tese de julgamento: “1. A transcrição de denúncia em portaria de instauração de sindicância administrativa não configura, por si só, ato ilícito ensejador de indenização por danos morais, quando realizada no exercício regular do poder disciplinar da Administração Pública. 2. A publicidade dos atos administrativos disciplinares deve observar o princípio da transparência e os limites legais de proteção à honra e à imagem, sem que isso implique vedação à exposição dos fatos objeto da apuração.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 5º, X e XIV, e 37, caput; CPC, arts. 373, I, e 487, I; Lei nº 8.112/1990, art. 150; Lei nº 9.784/1999, art. 46. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula 641; TJMT, Apelação Cível nº 1001953-92.2020.8.11.0044, Rel. Des. Mario Roberto Kono de Oliveira, 2ª Câmara de Direito Público e Coletivo, j. 10.11.2022. R E L A T Ó R I O EXMO. SR. DR. AGAMENON ALCÂNTARA MORENO JUNIOR Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de apelação interposto por NÁDIA FRASSON SAMARA, SOPHIA YASMIM SAMARA SANCHES e M. C. S. S., herdeiros de ELIAS ANDRÉ LIMA SANCHES, contra a sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara da Comarca de Paranatinga/MT que, nos autos da ação n. 1000426-45.2021.8.11.0044 ajuizada em face do Município de Gaúcha do Norte, julgou improcedente o pedido de indenização por danos morais. Em suas razões recursais, os apelantes alegam, em síntese, que o autor, à época atuando no cargo de controlador interno do Município de Gaúcha do Norte, sofreu danos morais em razão da publicação da Portaria n. 682/2020, a qual instaurou sindicância administrativa para apurar supostas condutas irregulares atribuídas ao servidor. Aduzem que a referida portaria transcreveu integralmente o conteúdo da denúncia formulada, contendo termos ofensivos à honra e à imagem do autor, principalmente quanto à menção de “arquivos de pornografia armazenados no equipamento público”. Sustentam que houve vazamento destas informações para a imprensa local, amplificando o dano. Argumentam que a divulgação da portaria com termos inadequados e a exposição desnecessária de fatos ainda em fase de apuração violaram os princípios da dignidade da pessoa humana e do sigilo necessário em procedimentos administrativos disciplinares, conforme previsto no art. 150 da Lei 8.112/90 e no art. 46 da Lei 9.784/99. Alegam que, em decorrência da divulgação, o autor e sua família sofreram intenso constrangimento social, sendo ele compelido a mudar de cidade, o que teria contribuído, inclusive, para o agravamento de seu estado de saúde, culminando em seu falecimento precoce. Invocam a Súmula 641 do STJ para defender que a portaria de instauração do processo administrativo disciplinar prescinde da exposição detalhada dos fatos a serem apurados. Nesses termos, pugnam pela reforma da sentença, com a condenação do município apelado ao pagamento de indenização por danos morais. Devidamente intimado, o apelado deixou de apresentar contrarrazões. O Ministério Público, em parecer, manifestou-se pelo desprovimento do recurso, por entender que a administração municipal agiu dentro dos limites da atividade sancionatória e que a descrição dos fatos na portaria servia aos propósitos legítimos da atividade administrativa (id 248029650). É o relatório. V O T O - R E L A T O R Egrégia Câmara: Inicialmente, registro que o recurso apresentado preenche os requisitos extrínsecos, tais como regularidade formal e preparo, assim como os requisitos intrínsecos, incluindo cabimento, legitimidade, interesse recursal e a inexistência de fato extintivo ou impeditivo do direito de recorrer, o que autoriza o reconhecimento de sua admissibilidade e a consequente análise do mérito da pretensão recursal. Conforme se verifica do relatório, o presente recurso busca a reforma da sentença proferida pelo Juízo de primeiro grau, que julgou improcedentes os pedidos da ação de n. 1000426-45.2021.8.11.0044 com fundamento no art. 373, inciso I do Código de Processo Civil. Os apelantes sustentam, em síntese, que a descrição pormenorizada dos fatos imputados ao servidor na portaria de instauração da sindicância, teria causado danos à sua honra e imagem perante colegas de trabalho e a sociedade local, agravados pela divulgação das acusações pela imprensa. O juízo de origem, em 27 de junho de 2024, proferiu sentença nos seguintes termos: “Após detida análise aos argumentos e provas acostados aos autos pelo autor, verifico que não merece prosperar o pedido de indenização por danos morais pleiteados pelo autor. Primeiramente, cumpre aqui esclarecer que, embora este juízo tenha anulado a penalidade máxima de demissão decretara pelo Prefeito de Gaúcha do Norte, após regular instrução nos autos de nº 1001610- 36.2021.8.11.0044, não foi possível constatar a existência de irregularidade no processo de sindicância outrora instaurado em face do autor. Sobre o assunto, transcrevo parte da fundamentação da sentença prolatada nos autos de nº 1001610-36.2021.8.11.0044: “(...) Em detida análise ao procedimento preliminar de sindicância instaurado pela comissão processante, tenho que regular os atos preliminarmente realizados, considerando a intimação do autor/servidor, apesar de seu não comparecimento, bem como tomada da oitiva das pessoas mencionadas na Denúncia Anônima formalizada em 22.12.2020 perante a ouvidoria municipal. Nota-se que, nesse procedimento prévio, a legislação municipal não prevê a necessidade de intimação do indiciado para apresentação de defesa, salvo quando o sindicante entender que a penalidade cabível é apenas de advertência ou suspensão. No presente caso, por óbvio, o sindicante não entendeu pela aplicação de pena imediata, mas entendeu pela existência de elementos mínimos que demonstram a transgressão da Lei Municipal nº 132/2001 e determinou o encaminhamento deste para a autoridade superior para as providências nos termos do artigo 207, da Lei nº 132/2001 que resultou na instalação de Procedimento Disciplinar Administrativo. (...)”. Ressalta-se que foram outras as razões que levaram a decretação da nulidade do procedimento administrativo que foi instruído após a finalização da sindicância regularmente precedida pelo município de Gaúcha do Norte. Nesse sentido, a simples instauração de sindicância pela municipalidade, regularmente instaurado e conduzidos para averiguar possíveis condutas irregulares de funcionário, não são capazes de gerar prejuízos ao autor, por si só, e não caracteriza a prática de um ato capaz de ensejar dano moral, pouco importando o resultado apurado posteriormente. A conduta da municipalidade se insere nas prerrogativas constitucionais e legais do poder público que tem como dever instaurar o competente expediente administrativo para apurar fato que foi levado a seu conhecimento, tudo em nome do interesse público e da probidade administrativa. [...] Nota-se que a portaria de instauração da sindicância somente descreveu os fatos que seriam apurados, devendo ser levado em consideração que sua eventual publicação de forma genérica também poderia ensejar em nulidade, eis que poderia dificultar a apresentação de defesa pelo servidor, ora autor, cujas condutas estariam sendo apuradas. Desta feita, não foi possível verificar qualquer ato ilícito praticado pela municipalidade no que concerne a publicação da sindicância instaurada, o qual decorreu em obediência à legislação vigente. Portanto, não demonstrada pela parte autora, ônus que lhe competia (art. 373, I, do CPC), a ocorrência de qualquer abalo moral, não sendo este presumível, descabe acolher o pleito de condenação do apelado ao pagamento de indenização por danos morais. De forma que, não havendo elementos a sedimentar a pretensão de indenização, a ação deve ser julgada improcedente. Diante de todo o exposto, com fundamento no artigo 487, inciso I, do novel Código de Processo Civil, julgo totalmente improcedentes os pedidos aduzidos pela parte autora na exordial. [...]” [Id. 239808247]. Com essas ponderações, passo à análise das insurgências recursais. A controvérsia central do presente caso reside em verificar se a publicação da Portaria n.º 682/2020 pelo Município de Gaúcha do Norte, que instaurou procedimento de sindicância em face do autor, com transcrição integral da denúncia recebida pela Ouvidoria Municipal, configura ato ilícito passível de indenização por danos morais. DA AMPLA DIVULGAÇÃO DA PORTARIA Para melhor compreensão da matéria, faz-se necessário analisar, inicialmente, o regime jurídico dos atos administrativos relacionados a procedimentos disciplinares, especialmente quanto à sua publicidade e aos limites a serem observados pela Administração Pública. O princípio da publicidade, consagrado no art. 37, caput, da Constituição Federal, impõe à Administração Pública o dever de dar conhecimento de seus atos à coletividade, como forma de assegurar a transparência na gestão pública e permitir o controle social. Não se trata, contudo, de princípio absoluto, comportando exceções quando necessário à proteção de outros valores constitucionalmente tutelados, como a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas (art. 5º, X, CF). Em matéria de procedimentos administrativos disciplinares, a tensão entre esses valores – publicidade, de um lado, e proteção à honra e à imagem, de outro – encontra equacionamento nas disposições legais que orientam a atuação da Administração Pública. Nessa toada, destaco a Lei n. 8.112/90 que dispõe sobre o “regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais”. Embora a Lei n.º 8.112/90 não seja diretamente aplicável aos servidores municipais, seus preceitos servem como parâmetro interpretativo, considerando tratar-se de diploma que disciplina de forma abrangente o regime jurídico dos servidores públicos civis. O art. 150 da referida lei estabelece que “a Comissão exercerá suas atividades com independência e imparcialidade, assegurado o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da administração”. Por sua vez, o art. 46 da Lei nº 9.784/99 que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, dispõe que: Art. 46. Os interessados têm direito à vista do processo e a obter certidões ou cópias reprográficas dos dados e documentos que o integram, ressalvados os dados e documentos de terceiros protegidos por sigilo ou pelo direito à privacidade, à honra e à imagem. Da interpretação sistemática desses dispositivos, depreende-se que o sigilo no processo administrativo disciplinar não é absoluto, mas instrumental, direcionado a dois objetivos específicos: (i) permitir a adequada elucidação dos fatos objeto de apuração; e (ii) proteger o interesse da Administração quando houver razões que o justifiquem. Ademais, o sigilo deve coexistir com as garantias fundamentais do contraditório e da ampla defesa, asseguradas no art. 5º, LV, da Constituição Federal. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de que “a portaria de instauração de processo administrativo disciplinar prescinde da exposição detalhada dos fatos a serem apurados” (Súmula 641). Contudo, essa orientação jurisprudencial não dispensa a Administração Pública de agir com cautela ao elaborar tais atos administrativos, evitando exposições desnecessárias que possam causar danos injustificados à honra e à imagem do servidor. Analisando os autos, denota-se que após a apresentação de denúncia na ouvidoria municipal – manifestação n.º 52/2020 - em 27/10/2020, ocorreu a abertura de processo administrativo disciplinar em face do servidor Elias André de Lima Sanches por meio da Portaria n.º 69/2021 (id. 239808152 - Pág. 1). Ato contínuo foi publicado a Portaria n.º 682 de Gaúcha do Norte, publicada em 22 de dezembro de 2020, que efetivamente transcreveu o teor da denúncia recebida pela Ouvidoria Municipal, relatando condutas supostamente praticadas pelo autor, incluindo a menção a “arquivos de pornografia armazenados no equipamento público”. Posteriormente, ocorreu a publicação da notícia sobre a instauração do processo administrativo em face do servidor conforme registro ao id. 239808155 - Pág. 1. A questão que se coloca é se tal exposição configuraria um excesso injustificável, capaz de caracterizar ato ilícito, ou se estaria dentro dos limites do exercício regular da função administrativa. No tocante à publicidade dos atos administrativos, princípio expressamente previsto no art. 37, caput, da Constituição Federal, tem-se que a regra é a divulgação ampla dos atos praticados pela Administração, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas em lei. O princípio da publicidade visa não apenas dar conhecimento do ato para gerar seus efeitos externos, mas também assegurar a possibilidade de controle da atuação administrativa pelos órgãos competentes e pela própria sociedade. Nessa toada, embora seja recomendável que as portarias de instauração de processos administrativos disciplinares limitem-se a indicar a constituição da comissão processante e o objeto genérico da apuração, sem adentrar em detalhes potencialmente prejudiciais à imagem do servidor investigado, a mera transcrição da denúncia recebida não configura, por si só, ato ilícito ensejador de indenização por danos morais. Isso porque, no caso em análise, a publicação da portaria insere-se no exercício regular do poder disciplinar da Administração Pública, que tem o dever-poder de apurar possíveis irregularidades praticadas por seus agentes. Não se verifica, nos autos, indícios de que a divulgação tenha sido motivada por intenção deliberada de prejudicar o autor ou que tenha extrapolado os limites necessários à consecução da finalidade pública. A própria existência da sindicância e do posterior processo administrativo disciplinar demonstra que havia fundamentos mínimos para a apuração das condutas denunciadas, não se tratando de procedimento manifestamente infundado ou temerário. Ademais, a publicação de atos administrativos, inclusive aqueles relacionados a procedimentos disciplinares, encontra amparo no princípio da publicidade, sendo essencial para garantir a transparência na gestão pública e permitir o controle social e institucional dos atos da Administração. O Tribunal de Justiça de Mato Grosso já teve oportunidade de se manifestar sobre questão semelhante, firmando entendimento de que a instauração de sindicância pela Administração Pública para apurar possíveis irregularidades cometidas por servidor insere-se no exercício regular de direito, não configurando, por si só, ato ilícito ensejador de indenização por danos morais, in verbis: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM SEDE DE RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS – INSTAURAÇÃO DE SINDICÂNCIA – AUSÊNCIA DE CONDUTA ILÍCITA DOS AGENTES PÚBLICOS – EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO – FALTA DE PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL – INOCORRÊNCIA DE ATO ILÍCITO – DANO MORAL NÃO CONFIGURADO – INEXISTÊNCIA DE DEVER REPARATÓRIO – REDISCUSSÃO DA MATÉRIA – INEXISTÊNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 1.022 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – RECURSO CONHECIDO E REJEITADO. Não demonstrado que a instauração de sindicância se deu de forma irregular ou injusta, agindo o agente público no exercício regular de direito e na qualidade de chefia de órgão público, inexiste prática de ato ilícito, logo, deve ser julgado improcedente o pedido de indenização por dano moral . O dano moral exige prova cabal e inequívoca de três pressupostos essenciais: conduta lesiva do agente (ato ilícito), nexo causal e prejuízo efetivo (dano). Ausente um destes requisitos, inviável deferir a reparação. Na forma do artigo 1.022 do Código de Processo Civil, os embargos de declaração são viáveis quando presente omissão, obscuridade ou contradição ou erro material na decisão recorrida, circunstâncias não evidenciadas no caso . Ainda que opostos com o objetivo de prequestionamento para viabilizar a abertura da via extraordinária, não podem ser acolhidos embargos quando inexistentes vícios que reclamem correção. (TJ-MT - ED: 00042073520188110000 MT, Relator.: DIRCEU DOS SANTOS, Data de Julgamento: 16/05/2018, TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, Data de Publicação: 23/05/2018). É importante destacar que, conforme consignado na própria sentença recorrida, em outro processo judicial (nº 1001610-36.2021.8.11.0044), o Juízo reconheceu a regularidade da sindicância instaurada em face do autor, tendo declarado a nulidade apenas do procedimento administrativo disciplinar que a ela se seguiu, por motivos não relacionados à publicação da portaria de instauração. DA RESPONSABILIDADE CIVIL Os apelantes alegam que houve vazamento das informações contidas na portaria para a imprensa local, o que teria amplificado os danos sofridos pelo autor. Para a configuração da responsabilidade civil e consequente dever de indenizar, é necessária a presença concomitante dos seguintes pressupostos: (i) conduta ilícita; (ii) dano; e (iii) nexo de causalidade entre a conduta e o dano. No caso em análise, conforme demonstrado anteriormente, não se verifica a ocorrência de conduta ilícita por parte do município apelado, uma vez que a publicação da Portaria nº 682/2020 inseriu-se no exercício regular do poder disciplinar da Administração Pública, amparado pelo princípio da publicidade. Mesmo que se reconhecesse a existência de eventuais constrangimentos decorrentes da publicação da portaria, tais situações configurariam, no máximo, meros dissabores inerentes às relações sociais e profissionais, não sendo suficientes para caracterizar dano moral indenizável. Além disso, a matéria jornalística juntada aos autos, intitulada “Gaúcha do Norte: Controlador Interno armazenava vídeos pornográficos”, não permite concluir, inequivocamente, que as informações nela contidas tenham sido repassadas pelo município apelado com o intuito deliberado de prejudicar o autor. Trata-se de conteúdo produzido por veículo de comunicação no exercício da liberdade de imprensa, baseado em informações que, a princípio, eram de acesso público. Ademais, o nexo de causalidade entre a publicação da portaria e os supostos danos alegados não restou demonstrado de forma inequívoca, especialmente quanto à alegação de que o autor teria sido compelido a mudar de cidade e que tal situação teria contribuído para o seu falecimento prematuro. Para que houvesse responsabilidade civil do município apelado pelo conteúdo veiculado na imprensa, seria necessária a comprovação, de forma cabal, de que agentes públicos municipais atuaram com dolo ou culpa no fornecimento de informações à imprensa com o intuito de prejudicar o autor, ônus do qual os apelantes não se desincumbiram (art. 373, I CPC). Nesse sentido: RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE REPARAÇÃO CIVIL POR DANOS MORAIS – AUSÊNCIA DA DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO – DANO MORAL NÃO RECONHECIDO – SENTENÇA MANTIDA - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. I - Não há provas de que a parte autora, tenha suportado algum abalo ou prejuízo que pudesse lhe causar um dano de ordem moral. II - A caracterização do dano moral depende da existência de ato ilícito e de que deste resulte violação a um dos atributos da personalidade, é preciso que haja situação aflitiva em grau significativo, sendo que meros dissabores não podem ensejar ressarcimento indenizatório a este título. JOÃO FERREIRA FILHO, PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO, Julgado em 27/11/2018, Publicado no DJE 11/02/2019) . III – Assim, impossível à aplicação do dano moral, razão pela qual a sentença de piso deve ser mantida. (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 1015223-35.2021.8 .11.0041, Relator.: SEBASTIAO DE MORAES FILHO, Data de Julgamento: 15/03/2023, Segunda Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 23/03/2023). Por fim, os apelantes alegam que o autor e sua família sofreram intenso constrangimento social em decorrência da publicação da Portaria nº 682/2020, a ponto de se verem compelidos a mudar de cidade. Contudo, os elementos probatórios constantes dos autos não são suficientes para comprovar, de forma satisfatória, a ocorrência desse dano extrapatrimonial. A prova testemunhal produzida não é conclusiva quanto à intensidade e à extensão dos supostos danos sofridos pelo autor. A testemunha Ângelo Silva de Oliveira, que afirmou ter recebido ligações do autor relatando constrangimentos, não reside na cidade de Gaúcha do Norte e não presenciou diretamente os fatos narrados. Por sua vez, a testemunha Fábio da Silva Souza afirmou expressamente que não tinha conhecimento se as acusações tiveram reflexo negativo para o autor. Ressalte-se que, para a configuração de dano moral indenizável, não basta a mera alegação de constrangimento ou desconforto; é necessária a comprovação de que o fato tenha causado sofrimento, humilhação ou abalo psicológico que extrapole o mero aborrecimento ou dissabor cotidiano, o que não restou suficientemente demonstrado no caso em análise. A propósito, apresento a seguir a jurisprudência deste Tribunal de Justiça: RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - PROMESSA DE COMPRA E VENDA DO IMÓVEL - FRAUDE PRATICADA POR SERVIDORES MUNICIPAIS - DANO MORAL - INOCORRÊNCIA - RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA - ARTIGO 37, § 6º, DA CF - ABALO NÃO DEMONSTRADO - INEXISTÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR - NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO EFETIVA DO DANO - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. - Segundo o art. 37, § 6º, da Constituição Federal, a administração pública responde objetivamente pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros. - A responsabilidade objetiva estatal demanda a comprovação de três requisitos: a conduta (ação ou omissão) ou fato da Administração, o nexo de causalidade e o dano . - no caso, embora se reconheça que o processo administrativo instaurado na comissão processante tenha causado dissabores ao autor, não se caracterizou o dano moral, ante a ausência de ato ilícito e nexo de causalidade, nem mesmo a comprovação de dano ou malícia que pudesse atingir a sua honra e moral. - Recurso de Apelação desprovido, sentença mantida. (TJ-MT - APELAÇÃO CÍVEL: 0000562-82.2011.8.11.0085, Relator.: VANDYMARA GALVAO RAMOS PAIVA ZANOLO, Data de Julgamento: 29/05/2024, Terceira Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 04/06/2024). RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL – CONVOCAÇÃO PARA PRESTAR ESCLARECIMENTO EM COMISSÃO QUE INVESTIGA DESVIO DE VERBA – PODER E DEVER DE INVESTIGAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – ABUSO OU EXCESSO NÃO DEMONSTRADO – AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO – DANO MORAL NÃO OCMPROVADO – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. 1. Segundo o art. 37, § 6º, da Constituição Federal, a Administração Pública responde objetivamente pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros . 2. Mesmo sob a ótica da responsabilidade objetiva, diante da falta de demonstração da existência de ato ilícito (abuso ou excesso na atuação do agente público do Estado) não se reconhece a responsabilidade civil dO MUNICÍPIO, a ensejar condenação para pagamento de indenização para reparação de dano moral. 3. NO CASO, embora se reconheça que o processo administrativo INSTAURADO NA COMISSÃO PROCESSANTE tenha causado dissabores ao AUTOR, não se caracterizou o dano moral, ante a ausência de ato ilícito e nexo de causalidade, nem mesmo a comprovação de dano ou malícia que pudesse atingir a SUA honra e moral. (TJ-MT - AC: 00013107420158110053, Relator.: GILBERTO LOPES BUSSIKI, Data de Julgamento: 18/07/2023, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 27/07/2023). Grifo nosso. Assim, não estando presentes os pressupostos da responsabilidade civil, não há que se falar em dever de indenizar por parte do município apelado. Diante do exposto, verifico que a sentença recorrida analisou adequadamente as questões fáticas e jurídicas relevantes para o deslinde da controvérsia, concluindo, acertadamente, pela improcedência do pedido de indenização por danos morais. À vista do exposto, CONHEÇO DO RECURSO E LHE NEGO PROVIMENTO, mantendo-se incólume a sentença recorrida por seus próprios fundamentos. Por derradeiro, majoro os honorários advocatícios em 2% (dois por cento) sobre o valor fixado, em observância ao artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 09/06/2025
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear