Processo nº 5540079-39.2020.8.09.0069
ID: 324055700
Tribunal: TJGO
Órgão: Guapó - Vara Cível
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 5540079-39.2020.8.09.0069
Data de Disponibilização:
14/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
ESTEVÃO DIAS FERREIRA
OAB/GO XXXXXX
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LEONARDO MARTINS MAGALHÃES
OAB/GO XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE GOIÁS
COMARCA DE GUAPÓ
1º CÍVEL, FAM. SUC. INF. JUV. E JEC
Praça João Rassi, Qd. 87, Cidade Nova de Guapó, Guapó - GO, CEP: 75.350-000,
E-mail- comarca.guapo@tjgo.jus.b…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE GOIÁS
COMARCA DE GUAPÓ
1º CÍVEL, FAM. SUC. INF. JUV. E JEC
Praça João Rassi, Qd. 87, Cidade Nova de Guapó, Guapó - GO, CEP: 75.350-000,
E-mail- comarca.guapo@tjgo.jus.br., Tel. 062-3216-7800
Guapó - Vara Cível
Processo n° 5540079-39.2020.8.09.0069
Natureza: PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Processo de Conhecimento -> Procedimento de Conhecimento -> Procedimento Comum Cível
Requerente/Exequente: Patrícia Rodrigues, CPF/CNPJ nº882.488.363-04
Requerido/Executado: Dourados Empreendimentos e Participações LTDA, CPF/CNPJ nº 20.193.101/0001-33
SENTENÇA
(Este ato devidamente assinado eletronicamente e acompanhado dos demais documentos necessários ao cumprimento do ato devido servirá como OFICIO/MANDADO/ALVARÁ, nos termos dos Artigos 368 I a 368 L (Provimento 002/2012) da Consolidação dos Atos Normativos da Corregedoria Geral de Justiça)
Trata-se de ação revisional de cláusula contratual ajuizada por PATRÍCIA RODRIGUES e CARLOS ALBERTO GRACIANO ARANTES em face de DOURADOS EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA e VIVER BEM EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS E PARTICIPAÇÕES LTDA, todos qualificados nos autos.
Em síntese, alegam os autores que, no em 19/09/2017, celebraram com as requeridas contrato de compromisso de compra e venda do imóvel de lote nº 18, da Quadra 11, na Rua Jair Batista Ferreira, no Residencial Jair Ferreira, em Abadia de Goiás/GO. Aduz que o contrato teria se tornado excessivamente oneroso, com aumento substancial do valor inicialmente contratado.
Em razão do exposto, a parte autora requer, em sede de liminar: a) o deferimento de consignação em pagamento do valor que entende devido, b) a suspensão de cobranças do valor controvertido, c) a manutenção do autor na posse do imóvel e d) a determinação de que as requeridas se abstenham de incluir o nome do autor nos cadastros de inadimplentes. Requer, ainda, a revisão das cláusulas contratuais (2ª, parágrafos 1º e 3º; 19ª) e a condenação da requerida ao pagamento de indenização por danos morais.
Inicial e documentos (evento 01).
Recebida a petição inicial, indeferiu-se a tutela de urgência (evento 10).
Os requeridos foram citados (eventos 28 e 30).
Audiência de conciliação infrutífera (evento 31).
As requeridas apresentaram contestação no evento 33, ocasião em que alegaram, preliminarmente, a incompetência do juízo em razão da existência de cláusula compromissória de arbitragem. No mérito, em síntese, alegaram inexistência de cláusulas abusivas no contrato, sustentando a regularidade dos valores cobrados a título de renegociação.
Em sede de pedido contraposto, requer a rescisão contratual por inadimplência.
Impugnação à contestação (evento 37).
Instados à produção de provas, as partes manifestaram (eventos 43 e 44).
Proferida sentença sem resolução do mérito (evento 46).
Embargos de declaração acolhidos (evento 57).
Interposto recurso de apelação, foi provido (evento 79).
Com o retorno dos autos, determinou-se a intimação das partes para informar o interesse na produção de provas (evento 95).
A parte requerida pugnou pelo julgamento antecipado da lide (evento 100).
Os autores requereram a produção de prova pericial (evento 101).
Designada nova audiência de conciliação, esta foi realizada e o Juízo determinou a expedição de mandado de avaliação do imóvel e apresentação de cálculo do saldo devedor (evento 150).
Os requeridos informaram o valor devido (evento 154).
Mandado de avaliação (evento 155).
Intimação das partes (eventos 161 e 162).
Extrato de débito apresentado no evento 177.
As partes manifestaram-se nos eventos 190 e 195.
Vieram-me os autos conclusos.
É o relatório. Decido.
Inicialmente, cumpre salientar a desnecessidade da produção das provas requeridas pela parte autora especialmente as provas periciais, pois a ação revisional de contrato tem como objeto matéria essencialmente de direito, a qual pode ser apreciada mediante a simples análise do instrumento contratual, com a interpretação de suas cláusulas e encargos pactuados, sendo desnecessária a produção de outras provas. Nesse sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AC?A?O REVISIONAL. INDEFERIMENTO DE PROVA PERICIAL CONTA?BIL. DESNECESSIDADE. SIMPLES ANA?LISE DOCUMENTAL. ART. 370 DO CPC. 1. Ao juiz, na condição de destinatário da prova, e? autorizado indeferir a produção de provas inúteis ou desnecessárias (art. 370 do CPC), analisando a necessidade de outras provas além daquelas já acostadas aos autos para formar seu livre convencimento. 2. Como a demanda originária envolve revisional de contrato de financiamento bancário, discutindo- se a legalidade das cláusulas pactuadas, cabe a parte autora demonstrar o excesso ou a irregularidade apontada, bem como a parte adversa refutar tais argumentos (art. 373, incisos I e II, CPC), não se mostrando necessária a intervenção do expert nesses casos. 3. Caso o julgador de 1º grau entenda que o arcabouço probatório dos autos seja suficiente para o julgamento, não ha? razão para o deferimento, em sede recursal, de outras provas. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHEC?O, MAS DESPROVIDO. (TJGO, PROCESSO CI?VEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Agravos -> Agravo de Instrumento 5560126- 47.2020.8.09.0000, Rel. Des(a). JOSE? CARLOS DE OLIVEIRA, 2a Câmara Cível, julgado em 12/04/2021, DJe de 12/04/2021) (grifo nosso).
Pelo exposto, com fulcro no art. 370, p. único, e art. 464, §1º, inciso II, ambos do CPC, INDEFIRO o pedido de produção de provas formulado pela parte autora.
De igual modo, homologo o laudo pericial de avaliação do imóvel acostado no evento 155, ante a existência de pedido contraposto de rescisão contratual e a possibilidade de produção de prova, inclusive de ofício, pelo Juízo, nos termos do art. 370 do CPC.
Procedo, portanto, ao julgamento do processo no estado em que se encontra, tendo em vista a plena capacidade das partes, a disponibilidade dos direitos e interesses em litígio e o fato de as provas documentais presentes no processo serem suficiente ao deslinde do caso, considerando a natureza da demanda e os fatos nela tratados.
Passo à análise das preliminares e prejudiciais de mérito aventadas pelas requeridas.
REJEITO a preliminar de incompetência do juízo, fundamentada na existência de cláusula compromissória de arbitragem, tendo por base a súmula nº 45 do Egrégio Tribunal de Justiça de Goiás:
Em se tratando de relação de consumo, inafastável a aplicação do artigo 51, VII do CDC, que considera nula de pleno direito cláusula que determina a utilização compulsória de arbitragem, ainda que porventura satisfeitos os requisitos do artigo 4º, §2º, da Lei nº 9.307/96, presumindo-se recusada a arbitragem pelo consumidor, quando proposta ação perante o Poder Judiciário, convalidando-se a cláusula compromissória apenas quando a iniciativa da arbitragem é do próprio consumidor.
Logo, em se tratando o caso de revisão contratual de compra e venda de imóvel proposta pelo consumidor/comprador, tenho que a respectiva súmula é plenamente aplicável ao caso em voga, sendo, portanto, nula a cláusula contratual que determina a utilização compulsória da arbitragem, conforme o entendimento previsto no artigo 51, inciso VII, do Código de Defesa do Consumidor, ainda que, porventura, satisfeitos os requisitos do art. 4º, §2º, da Lei nº 9.307/96.
Deste modo, deve ser reconhecida a competência da jurisdição estatal para apreciação e julgamento do feito. Nessa esteira, a propositura da ação pelo consumidor demonstra o seu desinteresse (renúncia tácita) quanto à instauração da arbitragem, outrora eleita.
Superadas as questões preliminares e prejudiciais, passo à análise do mérito.
MÉRITO
Presentes os pressupostos de existência e desenvolvimento válido do processo, bem como os requisitos para a entrega do provimento jurisdicional, sob essa premissa passo a analisar o mérito da demanda.
Dos elementos dos autos, nota-se que o cerne da questão, fática e de direito, resume-se na revisão contratual e na obrigação de fazer, consistente na conclusão de obras de infraestrutura, além de averiguar a responsabilidade civil da parte requerida a ensejar indenização por danos morais.
APLICAÇÃO DO CDC
Aplicam-se no caso em tela as normas previstas no Código de Defesa do Consumidor, a considerar o tipo de relação celebrada, pois a parte autora é a destinatária final do produto e serviço prestado pela empresa requerida, de modo que ocupa a posição de fornecedora, pelo exercício habitual e profissional de construção e comercialização de imóveis no mercado de consumo, art. 3 º, caput, e § 2º do CDC.
À luz do CDC e também do Código Civil, a parte contratante tem direito de revisar as cláusulas que se mostrem iníquas e abusivas, porquanto a doutrina e a jurisprudência há muito entendem que o princípio do pacta sunt servanda não mais se posta plenamente aplicável, mormente quando estão em litígio pessoas físicas de um lado e jurídicas do outro, com clara evidência de desequilíbrio entre as elas, dado a hipossuficiência das primeiras.
Prevalecendo os interesses do poder econômico sobre os interesses do particular, a interferência do Judiciário nessa relação se torna impositiva, a fim de fazer valer o equilíbrio e a boa-fé entre as partes, pois, com o advento do Código de Defesa do Consumidor e, mais tarde, com o Código Civil vigente, a teoria da lesão sedimentou-se e afastou a teoria da intangibilidade da vontade contratual, a saber: o pacta sunt servanda; o princípio de que o contrato somente poderá ser modificado pela vontade das partes foi limitado.
Especificamente, o CDC, em seu art. 6°, inciso V, estatui que é direito básico do consumidor a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão, em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.
Já o art. 51, inciso IV, estabelece que são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.
REVISÃO CONTRATUAL
Correção pelo índice IGP-M.
Observa-se que no contrato de compromisso de compra e venda de imóvel, firmado em 2017, há cláusula expressa e informação adequada de que “ o vencimento das demais parcelas será sucessivamente corrigidas e capitalizadas e com reajuste aplicado anualmente pelo IGPM, utilizando-se no cálculo a retroação de dois meses, desde que positivo.” (Cláusula 2ª parágrafo primeiro).
O mencionado contrato está devidamente assinado pelos(a) adquirentes, o que indica que tomou ciência dos termos da avença e anuiu com seu conteúdo.
Diga-se, em princípio, é lícita a adoção de índices setoriais para reajuste de contratos de comercialização de imóveis, como é o caso do IGP-M, conforme previsto no art. 46 da Lei nº 10.931/2004:
Art. 46. Nos contratos de comercialização de imóveis, de financiamento imobiliário em geral e nos de arrendamento mercantil de imóveis, bem como nos títulos e valores mobiliários por eles originados, com prazo mínimo de trinta e seis meses, é admitida estipulação de cláusula de reajuste, com periodicidade mensal, por índices de preços setoriais ou gerais ou pelo índice de remuneração básica dos depósitos de poupança.
Sobre o assunto, os Tribunais pátrios já firmaram entendimento no sentido de que a adoção do IGP-M, por si só, não configura abusividade a justificar a alteração quando as partes expressamente anuíram com sua contratação:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL CUMULADA COM CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. ERRO MATERIAL. CORREÇÃO DE OFÍCIO. IGPM. JUROS REMUNERATÓRIOS. COBRANÇA CONJUNTA. LEGALIDADE. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS NÃO COMPROVADA. PREQUESTIONAMENTO. MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. POSSIBILIDADE. 1.O reajuste das parcelas pelo IGPM, acrescido de juros remuneratórios de 0,94% (zero vírgula noventa e quatro por cento) ao mês, não revela qualquer abusividade, eis que não causa desequilíbrio no ajuste, mormente porque expresso e devidamente pactuado. 2.Inexistindo previsão no contrato de compra e venda firmado entre as partes de capitalização de juros/tabela price, não há falar em revisão da avença neste ponto. 3.Constatado erro material na parte dispositiva da sentença, deve ser retificado de ofício com fulcro no artigo 494, inciso I, do CPC. 4.Acentua-se que é irrelevante a referência expressa aos dispositivos legais e constitucionais tidos por violados, pois o exame da controvérsia, à luz dos temas invocados, é suficiente para caracterizar o prequestionamento da matéria. 5.Majoram-se os honorários recursais diante do desprovimento do recurso de apelação cível interposto, conforme entendimento jurisprudencial da Corte de Cidadania, observando o que dispõe o artigo 98, § 3º, do Código de Processo Civil. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE E DE OFÍCIO PARA CORRIGIR ERRO MATERIAL. (TJGO 51810679020218090051, Relator: DESEMBARGADOR ANDERSON MÁXIMO DE HOLANDA - (DESEMBARGADOR), 3ª Câmara Cível, Data de Publicação: 01/06/2022) (g.n.)
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO REVISIONAL – (...) – CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – (...) – ALEGADA A IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO IGPM – PEDIDO PELA SUBSTITUIÇÃO PELO INPC – DESCABIMENTO – PACTUAÇÃO CONTRATUAL – POSSIBILIDADE LEGAL DE UTILIZAÇÃO DO IGPM – PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL (...). “Quanto à excessiva oneração com a aplicação do IGPM e a substituição pelo INPC, (...) não há que se falar em abusividade da aplicação desta taxa, dado que na própria Lei n° 10.931/2004, em seu artigo 46, há clara disposição acerca da possibilidade de aplicação por índices de preços setoriais, como é o caso do IGPM, que compreende o Índice Geral de Preços do Mercado.” (TJPR – ApCiv 0010155-97.2007.8.16.0001 – 7ª CâmCív – Rel. Des. Fabian Schweitzer – DJ 17/11/2021)1 (g.n.)
O Índice Geral de Preços do Mercado (IGPM) é o mais adequado a recompor a desvalorização da moeda, refletindo, pois, a variação do custo de vida e do poder de compra.
Dito isso, não há que se falar em alteração da mencionada Cláusula, devendo ser mantido o índice IGP-M, por não ter sido comprovada a alegada abusividade.
Inexistência de superveniência de onerosidade excessiva
Embora noticiada a elevação do IGP-M nos últimos meses, tal fato, por si só, não configura automática onerosidade excessiva ou desequilíbrio contratual a ponto de autorizar a intervenção do Poder Judiciário na autonomia privada para modificação ou readequação de cláusulas contratuais.
Conforme se infere, o IGP-M foi previsto no contrato para atualização do valor das prestações, não havendo informações nos autos de que a parte requerida estivesse praticando qualquer irregularidade na cobrança dos valores ajustados com aplicação do mencionado índice.
O tema onerosidade excessiva é tratada pelo Código Civil, nos arts. 478 e 479, in verbis:
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.
Na hipótese, a parte autora, pleiteia a revisão do contrato, alegando a superveniência de onerosidade excessiva, como dito.
Entretanto, in casu, não é possível vislumbrar a existência de circunstância imprevisível incidente diretamente ao contrato de entabulado entre as partes que venha a alterar o equilíbrio econômico-financeiro inicial previsto no negócio jurídico.
Com efeito, a ocorrência de eventuais dificuldades, após a celebração do contrato, não se insere no conceito de acontecimento extraordinário e imprevisível, capaz de tornar a prestação relativa ao contrato excessivamente onerosa para uma das partes e acarretar vantagem extrema à outra.
Nesse sentido, o entendimento do colendo STJ:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL. CONTRATO DE ADESÃO. GRUPO DE CONSÓRCIO PARA AQUISIÇÃO DE VEÍCULO. DEFEITOS NO PRODUTO ADQUIRIDO PELO CONSORCIADO. TEORIA DA IMPREVISÃO. NÃO OCORRÊNCIA DE EVENTO IMPREVISÍVEL E EXTRAORDINÁRIO. PEDIDO DE PRORROGAÇÃO DO PRAZO PARA PAGAMENTO DAS PARCELAS VENCIDAS E VINCENDAS. IMPOSSIBILIDADE. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Fica inviabilizado o conhecimento de tema trazido na petição de recurso especial, mas não debatido e decidido nas instâncias ordinárias, porquanto ausente o indispensável prequestionamento (Súmula 211/STJ). 2. A jurisprudência desta Corte é pacífica em que a Teoria da Imprevisão como justificativa para a revisão judicial de contratos somente será aplicada quando ficar demonstrada a ocorrência, após o início da vigência do contrato, de evento imprevisível e extraordinário que diga respeito à contratação considerada e que onere excessivamente uma das partes contratantes. 3. A ocorrência de problemas mecânicos no veículo, dois anos após adquirido pelo consorciado, não se insere no conceito de acontecimento extraordinário e imprevisível, capaz de tornar a prestação relativa ao contrato de consórcio excessivamente onerosa para uma das partes e acarretar vantagem extrema à outra. Tal evento prende-se a riscos da atividade econômica da promovente que não podem ser transferidos à sociedade empresária administradora de consórcio, que atua apenas na gestão dos negócios do grupo formado. 4. Para a caracterização da divergência jurisprudencial, não basta a simples transcrição das ementas dos acórdãos confrontados, devendo ser mencionadas e expostas as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, sob pena de não serem atendidos os requisitos previstos no art. 541, parágrafo único, do CPC/73 e no art. 255, § 2º, do RISTJ. 5. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 1045951/MA, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 09/03/2017, DJe 22/03/2017)
Assim, não há que se falar em superveniência de onerosidade excessiva.
Capitalização de juros.
Quanto à capitalização de juros, a autorização para a realização de capitalização mensal de juros, concedida pelo art. 5º da Medida Provisória nº 2.170-36/2001, não incide nos contratos de compra e venda de imóvel entre construtora e adquirente mas, tão somente, às instituições financeiras (STJ, REsp 938862 - TO (2021/0150876-1), Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, DJe/STJ 25/05/2022)
Apesar de constar na Cláusula 2ª a incidência de capitalização nas parcelas, ao analisar detidamente o valor do lote, a quantidade de parcelas e seu respectivo valor, conclui-se que, no cálculo das parcelas, NÃO foi aplicada capitalização de juros.
Vejamos: O lote em questão foi vendido por R$ 138.034,05, dividido em 200 parcelas no valor de R$ 660,45, conforme demonstra a Cláusula 2ª.
Sobre o tema:
“(…) 1. In casu, não se afigura possível a exigência de juros capitalizados mensalmente, ainda que expressamente previstos no contrato de compra e venda parcelada, eis que a pessoa jurídica vendedora do imóvel não integra o Sistema Financeiro Nacional. Encargo permitido apenas anualmente. (...) APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA.” (6ª CC, AC nº 0457413-38.2011.8.09.0051, Rela. Desa. Sandra Regina Teodoro Reis, DJe de 02/08/2017)
Neste ponto, deve ser mantida a referida cláusula, vez que não constatada qualquer abusividade.
Da cobrança de taxa de intermediação/comissão de corretagem (cláusula 2ª, parágrafo 3º)
A parte autora aponta como abusiva a cláusula 2ª, parágrafo 3º, do referido contrato, a qual estabelece como obrigação da parte autora o pagamento de intermediação/comissão de corretagem no importe de 07% (sete por cento) do valor do imóvel, alegando que tal obrigação seria das requeridas.
Entretanto, o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que é “válida a cláusula contratual que transfere ao promitente comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda de unidade autônoma em regime de incorporação imobiliária, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem. (REsp. 1.599.511-SF, Rel. Min.Paulo de Tarso Sanseverino, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 24/8/2016, DJe 6/9/2016).
Dessa forma, estando prevista expressamente no contrato de compra do imóvel a parcela referente a corretagem, bem como o valor total da aquisição do imóvel, inexiste abusividade por parte das requeridas neste ponto.
Cláusula penal. Encargos.
No contrato objeto dos autos, em caso de inadimplência, as prestações em atraso acima de 30 dias serão atualizadas no dia do pagamento de acordo o índice IGP-M, acrescidas de juros de mora à taxa de 12% a.a., multa de 2% sobre o valor devido, e honorários advocatícios de 10%.
Como exposto acima, inexiste ilegalidade ou abusividade na incidência de IGP-M para a correção em caso de inadimplência. E também não restou demonstrado o alegado bis in idem, com a dupla incidência dos juros, em razão da inexistência de capitalização no cálculo das parcelas (período de adimplência), como já exposto no item anterior.
A multa de 2% prevista no contrato, em caso de atraso no pagamento das parcelas, corresponde aos limites legais, inclusive nas relações consumeristas (CDC, art. 52, § 1º).
Havendo expressa previsão contratual, como evidenciado na espécie, não se tem por abusiva a cobrança de honorários extrajudiciais, em caso de mora ou inadimplemento das obrigações assumidas.
Não demonstrada a alegada abusividade.
Cláusulas relativas a rescisão contratual. Percentual de retenção.
No que diz respeito à cláusula relativa à taxa de retenção, em caso de rescisão contratual, tenho que despicienda a referida discussão, uma vez que a questão condizente à retenção de importâncias pagas, é requerimento típico de ação de rescisão contratual, o que não é o caso dos autos.
Saliente-se que, o pedido de rescisão contratual poderia ser extraído à luz das razões declinadas na inicial, contudo, em momento algum, a parte autora, explícita ou implicitamente, manifesta interesse na resolução do contrato, logo, na interpretação do conjunto postulatório, o objetivo desta é a revisão de cláusulas contratuais.
Não obstante, tenho por necessária a explicação de que a fixação do exato percentual a ser efetivado a título de retenção de valores pagos ou referente a cláusula penal só poderá ser fixado pelo julgador no momento em que restar caracterizada a pretensão de uma das partes em rescindir o contrato.
Isso se deve ao fato de que as ponderações relacionadas à razoabilidade do percentual a ser retido só se permite realizar quando apresentado o cenário fático gerador da rescisão, a possibilitar os temperamentos acerca do montante efetivamente pago, do tempo de duração do contrato, bem como das relações acessórias, que porventura tenham interferido na rescisão contratual.
Logo, eventual revisão do percentual de retenção ou da cláusula penal não permite análise hipotética, pois carece da realidade fática para a sua delimitação, devendo ser considera, em todo o caso, o limite entre os percentuais de 10% a 25%, já definidos pelo STJ3.
Dito isso, ausente pedido de rescisão contratual nestes atos, imprópria a revisão, e eventual delimitação, do percentual de retenção.
Do pleito de consignação em pagamento
Compulsando os autos, verifico que a parte autora não comprovou o depósito judicial dos valores incontroversos ou que continua a efetuar os pagamentos dos valores não controvertidos, desatendendo ao disposto no art. 330, § 2º e § 3º, do CPC.
De se ressaltar, ainda, que o art. 542 do CPC dispõe que incube ao autor, nos procedimentos de consignação em pagamento, efetuar o depósito da quantia ou da coisa devida no prazo de 05 dias contados do deferimento da petição inicial, ou seja, pela exegese da norma, não há necessidade de decisão específica determinando o depósito dos valores, sendo uma obrigação autônoma da parte autora logo após o deferimento da inicial.
Assim, não tendo a parte autora efetuado os depósitos após o deferimento da inicial, encontra-se prejudicado o pleito consignatório, que deverá ser extinto sem resolução de mérito, nos termos do art. 542, p. único, do CPC, limitando-se a sentença à análise das cláusulas contratuais indicadas pela parte autora como passíveis de revisão, conforme orientação da súmula 49 do TJGO.
Eventual quantia depositada deverá, após o trânsito em julgado, ser expedido alvará/transferência às requeridas, independentemente de nova ordem.
DO PEDIDO CONTRAPOSTO
Pugna a parte requerida pela rescisão contratual ante a inadimplência dos reconvindos.
No caso em tela, resta incontroverso a celebração de contrato de compra e venda de imóvel celebrado entre as partes, a controvérsia resta, portanto, quanto aos motivos que ensejaram a pretensão da rescisão deste contrato.
Dessa maneira, a justificativa para a rescisão do contrato é a impossibilidade de seu inadimplemento, isto é, a desistência do contrato entabulado.
Assim, é inequívoca a culpa dos reconvindos pela extinção do contrato já que não comprovaram o pagamento dos valores entabulados no contrato, visto que não realizaram o pagamento de valores conforme contratado (evento 177).
Ora, assim como a parte tem a liberdade de contratar, ela também possui a liberdade de romper tal vínculo. Por óbvio, a resilição do pacto não significa que o contratante retorna ao status quo ante de maneira absoluta, ou seja, ele sofrerá as consequências previstas no contrato, conforme princípio da pacta sunt servanda suscitado pela Requerida.
Desse modo, ante o intento dos requeridos, a declaração de resilição é medida que se impõe, imputando aos autores a culpa pela rescisão.
Rescindido o pacto, necessário verificar o montante a ser devolvido aos autores, ressaltando a possibilidade de retenção de parte dos valores pela parte requerida.
A cláusula que prevê a retenção total das quantias pagas em prol dos fornecedores é manifestamente abusiva, conforme se denota da legislação de regência:
Art. 53. Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.
Por sua vez, a súmula 543 do STJ dispõe:
Súmula 543: Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento.
Segundo a cláusula décima nona, em caso de rescisão do compromisso de compra e venda, motivada pelo comprador (requerentes), será cobrado multa equivalente a 30% do valor das parcelas pagas.
Por partes, deve-se analisar a mencionada cláusula por etapas, quais sejam: o percentual da multa e a forma de restituição.
O percentual de retenção visa ressarcir o fornecedor das despesas gastas no empreendimento, tais como publicidade, impostos, taxas, despesas administrativas e outros vinculados ao empreendimento.
O montante a ser definido é amparado no entendimento jurisprudencial sobre o tema, em especial o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL CUMULADA COM INDENIZATÓRIA. COMPRA E VENDA DE LOTE EM CONDOMÍNIO FECHADO. CULPA DOS PROMITENTES ADQUIRENTES. INAPLICABILIDADE DA LEI N° 13.786/2018 (LEI DO DISTRATO). INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 543 DO STJ. EXIGÊNCIA DA QUITAÇÃO DAS TAXAS DE CONDOMÍNIO E DE ITU/IPTU. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. I – Segundo o entendimento jurisprudencial contemporâneo, a Lei nº 13.786/18 (Lei do Distrato) não deve ser aplicada aos contratos firmados anteriores a sua vigência, como é o caso em apreço. II – Na hipótese de rescisão contratual de compromisso de compra e venda por iniciativa do comprador, a jurisprudência desta Corte tem firmado o entendimento de que 10% (dez por cento) sobre os valores pagos é o percentual de retenção ideal, na medida em que atende aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, sem gerar enriquecimento ilícito da construtora. III – Afigura-se abusiva a cláusula que transfere as despesas de condomínio e ITU/IPTU ao adquirente do imóvel que ainda não tenha sido imitido na posse do bem. IV - Em razão da procedência do pleito recursal, devem ser invertidos os honorários sucumbenciais, para serem arcados pelas apeladas, nos termos do artigo 85, § 2º, da Lei Processual Civil. APELAÇÃO CONHECIDA E PROVIDA. (AC nº 5619269-42.2019.8.09.0051. Rel. Desembargador SILVÂNIO DIVINO DE ALVARENGA, 6ª Câmara Cível, Publicado em 17/03/2023).
A partir desta decisão, pode-se afirmar que a fixação do padrão-base de retenção no percentual de 10% (dez por cento) sobre os valores pagos, exatamente por refletir as despesas gerais efetuadas no empreendimento, atende a razoabilidade e a proporcionalidade.
No tocante a forma da restituição, o Superior Tribunal de Justiça fixou entendimento pela imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador (requerentes) integralmente (Resp n. 1.300.418/SC). Logo, não há que se falar que a restituição no mesmo número de vezes quantos foram as do pagamento.
Por conseguinte, ao devolver valores pagos aos autores, deve abater o percentual de 10% (dez por cento) dos valores pagos. Sendo tal pagamento de forma imediata e integral.
Estabelecido o patamar de retenção, convém esclarecer sobre os juros moratórios incidentes sobre o montante a ser devolvido. Nessa linha, o STJ, em sede recursos repetitivos (Tema 1002), fixou a seguinte tese:
“Nos compromissos de compra e venda de unidades imobiliárias anteriores à Lei nº 13.786/2018, em que é pleiteada a resolução do contrato por iniciativa do promitente comprador de forma diversa da cláusula penal convencionada, os juros de mora incidem a partir do trânsito em julgado da decisão.”
Percebe-se que os juros de mora fluem a partir do trânsito em julgado da decisão e não da data de citação, logo o percentual aplicado (1% a.m. - um por cento ao mês) só começará a incidir a partir do trânsito em julgado da demanda.
Destaco ainda que a correção monetária dos valores pagos pelo INPC, para a sua devolução, incide a partir do seu desembolso.
Ressalto, por oportuno, que o quantum a ser restituído pela parte requerida aos autores, a título de benfeitorias realizadas no imóvel, será o valor apurado no evento 155.
Ante o exposto, com base no art. 487, I, do CPC, EXTINGO o processo COM resolução do mérito e julgo IMPROCEDENTE o pedido inicial, para o pedido de revisão do contrato, mantendo-o, na forma entabulada.
Em relação ao pedido contraposto, nos termos do art. 487, I, do CPC, julgo PROCEDENTE para:
DECRETAR a rescisão do contrato de compra e venda de unidade imobiliária;
DECLARAR nula a cláusula 19 (décima nona) do contrato celebrado entre as partes que estabelece multa de 30% sobre o valor pago, passando a multa a ser de 10% sobre o valor efetivamente pago pela parte autora;
CONDENAR a parte ré a restituir os valores pagos pela parte autora, em parcela única, sem compensação, que deverão ser atualizados monetariamente pelo INPC, a partir do pagamento de cada uma das parcelas e acrescida de juros de mora de 1%(um por cento) ao mês, a partir da data da citação.
CONDENO a parte autora pelo princípio da causalidade, ao pagamento das despesas processuais (art. 82, §2º, CPC) e honorários advocatícios, os quais fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, ficando suspensa a exigibilidade nos termos do art. 93, § 8º, do CPC.
Determino seja a requerida reintegrada na posse do imóvel, devendo o réu desocupá-lo em até 30 (trinta) dias após o trânsito em julgado.
Em caso de interposição de recurso de apelação, como não há mais juízo de admissibilidade neste grau de jurisdição (art. 1.010 §3° CPC), intime-se a parte recorrida para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias úteis (art. 1.010 §1° CPC). Decorrido o prazo sem manifestação, após certificação pelo cartório, ou juntadas as contrarrazões, remetam-se os autos ao e. Tribunal de Justiça, com nossas homenagens.
P. I. Sentença registrada eletronicamente.
Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos, com as cautelas de praxe.
Guapó, data da assinatura digital.
Pedro Ricardo Morello Brendolan
Juiz de Direito
gab06
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