Processo nº 1000258-97.2021.8.11.0026
ID: 324136201
Tribunal: TJMT
Órgão: Terceira Câmara Criminal
Classe: APELAçãO CRIMINAL
Nº Processo: 1000258-97.2021.8.11.0026
Data de Disponibilização:
14/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
TAIRONE SELIN DE MORAES
OAB/MT XXXXXX
Desbloquear
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1000258-97.2021.8.11.0026 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Decorrente de Violência Doméstica, Contra a Mulher] R…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL Número Único: 1000258-97.2021.8.11.0026 Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417) Assunto: [Decorrente de Violência Doméstica, Contra a Mulher] Relator: Des(a). GILBERTO GIRALDELLI Turma Julgadora: [DES(A). GILBERTO GIRALDELLI, DES(A). JUANITA CRUZ DA SILVA CLAIT DUARTE, DES(A). LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO] Parte(s): [JOSE PEREIRA FOLIS NETO - CPF: 631.226.851-91 (APELANTE), TAIRONE SELIN DE MORAES - CPF: 735.779.361-34 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), ADILSON MARTINS OJEDA KLIPEL - CPF: 704.917.201-49 (TERCEIRO INTERESSADO), BARTOLOMEU QUINTEIRO DE ALMEIDA - CPF: 172.758.811-87 (TERCEIRO INTERESSADO), DORALICE GONCALVES FERREIRA - CPF: 318.552.178-13 (VÍTIMA), I. F. F. - CPF: 075.893.801-21 (VÍTIMA), L. G. F. D. S. - CPF: 075.771.131-66 (VÍTIMA)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). GILBERTO GIRALDELLI, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, CONHECEU EM PARTE DO RECURSO E, NESTA EXTENSÃO, O DESPROVEU. E M E N T A Direito penal. Apelação criminal. Violência doméstica. Ameaça. Descumprimento de medida protetiva. Preliminar de ausência de dialeticidade. Conhecimento parcial. Materialidade e autoria comprovadas. Palavra da vítima. Dolo configurado. Conduta independente. Concurso material. Recurso parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido. I. Caso em exame 1. Apelação criminal interposta contra sentença do Juízo da Vara Única da Comarca de Arenápolis/MT que condenou o apelante à pena de 4 (quatro) meses e 14 (quatorze) dias de detenção pela prática dos crimes de ameaça e descumprimento de medida protetiva de urgência, previstos no art. 147 do CP e art. 24-A da Lei nº 11.340/2006, respectivamente, na forma do art. 69 do CP. A Defesa pleiteia a absolvição por ausência de prova, ou, alternativamente, a absolvição quanto ao crime de ameaça por falta de dolo específico. Requer, ainda, a desclassificação da conduta para qualquer delito menos gravoso, o redimensionamento da pena-base, o afastamento do concurso material entre os delitos e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Ao final, postula a suspensão condicional do processo e a isenção de custas processuais. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em determinar: (i) se há ausência de dialeticidade em relação aos pedidos de desclassificação da conduta, suspensão condicional do processo e isenção de custas processuais; (ii) se há provas suficientes da materialidade e autoria quanto aos delitos de ameaça e descumprimento de medida protetiva; (iii) se está demonstrada a ausência de dolo específico na ameaça; (iv) se deve ser reconhecida a consunção entre os crimes imputados; (v) se é possível a substituição da pena por restritiva de direitos. III. Razões de decidir 3. O recurso não deve ser conhecido quanto aos pedidos deduzidos de forma genérica e sem fundamentação, por afronta ao princípio da dialeticidade. 4. As declarações firmes e coerentes das vítimas, corroboradas por prova testemunhal e documental, demonstram a autoria e a materialidade dos delitos. 5. A palavra da vítima, harmônica e corroborada por outros elementos probatórios, é suficiente para embasar a condenação nos crimes de violência doméstica. 6. O delito de ameaça é formal e consuma-se com a ciência da vítima sobre a ameaça séria e idônea, capaz de intimidá-la. Assim, o dolo na ameaça se encontra evidenciado nas palavras intimidatórias dirigidas às vítimas, que causaram real temor. 7. Não se trata de única conduta caracterizada por relação de meio e fim, tampouco de mero exaurimento da infração anterior, mas sim de delitos distintos, com conteúdos típicos e elementos subjetivos próprios, impondo-se, por conseguinte, a aplicação do concurso material, nos termos do art. 69 do Código Penal. 8. A pena-base foi corretamente exasperada em razão da especial reprovabilidade da conduta, considerando-se a vulnerabilidade das vítimas menores. 9. A substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos é inviável no contexto de violência doméstica com grave ameaça, conforme entendimento do STJ e Súmula nº 588. IV. Dispositivo e tese 10. Recurso desprovido. Tese de julgamento: “1. Não se conhece de pedido recursal genérico e desprovido de fundamentação, por violação ao princípio da dialeticidade. 2. A palavra da vítima, quando firme, coerente e corroborada por outros elementos de prova, é suficiente para embasar condenação nos crimes de violência doméstica. 3. O dolo no crime de ameaça se verifica pela intenção de causar temor à vítima, independentemente da efetiva concretização do mal prometido. 4. É válida a exasperação da pena-base pela especial reprovabilidade da conduta, nos termos do art. 59 do CP, quando o crime atinge menores em contexto de violência familiar. 5. A prática dos crimes de descumprimento de medida protetiva de urgência e ameaça, quando aperfeiçoados em momentos distintos, com desígnios autônomos e elementos subjetivos próprios, não configura relação de meio e fim ou exaurimento, mas sim delitos independentes, impondo-se a aplicação do concurso material, nos termos do art. 69 do Código Penal. 6. A substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos é vedada nos casos de violência doméstica com grave ameaça à mulher, nos termos da Súmula 588 do STJ.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 5º, LV; CP, arts. 59, 69, 147; CPP, arts. 386, VII; Lei nº 11.340/2006, art. 24-A; Código Penal, art. 44. Jurisprudência relevante citada: STF, AgRg no ARE 664.044/MG, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 27/03/2012; STJ, AgRg no AREsp 1262653/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 30/05/2018; STJ, AgRg no AREsp 2.732.819/DF, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 07/11/2024; STJ, AREsp 2.383.059/CE, Rel. Min. Daniela Teixeira, Quinta Turma, DJe 17/12/2024; Súmula nº 588/STJ. R E L A T Ó R I O APELANTE: JOSÉ PEREIRA FOLIS NETO APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO RELATÓRIO EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI Egrégia Câmara: Trata-se de recurso de apelação criminal interposto por JOSÉ PEREIRA FÓLIS NETO em face da r. sentença proferida pelo d. Juízo da Vara Única da Comarca de Arenápolis/MT nos autos da ação penal n.º 1000258-97.2021.8.11.0026, que o condenou pela prática, em concurso material, dos crimes previstos no art. 147, caput, do Código Penal e art. 24-A da Lei n.º 11.340/2006, com a redação anterior à Lei n. 14.994/2024, à pena total de 04 (quatro) meses e 14 (quatorze) dias de detenção, em regime inicial aberto (ID 245229687). Nas razões recursais disponíveis no ID 281109364, o apelante pleiteia sua absolvição por insuficiência de provas e, consecutivamente, a absolvição quanto ao crime de ameaça, por ausência de dolo específico. Subsidiariamente, requer a “desclassificação da conduta para modalidade menos gravosa”; o redimensionamento das penas básicas para os mínimos legais; o afastamento do concurso material de delitos; a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos; a suspensão condicional do processo; e a isenção do pagamento das custas processuais. O Ministério Público apresentou as contrarrazões vistas sob o ID 281109366, nas quais requer seja negado provimento ao apelo. Instada a se manifestar, a i. Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso, conforme parecer lançado sob o ID 289153880. É o relatório. Não estando o feito sujeito à revisão, inclua-se-o em pauta. V O T O R E L A T O R VOTO [PRELIMINAR SUSCITADA DE OFÍCIO – NÃO CONHECIMENTO EM PARTE DO RECURSO INTERPOSTO, POR VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE]: EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI Egrégia Câmara: Na hipótese dos autos, impõe-se o reconhecimento da ausência de dialeticidade em relação a parte dos pleitos formulados pela Defesa, a saber: a "desclassificação da conduta para infração penal menos gravosa", a concessão da suspensão condicional do processo e a isenção do pagamento das custas processuais. Referidos requerimentos foram formulados apenas na parte final das razões recursais, desprovidos de qualquer fundamentação, ou seja, sem a causa de pedir correspondente. Com efeito, a Defesa técnica limitou-se a postular genericamente tais medidas, sem indicar os dispositivos legais pertinentes, tampouco apresentar argumentos, ainda que mínimos, de fato ou de direito capazes de demonstrar a sua pertinência ou viabilidade jurídica. O princípio da dialeticidade exige que o recurso contenha, além da manifestação de inconformismo, a devida exposição dos fundamentos jurídicos que sustentam a pretensão recursal, o que não se verifica na espécie. Ausente qualquer esforço argumentativo quanto aos pontos mencionados, torna-se inviável a apreciação dos pedidos pelo órgão ad quem de forma técnica e fundamentada, bem como a adequada instauração do contraditório. Como bem assentado pelo Ministro Luiz Fux, no julgamento do AgRg no ARE 664.044/MG, pela Primeira Turma da Excelsa Corte, “Vige em nosso ordenamento o princípio da dialeticidade, segundo o qual TODO recurso deve ser formulado por meio de petição na qual a parte, não apenas manifeste a sua inconformidade com ato judicial impugnado, mas, também e necessariamente, indique os motivos de fato e de direito pelos quais requer o novo julgamento da questão nele cogitada” (DJe 27/03/2012 – destaquei). Nesse mesmo sentido, transcrevo excertos de julgados do c. Superior Tribunal de Justiça: “[...] em obediência ao princípio da dialeticidade, os recursos devem impugnar, de maneira clara, objetiva, específica e pormenorizada todos os fundamentos da decisão contra a qual se insurgem, sob pena de vê-los mantidos.” (AgRg no AREsp 1262653/SP, Rel.: Min. REYNALDO SOARES DA FONSECA, 5ª Turma, DJe 30/05/2018) “(...) O efeito devolutivo do recurso de apelação criminal encontra limites nas razões expostas pelo recorrente, em respeito ao princípio da dialeticidade que rege os recursos no âmbito processual penal pátrio, por meio do qual se permite o exercício do contraditório pela parte que defende os interesses adversos, garantindo-se, assim, o respeito à cláusula constitucional do devido processo legal. (...).” (AgRg no HC 545.758/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 03/12/2019, DJe 16/12/2019) Outras não foram as decisões desta colenda Terceira Câmara Criminal em casos assemelhados: “(...) Não se conhece do pedido de atipicidade do crime de desobediência, se o apelante não apresentou qualquer argumento para fundamentar o seu pedido, bem como, para possibilitar o contraditório e a ampla defesa, em flagrante desrespeito à imperiosa aplicação do princípio da dialeticidade. Precedentes do STF e STJ. 2.(...).” (N.U 1000550-73.2021.8.11.0029, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, RONDON BASSIL DOWER FILHO, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 07/12/2022, Publicado no DJE 14/12/2022) Ainda a respeito do princípio da dialeticidade, expõe com propriedade ARAKEM DE ASSIS, que: “O fundamento do princípio da dialeticidade é curial. Sem cotejar as alegações do recurso e a motivação do ato impugnado, mostrar-se-á impossível ao órgão ad quem avaliar o desacerto do ato, a existência do vício do juízo (error in judicando), o vício de procedimento (error in procedendo) ou o defeito típico que enseja a declaração do provimento. (....) É preciso que haja simetria entre o decidido e o alegado no recurso. Em outras palavras, a motivação deve ser, a um só tempo, específica, pertinente e atual.” (ASSIS, Araken de. Manual dos Recursos, 3ª. edição, revista, atualizada e ampliada, Ed. RT, 2011, págs. 102/103). Como visto, não basta ao recorrente manifestar seu desagrado com a decisão combatida, sendo necessário que exponha de maneira clara quais os motivos da insatisfação, a fim de que o órgão de segunda instância possa examinar as suas razões em face daquelas constantes da decisão atacada, e vislumbrando-se na hipótese os pedidos genéricos para desclassificação da conduta para infração penal menos gravosa, a concessão da suspensão condicional do processo e a isenção do pagamento das custas processuais, outra solução não há senão o não conhecimento das irresignações. Portanto, no tocante aos pedidos de desclassificação da conduta, concessão da suspensão condicional do processo e isenção do pagamento das custas processuais, suscito de ofício a preliminar de ausência de dialeticidade e, especificamente quanto a estes pontos, NÃO CONHEÇO do apelo interposto por José Pereira Folis Neto. É como voto. VOTO (MÉRITO) EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI (RELATOR) Egrégia Câmara: No que tange aos demais pedidos, verifico que o recurso é tempestivo, foi interposto por parte legítima e revela-se cabível à espécie, preenchendo os requisitos de admissibilidade. Assim, CONHEÇO do apelo nessa extensão, prosseguindo-se na análise de mérito apenas quanto aos pontos admissíveis. Infere-se dos autos que, no dia 27 de janeiro de 2021, por volta das 16h55min, na Rua Benedito Alves, bairro Jardim Primavera, nas imediações do Estádio e da Rodoviária, no município de Arenápolis/MT, José Pereira Folis Neto descumpriu decisão judicial proferida nos autos n.º 1001211-95.2020.8.11.0026, que havia deferido medidas protetivas de urgência em favor de sua ex-esposa, Doralice Gonçalves Ferreira. Na ocasião, o apelante ameaçou, por palavras, causar mal injusto e grave à referida vítima, bem como à sua filha, I. F. F., e ao enteado, L. G. F. D. S., proferindo as seguintes expressões: “vou botar fogo na sua casa, encher o porta-malas de armas e matar sua mãe e todos”. Em outro momento, dirigindo-se ao enteado, teria reiterado: “vou colocar fogo na casa, matar todo mundo, vou encher o porta-malas do carro de armas, vou colocar alguém para vigiar a casa”. Após regular trâmite processual, o apelante foi condenado pela prática dos crimes previstos no art. 147 do Código Penal e no art. 24-A da Lei n.º 11.340/2006, na forma do art. 69 do Código Penal, à pena total de 04 (quatro) meses e 14 (quatorze) dias de detenção, em regime aberto. Neste grau de jurisdição, superada a questão preliminar, o apelante pleiteia sua absolvição por insuficiência de provas ou, subsidiariamente, a absolvição quanto ao crime de ameaça, por ausência de dolo específico. Em pedido alternativo, requer o redimensionamento da pena-base para o mínimo legal, o afastamento do concurso material de delitos e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. 1. Crime de ameaça (art. 147, CP) A materialidade delitiva decorre do Auto de Prisão em Flagrante Delito (ID 245229168), dos Pedidos de Providências Protetivas (ID 245229177 e 245229182), do Termo de Representação Criminal (ID 245229184), da Decisão que concedeu as Medidas Protetivas de Urgência à vítima (ID 245229186), além da prova oral colhida nas fases extrajudicial e judicial. No tocante à autoria, o conjunto probatório revela-se igualmente robusto. Na fase policial, a vítima Doralice Gonçalves Ferreira afirmou que seus filhos retornaram para casa em estado de desespero, gritando: “mãe, o pai vai matar a gente”. Relatou que o réu teria interceptado as crianças na rua, parando o carro bruscamente à sua frente, e proferido ameaças, dizendo que mataria todos, colocaria fogo na casa e que o porta-malas do veículo estava cheio de armas. Em juízo, ela reafirmou o conteúdo de sua declaração extrajudicial, narrando que os filhos haviam saído para ir à praça e retornaram assustados, relatando que o apelante os ameaçara, tentara jogar o carro contra eles e proferira as ameaças. A vítima L. G. F. D. S., adolescente, declarou em ambas as fases da persecução penal, que o apelante parou o veículo bruscamente, desceu alterado e começou a ameaçá-los, dizendo que mataria todos, colocaria fogo na casa e que o carro estava carregado de armas. Corroborando as narrativas das vítimas, o policial Adilson Martins Ojeda Klipel narrou na delegacia de polícia que, após ser procurado pela vítima Doralice, verificou imagens de câmeras de segurança de uma residência próxima ao local dos fatos, as quais confirmaram o encontro entre o apelante e as vítimas menores, que se mostravam visivelmente assustadas, sobretudo em razão da forma brusca com que o veículo foi parado. A referida testemunha também declarou que as medidas protetivas estavam em vigor e que a aproximação do apelante violou frontalmente a ordem judicial vigente. O apelante, em seu interrogatório policial, negou as acusações, afirmando que apenas avistou os filhos na rua, mas que não os teria abordado nem ameaçado. Em juízo, manteve a negativa, sustentando que apenas passava pela via onde se encontravam seus menores e que a denúncia decorreu de desavenças familiares. Nesse contexto, verifica-se que as declarações das vítimas são firmes, coerentes e harmônicas entre si, bem como compatíveis com os relatos prestados pelo policial militar. Tais depoimentos foram colhidos em ambas as fases do processo e revelam-se coesos quanto às ameaças sofridas, conferindo credibilidade à tese acusatória. Nesse contexto, considerando a especial relevância da palavra da vítima em crimes dessa natureza, aliada ao conjunto probatório constante dos autos, não há que se falar em absolvição por insuficiência de provas. Nesse sentido, colaciono excerto de julgado do Superior Tribunal de Justiça: “(...) É firme a compreensão do STJ de que, "em casos de violência doméstica, a palavra da vítima tem especial relevância, haja vista que em muitos casos ocorrem em situações de clandestinidade" (HC n. 615.661/MS, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 24/11/2020, DJe de 30/11/2020). Em outra oportunidade, este Superior Tribunal reafirmou: "nos delitos de violência doméstica em âmbito familiar, a palavra da vítima recebe considerável ênfase, sobretudo quando corroborada por outros elementos probatórios"(AgRg no AREsp n. 2.034.462/SP, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 7/3/2023, DJe de 14/3/2023). (...)” (AgRg no AREsp n. 2.732.819/DF, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 5/11/2024, DJe de 7/11/2024) Em contrapartida, o apelante deixou de apresentar qualquer prova em respaldo à sua alegação, a qual se mostrou isolada do conjunto probatório e incapaz de desconstituir os firmes e coerentes depoimentos das vítimas e da testemunha. À vista de tais argumentos, e considerando que a negativa de autoria sustentada pelo apelante encontra-se isolada nos autos, não tendo a i. Defesa logrado êxito em comprová-la por meio de elementos de convicção vinculados aos autos, ao passo que a narrativa contida na denúncia encontra amparo no lastro probatório angariado; aplica-se à hipótese o entendimento firmado no âmbito deste eg. Sodalício no sentido de que “A negativa de autoria do delito, dissociada de lastro probatório mínimo a evidenciá-la, não pode ser considerada para fins de absolvição, máxime quando a prática do crime de ameaça está demonstrada na palavra da vítima – que assume essencial relevância em crimes dessa natureza –, e pelas testemunhas inquiridas” (N.U 1012040-70.2021.8.11.0004, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, Primeira Câmara Criminal, Julgado em 15/12/2022, Publicado no DJE 17/12/2022). Grifei. No que tange à alegada ausência de dolo na conduta de ameaçar, é cediço que o delito de ameaça visa à proteção do bem jurídico da liberdade pessoal, especialmente no que se refere à paz de espírito, ao sossego, à tranquilidade e ao sentimento de segurança – ou seja, à liberdade em sua dimensão psicológica. Cuida-se de infração penal que possui como elemento subjetivo o dolo, seja ele direto ou eventual. Em outras palavras, o agente deve ter por objetivo ameaçar e, assim, afetar a liberdade psíquica de outrem ou, ainda, assumir o risco de produzi-la, independentemente de intenção efetiva de concretizar o mal prometido. Trata-se, ademais, de crime de natureza formal, cuja consumação se dá no momento em que a vítima toma conhecimento do conteúdo da ameaça, desde que esta seja apta a infundir temor no homem médio, ainda que o autor do fato não possua a real intenção de materializar suas palavras. Vale dizer: basta que o agente deseje intimidar e que sua ameaça seja, em tese, idônea a produzir tal efeito. Partindo dessas premissas, verifica-se que a prática do crime de ameaça, bem como o dolo presente na conduta do apelante, encontram-se devidamente demonstrados nos autos, por meio de elementos informativos e provas produzidas sob o crivo do contraditório judicial, os quais se mostram firmes e coerentes nesse sentido. Assim, para a configuração do delito em pauta, basta que seja possível extrair do contexto fático-probatório a intenção do agente de incutir medo na vítima, por meio de ameaça séria e idônea – o que, a meu ver, encontra-se sobejamente demonstrado no caso concreto, notadamente diante da representação formal realizada na fase extrajudicial e das declarações firmes e contundentes das vítimas, prestadas em ambas as oportunidades em que foram ouvidas. Nesse cenário, mostra-se insuscetível de acolhimento a tese absolutória fundada na alegada ausência de dolo na conduta. Eis o entendimento desta Corte Estadual: “(...) O crime de ameaça é formal e se consuma com o simples propósito de intimidar a vítima, independentemente de concretização do mal anunciado. As provas demonstram que a vítima sentiu temor real, o que configura a infração penal. (...)” A condenação pelo crime de ameaça independe da intenção de concretizar o mal, bastando a objetiva capacidade intimidativa da conduta e o temor gerado à vítima”. (...)” (N.U 1005883-30.2022.8.11.0042, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, LIDIO MODESTO DA SILVA FILHO, Quarta Câmara Criminal, Julgado em 31/01/2025, Publicado no DJE 31/01/2025) 2. Delito de descumprimento de medida protetiva de urgência (art. 24-A, Lei n°. 11.340/06) Nos autos, restou amplamente comprovada a existência de decisão judicial válida e vigente que deferiu medidas protetivas de urgência em favor de Doralice Gonçalves Ferreira, impondo ao apelante, entre outras obrigações, a proibição de se aproximar da ofendida e de seus familiares no limite mínimo de 500 (quinhentos) metros, bem como de manter qualquer forma de contato com eles, seja direta ou indiretamente. Conforme demonstrado, o apelante, ciente da existência e do conteúdo da ordem judicial, aproximou-se deliberadamente dos filhos da vítima – as vítimas I. F. F. e L. G. F. D. S. –, interceptando-os em via pública, ameaçando-os e, por conseguinte, tentando atingir emocional e psicologicamente a própria Doralice, o que configura inequívoca tentativa de contato indireto com a ofendida. Ainda que a decisão judicial tenha expressamente afastado a vedação de visitas aos dependentes menores, cumpre salientar que apenas Izadora é filha biológica do apelante, sendo Lucas Gabriel seu enteado. Nesse contexto, a aproximação deste último – expressamente protegido pela extensão da medida à família da vítima – configura, por si só, o descumprimento da ordem judicial. Ademais, mesmo no que tange à filha (Izadora), o não acolhimento específico da proibição de visitas não autoriza o apelante a utilizar-se da menor como instrumento para intimidar ou alcançar a mãe, como de fato ocorreu, por meio da prática de reiteradas ameaças. Tal conduta viola frontalmente o escopo protetivo da medida, ao implicar contato indevido com familiares da ofendida e, sobretudo, a instrumentalização destes como meio de atingi-la. Dessa forma, diante do conjunto probatório coeso e consistente, que demonstra que o apelante descumpriu medida protetiva ao se aproximar de familiares da vítima, ameaçando-os e buscando, de modo indireto, alcançar a própria Doralice, impõe-se a manutenção da condenação nos termos do art. 24-A da Lei n.º 11.340/2006, não havendo que se falar em absolvição por ausência de dolo ou atipicidade da conduta. Com tais considerações, à luz do princípio da persuasão racional, conclui-se que o acervo probatório revela-se suficiente para atestar a autoria do apelante quanto ao descumprimento da medida protetiva, afastando a incidência do brocardo in dubio pro reo e inviabilizando o acolhimento do pleito absolutório. 3. Pena-base Quanto a ambos os delitos, a pena-base foi exasperada em razão da elevada culpabilidade “uma vez que a prática delitiva envolveu menores de idade, descendentes da vítima, extrapolando o tipo penal analisado”. E realmente, acompanho o entendimento de que “(...) o fato de o crime ter sido praticado na presença de menores também é fundamento adequado e suficiente para negativar a culpabilidade, em razão da reprovabilidade da conduta extrapolar o ordinário. (...)” (AREsp n. 2.383.059/CE, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 10/12/2024, DJEN de 17/12/2024). Assim, a culpabilidade foi corretamente valorada de forma negativa, em razão da especial reprovabilidade da conduta perpetrada pelo apelante, que se utilizou dos próprios filhos da vítima – pessoas em condição de vulnerabilidade em virtude da pouca idade – como instrumento de ameaça contra a genitora. A prática delitiva extrapola os contornos ordinários dos tipos penais analisados (ameaça e descumprimento de medida protetiva), revelando frieza, dolo intenso e completo desprezo pelos vínculos afetivos e pela integridade emocional dos menores envolvidos. Trata-se de conduta particularmente covarde, que evidencia grau de censurabilidade acima do padrão esperado, razão pela qual se mostra plenamente justificada a exasperação da pena-base, com fundamento no art. 59 do Código Penal. 4. Pedido de reconhecimento de crime único em detrimento do concurso material de delitos Conforme bem delineado no decisum combatido, as condutas de ameaçar as vítimas e de descumprimento de medidas protetivas são autônomas e independentes, não se verificando entre elas relação de meio e fim. O descumprimento da medida protetiva ocorreu de forma distinta e antecedeu as ameaças perpetradas, estas dotadas de dolo específico próprio, configurando, assim, concurso material de crimes. Como acertadamente consignado na sentença, trata-se de condutas autônomas, com desígnios distintos, aperfeiçoadas em momentos diversos. O crime de descumprimento da medida protetiva consumou-se no instante em que o apelante interceptou os menores em via pública, em clara violação à ordem judicial que o proibia de manter contato com os familiares da vítima. Já o crime de ameaça, por sua vez, representou agravamento do quadro fático, pois, após a aproximação, o apelante proferiu expressamente palavras intimidatórias e violentas dirigidas à ofendida e a seus filhos, ensejando novo e independente juízo de censura. Não se cuida, portanto, de única conduta caracterizada por relação de meio e fim, tampouco de mero exaurimento da infração anterior, mas sim de delitos distintos, com conteúdos típicos e elementos subjetivos próprios, impondo-se, por conseguinte, a aplicação do concurso material, nos termos do art. 69 do Código Penal. Ademais, importa ressaltar que os tipos penais em questão tutelam bens jurídicos diversos: o art. 24-A da Lei n.º 11.340/2006 visa à proteção da efetividade das decisões judiciais e da autoridade das medidas protetivas de urgência, enquanto o art. 147 do Código Penal resguarda a liberdade psíquica da vítima frente à coação moral. Essa autonomia dos bens jurídicos reforça a independência típica das condutas e afasta a aplicação da consunção. Nesse sentido, colaciono o seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais: “(...) Inviável, contudo, a aplicação do princípio da consunção em relação ao crime de descumprimento de medida protetiva, conquanto tratam-se de tipos penais que resguardam bens jurídicos distintos, sendo certo que o acusado praticou dois fatos típicos autônomos. (...)” (TJ-MG - Apelação Criminal: 0005263-55.2023 .8.13.0394, Relator.: Des.(a) Daniela Villani Bonaccorsi Rodrigues, Data de Julgamento: 06/12/2023, 9ª Câmara Criminal Especializa, Data de Publicação: 06/12/2023) Assim, mantém-se a condenação em ambos os tipos penais, com somatório das penas respectivas. 5. Pedido de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos Por fim, no que tange ao pedido de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, mais uma vez não assiste razão à ilustre Defesa. Isso porque o art. 44 do Código Penal estabelece requisitos cumulativos para a concessão da substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, quais sejam: que a sanção aplicada não seja superior a 04 (quatro) anos; que o crime não tenha sido cometido com violência ou grave ameaça à pessoa – ou, qualquer que seja a pena, que se trate de crime culposo; que o réu não seja reincidente em crime doloso; e que a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias do delito, autorizem a substituição. No caso em apreço, embora preenchido o critério objetivo da quantidade da pena – fixada em patamar inferior a 04 (quatro) anos –, o apelante foi condenado pela prática dos crimes de ameaça e descumprimento de medida protetiva de urgência no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, o que, por si só, inviabiliza a concessão da substituição pretendida, diante da ausência dos requisitos exigidos pelo dispositivo legal supracitado. Não bastasse isso, a Súmula n.º 588 do Superior Tribunal de Justiça dispõe expressamente que: “A prática de crime ou contravenção penal contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico impossibilita a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.” Inviável, pois, o pleito defensivo. CONCLUSÃO: Ante o exposto, suscito, de ofício, a preliminar de ausência de dialeticidade e, por conseguinte, conheço em parte do recurso de apelação criminal interposto por JOSÉ PEREIRA FÓLIS NETO, extensão em que NEGO PROVIMENTO à irresignação, mantendo-se, integralmente, a r. sentença proferida pelo d. Juízo da Vara Única da Comarca de Arenápolis/MT na ação penal n.º 1000258-97.2021.8.11.0026. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 09/07/2025
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear