Processo nº 1001722-20.2024.8.11.0005
ID: 306264527
Tribunal: TJMT
Órgão: VARA CRIMINAL DE DIAMANTINO
Classe: AçãO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINáRIO
Nº Processo: 1001722-20.2024.8.11.0005
Data de Disponibilização:
24/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
EDUARDO ANTONIO OLIVEIRA MARTINS
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA CRIMINAL DE DIAMANTINO SENTENÇA Processo: 1001722-20.2024.8.11.0005. AUTORIDADE: POLÍCIA JUDICIÁRIA CIVIL DO ESTADO DE MATO GROSSO AUTOR(A): MINISTÉRIO PÚB…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO VARA CRIMINAL DE DIAMANTINO SENTENÇA Processo: 1001722-20.2024.8.11.0005. AUTORIDADE: POLÍCIA JUDICIÁRIA CIVIL DO ESTADO DE MATO GROSSO AUTOR(A): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO DENUNCIADO: MARIOESIO SILVA ORMOND Vistos. O Representante do Ministério Público do Estado do Mato Grosso, em exercício neste Juízo, ofereceu denúncia em face de MARIOESIO SILVA ORMOND, dando-o como incurso nas sanções previstas no art. 129, § 13 do Código Penal, com implicações da Lei nº 11.340/06. A denúncia descreve os seguintes fatos delituosos: “FATO I – LESÃO CORPORAL Consta dos inclusos autos de Inquérito Policial que no dia 17 de abril de 2022, por volta das 02h30min, em via pública no município Diamantino/MT, o denunciado MARIOESIO DA SILVA ORMOND, ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, de modo a configurar lesão corporal contra mulher, por condição do sexo feminino, praticou lesão corporal contra a Sra. Valdelena de Jesus Ferreira. DA DESCRIÇÃO FÁTICA Inicialmente, convém mencionar que o denunciado convivia maritalmente com a irmã da vítima por aproximadamente 25 (vinte e cinco) anos. Consoante apurado nos autos, no dia dos fatos, a vítima informou que reside na cidade de Lucas do Rio Verde e veio até a cidade de Diamantino para participar de uma festa de aniversário do seu sobrinho, com a sua irmã Maria. Ademais, informou que estava indo embora, eis que o denunciado, começou a proferir xingamentos direcionados a vítima e sua irmã, dizendo “vocês são vagabundas, putas, não valem nada”. Acrescentou que o denunciado apresentava um comportamento alterado e agressivo. Após, a vítima respondeu dizendo “não sou vagabunda não”, “eu trabalho e pago minhas contas”, momento esse em que o denunciado lançou uma lata de cerveja em direção ao rosto da vítima, causando uma lesão em seu olho direito. Verifica-se em laudo pericial 620.1.02.2022.010048-01, que a vítima “apresentava vestígios de lesão corporal de caráter contuso.” Consta do inquérito policial, dentre outros documentos, boletim de ocorrência (Id n. 160369227), termo de declaração (Id n. 167754071) e termo de qualificação, vida pregressa e interrogatório (Id n. 167754076). Acostado aos autos laudo pericial da vítima (Id n. 177234784). A denúncia foi regularmente recebida em 02/12/2024, conforme decisão de Id n. 177270965. O réu foi citado e apresentou resposta à acusação, por intermédio de advogado constituído (Id n. 186019511). Ademais, considerando o teor da defesa técnica do réu e, não estando presente nenhuma das hipóteses do artigo 397 do Código de Processo Penal, foi designada audiência de instrução e julgamento. Em oralidade ocorrida no dia 12 de junho de 2025 realizou-se a oitiva da vítima Valdelena de Jesus Ferreira. Homologada a desistência da oitiva da testemunha Maria da Aparecida Ferreira. Seguiu-se com o interrogatório do réu. Por fim, foi encerrada a instrução processual e aberta vista às partes para apresentarem alegações finais sucessivas (Id n. 197517435). Alegações finais do Ministério Público requerendo a condenação pelo delito do art. 129, § 13 do Código Penal, além da condenação por danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) em favor da vítima (Id n. 197714640). A Defesa, através de memoriais, requereu a desclassificação para o delito de lesão corporal simples e, subsidiariamente, a aplicação de penas restritivas de direito ou a suspensão condicional do processo (Id n. 197930573). Os autos vieram conclusos. Eis o relatório. Fundamento e Decido. Não há questões preliminares a serem decididas, bem como verifico que o processo seguiu seu curso regular, sem nulidades a serem declaradas. Portanto, passo à análise do mérito. Primeiramente, cumpre ressaltar que vige em nosso ordenamento jurídico o sistema acusatório, no qual estão delineadas as funções de acusar, defender e julgar, o que, por consentâneo, traduz-se durante a persecução penal uma distribuição lógica do ônus da prova, de acordo com os interesses imperativos de cada parte. Na esteira da melhor doutrina, caberá à acusação provar a existência do fato imputado e sua autoria, a tipicidade da conduta, os elementos subjetivos de dolo ou culpa, a existência de circunstâncias agravantes e qualificadoras. Conquanto à defesa, a prova de eventuais causas excludentes de ilicitude, de culpabilidade e de tipicidade, circunstâncias atenuantes e causas de diminuição de pena que tenha alegado. No que se refere aos efeitos da produção da prova, direcionados ao magistrado, caberá ao Ministério Público à produção de provas que concretizem um juízo de certeza, enquanto à defesa, basta a produção de um cenário de dúvida ao julgador. DA INCIDÊNCIA DA LEI N.º 11.340/2006 A Lei Maria da Penha tem o intuito de proteger a mulher da violência doméstica e familiar que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, contudo, o crime deve ser cometido no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto. Aliás, o art. 5º da norma em questão não exige coabitação para que seja configurada a violência doméstica contra a mulher, bastando à convivência, ainda que anterior. É a lição que se infere daquele dispositivo legal, in verbis: “Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa”; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação”. Da leitura do artigo e incisos acima transcritos, tem que se aplica a Lei Maria da Penha a fatos que sejam praticados no âmbito da unidade doméstica, ou no âmbito familiar ou, ainda, em qualquer relação íntima. O denunciado, no âmbito familiar, se valendo do parentesco por afinidade com a vítima Valdelena de Jesus Ferreira (ex-cunhada) e por razões da condição do sexo feminino, praticou, em tese, o delito, assim fazendo incidir sobre este a aplicação da Lei n.º 11.340/2006. DO CRIME PREVISTO NO ART. 129, § 13 DO CP O Ministério Público imputa ao acusado a prática do delito de lesão corporal, previsto no art. 129, § 13 do Código Penal, que assim dispõe: “Art. 129. (...) § 13. Se a lesão for praticada contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código: Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro anos).” O dispositivo em apreço tutela a integridade corporal e a saúde da pessoa humana. A materialidade ficou demonstrada pelo boletim de ocorrência (Id n. 160369227), termo de declaração (Id n. 167754071), termo de qualificação, vida pregressa e interrogatório (Id n. 167754076), laudo pericial da vítima (Id n. 177234784 ), bem como pelos demais depoimentos dos autos. A autoria é incontestável. Como se sabe, o delito de lesão corporal se trata de crime material, o qual deixa vestígios, fazendo-se assim necessário o exame de corpo de delito direto/indireto para a constatação das lesões. Nesse sentido, o exame pericial de Id n. 177234784 comprova que houve ofensa à integridade corporal da ofendida Valdelena de Jesus Ferreira. Segundo o laudo pericial, a vítima apresentava “hematoma ao redor de olho direito, pálpebra superior e inferior”, apresentando vestígios de lesão corporal de caráter contuso. Impende destacar que lesão corporal é a ofensa humana direcionada à integridade corporal ou à saúde de outra pessoa. Depende da produção de algum dano no corpo da vítima, interno ou externo, englobando qualquer alteração prejudicial à sua saúde, inclusive problemas psíquicos. Após apreciar os documentos acostados, as provas produzidas e os argumentos apresentados por ambas as partes se chega à conclusão de que o denunciado praticou o fato descrito da denúncia. Vejamos. A vítima Valdelena de Jesus Ferreira explicou em Juízo que estava em uma festa com sua irmã e quando estavam indo embora o acusado veio atrás delas as agredindo com palavras. Disse que respondeu a ele, momento em que Marioesio jogou a latinha de cerveja em seu rosto, machucando seu olho direito, o qual ficou inchado e roxo. Afirmou que o denunciado estava recém separado de sua irmã, não aceitava o fim do relacionamento e ficava as perseguindo. Relato esse em consonância com as declarações da vítima na Delegacia de Polícia (Id n. 167754071) e o que foi atestado no laudo pericial elaborado pelo médico perito: “QUE sua irmã MARIA APARECIDA FERREIRA foi convivente de MARIOESIO ORMOND DA SILVA por aproximadamente 25 anos; QUE se recorda que no ano de 2022 foi em uma festa na cidade de Diamantino juntamente com sua irmã MARIA APARECIDA e quando estavam saindo da festa para irem embora MARIOESIO, foi atrás da declarante e de sua irmã e começaram a agredi-las com palavras, falando que a declarante e sua irmã eram vagabunda, puta, que elas não valiam nada, sendo que MARIOESIO estava bastante alterado e agressivo; QUE a declarante retrucou dizendo que não era vagabunda, pois trabalhava e pagava suas contas, sendo que neste momento MARIOESIO estava com uma lata de cerveja na mão e desferiu contra a declarante acertando em seu rosto próximo ao olho direito; QUE na data dos fatos sua irmã MARIA e MARIOESIO já estavam separados, sendo que MARIA residia nesta cidade de Lucas do Rio Verde, e MARIOESIO na cidade de Diamantino, tendo MARIA e a declarante ido até Diamantino para irem em uma festa; QUE MARIOESIO não proferiu nenhum tipo de ameaça, tendo apenas xingado e desferido uma lata de cerveja na declarante, o que lhe causou uma lesão em seu rosto; QUE foi submetida a exame de corpo de delito na cidade de Diamantino; QUE ficou com o rosto inchado e roxo por cerca de uns 15 dias; QUE acredita que MARIOESIO tenha praticado os fatos por motivo de ciúmes, pois ele nunca aceitou a separação; QUE não houve testemunhas do fato, alegando que no momento estava somente a declarante, sua irmã MARIA e seu ex-cunhado MARIOESIO.” (grifei) O réu Marioesio da Silva Ormond confirmou os fatos, afirmando que foi para o baile com a vítima e sua irmã e quando elas foram embora ele as acompanhou porque iria trocar de sapato, pois o dele havia descolado. Informou que a vítima lhe disse algo que não soube dizer o que foi, por não se lembrar e, então, ele jogou a latinha que pegou nela. Disse ainda que depois quando retornou ao local foi agredido pela ofendida. Pois bem. Verifica-se que as lesões sofridas pela vítima ficaram inteiramente comprovadas pelos relatos desta na Delegacia de Polícia e em Juízo, o que foi atestado pelo laudo pericial elaborado pela POLITEC, assim como, pelo relato do denunciado. Como se vê, os elementos de prova demonstram que o acusado agrediu a vítima, agindo com vontade livre e consciente de lhe ofender a integridade física e/ou causar-lhe danos à sua saúde. Outrossim, é cediço que a palavra da vítima constitui prova de grande importância no delito de violência doméstica, e a sua declaração prestada, em consonância com as demais provas autoriza a condenação. Neste sentido decidiu o STJ: “No que tange aos crimes de violência doméstica e familiar, entende esta Corte que a palavra da vítima assume especial importância, pois normalmente são cometidos sem testemunhas” (STJ, AgRg no AREsp213796/DF). Nessa vertente colaciono recentes julgados do Egrégio Tribunal de Justiça desse Estado: “RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL – DELITO DE AMEAÇA CONTRA A MULHER EM CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – IRRESIGNAÇÃO DA DEFESA – 1. PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO POR INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA – IMPOSSIBILIDADE – RELEVÂNCIA DA PALAVRA COERENTE DA VÍTIMA – CONJUNTO PROBATÓRIO ASSAZ A SUBSIDIAR A CONDENAÇÃO – APELO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Considerada a especial importância atribuída à palavra da vítima nos casos de infrações penais praticadas em contexto de violência doméstica e/ou familiar, é de rigor a manutenção da sentença condenatória quando a narrativa apresentada pela vítima é coerente e harmônica, uma vez que não podem ser desprezadas as circunstâncias em que tais crimes são praticados, às escusas e usualmente sem testemunhas. 2. Nesse contexto, a mera negativa de autoria não é suficiente à desconstituição do édito condenatório, mormente quando o relato do réu em juízo diverge substancialmente das informações prestadas inicialmente na Delegacia, a mitigar a credibilidade do pleito defensivo. Precedentes. 3. Apelo conhecido e desprovido.” (N.U 0001855-23.2019.8.11.0048, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, GILBERTO GIRALDELLI, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 09/08/2023, Publicado no DJE 10/08/2023) (grifei) “RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E/OU FAMILIAR CONTRA A MULHER – AMEAÇA E DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA – SENTENÇA CONDENATÓRIA – IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA – 1. OBJETIVADA A ABSOLVIÇÃO DE AMBOS OS CRIMES– IMPOSSIBILIDADE – MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS DEVIDAMENTE COMPROVADAS – RELEVÂNCIA DA PALAVRA DA VÍTIMA NAS INFRAÇÕES PENAIS PRATICADAS EM CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER – AMEAÇA SÉRIA E IDÔNEA – CIÊNCIA DO RÉU ACERCA DAS MEDIDAS PROTETIVAS VIGENTES – PARTICULARIDADES DO CASO CONCRETO – 2. PRETENDIDA A READEQUAÇÃO DAS CONDIÇÕES IMPOSTAS PARA SUSPENDER A EXECUÇÃO DA PENA – PROVIMENTO QUE DEVE SER PLEITEADO NA FASE DA EXECUÇÃO PENAL – 3. REQUERIDOS OS BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA –– DESCABIMENTO – EVENTUAL HIPOSSUFICIÊNCIA QUE NÃO OBSTA A CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DAS CUSTAS – INTELIGÊNCIA DO ART. 804 DO CPP – COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA EXECUÇÃO PENAL – RECURSO DESPROVIDO. 1. Nas infrações penais praticadas contra a mulher em contexto de violência doméstica e/ou familiar, a palavra da vítima assume especial importância. In casu, não há que se falar em dúvida sobre a existência dos crimes, diante da comprovação firme e segura da materialidade e da autoria delitivas, constatados com o relato dos fatos pela ofendida, de modo seguro, harmônico e coerente, além de não desabonado ou contraposto por qualquer outro elemento probatório, deve, sem dúvida, prevalecer sobre a negativa isolada do réu. 2. Acaso o condenado discorde das medidas fixadas para a suspensão condicional da pena poderá renunciar ou requerer alterações ao benefício do art. 77 do CP, devendo fazê-lo no momento oportuno, na fase de execução, após o trânsito em julgado da condenação. Precedentes. 3. A condenação em custas processuais constitui consectário da própria condenação criminal, nos termos do art. 804 do CPP, sendo, portanto, impassível de isenção, ainda que o condenado seja beneficiário da Justiça Gratuita, cabendo ao d. juízo da Execução Penal a análise quanto à eventual suspensão ou dispensa da exigibilidade destas. Recurso desprovido.” (N.U 1000233-29.2020.8.11.0088, CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS, GILBERTO GIRALDELLI, Terceira Câmara Criminal, Julgado em 02/08/2023, Publicado no DJE 04/08/2023) (grifei) Quanto ao pleito da Defesa para desclassificação do crime do art. 129, § 13 do CP para o delito do art. 129, caput do CP, este não há de ser acolhido, haja vista que, a agressão se deu após ofensas proferidas pelo réu à vítima (ex-cunhada) e a sua ex-companheira, o qual não aceitava o término do relacionamento, caracterizando a vulnerabilidade do gênero feminino, além do contexto de violência no âmbito familiar. Assim, diversamente do alegado pela Defesa, na hipótese dos autos incide a Lei Maria da Penha. Nesse sentido o entendimento jurisprudencial do STJ: “RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. MATÉRIA DE COMPETÊNCIA. TEMA DE SUPOSTA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. MOTIVAÇÃO DE GÊNERO. FLAGRANTE ILEGALIDADE NÃO CONSTATADA. VIA INADEQUADA. ACÓRDÃO DE ORIGEM COM FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. RECURSO ORDINÁRIO CONHECIDO E DESPROVIDO. I - Assente nesta Corte Superior que "A própria Lei n. 11.340/2006, ao criar mecanismos específicos para coibir e prevenir a violência doméstica praticada contra a mulher, buscando a igualdade substantiva entre os gêneros, fundou-se justamente na indiscutível desproporcionalidade física existente entre os gêneros, no histórico discriminatório e na cultura vigente. Ou seja, a fragilidade da mulher, sua hipossuficiência ou vulnerabilidade, na verdade, são os fundamentos que levaram o legislador a conferir proteção especial à mulher e por isso têm-se como presumidos (Precedentes do STJ e do STF)" (AgRg no AREsp n. 1.439.546/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 5/8/2019). II - No caso concreto, a vítima, supostamente, vem sofrendo violência psicológica praticada por seu ex-cunhado, mediante o uso de ameaças, conforme assentado, diante dos fatos e fundamentos expostos, no v. acórdão de origem. Sendo assim, a alegação de que não haveria contexto familiar não se sustenta, haja vista a própria redação da Lei Maria da Penha: "Art . 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: (...) II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa". III - Não constatada nenhuma flagrante ilegalidade, de acordo com os fatos e provas revolvidos pelo eg. Tribunal de origem, tem-se ainda a total inadequação da via eleita para tratar do tema relativo à competência, pois "O writ constitucional do habeas corpus se destina a assegurar o direito de ir e vir do cidadão, portanto, não se presta para solucionar questão relativa à competência sem reflexo direto no direito ambulatório, sobretudo porque há previsão recursal para solucionar a questão, nos termos do art. 105, inciso III, da Constituição Federal. Precedente. (...) O Tribunal de origem, com o grau de discricionariedade próprio à espécie constatou estar preenchido o requisito de motivação de gênero, sendo impossível, à luz dos fatos narrados, infirmar-se essa ilação" (HC n. 250.435/RJ, Sexta Turma, Relª. Minª. Laurita Vaz, DJe de 27/9/2013). Recurso ordinário conhecido e desprovido.” (STJ - RHC: 160102 RO 2022/0032309-0, Relator.: JESUÍNO RISSATO, Data de Julgamento: 29/03/2022, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/04/2022) Desta feita, o contexto das provas produzidas nos autos é consistente em imputar ao réu a prática do delito de lesão corporal dolosa contra a mulher. Desse modo, comprovado que o réu praticou o delito previsto no artigo 129, § 13 do Código Penal, a condenação é medida que se impõe. Dispositivo Isto posto, julgo PROCEDENTE a pretensão punitiva estatal consubstanciada na denúncia, para CONDENAR o acusado MARIOESIO SILVA ORMOND, pela prática do delito tipificado no art. 129, § 13 do Código Penal, nos termos do artigo 387 do Código de Processo Penal. Em vista disso, passo a dosar a pena a ser aplicada em estrita observância ao disposto no artigo 68, caput, do Código Penal. DOSIMETRIA. 1ª. Fase - Circunstâncias judiciais (art. 59 do Código Penal): Em relação ao crime imputado ao denunciado, considerando as diretrizes do artigo 59 do Código Penal, denoto que o acusado agiu com culpabilidade normal à espécie, nada tendo a se valorar; não possui maus antecedentes; poucos elementos foram coletados a respeito de sua conduta social, razão pela qual deixo de valorá-la; quanto à personalidade não há elementos suficientes para analisá-la. O motivo do crime (futilidade da conduta) constitui-se em agravante, a qual será valorada na fase seguinte. Em relação às circunstâncias do crime nada que justifique a exasperação da pena, visto que não ultrapassou a previsão da conduta; no tocante às consequências do crime são próprias do tipo, consistindo no resultado previsto à conduta, nada havendo a ser valorado. Quanto ao comportamento da vítima, em nada contribuiu para a prática delitiva. Analisadas as circunstâncias judiciais do caput do artigo 59 do Código Penal, nenhuma desfavorável ao réu, fixo a pena-base em 01 (um) ano de reclusão. 2ª. Fase – Atenuantes e Agravantes: Presente a atenuante da confissão espontânea disposta no art. 65, inc. III, alínea “d” do CP, uma vez que o réu assumiu em juízo a prática do delito. Presente ainda a agravante do motivo fútil, prevista no artigo 61, inciso II, alínea “a” do CP, uma vez que a agressão à vítima (sua ex-cunhada) foi motivada por desavença em não aceitar o fim do relacionamento com a irmã dela, o que torna a conduta fútil e desproporcional. Assim, concorrendo a atenuante da confissão espontânea com a agravante do motivo fútil, em observância ao artigo 67 do Código Penal, verifico que àquela prepondera sobre esta, contudo, deixo de atenuar a pena, haja vista que a pena-base foi fixada no mínimo legal e a incidência de circunstância atenuante não pode conduzir a redução da pena abaixo do mínimo legal previsto em abstrato ao tipo, nos termos da Súmula 231 do STJ. Razão pela qual mantenho a pena anteriormente dosada em 01 (um) ano de reclusão. 3ª. Fase - Causas especiais de aumento e/ou diminuição de pena: Não concorrem causas de diminuição e aumento de pena, razão pela qual mantenho anteriormente dosada. PENA DEFINITIVA Vencidas as etapas do artigo 68 do Código Penal, por entender como necessário e suficiente para reprovação e prevenção dos crimes, fica o réu condenado à pena privativa de liberdade de 01 (um) ano de reclusão. FIXAÇÃO DO REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA Com fundamento no artigo 33, § 2º e 3º c/c artigo 59, inciso III, do Código Penal, deverá o réu iniciar o cumprimento da pena no regime ABERTO. SUBSTITUIÇÃO POR PENA RESTRITIVA DE DIREITOS (ART. 44 DO CP) O artigo 44, incisos I, II e III, do Código Penal, preceitua que as penas restritivas de direito são autônomas e substituem as privativas de liberdade quando aplicada pena não superior a 04 (quatro) anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, o réu não for reincidente em crime doloso e as circunstâncias judiciais indicarem que a substituição seja suficiente. Na hipótese, não estão preenchidos os requisitos legais, pois, além de ser crime cometido com violência à pessoa, ocorreu em âmbito doméstico/familiar, tornando-se incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (Súmula 588 do STJ). SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA A concessão do sursis penal é cabível no caso, pois preenchidos os requisitos do artigo 77 do Código Penal. O réu foi condenado a pena privativa de liberdade inferior a 02 (dois) anos, é tecnicamente primário e as circunstâncias do artigo 59 do Código Penal lhe são favoráveis. Assim, concedo-lhe o benefício da suspensão condicional da pena, nos termos dos artigos 77, inciso III, e 78, §2.º do Código Penal, pelo período de 2 (dois) anos, estabelecendo para o gozo deste as seguintes condições: a) proibição de frequentar bares, boates e congêneres; b) proibição de ausentar-se da comarca onde reside por mais de 15 (quinze) dias sem autorização do juiz; c) comparecimento pessoal e obrigatório em juízo, bimestralmente, para informar e justificar suas atividades. APELO EM LIBERDADE Concedo ao réu o benefício de apelar em liberdade, se por outro motivo não estiver preso, com fundamento no mandamento do art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, pois permaneceu nessa situação durante o trâmite processual, bem como não se encontram presentes os requisitos para a decretação da prisão preventiva. Ademais, com a concessão do benefício da suspensão condicional da pena não se justifica a segregação cautelar. REPARAÇÃO DOS DANOS Consta da inicial acusatória requerimento do Ministério Público para a fixação de valor mínimo indenizatório para a vítima do crime praticado pelo acusado. Em sede de memoriais pleiteou condenação do réu em danos morais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) em favor da vítima. Pois bem. Consoante o disposto no artigo 387, IV, do Código de Processo Penal, ao proferir a sentença condenatória, o juiz fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido. O inciso IV, do artigo 387, do CPP possibilita que na sentença seja fixado o valor mínimo para a reparação dos prejuízos sofridos pela ofendida em razão da infração penal. No entanto, a permissão legal não dispensa a existência de expresso pedido formulado pela vítima, bem como a comprovação dos prejuízos, sob o crivo do contraditório. Nesse sentido o Tema 983 do STJ, segundo o qual “Nos casos de violência contra a mulher praticados no âmbito doméstico e familiar, é possível a fixação de valor mínimo indenizatório a título de dano moral, desde que haja pedido expresso da acusação ou da parte ofendida, ainda que não especificada a quantia, e independentemente de instrução probatória”. No que diz respeito à condenação pelos danos extrapatrimoniais suportados pela vítima, segundo entendimento do c. STJ, para fixação de indenização mínima por danos morais, nos termos do art. 387, IV, do CP, não se exige instrução probatória acerca do dano psíquico, do grau de sofrimento da vítima, bastando que conste pedido expresso na inicial acusatória, garantia suficiente ao exercício do contraditório e da ampla defesa. (AgRg no REsp 2.029.732-MS) O dano moral decorre da violação a direitos da personalidade, o que inclui a integridade física e a integridade psicológica, as quais inegavelmente restaram violados no presente caso. A vítima sofreu lesões corporais, conforme relatado na Delegacia de Polícia e em Juízo, bem como o atestado pelo médico perito ao elaborar o laudo pericial de Id n. 177234784. Desse modo, a aferição do dano e sua dimensão são extraídas do próprio contexto criminoso. Inquestionável, que a vítima ficou abalada emocionalmente e traumatizada com o ocorrido à época dos fatos. Em vista disso, a condenação do réu Marioesio Silva Ormond ao pagamento de indenização por dano moral à vítima Valdelena de Jesus Ferreira, é medida de direito, nos termos dos artigos 186 e 927, do Código Civil. Assim, nos termos do art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, e considerando a situação econômica do réu, condeno-o ao pagamento, a título de indenização mínima pelo dano moral causado pelas infrações, em favor de Valdelena de Jesus Ferreira, o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Com o trânsito em julgado da sentença condenatória, intime-se a vítima para que promova a execução desta condenação no juízo cível. PROVIDÊNCIAS FINAIS Condeno o acusado ao pagamento das custas/despesas processuais. Se vantajoso ao réu, expeça-se guia de execução provisória. Oportunamente, após o trânsito em julgado dessa decisão, tomem-se as seguintes providências: 1) Lance-se o nome do réu no rol dos culpados; 2) Oficie-se ao TRE/MT para o cumprimento do disposto no artigo 15, III, da CF, ao IICC e ao SINIC (Sistema Nacional de Informações Criminais); 3) Expeça-se guia de execução penal definitiva. Intime-se a vítima, nos termos do artigo 21 da Lei 11.340/06. Após, não havendo pendência, arquivem-se os autos com as baixas e anotações necessárias. Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se. Diamantino/MT, na data da assinatura digital. Janaína Cristina de Almeida Juíza de Direito
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