Empresa Brasileira De Serviços Hospitalares - Ebserh x Sara Da Costa Sandes
ID: 328990426
Tribunal: TST
Órgão: 8ª Turma
Classe: RECURSO DE REVISTA COM AGRAVO
Nº Processo: 0000054-38.2023.5.20.0014
Data de Disponibilização:
31/07/2025
Polo Passivo:
Advogados:
DR. JOSE FELIPE SANTANA VALADAO
OAB/SE XXXXXX
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DR. JOSE DANIEL SANTANA VALADAO
OAB/SE XXXXXX
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DR. EZEQUIEL DIEGO LIMA DE SOUSA
OAB/PB XXXXXX
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DR. GERMANO GIOVANNI CORREIA FERREIRA
OAB/SE XXXXXX
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Agravante(s) e Recorrente(s): EMPRESA BRASILEIRA DE SERVIÇOS HOSPITALARES - EBSERH
ADVOGADO: GERMANO GIOVANNI CORREIA FERREIRA
ADVOGADO: EZEQUIEL DIEGO LIMA DE SOUSA
Agravado(s) e Recorrido(s): SARA …
Agravante(s) e Recorrente(s): EMPRESA BRASILEIRA DE SERVIÇOS HOSPITALARES - EBSERH
ADVOGADO: GERMANO GIOVANNI CORREIA FERREIRA
ADVOGADO: EZEQUIEL DIEGO LIMA DE SOUSA
Agravado(s) e Recorrido(s): SARA DA COSTA SANDES
ADVOGADO: JOSE FELIPE SANTANA VALADAO
ADVOGADO: JOSE DANIEL SANTANA VALADAO
GMSPM/kvgn/apm
D E C I S Ã O
I - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA
Trata-se de agravo de instrumento (fls. 368/391) interposto pela reclamada contra decisão do Tribunal Regional do Trabalho (fls. 347/356) mediante a qual se denegou seguimento ao recurso de revista (fls. 316/346).
Contraminuta ao agravo de instrumento em recurso de revista apresentada às fls. 410/413 e contrarrazões ao recurso de revista às fls. 394/409.
Desnecessária a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, nos termos do Regimento Interno do TST.
O acórdão regional foi publicado na vigência da Lei nº 13.467/2017.
O recurso foi subscrito por profissional regularmente habilitado (fls. 68/72) e interposto tempestivamente (ciência da decisão denegatória em 7/8/2023 e interposição do agravo de instrumento em 16/8/2023), sendo a necessidade de preparo questão atinente ao mérito.
A discussão cinge-se ao tema "EMPREGADO PÚBLICO. REDUÇÃO DA JORNADA SEM DIMINUIÇÃO SALARIAL. CUIDADOS COM FILHO PORTADOR DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA".
O Regional denegou seguimento ao recurso de revista pelos seguintes fundamentos:
"A recorrente alega que não possui amparo legal a redução de jornada sem redução salarial pela deficiência do dependente. Sustenta que houve violação art. 2º, 5º, II, art. 7º, XIII, e 37 da CF /88.
Examino.
Sob a ótica do §7º do artigo 896 da CLT e Súmula 333 do TST, é inviável o seguimento do recurso, eis que a decisão está em sintonia com a jurisprudência do TST:
[...]
Portanto, nego seguimento." (fls. 352/356)
A reclamada impugna a decisão denegatória e sustenta não haver amparo legal à pretensão autoral de redução da jornada de trabalho sem a redução de salário. Reitera suas alegações de violação dos artigos 2º, 5º, II, 7º, XIII, 37, caput, e 196 da Constituição da República, 3º da Lei nº 13.979/20, 10 da Lei nº 7.783/89 e 5º da LINDB.
A transcrição realizada às fls. 326/328 atende ao disposto no artigo 896, § 1º-A, I, da CLT.
Na fração de interesse, o Regional consignou:
"De pronto, a Reclamante, na peça vestibular, requer a redução da jornada de trabalho da parte autora em 50% ou, subsidiariamente, de 36 horas semanais para 24 horas semanais (2 plantões de 12 horas), enquanto houver a necessidade de acompanhar seu filho diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista -TEA aos tratamentos, mantendo-se a remuneração integral, com fulcro nos arts. 227 e 229 da Constituição Federal, Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente -ECA), Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n.º 13.146/2015), Decreto Legislativo 186, Decreto 8.368/14 (que Regulamenta a Lei nº 12.764/2012 (que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista) e Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (Decreto 6.949/2009).
No caso dos autos, não há controvérsia no tocante ao diagnóstico do filho da Autora (TEA - Transtorno do Espectro Autista), o qual requer atenção e cuidados diferenciados, bem como o efetivo acompanhamento e assistência da sua genitora, consoante documentos sob Id's. 4dfac8d e 6d8d94.
De logo, importa registrar que o legislador ordinário conferiu aos servidores públicos federais o direito à concessão do pedido de redução de carga horária ou jornada especial, para acompanhar tratamento de saúde de cônjuge, filho ou dependente com deficiência (art. 98, da Lei 8112/91).
Tal benefício vem sendo reproduzido pelos estatutos dos servidores públicos lotados nos estados e municípios, como forma de ampliar tal direito a estes servidores.
Entretanto, ao empregado regido pela CLT, ocupantes de emprego na esfera pública ou privada, não existe norma que lhes resguardem. A CLT é omissa nesse ponto, sendo necessária a tutela jurisdicional na efetivação de tal direito.
Com efeito, a Constituição Federal definiu como um dos fundamentos da República a dignidade humana (art. 1º, III). Mais adiante destacou a saúde como Direito Social (art. 6º), inclusive compondo o rol de direitos e garantias fundamentais (Título II), além de dedicar seção especial quando dispõe sobre a ordem social, introduzindo o tema no art. 196 da seguinte forma:
[...]
Nesse contexto, verifica-se que um dos valores sociais que revelam maior preocupação do constituinte é a saúde, pois é condição sine qua non para o desenvolvimento individual, bem como de toda a sociedade. Assim, consagra-se o direito à saúde como direito fundamental, afirmado, inclusive, como um mínimo existencial.
Em complemento, a Constituição Federal, em seu art. 227, preconiza:
[...]
Em razão desse cenário constitucional, a garantia dos direitos das crianças não constitui dever unicamente de seus genitores, mas antes, de toda a sociedade e do Estado.
É certo que o ordenamento jurídico nacional, apesar de várias normas sobre a necessidade de amparo e promoção da dignidade da pessoa com deficiência, a CLT, inequivocamente, não possui qualquer regramento acerca do tema.
Logo, sua análise se impõe à luz do direito comum, do direito comparado, da analogia e da equidade, conforme determinam o artigo 8º, caput e parágrafo único da CLT.
A Lei 8.112/90, prevê em seu artigo 98, in verbis:
[...]
Assim, a utilização desta analogia revela harmonia com ditames constitucionais e legais, posto que a diferença de regime laboral - estatutário ou celetista não autoriza a distinção em matéria de direitos e garantias no que toca às pessoas com deficiência e, de outro modo, permite a concretização dos preceitos legais acima indicados.
Nesse sentido, na hipótese de criança com comprovada condição de transtorno TEA, decidiu recentemente esse E. Turma Recursal:
[...]
Destarte, entende-se que a ausência de previsão legal expressa não deve impedir o reconhecimento do direito à redução da jornada aos empregados da empresa, já que conceitos como o direito à vida e o dever de proteção à criança têm prevalência e orientam a aplicação de todas as demais normas jurídicas.
Assim, confirma-se o julgado que deferiu o pleito de redução da carga horária de trabalho da Reclamante em 50%, ficando limitada a 18 horas semanais, sem prejuízo salarial e independentemente de compensação de horário, enquanto houver necessidade de acompanhamento do seu filho portador de necessidades especiais (TEA), a ser comprovada semestralmente, mediante apresentação, à empregadora, de relatório médico ou psicológico que especifique a necessidade de manutenção da redução da jornada, rejeitando-se as teses recursais de não cabimento da medida pleiteada por ausência de previsão legal e pelo princípio da supremacia do interesse público sobre o particular e da separação dos poderes e da alegada alteração contratual sem mútuo consentimento em razão de ausência de previsão em norma coletiva.
Sentença que se mantém." (fls. 275/279 - destaques acrescidos)
De plano, constata-se a conformidade do acórdão regional com a jurisprudência desta Corte Superior, que vem reconhecendo o direito ao empregado público de redução da jornada de trabalho, sem prejuízo salarial, para prestar assistência ao dependente portador de deficiência, como no caso dos autos, por aplicação analógica do art. 98, §2º e §3º, da Lei 8.112/90.
Nesse sentido, citam-se julgados desta Oitava Turma e de outras Turmas do TST:
"AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMADA. RITO SUMARÍSSIMO. JORNADA DE TRABALHO. REDUÇÃO PARA CUIDADO DE FILHO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA (AUTISMO). EMPREGADO PÚBLICO. ANALOGIA. ART. 98, §§ 2 º e 3 º, DA LEI 8.112/90. 1. O Tribunal Regional deferiu ao reclamante, empregado público, redução de jornada (50%), sem diminuição salarial para que o autor acompanhe sua filha, com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista, nas atividades relacionadas com o respectivo tratamento, por aplicação analógica do art. 98, §§2 º e 3 º, da Lei 8.112/90, com redação da Lei 13.370/2016. 2. No contexto do processo de constitucionalização do Direito Administrativo, a utilização da analogia a fim de realizar a integração da lacuna normativa do regime jurídico aplicável ao reclamante encontra amparo na leitura contemporânea do princípio da legalidade administrativa, à luz do primado da juridicidade, de modo a não vincular o administrador público exclusivamente às diretrizes oriundas do Poder Legislativo, mas também para balizar sua atividade pelos valores e princípios constitucionais. 3. O caso dos autos abrange a tutela de bens jurídicos destacados na ordem constitucional de 1988, notadamente, o direito da pessoa com deficiência, alçado à categoria de direito fundamental, sobretudo em face da internalização, com status de emenda constitucional (art. 5 º, § 3 º, da CF), da Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência pelo Decreto 6.949/2009. 4. Desse modo, a aplicação analógica do art. 98, §§ 2 º e 3 º, da Lei 8.112/90 à situação dos autos, envolvendo empregado público, decorre da incidência de princípios oriundos dos arts. 1º, III, 5 º, 6 º, 7 º, 227 da CF e 3 º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), além da destacada Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, não se vislumbrando qualquer ofensa ao primado da legalidade ou aos demais princípios que regem a Administração Pública. Precedentes. Agravo não provido." (Ag-AIRR-585-48.2021.5.12.0037, 8ª Turma, Relatora Ministra Delaide Alves Miranda Arantes, DEJT 27/03/2023)
"AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. EBSERH. EMPREGADA PÚBLICA. FILHO MENOR COM DEFICIÊNCIA (AUTISMO). REDUÇÃO DE JORNADA E MUDANÇA PARA O TURNO NOTURNO SEM ALTERAÇÃO REMUNERATÓRIA E SEM COMPENSAÇÃO DE HORÁRIO. ESPECIFICIDADE A EXIGIR SOLUÇÃO TÓPICA, NÃO GENERALIZÁVEL. O Regional, valendo-se da aplicação analógica do artigo 98, §§ 2º e 3º, da Lei nº 8.112/90, com a redação determinada pela Lei nº 13.370/2016, deferiu a fixação do horário de trabalho da reclamante, empregada pública do Hospital Universitário do Piauí com jornada semanal de trinta e seis horas, exclusivamente à noite, com redução da jornada em 20%, sem compensação e sem comprometimento da remuneração, até que o filho dela venha a completar doze anos de idade, em dezembro de 2020, em virtude de laudos médicos segundo os quais a criança, que padece de Transtorno do Espectro do Autismo - TEA, CID 10 F84.0/F90.0, tem um delicado estado de saúde, com necessidade de acompanhamento materno contínuo, devendo comparecer a pelo menos cinco atendimentos de terapia semanais. Nesse contexto, e a despeito da invocação a latere, pelo Regional, de inúmeros princípios aplicáveis à controvérsia (a saber, aqueles contidos nos artigos 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/90, 1º, III, 6º e 227 da Constituição Federal de 1988, além da Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência promulgada no Brasil pelo Decreto nº 6.949/2009), o Juízo a quo se valeu de método de integração normativa que, longe de afrontar, dá escorreita aplicação tanto ao princípio administrativo da legalidade estrita, insculpido no artigo 37, caput , da Constituição Federal de 1988, quanto ao próprio artigo 98, §§ 2º e 3º, da Lei nº 8.112 /90, por força do artigo 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657/42). Agravo de instrumento conhecido e não provido" (AIRR-582-24.2018.5.22.0004, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 04/05/2020)
"AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMADA. LEI Nº 13.467/2017. HORAS NOTURNAS. NORMA COLETIVA. INEXISTÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA Nº 297 DO TST. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA. Não se constata a transcendência da causa, no aspecto econômico, político, jurídico ou social. Agravo interno conhecido e não provido, por ausência de transcendência da causa . Agravo conhecido e não provido. EMPREGADA PÚBLICA. FILHO PORTADOR DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) DE BAIXO FUNCIONAMENTO. DIREITO À REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO. PRINCÍPIOS DA IGUALDADE MATERIAL E DA DIGINIDADE DA PESSOA HUMANA. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ARTIGO 98, §3º, DA LEI Nº 8.112/90. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA CONSTATADA . A discussão cinge-se em definir se há, ou não, direito de redução da jornada de trabalho da empregada pública para o melhor acompanhamento de filho com deficiência, sem necessidade de compensação ou redução de salários, por aplicação analógica do artigo 98, §3º, da Lei nº 8.112/90. A Constituição Federal, em seu capítulo VII, garante especial proteção à família, conceituando-a como instituição fundamental e base da sociedade, responsável pelo pleno desenvolvimento e proteção dos indivíduos que a compõem . Com isso, estabelece que, além de toda sociedade e do Estado, é dever da família " assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão " (art. 227, caput , da CF/88). Notabiliza-se, portanto, a importância da entidade familiar na formação das crianças, adolescentes ou jovens submetidos aos seus cuidados, principalmente em situações de vulnerabilidade , como em alguns casos de pessoas com deficiência. Há, ainda, obrigação expressa, direcionada ao Estado, no sentido da necessidade de " criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação " (art. 227, §1º, II, da CF/88). Sobre esse aspecto, com o advento da denominada "Convenção de Nova York" - a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência - e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007, vigente no Brasil desde 25 de agosto de 2009, após ratificação, pelo Congresso Nacional, com equivalência a emenda constitucional, em virtude de haver sido observado o procedimento previsto no § 3º do artigo 5º da Constituição (Decreto nº 6.949), inaugurou-se um novo cenário normativo voltado à inclusão e proteção das pessoas com deficiência . Tais normas, complementadas pela Lei nº 13.146/2015 - a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) -, formam o que a doutrina denomina de "Bloco de Constitucionalidade" (URIARTE, Oscar Ermida - Aplicação judicial das normas constitucionais e internacionais sobre direitos humanos trabalhistas. Revista TST, Brasília, v. 77, n.º 2, (abr./jun. 2011), p. 137), passam a reger os referidos temas e afastam qualquer possibilidade de interpretação que conflite com os princípios e as regras nelas inseridos . Já no artigo 1º, a mencionada convenção traz como seu principal propósito "promover, proteger e assegurar o exercício pleno e eqüitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente ". No artigo 23 (item 5), foi prevista a seguinte obrigação: " Os Estados Partes, no caso em que a família imediata de uma criança com deficiência não tenha condições de cuidar da criança , farão todo esforço para que cuidados alternativos sejam oferecidos por outros parentes e, se isso não for possível, dentro de ambiente familiar, na comunidade ." (grifo nosso). Por sua vez, a Lei nº 13.146/2015, em preceito similar ao contido na Carta Magna, dispõe que: " Art. 8º É dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à sexualidade, à paternidade e à maternidade, à alimentação, à habitação, à educação, à profissionalização, ao trabalho, à previdência social, à habilitação e à reabilitação, ao transporte, à acessibilidade, à cultura, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à informação, à comunicação, aos avanços científicos e tecnológicos, à dignidade, ao respeito , à liberdade, à convivência familiar e comunitária , entre outros decorrentes da Constituição Federal, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo e das leis e de outras normas que garantam seu bem-estar pessoal, social e econômico ." (grifo nosso). Diante desse arcabouço normativo, torna-se inconfundível o papel que a família, como entidade de apoio, exerce na habilitação e assistência necessárias ao gozo, pela pessoa com deficiência, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais a ela garantidos, sendo a intenção do legislador, portanto, a facilitação de condições efetivas para tanto . Foi justamente nessa toada que foi editado o artigo 98, §§ 2º e 3º, da Lei nº 8.112/90 - aplicável aos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais -, cujo teor segue transcrito: " Art. 98. (...) § 2º - Também será concedido horário especial ao servidor portador de deficiência, quando comprovada a necessidade por junta médica oficial, independentemente de compensação de horário; § 3º - As disposições constantes do § 2º são extensivas ao servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência ." (grifo nosso). Garante-se, assim, a redução da jornada de trabalho do servidor público federal com deficiência, assim como daquele que tenha cônjuge, filho ou dependente em tal situação, sem a necessidade de compensação de horário ou redução salarial. Embora inexista tal previsão na CLT, esta Corte Superior, mediante exercício integrativo (art. 8º da CLT), vem entendendo ser possível a sua aplicação analógica aos contratos de trabalho, pela promoção da igualdade material e observância do princípio da dignidade da pessoa humana, que permeiam, por óbvio, a relação em análise (eficácia horizontal dos direitos fundamentais). Na hipótese concreta, o TRT registrou que a autora possui filho portador de Transtorno do Espectro Autista (TEA), de baixo funcionamento, com necessidade de acompanhamento para realização de atividades simples do dia a dia, como alimentação, higiene e segurança. Constou que o dependente da reclamante "não apresenta noções de perigo, sendo evidente sua vulnerabilidade extrema para os atos da vida comum, com dependência de um adulto". O quadro fático delineado no acórdão regional revela, ainda, que o seu tratamento depende da realização de consultas diárias, em variados campos, como psiquiatria e demais atividades terapêuticas indicadas pelos profissionais. É de salientar, também, que todos esses cuidados são realizados pela autora, sem a ajuda do pai biológico . A Lei nº 12.764/2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, define que "a pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais". Ainda, segundo literatura da área, reitera-se ser fundamental a participação direta de pessoa da família no tratamento para evolução e melhora do dependente, em especial da mãe, que, para tanto, necessitará de tempo não só para a realização de tais ocupações, mas também para manutenção de sua saúde física e mental, através da prática do autocuidado. Pelo exposto, não merece reparo a decisão regional que, por aplicação analógica do artigo 98, §3º, da CLT, deferiu a redução da jornada. Agravo conhecido e não provido" (Ag-AIRR-10144-56.2019.5.15.0153, 7ª Turma, Relator Ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 25/11/2022).
"AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI 13.467/2017. RITO SUMARÍSSIMO. REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO SEM A DIMINUIÇÃO DA REMUNERAÇÃO. EMPREGADA COM FILHO PORTADOR DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA). TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA . A presente discussão ainda não foi objeto de pacificação no âmbito desta Corte, o que configura a transcendência jurídica da matéria em debate. Todavia, no caso, o Regional ratificou o entendimento adotado na sentença, no sentido de que a Autora, que possui filho com transtorno do espectro autista (TEA), faz jus à jornada reduzida, sem que isso implique diminuição da respectiva remuneração. Apoiou-se, para tanto, nos postulados da dignidade da pessoa humana e no da proteção à criança e ao adolescente, nos termos do disposto nos artigos 1º, III, e 227 da Constituição Federal, bem como no artigo 7º da Convenção Internacional sobre Direitos das Pessoas com Deficiência. Este Tribunal vem decidindo que o empregado com filho portador de deficiência tem direito à redução da jornada, sem a correspondente diminuição da remuneração, de maneira a possibilitar a assistência necessária ao dependente. E a solução da controvérsia neste sentido atrai também a incidência dos princípios da solidariedade e da função social da empresa, inscritos no caput e no inciso III do art. 170 da Carta Política de 1988, os quais dispõem, no caso examinado, que o interesse patrimonial do empregador deve atuar em conformidade com o postulado maior da dignidade da pessoa humana. Logo, não se configura a ofensa ao art. 5º, II, da Constituição Federal. Julgados desta Corte. Não afastados, pois, os fundamentos da decisão agravada, nenhum reparo enseja a decisão. Agravo não provido, com acréscimo de fundamentação" (Ag-AIRR-683-12.2019.5.17.0151, 5ª Turma, Relator Ministro Douglas Alencar Rodrigues, DEJT 25/11/2022).
"RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017. REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO SEM REDUÇÃO DA REMUNERAÇÃO E SEM COMPENSAÇÃO DE HORÁRIOS. SERVIDORA PÚBLICA CELETISTA. FILHA MENOR DIAGNOSTICADA COM TRANSTORNOS DE ESPECTRO AUTISTA, DE LINGUAGEM RECEPTIVA, EXPRESSIVA E DE LEITURA. NECESSIDADE DE ACOMPANHAMENTO PARA ATIVIDADES MULTIDISCIPLINARES E TRATAMENTOS MÉDICOS E TERAPÊUTICOS. POSSIBILIDADE. No caso, o Tribunal Regional do Trabalho manteve a sentença, que julgou improcedente a pretensão da Reclamante, servidora pública celetista, de ter a jornada de trabalho reduzida sem redução da remuneração e sem compensação de horário, para cuidados especiais de sua filha menor, que possui Transtorno de Espectro Autista (AUTISMO), Transtorno de Linguagem Receptivo e Expressivo e Transtorno de Leitura. Entendeu a Instância Ordinária que a Administração Pública está pautada no princípio da legalidade, sendo que a ausência de previsão legal para a redução da carga horária de empregados públicos responsáveis por pessoas com deficiência impede a concessão do pleito autoral. Diante desse contexto, observa-se que a decisão do TRT está em dissonância com o entendimento desta Corte sobre a matéria . Esclareça-se que, de fato, inexiste legislação estadual que atribua à Reclamada o dever de redução da jornada da Reclamante na situação retratada na hipótese. Contudo o fenômeno do Direito - sua referência permanente à vida concreta - importa no constante exercício pelo operador jurídico de três métodos específicos e combinados de suma relevância para resolução de situações como a que se apresenta: a interpretação jurídica, a integração jurídica e, finalmente, a aplicação jurídica. Especificamente sobre a integração jurídica, processo lógico de suprimento das lacunas percebidas nas fontes principais do Direito em face de um caso concreto, mediante o recurso a fontes normativas subsidiárias, tem-se que tal instituto permite atender ao princípio da plenitude do arcabouço jurídico, informador de que a ordem jurídica sempre terá, necessariamente, uma resposta normativa para qualquer caso concreto posto a exame do operador do Direito. Nesse sentido, dispõe o art. 8º, caput , da CLT - além do Decreto n. 4.647/1942, LINDB, (arts. 4º e 5º) e do Código de Processo Civil de 2015 (art. 140) -, que : "As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais do direito, principalmente do direito do trabalho e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público". Partindo dessas premissas é que o ordenamento jurídico brasileiro deve ser analisado, ou seja, de forma congruente e organicamente integrado. Deve ser pesquisada, nos preceitos normativos já existentes sobre a matéria discutida, a noção que faça sentido, tenha coerência e seja eficaz na solução do caso concreto. Nesse sentido, na análise dos direitos concernentes às pessoas com deficiência e aos seus responsáveis - que foram estruturados por um conjunto normativo nacional e internacional -, deve ser considerado não só o princípio da legalidade, restrito à Administração Pública (art. 37 da CF), mas também a exegese dos princípios constitucionais da centralidade da pessoa humana, da dignidade (art. 1º, III, da CF) e da proteção à maternidade e à infância (art.6º da CF). A Constituição Federal de 1988, em seu art. 227, acolheu inteiramente os fundamentos da aclamada doutrina internacional da proteção integral e prioritária da criança, do adolescente e do jovem, inaugurando, no ordenamento jurídico brasileiro, um novo paradigma de tratamento a ser destinado ao ser humano que se encontra na peculiar condição de pessoa em desenvolvimento. Nessa linha, o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seus mais diversos artigos, prevê, como direito fundamental, a proteção integral da criança e do adolescente para que lhes seja facultado o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, sem qualquer tipo de discriminação. Atribui não só à família, mas à sociedade em geral e ao Poder Público o dever de " assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária " (art. 4º, caput ). Além dos citados dispositivos, em 2008, foi integrada ao ordenamento brasileiro, a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinado em Nova Iorque, pelo Decreto Legislativo 186/2008, com hierarquia de direito fundamental (art. 5º, § 3º, da CF). Nessa Convenção, os Estados Partes, especificamente para as crianças e adolescentes, comprometeram-se a adotar medidas necessárias para o pleno exercício de todos os direitos humanos, liberdades fundamentais, igualdades de oportunidades (art. 7º, item 1), sendo que, para a criança com deficiência, destacou inclusive que " o superior interesse da criança receberá consideração primordial " (art. 7º, item 2)". No mesmo artigo, foi assegurado que as crianças com deficiência " recebam atendimento adequado à sua deficiência e idade, para que possam exercer tal direito ". Reforçando tal quadro de proteção, a Convenção apresenta outros dispositivos que expõem claramente o compromisso do sistema jurídico em proporcionar igualdade de direitos à criança com deficiência, assegurando suporte às famílias (art. 23, item 3), padrão de vida e proteção social adequados (art. 28), entre outras garantias. Consigne-se que a Lei nº 13.146/2015 - Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência - , em seu art. 8º, assentou que é dever, não só da família, mas também do Estado, assegurar a essas pessoas, com prioridade, diversos direitos inerentes à vida, à saúde, à alimentação, à dignidade, ao respeito e principalmente à convivência familiar. Ainda nessa esteira, em 2012, foi publicada a Lei 12.764, que " institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista ", prevendo diretrizes específicas para " a atenção integral às necessidades de saúde da pessoa com transtorno do espectro autista, objetivando o diagnóstico precoce, o atendimento multiprofissional e o acesso a medicamentos e nutrientes " (art. 2º). Destaca-se, também, o art. 1º, § 2º, da referida lei , que considera o autismo como uma deficiência, e o art. 3º, I, que estabelece, como direitos da pessoa com transtorno do espectro autista, a vida digna, a integridade física e moral, o livre desenvolvimento da personalidade, a segurança e o lazer. Em suma, a ordem jurídica dispõe de várias normas que concretizam as disposições constitucionais de amparo à criança, sobretudo aquela que demanda da família e do Estado uma atenção especial. Nesse contexto legal, não pode prevalecer qualquer ato que venha a impedir a proteção e a inclusão social da criança. De outra face, devem ser relevados os métodos de interpretação e integração para a efetividade do ordenamento jurídico, como já referido anteriormente. Conquanto a Lei 8.112/1990 trate dos direitos dos empregados públicos estatutários da União, não se pode olvidar da finalidade com que o art. 98, § 3º, da citada norma foi alterado pela Lei 13.370/2016. Esse dispositivo - por analogia e por integração normativa - mais as normas citadas formam um conjunto sistemático que ampara a pretensão da Reclamante. Interpretando o referido artigo, constata-se que foi intensificada a proteção do hipossuficiente, na forma do art. 1º, III e IV, e 227 da CF - garantia que deve ser prestigiada e aplicada, não obstante a especificidade do ente político que teve a iniciativa legislativa. Nessa linha de intelecção é que esta Corte Superior vem decidindo reiteradamente que o responsável por incapaz, que necessite de cuidados especiais de forma constante, com apoio integral para as atividades da vida cotidiana e assistência multidisciplinar, tem direito a ter sua jornada de trabalho flexibilizada sem prejuízo da remuneração, com vistas a amparar e melhorar a saúde física e mental da pessoa com deficiência. Alcançam-se, desse modo, os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho, entre outros direitos sociais, normas nacionais e internacionais que amparam a criança, o adolescente e a pessoa com deficiência. Julgados desta Corte que perfilham a mesma diretriz. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-1001543-10.2017.5.02.0013, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 21/10/2022).
"REDUÇÃO DA CARGA HORÁRIA E MANUTENÇÃO DA REMUNERAÇÃO. DESCENDENTE COM NECESSIDADES ESPECIAIS. Cinge-se a controvérsia em saber se a reclamante, servidora pública municipal desde 14/05/2014, ocupante da função de enfermeira emergencista, pode ou não obter judicialmente a redução da jornada ou algum outro mecanismo que lhe permita dispensar cuidados a seu filho, nascido em 26/02/2018 e diagnosticado com transtorno do espectro autista. Esta Turma, ao examinar pretensão semelhante, deduzida por servidores municipais ou estaduais, tem decidido pela existência do direito postulado (TST-RR-11204-62.2017.5.15.0144, 3ª Turma, Rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 04/12/2020; TST-RR-10409-87. 2018.5.15.0090, 3ª Turma, Rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 07/06/2021). Realmente, ainda que seja manifestamente inaplicável à reclamante o artigo 98, § 3º, da Lei nº 8.112/90, com a redação determinada pela Lei nº 13.370/2016, tendo em vista que não se trata de servidora federal, é certo que a mora legislativa do município reclamado não pode suprimir o direito essencial e premente que decorre da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 13 de dezembro de 2006 e chancelada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 186/2008, combinada com o artigo 5º, § 3º, da Constituição Federal de 1988. Impõe-se, portanto, o restabelecimento integral da sentença, que havia deferido a redução da jornada em 50%, sem prejuízo da remuneração e sem necessidade de compensação, enquanto houver necessidade de acompanhamento do filho, bem como fixado a multa diária e demais consectários da condenação. Recurso de revista conhecido e provido." (RR-10086-70.2020.5.15.0136, 3ª Turma, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, DEJT 19/8/2022)
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA ÉGIDE DA LEI N.º13.015/2014. EMPREGADO PÚBLICO. REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO SEM REDUÇÃO SALARIAL. FILHO PORTADOR DE TRANSTORNO DO NEURODESENVOLVIMENTO (TEA). APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 98, § 3º, DA LEI 8.112/90. Hipótese em que o Tribunal Regional manteve a decisão que deferiu a redução da jornada de trabalho à autora, sem prejuízo da remuneração, para cuidar do filho menor portador de TEA. Fundamentou estar efetivamente demonstrada a condição de saúde do filho da autora, bem como a necessidade de tratamento médico intensivo, sobretudo fisioterápico/ocupacional, para minimizar as deficiências de ordem cognitiva, motora e comportamental, conforme os pareceres clínicos juntados ao processo. Assentou que os cuidados a serem prestados pela autora, na condição de mãe e responsável pelo filho portador de TEA, são permanentes e demandam adequação da sua carga horária. Nesse quadro, a jurisprudência desta Corte Superior, amparada nos arts. 4º e 5º da LINDB, vem reconhecendo a aplicação analógica do art. 98, § 2º e §3º, da Lei 8.112/90 ao empregado público, a fim de resguardar o direito à redução da jornada, sem redução salarial, para prestar assistência ao dependente portador de deficiência, como na hipótese dos autos. Precedentes. Óbice da Súmula 333/TST. Agravo de instrumento a que se nega provimento" (AIRR-99-04.2021.5.21.0008, 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 23/09/2022).
"EMPRESA PÚBLICA FEDERAL (EBSERH). EMPREGADA PÚBLICA. REDUÇÃO DE JORNADA SEM PERDA SALARIAL PARA ACOMPANHAMENTO DOS TRATAMENTOS DA FILHA, PESSOA COM DEFICIÊNCIA DIAGNOSTICADA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA GRAVE, COM RETARDO MENTAL E EPILEPSIA. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 98, § 3º, DA LEI Nº 8.112/90 . COLMATAÇÃO DE LACUNA NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. POSSIBILIDADE. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. 1. No caso, a prova produzida demonstrou que a filha da autora "foi diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista Grave (TEA) com retardo mental e epilepsia, sendo acompanhada por psiquiatra, fonoaudiólogos, terapeuta ocupacional e fisioterapeutas". 2. Em 2009, ante a promulgação do Decreto nº 6.949, o Brasil se tornou signatário da Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, cuja alínea "x" do preâmbulo aponta que "a família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem o direito de receber a proteção da sociedade e do Estado e de que as pessoas com deficiência e seus familiares devem receber a proteção e a assistência necessárias para tornar as famílias capazes de contribuir para o exercício pleno e equitativo dos direitos das pessoas com deficiência", disposição que passou a integrar o ordenamento jurídico com "status" constitucional por força do que prevê o art. 5º, § 3º, da Constituição Federal. 3. Posteriormente, a Lei nº 13.370/2016 alterou a redação do § 3º do art. 98 da Lei nº 8.112/90, que passou a prever que a concessão de horário especial ao servidor portador de deficiência estende-se ao servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência. 4. Em tal contexto, em se tratando de direito fundamental expressamente assegurado pela Constituição Federal, não seria admissível que o Estado adotasse procedimento diverso em relação a servidores e empregados públicos, haja vista que situação jurídica base é idêntica e que o estatuto jurídico aplicável ao trabalhador não pode ser usado como justificativa razoável em ordem a afastar a obrigação estatal de concretizar norma que realiza direito fundamental, devendo ser confirmada a decisão que assegurou à autora a redução de jornada (de 40 para 28 horas semanais) sem impacto na remuneração. 5. Precedentes desta Corte Superior. Agravo de instrumento a que se nega provimento" (AIRR - 625-47.2019.5.07.0002, 1ª Turma, Amaury Rodrigues Pinto Junior, DEJT 11.03.2022).
"AGRAVO DA RECLAMADA. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. EBSERH. EMPREGADO PÚBLICO. REDUÇÃO DE JORNADA SEM DIMINUIÇÃO DA REMUNERAÇÃO. POSSIBILIDADE. FILHO COM NECESSIDADE ESPECIAL. TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA - TEA. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 98, §§2.º E 3.º, DA LEI 8.112/1990. Impõe-se confirmar a decisão monocrática, mediante a qual se denegou seguimento ao agravo de instrumento da parte. Agravo conhecido e não provido" (Ag-AIRR-386-31.2019.5.17.0013, 1ª Turma, Relator Ministro Hugo Carlos Scheuermann, DEJT 26/08/2022).
A corroborar, o seguinte julgado da SDI-II do TST em que foi analisada questão análoga:
"RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA PROPOSTA CONTRA DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO NA VIGÊNCIA DO CPC/1973. ART. 485, V, DO CPC/1973. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO FRONTAL AO ART. 7, XIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DECISÃO RESCINDENDA QUE DETERMINA A REDUÇÃO DA CARGA HORÁRIA DE EMPREGADA PÚBLICA. ÚNICA CUIDADORA DE CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA FÍSICA E MENTAL GRAVE. SÚMULAS 298 E 410 DO TST. COMPATIBILIDADE DA DECISÃO RESCINDENDA COM PRECEDENTES DESSA CORTE SUPERIOR. Trata-se de ação rescisória na qual se pretende a rescisão de sentença em que se determinou a redução da carga horária da empregada sem prejuízo da remuneração para que pudesse prestar assistência ao filho menor, portador de deficiência física e mental grave. O autor, na inicial, indica apenas a violação do art. 7º, XIII, da Constituição Federal. No caso, a decisão rescindenda determinou a redução da carga horária de 40 para 20 horas semanais com fundamento nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e nas disposições da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Os itens I e II da Súmula 298 do TST orientam que a violação literal a dispositivo de lei " pressupõe pronunciamento explícito, na sentença rescindenda, sobre a matéria veiculada " e que " o conteúdo da norma reputada violada haja sido abordado na decisão rescindenda para que se considere preenchido o pressuposto ". Ocorre que, na espécie, não houve decisão sob o enfoque do art. 7º, XIII, da Carta Magna. O referido dispositivo constitucional, ressalte-se, cuida , genericamente da carga horária diária e semanal máxima de trabalho enquanto a decisão rescindenda está fundamentada em normas de proteção da pessoa com deficiência. Destaque-se também que a análise do argumento de que " a autora sequer demonstrou nos autos que sua jornada de trabalho é incompatível com o acompanhamento de seu filho deficiente " encontra óbice na Súmula 410 do TST, segundo a qual " a ação rescisória calcada em violação de lei não admite reexame de fatos e provas do processo que originou a decisão rescindenda ". Resta afastada definitivamente a alegação de ofensa à Carga Magna, porque a tese abraçada na decisão rescindenda guarda absoluta compatibilidade a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, conforme decisões de turmas dessa Corte Superior. Sob qualquer ponto de vista , é irrepreensível o acórdão regional em que se julgou improcedente a ação. Recurso ordinário a que se nega provimento" (RO-80265-93.2016.5.22.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 03/06/2022).
No presente caso, demonstrada nos autos a necessidade de acompanhamento e estimulação intensiva do filho menor portador de necessidades especiais (óbice da Súmula 126 do TST), conclui-se que a decisão regional - ao deferir a redução da jornada de trabalho à reclamante empregada pública federal para que possa cuidar do seu filho sem prejuízo salarial - está em consonância com o entendimento majoritário desta Corte Superior Trabalhista.
Aplica-se ao caso, portanto, o óbice previsto pela Súmula 333 do TST, a inviabilizar a constatação da transcendência da causa (artigo 896-A da CLT), em qualquer de suas modalidades.
Nesse contexto, nego seguimento ao agravo de instrumento, com fulcro no artigo 118, X, do Regimento Interno do TST.
II - RECURSO DE REVISTA
Trata-se de recurso de revista (fls. 316/346) interposto pela reclamada contra o acórdão de fls. 256/283, oriundo do TRT da 20ª Região.
Contrarrazões às fls. 394/409.
Desnecessária a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, nos termos do Regimento Interno do TST.
O acórdão regional foi publicado na vigência da Lei nº 13.467/2017.
O recurso foi subscrito por profissional regularmente habilitado (fls. 68/72) e interposto tempestivamente (acórdão publicado em 22/7/2023 e apelo protocolado em 1º/8/2023), sendo a necessidade de preparo questão atinente ao mérito.
A discussão cinge-se ao tema "EXTENSÃO DOS BENEFÍCIOS DA FAZENDA PÚBLICA À EBSERH. EMPRESA PÚBLICA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS".
A reclamada insurge-se contra o acórdão regional, sustentando ter direito às prerrogativas da Fazenda Pública, uma vez que, embora constituída sob a forma de empresa pública federal, não explora atividade econômica, mas presta serviços públicos essenciais de saúde em regime não concorrencial e não tem fins lucrativos, sendo mantida com capital 100% advindo da União, a teor dos artigos 2º, 4º e 8º da Lei nº 12.550/2011. Afirma ser esse o entendimento do STF no julgamento da ADPF 789/21 e do Plenário do TST no julgamento do TST - E-RR - 252-19.2017.5.13.0002. Indica violação do art. 173, § 2º, da Constituição da República.
De plano, verifica-se a transcendência política da causa (artigo 896-A, § 1º, II, da CLT).
Registre-se que a reclamada atendeu ao disposto no artigo 896, § 1º-A, I, da CLT (fls. 339).
Na fração de interesse, o Regional consignou:
"De logo, insta-se esclarecer que esta Relatora compreende que a recorrente não goza das prerrogativas da Fazenda Pública. Com efeito, termos dos art. 1º e 5º do Decreto nº. 7.661, de 28 de dezembro de 2011, que aprova "o Estatuto Social da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares - EBSERH, e dá outras providências" dispõem expressamente:
[...]
É possível aferir que a Recorrente possui de fato natureza jurídica de direito privado e patrimônio próprio, sujeitandose ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários.
[...]
Verifica-se, portanto que a Recorrente não tem a natureza de empresa pública, e, ainda que prestadora de serviço público, não se enquadra no conceito de Fazenda Pública, que abrange as entidades da Administração Direta e Indireta, dotadas de personalidade jurídica de direito público, não havendo que se falar, in casu, de equiparação da Recorrente à Empresa Pública, ante ausência de previsão legal para tal.
[...]
Nega-se, assim, a pretensão formulada em sede recursal acerca da equiparação à Fazenda Pública."
Discute-se nos autos a extensão, à EBSERH, dos benefícios processuais conferidos à Fazenda Pública. A Lei 12.550/2011 assim dispõe sobre sua forma de constituição e seus objetivos:
"Art. 1º. Fica o Poder Executivo autorizado a criar empresa pública unipessoal, na forma definida no inciso II do art. 5º do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, e no art. 5º do Decreto-Lei nº 900, de 29 de setembro de 1969, denominada Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares - EBSERH, com personalidade jurídica de direito privado e patrimônio próprio, vinculada ao Ministério da Educação, com prazo de duração indeterminado.
..............................................................................................................................
Art. 2º. A EBSERH terá seu capital social integralmente sob a propriedade da União.
Art. 3º. A EBSERH terá por finalidade a prestação de serviços gratuitos de assistência médico-hospitalar, ambulatorial e de apoio diagnóstico e terapêutico à comunidade, assim como a prestação às instituições públicas federais de ensino ou instituições congêneres de serviços de apoio ao ensino, à pesquisa e à extensão, ao ensino-aprendizagem e à formação de pessoas no campo da saúde pública, observada, nos termos do art. 207 da Constituição Federal, a autonomia universitária.
§ 1º As atividades de prestação de serviços de assistência à saúde de que trata o caput estarão inseridas integral e exclusivamente no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS.
.............................................................................................................................
Art. 4º Compete à EBSERH:
I - administrar unidades hospitalares, bem como prestar serviços de assistência médico-hospitalar, ambulatorial e de apoio diagnóstico e terapêutico à comunidade, no âmbito do SUS;
II - prestar às instituições federais de ensino superior e a outras instituições congêneres serviços de apoio ao ensino, à pesquisa e à extensão, ao ensino aprendizagem e à formação de pessoas no campo da saúde pública, mediante as condições que forem fixadas em seu estatuto social;
III - apoiar a execução de planos de ensino e pesquisa de instituições federais de ensino superior e de outras instituições congêneres, cuja vinculação com o campo da saúde pública ou com outros aspectos da sua atividade torne necessária essa cooperação, em especial na implementação das residências médica, multiprofissional e em área profissional da saúde, nas especialidades e regiões estratégicas para o SUS;
IV - prestar serviços de apoio à geração do conhecimento em pesquisas básicas, clínicas e aplicadas nos hospitais universitários federais e a outras instituições congêneres;
V - prestar serviços de apoio ao processo de gestão dos hospitais universitários e federais e a outras instituições congêneres, com implementação de sistema de gestão único com geração de indicadores quantitativos e qualitativos para o estabelecimento de metas; e
VI - exercer outras atividades inerentes às suas finalidades, nos termos do seu estatuto social.
..............................................................................................................................
Art. 8º Constituem recursos da EBSERH:
I - recursos oriundos de dotações consignadas no orçamento da União;
I - as receitas decorrentes:
a) da prestação de serviços compreendidos em seu objeto;
b) da alienação de bens e direitos;
c) das aplicações financeiras que realizar;
d) dos direitos patrimoniais, tais como aluguéis, foros, dividendos e bonificações; e
e) dos acordos e convênios que realizar com entidades nacionais e internacionais;
III - doações, legados, subvenções e outros recursos que lhe forem destinados por pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado; e
IV - rendas provenientes de outras fontes.
Parágrafo único. O lucro líquido da EBSERH será reinvestido para atendimento do objeto social da empresa, excetuadas as parcelas decorrentes da reserva legal e da reserva para contingência" (destaques acrescidos).
Verifica-se que a EBSERH é, portanto, uma empresa pública federal vinculada ao Ministério da Educação, constituída com capital 100% da União, que tem por objeto a prestação de serviços gratuitos de assistência médico-hospitalar, ambulatorial e de apoio diagnóstico e terapêutico à comunidade, atividades essas inseridas integral e exclusivamente no âmbito do SUS. Tem por finalidade, ainda, a prestação de serviços de apoio ao ensino, à pesquisa e à extensão, ao ensino-aprendizagem e à formação de pessoas no campo da saúde pública. Constata-se, também que, embora a EBSERH possa contar com outros recursos além dos advindos do orçamento União, o lucro líquido por ela obtido será reinvestido para o atingimento do seu objeto social.
Nesse diapasão, infere-se que a criação da EBSERH tem por finalidade auxiliar no cumprimento do preceito inscrito no art. 196 da Constituição da República, o qual estabelece que a saúde é direito de todos e dever do Estado.
Não obstante o artigo 173, § 1º, I, da Constituição da República determine a submissão da empresa pública ao regime jurídico próprio das empresas privadas, salienta-se que, embora tenha sido constituída sob esse regime, a EBSERH não explora atividade econômica, uma vez que tem por objeto a prestação de serviços públicos e gratuitos de saúde e educação na área da saúde e não distribui lucros, uma vez que tem por obrigação reinvestir o lucro obtido com os convênios celebrados para o atingimento do seu objeto social.
Em recente decisão, o Tribunal Pleno desta Corte se manifestou quanto à possibilidade de conceder à EBSERH as prerrogativas ora em exame:
"EMBARGOS REMETIDOS AO TRIBUNAL PLENO. ARTIGO 72 DO RITST. EXTENSÃO DAS PRERROGATIVAS PROCESSUAIS DA FAZENDA PÚBLICA À EMPRESA BRASILEIRA DE SERVIÇOS HOSPITALARES (EBSERH), NO QUE TANGE À ISENÇÃO DO RECOLHIMENTO DE CUSTAS E DE DEPÓSITO RECURSAL. 1 - Trata-se de recurso de embargos contra acórdão da Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, que negou provimento ao recurso de revista interposto pelo Sindicato, mantendo acórdão do Tribunal Regional que não acolheu a alegada deserção do recurso ordinário da EBSERH. 2 - A questão controvertida remetida ao Tribunal Pleno, nos termos do artigo 72 do RITST, versa sobre a extensão à EBSERH de prerrogativas processuais da Fazenda Pública, especificamente quanto à isenção do recolhimento do depósito recursal e custas, matéria em relação à qual a SBDI-1 inclinou-se a decidir de forma contrária a decisões reiteradas de diversas Turmas desta Corte Superior. 3 - Registre-se que não se debate nestes autos a aplicação do regime de precatórios à ora embargada - empresa pública -, matéria de índole constitucional sobre a qual tem se pronunciado o Supremo Tribunal Federal em diversas oportunidades, relativamente a outras entidades da Administração Pública Indireta. Entretanto, há uma íntima relação entre a possibilidade de aplicação do regime de precatórios, e eventual isenção do depósito recursal visto que, se não for cabível a execução direta, não há razão para a garantia do Juízo quando da interposição de recursos. 4 - Extrai-se de diversos julgados do Supremo Tribunal Federal o entendimento de que a sujeição integral das empresas públicas e sociedades de economia mista ao regime próprio das empresas privadas, nos termos do art. 173, § 1º, II, da Constituição Federal, não ocorre em todos os casos, mas naqueles em que o Poder Público atua no campo da atividade econômica em sentido estrito (dentre outros: ADI 1552 MC/DF, relator Min. Carlos Velloso, Publicação em 17/04/1998, Tribunal Pleno; ADI 1642, relator Ministro Eros Grau, Publicação em 19/09/2008, Tribunal Pleno) 5 - Nessa toada, verifica-se que a Suprema Corte tem destacado alguns fatores na equalização do regime aplicável às empresas públicas e sociedades de economia mista, como se extrai, por exemplo, dos julgamentos do Processo RE 599628/DF (Tema 253 de Repercussão Geral), da ADPF 387, e da ADPF 437. 6 - Em linhas gerais, sob a ótica das decisões do STF, às sociedades de economia mista e empresas públicas será aplicado o regime próprio das empresas privadas quando atuam em atividade econômica em sentido estrito, em concorrência com outras empresas do setor, com objetivo de lucro. Caso prestem serviço público, sem concorrência e sem finalidade de lucro, o regime não será integralmente aquele próprio das empresas privadas, devendo ser observada, por exemplo, a execução por meio de precatórios. 7 - Nesse contexto, a solução do caso concreto, em que se discute a aplicação de privilégios processuais da Fazenda Pública à EBSERH, referentes à isenção do recolhimento de custas e depósito recursal, impõe-se verificar a finalidade de sua criação, o âmbito e o modo de sua atuação. 8 - Conforme a Lei n.º 12.550/2011 e o Estatuto Social, a EBSERH tem por finalidade a prestação de serviços de assistência à saúde inseridos integral e exclusivamente no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS, além de prestação, a instituições públicas federais de ensino ou instituições congêneres, de serviços de apoio ao ensino, à pesquisa e à extensão, ao ensino-aprendizagem e à formação de pessoas no campo da saúde pública. Eventuais lucros são totalmente reinvestidos para atendimento do seu objeto social, excetuadas as parcelas decorrentes da reserva legal e da reserva para contingência. 9 - Além disso, embora possam existir outras instituições de direito privado oferecendo serviços semelhantes, inclusive conveniadas ao SUS, não há que se falar de atuação em pleno regime concorrencial, na medida em que é dispensada a licitação para a contratação da EBSERH pela Administração Pública para realizar atividades relacionadas ao seu objeto social. 10 - Nesse contexto, constata-se que a embargada tem finalidade de prestação de serviços públicos essenciais, ligados à saúde e à educação, não atua em regime de concorrência e não reverte lucros à União. Em face de tais características, faz jus aos privilégios próprios da Fazenda Pública referentes à isenção de recolhimento de custas e depósitos recursais. 11 - Embargos conhecidos e desprovidos" (E-RR-252-19.2017.5.13.0002, Tribunal Pleno, Relatora Ministra Katia Magalhaes Arruda, DEJT 16/05/2023 - destaques acrescidos).
Dessa forma, embora a EBSERH seja uma empresa pública, com natureza jurídica de direito privado, a ela se aplicam as prerrogativas processuais da Fazenda Pública, uma vez que se trata de empresa pública com capital social integralmente pertencente à União, que presta serviços públicos de saúde e educação no âmbito do SUS e não visa à obtenção de lucro, ressalvado entendimento pessoal deste relator.
No presente caso, o Tribunal Regional consignou que a reclamada se trata de empresa pública, prestadora de serviços públicos, e que, em razão da sua personalidade jurídica de direito privado, não lhe podem ser estendidos os benefícios que se concede à Fazenda Pública, por falta de amparo legal e, sobretudo, porque o § 2º do art. 173 da Constituição determina que somente se estende às empresas públicas e às sociedades de economia mista o benefício que também possa ser concedido aos particulares.
Ante o exposto, constatada ofensa ao § 2º do art. 173 da Constituição da República, conheço do recurso de revista, com fulcro no art. 896, "c", da CLT.
Conhecido o recurso de revista por violação literal do § 2º do art. 173 da Constituição da República, a consequência lógica é o seu provimento para deferir à reclamada, EBSERH, as prerrogativas da Fazenda Pública, consistentes na isenção das custas processuais, na inexigibilidade do depósito recursal e na execução por meio de precatório.
III - CONCLUSÃO
Nesse contexto, com fulcro no artigo 118, X, do Regimento Interno do TST, DECIDO: I) negar seguimento ao agravo de instrumento; II) conhecer do recurso de revista por violação literal do § 2º do art. 173 da Constituição da República e, no mérito, dar-lhe provimento para deferir à reclamada, EBSERH, as prerrogativas da Fazenda Pública, consistentes na isenção das custas processuais, na inexigibilidade do depósito recursal e na execução por meio de precatório.
Publique-se.
Brasília, 11 de julho de 2025.
SERGIO PINTO MARTINS
Ministro Relator
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