Empresa Brasileira De Correios E Telegrafos x Eduardo Afonso Amorim
ID: 314920812
Tribunal: TST
Órgão: 3ª Turma
Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA
Nº Processo: 0000265-19.2024.5.10.0014
Data de Disponibilização:
03/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
FABIO FONTES ESTILLAC GOMEZ
OAB/DF XXXXXX
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MARINA RODRIGUES DA CUNHA BARRETO VIANNA
OAB/DF XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO 3ª TURMA Relator: ALBERTO BASTOS BALAZEIRO Ag AIRR 0000265-19.2024.5.10.0014 AGRAVANTE: EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEG…
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA DO TRABALHO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO 3ª TURMA Relator: ALBERTO BASTOS BALAZEIRO Ag AIRR 0000265-19.2024.5.10.0014 AGRAVANTE: EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS AGRAVADO: EDUARDO AFONSO AMORIM Poder Judiciário Justiça do Trabalho Tribunal Superior do Trabalho PROCESSO Nº TST-Ag-AIRR - 0000265-19.2024.5.10.0014 A C Ó R D Ã O 3ª Turma GMABB/db/ AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. LEIS Nºs 13.015/2014 E 13.467/2017. REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO E MANUTENÇÃO DA REMUNERAÇÃO. EMPREGADO PÚBLICO COM FILHO MENOR PORTADOR DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. ANALOGIA. ART. 98, §§ 2º E 3º, DA LEI Nº 8.112/1990. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA. 1. Esta Corte tem admitido a redução de jornada de empregado público com dependente com deficiência, sem alteração remuneratória e sem necessidade de compensação de horário, a depender da especificidade do caso. 2. A utilização da analogia visa a realizar a integração da lacuna normativa do regime jurídico aplicável ao reclamante e encontra amparo na leitura contemporânea do princípio da legalidade administrativa, à luz do primado da juridicidade, de modo a não vincular o administrador público exclusivamente às diretrizes oriundas do Poder Legislativo, mas também permitindo-lhe balizar sua atividade pelos valores e princípios constitucionais. 3. A situação em voga abrange a tutela de bens jurídicos destacados na ordem constitucional de 1988, notadamente, o direito da pessoa com deficiência, alçado à categoria de direito fundamental, sobretudo em face da internalização, com status de emenda constitucional (art. 5º, § 3º, da CF), da Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência pelo Decreto nº 6.949/2009. 4. A aplicação analógica do art. 98, §§ 2º e 3º, da Lei nº 8.112/1990 decorre da incidência de princípios oriundos dos arts. 1º, III, 5º, 6º, 7º e 227 da Constituição Federal e 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), além da destacada Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, não se vislumbrando qualquer ofensa ao primado da legalidade ou aos demais princípios que regem a Administração Pública. Precedentes. Agravo de que se conhece e a que se nega provimento. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo em Agravo de Instrumento em Recurso de Revista nº TST-Ag-AIRR-0000265-19.2024.5.10.0014, em que é AGRAVANTE EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS e é AGRAVADO EDUARDO AFONSO AMORIM. A parte reclamada interpõe agravo interno em face da decisão monocrática que negou provimento ao agravo de instrumento. Intimada a parte contrária, não houve manifestação. É o relatório. V O T O 1. CONHECIMENTO Preenchidos os pressupostos legais de admissibilidade, CONHEÇO do agravo. 2. MÉRITO Por meio de decisão monocrática, foi negado seguimento ao agravo de instrumento, mediante os fundamentos a seguir reproduzidos: “DECISÃO I - RELATÓRIO Trata-se de Agravo de Instrumento interposto com o fim de reformar o despacho que denegou seguimento a Recurso de Revista. Desnecessária a remessa dos autos ao d. Ministério Público do Trabalho. É o relatório. II - FUNDAMENTAÇÃO CONHECIMENTO Conheço do agravo de instrumento, porque tempestivo e regular a representação. MÉRITO O r. despacho agravado negou seguimento ao recurso de revista interposto pela ora agravante, sob os seguintes fundamentos: ‘PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS Tempestivo o recurso (publicação em 30/09/2024 - fls. ; recurso apresentado em 05/10/2024 - fls. 270). Regular a representação processual (fls. 281/284). Isento de preparo (CLT, art. 790-A e DL 779/69, art. 1º, IV). PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS Duração do Trabalho. Alegação(ões): - violação ao(s) inciso II do artigo 5º; inciso XIII do artigo 7º; artigo 37 da Constituição Federal. A egr. 3ª Turma ratificou a decisão que determinou a redução da jornada de trabalho da obreira. Eis os termos da ementa: ‘REDUÇÃO DA JORNADA LABORAL, SEM REDUÇÃO SALARIAL, DE EMPREGADO PARA ACOMPANHAMENTO DE TRATAMENTO MÉDICO DA FILHA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. CABIMENTO. Conquanto a fixação da jornada de trabalho seja ato de matriz discricionária, o poder diretivo do empregador não pode resultar em violação ao direito à saúde e à proteção da família, positivados como direitos fundamentais sociais (arts. 6º e 226 da CRFB/1988). Não bastasse, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, incorporada no ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto nº 6.949/2009, assegura à pessoa deficiente a proteção de sua integridade física e mental. Registra-se, ainda, que não há óbice para aplicar-se à vida profissional do autor, pela mera condição de ser empregado celetista, a disposição de preceito legal mais protetivo, vale dizer, os §§2º e 3º do art. 98 da Lei nº 8.112/1990, que define a concessão de horário especial para o trabalhador que tiver filho com deficiência, independentemente de compensação de horário. Portanto, a possibilidade de redução da jornada de trabalho sem redução salarial encontra expressa previsão legal, não socorrendo a recorrente a alegação de violação do princípio da legalidade, motivo pelo qual a manutenção da r. sentença é medida que se impõe. Precedentes.’ Recorre de Revista a reclamada. Insiste ser indevida a redução da carga horária da reclamante face a ausência de amparo legal. Sustenta a inexistência de lei que ampare o pedido autoral de redução de carga horária de empregado público, sem redução de vencimentos e sem necessidade de compensação, em razão de possuir filho portador de Transtorno dos Espectro Autista (TEA). Alega que a decisão do Colegiado fundamentou-se em diversos dispositivos que versam sobre a dignidade da pessoa humana, concedendo o benefício pleiteado por analogia. Conforme delineado no v. acórdão, "a possibilidade de redução da jornada de trabalho sem redução salarial encontra expressa previsão legal, não socorrendo a recorrente a alegação de violação do princípio da legalidade”. No caso dos autos, a autora possui filha portadora do transtorno do espectro autista, que necessita de sua assistência direta e acompanhamento domiciliar, escolar e em todos os tratamentos terapêuticos e médicos especializados. Ora, em tal contexto, não se divisa nenhuma ofensa aos dispositivos acima apontados, na medida em que a conclusão alcançada pelo Órgão fracionário está em consonância com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção à família e da proteção integral à criança com deficiência. Ademais, a conclusão alcançada pelo egrégio Órgão fracionário encontra respaldo na atual, iterativa e notória jurisprudência do Col. TST, conforme se verifica dos seguintes precedentes: ‘AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO APÓS A VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. EMPREGADA PÚBLICA - DEPENDENTE PORTADOR DE TRANSTORNO ESPECTRO AUTISTA (TEA). REDUÇÃO DE JORNADA DE TRABALHO SEM REDUÇÃO DO SALÁRIO OU NECESSIDADE DE COMPENSAÇÃO - POSSIBILIDADE. O processamento do recurso de revista na vigência da Lei nº 13.467/2017 exige que a causa apresente transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica (artigo 896-A da CLT). Pelo prisma da transcendência, como a questão jurídica em destaque mostra-se nova, tendo em vista que ainda não há jurisprudência sedimentada no âmbito desta Corte Superior sobre a matéria, evidenciada a transcendência jurídica da causa . No mérito, de acordo com definição extraída de site oficial do Governo Federal, ‘O transtorno do espectro autista (TEA) é um distúrbio do neurodesenvolvimento caracterizado por desenvolvimento atípico, manifestações comportamentais, déficits na comunicação e na interação social, padrões de comportamentos repetitivos e estereotipados, podendo apresentar um repertório restrito de interesses e atividades‘. Consta, ainda, a informação de que ‘o tratamento oportuno com estimulação precoce deve ser preconizado em qualquer caso de suspeita de TEA ou desenvolvimento atípico da criança, independentemente de confirmação diagnóstica ‘(). Por sua vez, nos termos do §2º do art. 1º da Lei nº 12.764/2012, que dispõe sobre a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, ‘A pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais‘. Assim sendo, cabe enfatizar que a Constituição Federal estabelece inúmeras diretrizes e normas destinadas à proteção da pessoa com deficiência, com ‘absoluta prioridade‘ à criança e ao adolescente, a teor do seu art. 227, §1º, II, juntamente com o Decreto nº 6.949/09, que introduziu, no ordenamento jurídico brasileiro, a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, com o status de emenda constitucional (art. 5º, §3º, da CF/88). Nesse contexto, não merece reparos a decisão regional que aplica, por analogia, à reclamante - empregada pública -, com dependente portadora de transtorno do espectro autista, a regra insculpida nos parágrafos 2º e 3º do art. 98 da Lei nº 8.112/90, segundo os quais se assegura horário especial de trabalho ao servidor público que possui cônjuge, filho ou dependente portador de deficiência, notadamente porque a analogia nada mais é do que uma fonte formal integrativa do direito do trabalho, conforme previsão expressa no art. 8º da CLT. Do contrário, estar-se-ia conferindo tratamento jurídico anti-isonômico a pessoas que vivenciam a mesma realidade fática (dependentes com espectro autista), importando em discriminação injustificável sob o frágil argumento da ausência de previsão legal. Por derradeiro, os demais aspectos fáticos levantados pela reclamada esbarram na Súmula/TST nº 126. Precedentes de Turmas do TST. Agravo desprovido ‘ (AIRR-11138-49.2020.5.03.0035, 7ª Turma, Relator Ministro Renato de Lacerda Paiva, DEJT 26/08/2022). ‘AGRAVO DA RECLAMADA. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. EBSERH. EMPREGADO PÚBLICO. REDUÇÃO DE JORNADA SEM DIMINUIÇÃO DA REMUNERAÇÃO. POSSIBILIDADE. FILHO COM NECESSIDADE ESPECIAL. TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA - TEA. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 98, §§2.º E 3.º, DA LEI 8.112/1990. Impõe-se confirmar a decisão monocrática, mediante a qual se denegou seguimento ao agravo de instrumento da parte. Agravo conhecido e não provido’ (Ag-AIRR-386-31.2019.5.17.0013, 1ª Turma, Relator Ministro Hugo Carlos Scheuermann, DEJT 26/08/2022). ‘I - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA. LEI 13.467/2017. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. O Tribunal Regional registrou de forma satisfatória e completa os motivos que lhe formaram o convencimento. As razões dos embargos declaratórios demonstram o mero inconformismo com o resultado do julgamento, o que de forma alguma importa em nulidade processual. Agravo de instrumento não provido. II - RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA. LEI 13.467/2017. ECT. EMPREGADA PÚBLICA. DEPENDENTE COM DEFICIÊNCIA (FILHO PORTADOR DE TRANSTORNO ESPECTRO AUTISTA). REDUÇÃO DE JORNADA DE TRABALHO SEM PREJUÍZO SALARIAL E COMPENSAÇÃO DE HORÁRIO. No caso, o Tribunal Regional utilizando-se do método de integração normativa e da técnica sopesamento entre princípios, apontou a solução ajustada ao caso concreto, relativizando as regras de forma proporcional e adequada diante de princípios de maior relevância como o princípio da dignidade da pessoa humana e da tutela da saúde, o que enseja na correta aplicação do princípio da legalidade estrita e do artigo 98, §§ 2º e 3º, da Lei nº 8.112/90, com objetivo de atingir o fim social e o bem comum, nos termos do art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Com relação ao percentual arbitrado pelo Tribunal Regional de redução da jornada em 50%, incide o óbice da Súmula 126 do TST. Precedentes. Recurso de revista não conhecido’ (RRAg-533-36.2019.5.09.0965, 8ª Turma, Relatora Ministra Delaide Alves Miranda Arantes, DEJT 18/02/2022). Nego, pois, seguimento ao Recurso de Revista. CONCLUSÃO Ante o exposto, DENEGO seguimento ao Recurso de Revista.’ Sustenta a parte agravante que seu recurso de revista merece processamento, porque satisfeitos os requisitos de admissibilidade previstos no art. 896 da CLT. Constata-se que o juízo de admissibilidade a quo denegou seguimento ao Recurso de Revista por estar o acórdão regional em conformidade com a atual jurisprudência consolidada do TST. Na hipótese, verifica-se que a tese adotada no acórdão regional efetivamente revela consonância com o entendimento desta Corte Superior em relação à matéria controvertida: "AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA PELA RECLAMADA EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS-ECT. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. 1. EMPREGADA PÚBLICA. FILHO PORTADOR DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. REDUÇÃO DA JORNADA DA RECLAMANTE, SEM COMPENSAÇÃO E SEM PREJUÍZO DE SUA REMUNERAÇÃO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 98, §2º E 3º, DA LEI 8.112/1990. TEMA 1097 DA TABELA DE REPERCUSSÃO GERAL DO STF. DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR QUE DENEGA SEGUIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. NÃO DEMONSTRAÇÃO DO PREENCHIMENTO DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISTA. CONHECIMENTO E NÃO PROVIMENTO. I. O Tribunal Regional, analisando o pedido da Reclamante, empregada pública dos Correios, de redução de sua jornada, sem compensação e sem prejuízo de sua remuneração, em razão da necessidade de acompanhar o tratamento de seu filho, menor, portador de transtorno do espectro autista, deu provimento parcial ao recurso ordinário da Reclamada, consignando que a hipótese dos autos se revestia de gravidade e especificidade a justificar a aplicação analógica do art. 98, §§ 2º e 3º, da Lei nº 8.112/90, porém ressaltou que não ficou demonstrada a indispensabilidade da redução da jornada em 50% por tempo indeterminado, como pretendido pela Autora, mas em 25%, diante da comprovação da evolução de seu desenvolvimento global. II. Na decisão agravada, por sua vez, ficou consignado que a jurisprudência desta Corte vem reconhecendo o direito ao empregado público de redução da jornada, sem prejuízo salarial, para prestar assistência ao dependente portador de deficiência, como no caso dos autos, por aplicação analógica do art. 98, §2º e §3º, da Lei 8.112/90. III. Destacou-se, ainda, que o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o Tema 1097 da Tabela de Repercussão Geral daquela Corte, fixou a tese de que "aos servidores públicos estaduais e municipais é aplicado, para todos os efeitos, o art. 98, § 2° e § 3°, da Lei 8.112/199", estendendo, por analogia, aos servidores públicos estaduais e municipais, em situações análogas, o direito ao horário especial, sem a necessidade de compensação de horário e sem redução de vencimentos, muito embora o art. 98, § 2° e §3°, da Lei 8.112/199 fosse destinado aos servidores públicos federais. IV. Logo, entendeu-se ser possível a aplicação analógica do art. 98, §2º e §3º, da Lei 8.112/90 ao empregado público como forma de proteção ao direito humano à convivência e acompanhamento familiar para o desenvolvimento e a inclusão das pessoas com deficiência (arts. 1º, III, 6º e 227, da CF/88; 3º e 4º, da Lei 8.069/1990), e diante da lacuna da lei (art. 8º da CLT). Precedentes. V. Fundamentos da decisão agravada não desconstituídos. VI. Agravo de que se conhece e a que se nega provimento, com aplicação da multa de 1% sobre o valor da causa atualizado, em favor da parte Agravada ex adversa , com fundamento no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015" (Ag-AIRR-433- 83.2022.5.22.0005, 4ª Turma, Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 08/03/2024). E, ainda do e. STF: "RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. TRATADO EQUIVALENTE À EMENDA CONSTITUCIONAL. PROTEÇÃO INTEGRAL E PRIORITÁRIA À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE. LEI 12.764/2012. POLÍTICA NACIONAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS DA PESSOA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA DA FAMÍLIA DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO SEM ALTERAÇÃO NOS VENCIMENTOS. SERVIDORA ESTADUAL CUIDADORA DE FILHO AUTISTA. INEXISTÊNCIA DE LEGISLAÇÃO ESTADUAL. ANALOGIA AO ART. 98, § 3°, DA LEI 8.112/1990. LEGITIMIDADE DA APLICAÇÃO DE LEGISLAÇÃO FEDERAL QUANDO A OMISSÃO ESTADUAL OU MUNICIPAL OFENDE DETERMINAÇÃO CONSTITUCIONAL AUTOAPLICÁVEL QUE NÃO ACARRETE AUMENTO DE GASTOS AO ERÁRIO. PRINCÍPIO DA IGUALDADE SUBSTANCIAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE DÁ PROVIMENTO. FIXAÇÃO DE TESE DE REPERCUSSÃO GERAL. I – A Carta Política de 1988 fixou a proteção integral e prioritária à criança e ao adolescente, cujas garantias têm sido reiteradamente positivadas em nossa legislação, a exemplo do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/1990) e da promulgação da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (Decreto 99.170/1990). II – A Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, no § 2° do art. 1° da Lei 12.764/2012, estipulou que eles são considerados pessoas com deficiência, para todos os efeitos legais. Assim, é incontestável que a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência aplicam-se também a eles. III – A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) foi assinada pelo Brasil e, por ter sido aprovada de acordo com os ritos previstos no art. 5°, § 3° da Constituição Federal de 1988, suas regras são equivalentes a emendas constitucionais, o que reforça o compromisso internacional assumido pelo País na defesa dos direitos e garantias das pessoas com deficiência. IV – A CDPD tem como princípio geral o "respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua identidade" (art. 3°, h) e determina que, nas ações relativas àquelas com deficiência, o superior interesse dela receberá consideração primordial (art. 7°, 2). V – No Preâmbulo (item X), o Tratado é claro ao estabelecer que a família, núcleo natural e fundamental da sociedade, tem o direito de receber não apenas a proteção de todos, mas também a assistência necessária para torná-la capaz de contribuir para o exercício pleno e equitativo dos direitos das pessoas com deficiência. VI – Os Estados signatários obrigam-se a "adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção" (art. 4°, a). VII – A omissão do Poder Público, portanto, não pode justificar afronta às diretrizes e garantias constitucionais. Assim, a inexistência de lei estadual específica que preveja a redução da jornada de servidores públicos que tenham filhos com deficiência, sem redução de vencimentos, não serve de escusa para impedir que seja reconhecido a elas e aos seus genitores o direito à dignidade da pessoa humana e o direito à saúde. VIII – A convivência e acompanhamento familiar para o desenvolvimento e a inclusão das pessoas com deficiência são garantidos pelas normas constitucionais, internacionais e infraconstitucionais, portanto, deve-se aplicar o melhor direito em favor da pessoa com deficiência e de seus cuidadores. IX – O Superior Tribunal de Justiça já reconheceu que é legítima a aplicação da Lei 8.112/1990 nos casos em que a legislação estatal e municipal for omissa em relação à determinação constitucional autoaplicável que não gere aumento ao erário. Precedentes. X – Tendo em vista o princípio da igualdade substancial, previsto tanto em nossa Carta Constitucional quanto na Convenção Internacional sobre o Direito das Pessoas com Deficiência, se os servidores públicos federais, pais ou cuidadores legais de pessoas com deficiência têm o direito a horário especial, sem a necessidade de compensação de horário e sem redução de vencimentos, os servidores públicos estaduais e municipais em situações análogas também devem ter a mesma prerrogativa. XI – Recurso extraordinário a que se dá provimento. Fixação de tese: ‘Aos servidores públicos estaduais e municipais é aplicado, para todos os efeitos, o art. 98, § 2° e § 3°, da Lei 8.112/1990" (RE 1237867, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 17-12-2022, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-s/n DIVULG 11-01-2023 PUBLIC 12-01-2023). Dessa forma, o recurso encontra óbice intransponível na Súmula nº 333 desta Corte superior, de seguinte teor: ‘RECURSOS DE REVISTA. CONHECIMENTO. Não ensejam recurso de revista decisões superadas por iterativa, notória e atual jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho.’ Deve-se dar eficácia e efetividade à aplicação da citada súmula, visando alçar a exame as matérias realmente controvertidas e não pacificadas no âmbito deste Tribunal superior. Cumpre observar, ainda, o próprio regramento previsto no art. 896, § 7º, da CLT, que define: ‘§ 7º A divergência apta a ensejar o recurso de revista deve ser atual, não se considerando como tal a ultrapassada por súmula do Tribunal Superior do Trabalho ou do Supremo Tribunal Federal, ou superada por iterativa e notória jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho.’ Assim, em razão do disposto na Súmula nº 333 e no art. 896, §7º, da CLT, deve ser mantido o r. despacho agravado. Diante do exposto, nego provimento ao agravo de instrumento. III - CONCLUSÃO Ante o exposto, conheço do Agravo de Instrumento e, no mérito, nego-lhe provimento, nos termos do artigo 41, XL, do RITST.” Na minuta de agravo, a parte ré devolve a este Colegiado a apreciação do tema "Redução da jornada de trabalho e manutenção da remuneração. Empregado público com filho menor portador de transtorno do espectro autista”, afirmando que o recurso de revista comportava processamento. Sustenta que, por mais nobre que seja o fundamento da decisão recorrida, não há autorização legal para a criação de despesa ao empregador, pois a atividade empresarial pressupõe uma série de desafios entre receitas e despesas, para manter o equilíbrio e preservar empregos. Defende que a aplicação do art. 98, §§ 2° e 3°, da Lei nº 8.112/1990 é limitada aos servidores públicos estatutários, de forma que não se estende aos empregados públicos regidos pela CLT. Alega a reclamada que é empresa pública e sua atuação deve respeitar o princípio da legalidade administrativa, inexistindo previsão legal para redução da jornada de empregado público celetista para acompanhar filho ou dependente portador de deficiência. Aponta violação dos artigos 5º, II, 7º, XIII e XXVI, e 37 da Constituição Federal, além de contrariedade à Súmula Vinculante nº 37 do STF e ao TEMA 1.097 de Repercussão Geral do STF. Sem razão, contudo. Na fração de interesse, o Tribunal Regional negou provimento ao recurso ordinário da reclamada, conforme os seguintes fundamentos, transcritos e destacados no recurso de revista, nos termos do art. 896, § 1º-A, I, da CLT: “2.2. REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO. FILHO COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA A r. sentença julgou procedentes os pedidos da inicial para reduzir a jornada de trabalho do autor para 20h semanais, observando-se a realização do labor em horário vespertino, sem prejuízo da remuneração. Estes os fundamentos adotados (a fls. 139/149): [...] A reclamada sustenta que a pretensão carece de amparo jurídico. Diz que não há norma que resguarde o pedido. Aduz acerca da desnecessidade da presença do reclamante, considerando que o tratamento "pode muito bem ser realizado após o horário de saída normal do Reclamante, sem que precise redução ou compensação". Articula que, por ostentar a natureza de empresa pública, sua atuação está adstrita ao princípio da legalidade administrativa. Comprovado nos autos que o filho do reclamante foi diagnosticado com transtorno do espectro autista (CID-11: 6A02.2) e que necessita de acompanhamento médico e multidisciplinar (a fls. 46). Por essas condições, o empregado formulou, junto à empregadora, pedido de redução da sua jornada, a fim de que fosse possível conciliar seu horário de trabalho com os cuidados necessários que necessitam sua filha. Nessa circunstância, conquanto a fixação da jornada de trabalho seja ato de matriz discricionária, o poder diretivo do empregador não pode resultar em violação ao direito à saúde e à proteção da família, positivados como direitos fundamentais sociais (arts. 6º e 226 da CF/1988). Não bastasse, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, incorporada no ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto nº 6.949/2009, assegura à pessoa deficiente a proteção de sua integridade física e mental. Registra-se, ainda, que não há óbice para aplicar-se à vida profissional do autor, pela mera condição de ser empregado celetista, a disposição de preceito legal mais protetivo, vale dizer, os §§2º e 3º do art. 98 da Lei nº 8.112/1990, que define a concessão de horário especial para o trabalhador que tiver filho com deficiência, independentemente de compensação de horário. Portanto, a possibilidade de redução da jornada de trabalho sem redução salarial encontra expressa previsão legal, não socorrendo a recorrente a alegação de violação do princípio da legalidade. Ademais, na lição de Marçal Justen Filho, a função administrativa "está destinada a promover a satisfação de interesses essenciais, relacionados com a (Curso de Direito Administrativo. promoção de direitos fundamentais" São Paulo: Saraiva, 2005. p. 29). Dessarte, na esteira do que ensina Edson Teixeira de Melo, o "direito à família (e a sua convivência) prevalece sobre eventual interesse da Administração Pública" (Princípios constitucionais do direito de família. 2006. Disponível em http://jus.uol.com.br /revista/texto/9093/principios-constitucionais-do-direito-de-familia. Acesso: 12/4/2024). Vale acrescentar que, sob a perspectiva da doutrina da responsabilidade social, a empresa, para além da finalidade lucrativa, deve estar orientada a tomar decisões e seguir linhas de ação compatíveis com os fins e valores daqueles que com ela se relacionam, sociedade, investidores, meio ambiente, promovendo, o bem-estar de todos, em especial, de seus empregados, membros essenciais para o bom desempenho econômico das organizações. A conduta patronal em negar a redução da jornada de trabalho do autor é altamente prejudicial ao tratamento médico de seu filho que, repita-se, precisa de cuidados. [...] Por todo o exposto, irreparável a análise empreendida pelo MM. Juízo de Origem, a qual agrego como razões de decidir, de modo que o autor faz jus à redução da sua jornada de trabalho, sem prejuízo da remuneração. Mantida a sentença originária e a procedência integral dos pedidos da exordial, indefere-se o pleito de arbitramento de honorários advocatícios sucumbenciais em desfavor do autor. Nego provimento ao apelo patronal.” Na hipótese, o Tribunal Regional manteve a sentença para deferir ao reclamante, empregado público sujeito ao regime celetista, o direito à redução de sua jornada de trabalho, sem redução de salário, a fim de que possa acompanhar o filho menor em diversas consultas e atividades terapêuticas necessárias ao tratamento do transtorno do espectro autista, prevalecendo o cuidado com a saúde e bem-estar da criança. O caso dos autos abrange a tutela de bens jurídicos destacados na ordem constitucional de 1988, notadamente, o direito da pessoa com deficiência, que tem encontrado ampla abrangência no arcabouço normativo pátrio, sintetizada no caráter de direito fundamental de que é dotada a respectiva tutela, sobretudo em face da internalização, com status de emenda constitucional (art. 5º, § 3º, da CF), da Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência pelo Decreto nº 6.949/2009. Nesse contexto, a jurisprudência do TST vem reconhecendo a aplicação analógica do art. 98, §§ 2º e 3º, da Lei nº 8.112/1990, com fundamento nos arts. 8º da CLT e 4º e 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657/42), conforme se verifica nos seguintes precedentes: "AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA. EMPREGADO PÚBLICO. REDUÇÃO DA CARGA HORÁRIA E MANUTENÇÃO DA REMUNERAÇÃO. DEPENDENTE (FILHO) COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA - TEA E EPILEPSIA. PRINCÍPIOS DA PROTEÇÃO INTEGRAL E DA PRIORIDADE ABSOLUTA (ART. 227 DA CF/88 E ARTS. 3º E 4º DA LEI Nº 8.069/90). PESSOA COM DEFICIÊNCIA. DIREITO À INCLUSÃO SOCIAL E À ADAPTAÇÃO RAZOÁVEL (ARTS. 2º, 3º, 4º E 5º DA CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA). Não merece provimento o agravo, haja vista que os argumentos apresentados pela reclamada não desconstituem os fundamentos da decisão monocrática, por meio do qual o seu agravo de instrumento foi desprovido. No caso, o Regional manteve a sentença em que se reconheceu o direito do empregado público à redução da carga horária, em razão da condição especial de seu dependente (diagnosticado com transtorno do espectro autista), sem alteração da remuneração, em face da aplicação analógica do artigo 98, §§ 2º e 3º, da Lei nº 8.112/90. A jurisprudência desta Corte tem admitido a redução de jornada de empregado público com dependente com deficiência que necessite de cuidados e acompanhamentos especiais sem alteração remuneratória e sem compensação de horário, a depender da especificidade do caso, com fulcro, essencialmente, nos arts. 227 e 229 da Constituição Federal e 3º e 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), tanto quanto na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, incorporados ao ordenamento jurídico com status de emenda constitucional (art. 5º, § 3º, da CF), pelo Decreto 6.949/2009. Do mesmo modo, a concessão do regime de trabalho reduzido ao genitor, a fim de proporcionar o direito de acompanhamento do infante com deficiência, viabiliza a materialização dos direitos à inclusão social e à adaptação razoável, previstos nos arts. 2º, 3º, 4º e 5º da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Incensurável, portanto, a decisão agravada. Agravo desprovido" (AIRR-0000326-14.2023.5.21.0011, 3ª Turma, Relator Ministro José Roberto Freire Pimenta, DEJT 08/04/2025). "RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017. REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO SEM REDUÇÃO DA REMUNERAÇÃO E SEM COMPENSAÇÃO DE HORÁRIOS. SERVIDORA PÚBLICA CELETISTA. FILHA MENOR DIAGNOSTICADA COM TRANSTORNOS DE ESPECTRO AUTISTA, DE LINGUAGEM RECEPTIVA, EXPRESSIVA E DE LEITURA. NECESSIDADE DE ACOMPANHAMENTO PARA ATIVIDADES MULTIDISCIPLINARES E TRATAMENTOS MÉDICOS E TERAPÊUTICOS. POSSIBILIDADE. No caso, o Tribunal Regional do Trabalho manteve a sentença, que julgou improcedente a pretensão da Reclamante, servidora pública celetista, de ter a jornada de trabalho reduzida sem redução da remuneração e sem compensação de horário, para cuidados especiais de sua filha menor, que possui Transtorno de Espectro Autista (AUTISMO), Transtorno de Linguagem Receptivo e Expressivo e Transtorno de Leitura. Entendeu a Instância Ordinária que a Administração Pública está pautada no princípio da legalidade, sendo que a ausência de previsão legal para a redução da carga horária de empregados públicos responsáveis por pessoas com deficiência impede a concessão do pleito autoral. Diante desse contexto, observa-se que a decisão do TRT está em dissonância com o entendimento desta Corte sobre a matéria. Esclareça-se que, de fato, inexiste legislação estadual que atribua à Reclamada o dever de redução da jornada da Reclamante na situação retratada na hipótese. Contudo o fenômeno do Direito - sua referência permanente à vida concreta - importa no constante exercício pelo operador jurídico de três métodos específicos e combinados de suma relevância para resolução de situações como a que se apresenta: a interpretação jurídica, a integração jurídica e, finalmente, a aplicação jurídica. Especificamente sobre a integração jurídica, processo lógico de suprimento das lacunas percebidas nas fontes principais do Direito em face de um caso concreto, mediante o recurso a fontes normativas subsidiárias, tem-se que tal instituto permite atender ao princípio da plenitude do arcabouço jurídico, informador de que a ordem jurídica sempre terá, necessariamente, uma resposta normativa para qualquer caso concreto posto a exame do operador do Direito. Nesse sentido, dispõe o art. 8º, caput, da CLT - além do Decreto n. 4.647/1942, LINDB, (arts. 4º e 5º) e do Código de Processo Civil de 2015 (art. 140) -, que : "As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais do direito, principalmente do direito do trabalho e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público". Partindo dessas premissas é que o ordenamento jurídico brasileiro deve ser analisado, ou seja, de forma congruente e organicamente integrado. Deve ser pesquisada, nos preceitos normativos já existentes sobre a matéria discutida, a noção que faça sentido, tenha coerência e seja eficaz na solução do caso concreto. Nesse sentido, na análise dos direitos concernentes às pessoas com deficiência e aos seus responsáveis - que foram estruturados por um conjunto normativo nacional e internacional -, deve ser considerado não só o princípio da legalidade, restrito à Administração Pública (art. 37 da CF), mas também a exegese dos princípios constitucionais da centralidade da pessoa humana, da dignidade (art. 1º, III, da CF) e da proteção à maternidade e à infância (art.6º da CF). A Constituição Federal de 1988, em seu art. 227, acolheu inteiramente os fundamentos da aclamada doutrina internacional da proteção integral e prioritária da criança, do adolescente e do jovem, inaugurando, no ordenamento jurídico brasileiro, um novo paradigma de tratamento a ser destinado ao ser humano que se encontra na peculiar condição de pessoa em desenvolvimento. Nessa linha, o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seus mais diversos artigos, prevê, como direito fundamental, a proteção integral da criança e do adolescente para que lhes seja facultado o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, sem qualquer tipo de discriminação. Atribui não só à família, mas à sociedade em geral e ao Poder Público o dever de "assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária" (art. 4º, caput ). Além dos citados dispositivos, em 2008, foi integrada ao ordenamento brasileiro, a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinado em Nova Iorque, pelo Decreto Legislativo 186/2008, com hierarquia de direito fundamental (art. 5º, § 3º, da CF). Nessa Convenção, os Estados Partes, especificamente para as crianças e adolescentes, comprometeram-se a adotar medidas necessárias para o pleno exercício de todos os direitos humanos, liberdades fundamentais, igualdades de oportunidades (art. 7º, item 1), sendo que, para a criança com deficiência, destacou inclusive que " o superior interesse da criança receberá consideração primordial " (art. 7º, item 2)". No mesmo artigo, foi assegurado que as crianças com deficiência " recebam atendimento adequado à sua deficiência e idade, para que possam exercer tal direito". Reforçando tal quadro de proteção, a Convenção apresenta outros dispositivos que expõem claramente o compromisso do sistema jurídico em proporcionar igualdade de direitos à criança com deficiência, assegurando suporte às famílias (art. 23, item 3), padrão de vida e proteção social adequados (art. 28), entre outras garantias. Consigne-se que a Lei nº 13.146/2015 - Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência - , em seu art. 8º, assentou que é dever, não só da família, mas também do Estado, assegurar a essas pessoas, com prioridade, diversos direitos inerentes à vida, à saúde, à alimentação, à dignidade, ao respeito e principalmente à convivência familiar. Ainda nessa esteira, em 2012, foi publicada a Lei 12.764, que " institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista ", prevendo diretrizes específicas para " a atenção integral às necessidades de saúde da pessoa com transtorno do espectro autista, objetivando o diagnóstico precoce, o atendimento multiprofissional e o acesso a medicamentos e nutrientes " (art. 2º). Destaca-se, também, o art. 1º, § 2º, da referida lei , que considera o autismo como uma deficiência, e o art. 3º, I, que estabelece, como direitos da pessoa com transtorno do espectro autista, a vida digna, a integridade física e moral, o livre desenvolvimento da personalidade, a segurança e o lazer. Em suma, a ordem jurídica dispõe de várias normas que concretizam as disposições constitucionais de amparo à criança, sobretudo aquela que demanda da família e do Estado uma atenção especial. Nesse contexto legal, não pode prevalecer qualquer ato que venha a impedir a proteção e a inclusão social da criança. De outra face, devem ser relevados os métodos de interpretação e integração para a efetividade do ordenamento jurídico, como já referido anteriormente. Conquanto a Lei 8.112/1990 trate dos direitos dos empregados públicos estatutários da União, não se pode olvidar da finalidade com que o art. 98, § 3º, da citada norma foi alterado pela Lei 13.370/2016. Esse dispositivo - por analogia e por integração normativa - mais as normas citadas formam um conjunto sistemático que ampara a pretensão da Reclamante. Interpretando o referido artigo, constata-se que foi intensificada a proteção do hipossuficiente, na forma do art. 1º, III e IV, e 227 da CF - garantia que deve ser prestigiada e aplicada, não obstante a especificidade do ente político que teve a iniciativa legislativa. Nessa linha de intelecção é que esta Corte Superior vem decidindo reiteradamente que o responsável por incapaz, que necessite de cuidados especiais de forma constante, com apoio integral para as atividades da vida cotidiana e assistência multidisciplinar, tem direito a ter sua jornada de trabalho flexibilizada sem prejuízo da remuneração, com vistas a amparar e melhorar a saúde física e mental da pessoa com deficiência. Alcançam-se, desse modo, os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho, entre outros direitos sociais, normas nacionais e internacionais que amparam a criança, o adolescente e a pessoa com deficiência. Julgados desta Corte que perfilham a mesma diretriz. Recurso de revista conhecido e provido" (TST-RR-1001543-10.2017.5.02.0013, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 21/10/2022). "AGRAVO INTERNO EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA ECT. LEI 13.467/2017. RITO SUMARÍSSIMO. JORNADA DE TRABALHO. REDUÇÃO PARA CUIDADO DE FILHO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA (AUTISMO E TDAH). EMPREGADA PÚBLICA. ANALOGIA. ART. 98, §§ 2º E 3º, DA LEI 8.112/1990. 1. Esta Corte tem admitido a redução de jornada de empregado público com dependente com deficiência sem alteração remuneratória e sem compensação de horário, a depender da especificidade do caso. 2. A utilização da analogia visando realizar a integração da lacuna normativa do regime jurídico aplicável ao reclamante encontra amparo na leitura contemporânea do princípio da legalidade administrativa, à luz do primado da juridicidade, de modo a não vincular o administrador público exclusivamente às diretrizes oriundas do Poder Legislativo, mas também para balizar sua atividade pelos valores e princípios constitucionais. 3. Situação que abrange a tutela de bens jurídicos destacados na ordem constitucional de 1988, notadamente, o direito da pessoa com deficiência, alçado à categoria de direito fundamental, sobretudo em face da internalização, com status de emenda constitucional (art. 5º, § 3º, da CF), da Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência pelo Decreto 6.949/2009. 4. A aplicação analógica do art. 98, §§ 2º e 3º, da Lei 8.112/1990 decorre da incidência de princípios oriundos dos arts. 1º, III, 5º, 6º, 7º, 227 da CF e 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), além da destacada Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, não se vislumbrando qualquer ofensa ao primado da legalidade ou aos demais princípios que regem a Administração Pública. Precedentes. Agravo de que se conhece e a que se nega provimento " (TST-Ag-ED-AIRR-132-10.2020.5.10.0016, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Bastos Balazeiro, DEJT 27/05/2022). "RECURSO DE REVISTA DA AUTORA. TUTELA INIBITÓRIA - OBRIGAÇÃO DE FAZER - PRETENSÃO DE REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO, SEM DIMINUIÇÃO PROPORCIONAL DA REMUNERAÇÃO E SEM A COMPENSAÇÃO DE HORÁRIOS, A FIM DE QUE A TRABALHADORA ACOMPANHE SEU FILHO DE SEIS ANOS DE IDADE, PORTADOR DA SÍNDROME DE DOWN, EM ATIVIDADES TERAPÊUTICAS INDISPENSÁVEIS AO DESENVOLVIMENTO SADIO E À INTEGRAÇÃO SOCIAL DA CRIANÇA - EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA IGUALDADE SUBSTANCIAL E DA ADAPTAÇÃO RAZOÁVEL - CONCESSÃO DE HORÁRIO ESPECIAL POR MEIO DO AUMENTO DAS HORAS DE TRABALHO PEDAGÓGICO LIVRE (HTPL) E DIMINUIÇÃO EQUIVALENTE DA JORNADA PRESENCIAL - APLICAÇÃO DOS ARTS. 98, § 3º, DA LEI Nº 8.112/1990 E 11 DA LEI MUNICIPAL Nº 4.111/2011 - PONDERAÇÃO DOS INTERESSES EM CONFLITO, SEGUNDO O ART. 2 DA CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA - PROVIMENTO PARCIAL DO PEDIDO. Discute-se desde 2017 o direito de uma mãe e professora de ver reduzida em algumas poucas horas a jornada de trabalho perante o Município de Bariri, sem a obrigatoriedade de compensação de horários e sem prejuízo da remuneração que provê o sustento da família, a fim de que ela acompanhe o filho, que completou seis anos de idade no dia 20/10/2020, nas atividades terapêuticas indispensáveis ao seu pleno desenvolvimento enquanto portador da Síndrome de Down. O juízo de primeiro grau, em caráter liminar inaudita altera pars autorizado pelo art. 300, caput e § 2º, do CPC, deferiu a antecipação dos efeitos da tutela. Já em sede de cognição exauriente, cassou a medida de urgência e julgou improcedente a pretensão. O Tribunal Regional negou provimento ao recurso ordinário da autora. Utilizando como fundamento nuclear a ausência de previsão legal que respaldasse o pedido, o Colegiado acrescentou que os princípios constitucionais não autorizam o Poder Judiciário a impor obrigações não previstas em lei, notadamente as que representam impacto financeiro. Destacou que a efetivação do que pretende a trabalhadora em juízo deve ocorrer por meio de políticas públicas abrangentes. No entanto, a Constituição Federal de 1988 consagrou a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho como fundamentos nucleares da República Federativa do Brasil (art. 1º, III e IV). O poder constituinte originário erigiu a construção de uma sociedade justa e solidária e a promoção do bem de todos, sem preconceito ou discriminação, ao status de objetivos fundamentais do Estado brasileiro (art. 3º, I e IV). Os direitos humanos foram alçados ao patamar de princípio norteador das relações externas, com repercussão ou absorção formal no plano interno (arts. 4º, II, e 5º, §§ 2º e 3º). Já o catálogo de garantias e direitos fundamentais deixou de assumir a conformação vertical do constitucionalismo clássico para constituir o principal fundamento sobre o qual repousa todo o ordenamento jurídico nacional. A denominada Carta Política, de feição marcadamente liberal e que se propunha, essencialmente, à imposição de limites ao poder do Estado na vida privada, deu lugar a uma Carta Fundamental, de caráter dirigente, programático e de alcance muito mais abrangente e concretizador. O processo histórico de horizontalização dos direitos fundamentais adquiriu assento constitucional expresso (art. 5º, § 1º), de modo que, diferentemente do que sugere o acórdão recorrido, os valores mais caros à sociedade possuem aptidão para alcançar todos os indivíduos de forma direta e eficácia plena, sem a necessidade de que sejam veiculados por meio de pontes infraconstitucionais. Nesse sentido, a matriz axiológica da Constituição não somente pode, mas, sobretudo, deve servir de fonte imediata para a resolução de demandas levadas à tutela do Poder Judiciário, notadamente aquelas de alta complexidade. De todo modo, a ausência de norma infraconstitucional específica não seria capaz de isentar o magistrado de, com base nos princípios gerais de direito, na analogia e nos tratados internacionais ratificados pelo Brasil, dentre eles o Pacto de San Jose da Costa Rica, reconhecer a incidência direta dos direitos sociais em determinados casos concretos, mesmo porque aqueles nomeados exemplificativamente no texto constitucional, inclusive no que diz respeito aos trabalhadores, encerram cláusulas gerais ou de conteúdo indeterminado, mas de aplicação imediata (arts. 6º e 7º, caput, in fine). O Tribunal Regional não deixa de ter razão quando afirma que o dever da sociedade, de assegurar o exercício de direitos aos grupos em situação de vulnerabilidade, deve ser aperfeiçoado por meio de políticas públicas de alcance abrangente. Essa responsabilidade, no caso específico dos deficientes e dos portadores de necessidades especiais, é de competência concorrente dos entes federativos, nos termos dos arts. 23, II, e 24, XIV, da CF e se encontra prevista em diversos pontos da própria Constituição, notadamente nos seus arts. 203, IV, 208, III, e 227, § 1º, II, bem como na legislação específica, a exemplo do art. 8º da Lei nº 13.146/2015 - Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Neste sentir, é mesmo dever do Estado promocional, por meio de seus Poderes, dar conteúdo prestacional aos direitos sociais, agindo de forma ativa a concretizá-los. Ocorre que a ainda claudicante atuação do Poder Público na adoção de medidas efetivas ao bem-estar da população vulnerável e, sobretudo, o alcance mais restrito da pretensão declinada na exordial, permitem que este Colegiado examine a controvérsia sob ótica diversa. Felizmente, está ficando para trás o tempo em que a pessoa portadora de deficiência física, mental, intelectual ou sensorial, inata ou adquirida, era considerada apenas um peso a ser suportado por terceiros, fosse no âmbito familiar ou social ou ainda sob as expensas do Estado. Impulsionada pela medicina, pela psicologia, pela sociologia e por outras áreas do saber, a sociedade tem evoluído, passando a enxergar os integrantes dessa parcela da população como indivíduos sujeitos de prerrogativas e obrigações, no exercício, às vezes pleno, às vezes mitigado, de sua capacidade e de sua cidadania. O direito brasileiro não ficou alheio a essa evolução, de modo de que documentos construídos no plano internacional com o intuito de proteger e salvaguardar o exercício dos direitos dos deficientes e portadores de necessidades especiais vêm sendo absorvidos pela ordem jurídica pátria com força de emenda constitucional, a exemplo da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e do Tratado de Marraqueche; da revogação dos incisos I a III do art.3º do Código Civil brasileiro quanto à caracterização dos incapazes; e, o art.1783-A, do Código Civil, sobre a tomada de decisão apoiada. A nossa ordem jurídica, mesmo que de forma incipiente, tem procurado promover e garantir os direitos e liberdades fundamentais desses indivíduos, visando à sua inclusão social, em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas. Expressões de conotação depreciativa, como a outrora paradigmática "loucos de todo gênero", deixaram de ser utilizadas nos textos legais, ao passo que a não-discriminação negativa passou a ser a palavra de ordem em documentos oficiais. No âmbito da Administração Pública, a Lei nº 13.370/2016 alterou o art. 98, § 3º, da Lei nº 8.112/1990 para estender o direito ao horário especial ao servidor público federal que possui cônjuge, filho ou dependente com deficiência e para revogar a exigência de compensação. Especificamente no que toca ao Direito do Trabalho, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 110/2016, da relatoria do senador Flavio Arns, que pretende reduzir em 10% a jornada dos trabalhadores que tenham sob sua guarda filhos com deficiência, sem prejuízo da remuneração. A par de tudo o que já foi considerado, há de se ter em mente que os anseios por uma sociedade justa não podem passar ao largo da percepção de que os seus integrantes são plurais e de que a igualdade substancial é valor que coloca em alto relevo as diferenças de ordem pessoal. Tratar pessoas diferentes com isonomia não significa tratá-las segundo a mesma régua ou de acordo com os mesmos parâmetros. A aplicação do primado da igualdade sem qualquer temperamento costuma apenas aprofundar as desigualdades ainda tão presentes em nossa realidade social. É certo que os funcionários da municipalidade recorrida não têm seus horários de trabalho adequados a fim de que possam acompanhar seus filhos em atividades educacionais ou recreativas, mormente sem a redução de salários. Ocorre que o filho da autora possui características particulares que não apenas o diferenciam da maioria das outras crianças, mas, também, representam um desafio superior tanto ao seu desenvolvimento como pessoa quanto à sua afirmação enquanto agente socialmente relevante. Destaque-se, por oportuno, que a ciência não estabelece gradação à Síndrome de Down, não havendo que se cogitar de sua incidência severa ou moderada. Daí a importância do seguinte questionamento: ao negar um horário diferenciado à sua mãe, o reclamado não estaria adotando um tratamento uniforme para crianças em situações flagrantemente desiguais? Pensamos que a resposta seja positiva. A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 13 de dezembro de 2006 e chancelada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 186/2008, conforme o procedimento do art. 5º, § 3º, da CF, reconhece que a deficiência "é um conceito em evolução" e que "resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas". Estabelece, no art. 3º, os seus "princípios gerais", dentre os quais se destacam o "respeito pela diferença" e a "igualdade de oportunidades". Prevê, no art. 5.1, que "todas as pessoas são iguais perante e sob a lei a que fazem jus, sem qualquer discriminação, a igual proteção e benefício da lei". Especificamente quanto à criança, determina, no art. 7.1 que "os Estados Partes tomarão todas as medidas necessárias para assegurar às crianças com deficiência o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, em igualdade de oportunidades com as demais crianças". Referidos dispositivos não apenas ratificaram o já consagrado princípio da igualdade material insculpido no art. 5º, caput, da CF, mas, também, lhe conferiram refinamento temático expresso. Assim, o direito das crianças com deficiência, de serem tratadas pelo Estado e pela sociedade em igualdade de condições e segundo as características peculiares que as diferenciam dos demais indivíduos, passou a ser literal na Constituição brasileira a partir de 25 de agosto de 2009, data da publicação do Decreto presidencial nº 6.949. Existem julgados do Tribunal Superior do Trabalho, inclusive da 3ª Turma, nos quais o cuidado diferenciado que deve ser dirigido às crianças portadoras de necessidades especiais justificou a alteração de turno de trabalho de seus pais. É evidente que a transposição de um ideal de justiça de uma decisão judicial para a realidade concreta nem sempre é tranquila, ou mesmo factível. O alto grau de abstração de um princípio constitucional deve sempre ser levado em consideração pelo juiz no exame da exequibilidade e das repercussões econômicas e sociais de sua decisão. Assim, é de toda pertinência a preocupação do Tribunal Regional com impacto financeiro e/ou administrativo de uma sentença desfavorável ao réu. Nesse sentido, o art. 5.3 da Convenção diz que, "a fim de promover a igualdade e eliminar a discriminação, os Estados Partes adotarão todas as medidas apropriadas para garantir que a adaptação razoável seja oferecida". Já o art. 2 conceitua a "adaptação razoável" como as "modificações e os ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais". Prover "adaptação" significa adotar os esforços necessários para que os portadores de deficiência possam usufruir dos direitos humanos e fundamentais, em igualdade de condições com os demais indivíduos. A razoabilidade dessa acomodação encontra limite apenas na eventual desproporcionalidade entre os benefícios que podem ser alcançados com a sua adoção e os possíveis custos dela decorrentes. Diante dessa perspectiva e tornando ao caso concreto, cabe à Justiça do Trabalho conciliar os interesses divergentes entre as partes para que a criança possa ser acompanhada por sua mãe nas atividades multidisciplinares, sem que isso proporcione um ônus para o qual o réu não esteja preparado ou não consiga suportar. Conforme o quadro fático expresso no acórdão recorrido, "a reclamante acumula dois contratos na função de Professor de Educação Básica II, ambos com a municipalidade reclamada, cada um com carga horária semanal de 31 horas". O pedido formulado na inicial consiste na obrigação de que a municipalidade autorize a sua ausência do serviço às terças-feiras, de 13h00 às 17h00 (quatro horas) e de 18h20 às 21h10 (duas horas e cinquenta minutos), e às quintas-feiras, de 12h30 às 17h00 (quatro horas e trinta minutos). Ou seja, a autora pede para que lhe sejam reduzidas, sem prejuízo de sua remuneração, 11 horas e 20 minutos dentre as 62 horas semanais por ela despendidas no ofício de professora de Geografia da municipalidade ré. Já o município requer a total improcedência da reclamação trabalhista ou "que seja encontrada outra solução para o próximo ano letivo, para a professora poder acompanhar o seu filho no tratamento e também não haja prejuízos tanto para os alunos da rede municipal, tanto quanto para o erário municipal" (sic). De um lado, sabe-se que o acompanhamento da criança por sua mãe tende a desempenhar papel muito importante na sedimentação das competências adquiridas e/ou estimuladas nas atividades terapêuticas, mesmo porque o contato direto e reiterado da genitora com os membros da equipe multidisciplinar deve repercutir positivamente na estimulação adicional promovida no âmbito familiar. Ademais, a ciência diz que a estimulação precoce é de extrema relevância para a maior eficácia das técnicas adotadas pelos profissionais. Diante desse contexto, uma eventual improcedência da pretensão poderia ensejar até mesmo um pedido de desligamento da trabalhadora, o que prejudicaria sobremaneira os rendimentos da família e colocaria em risco a própria subsistência do filho deficiente. De outro lado, entende-se que a procedência integral do pedido demandaria uma série de expedientes do réu, a fim de que seus alunos não ficassem prejudicados e de que o impacto orçamentário fosse minimizado. Afinal, a readequação da grade horária dos docentes de Geografia, com o consequente pagamento de horas extras, ou mesmo a contratação de outro profissional, seja em cargo efetivo ou pela via do contrato emergencial, certamente resultaria em ônus administrativos para a municipalidade e financeiros para o erário, embora suportáveis em confronto com a manutenção do contrato de trabalho e o direito de acompanhamento do deficiente, em prol de uma melhor integração na sociedade. Conforme ressaltado alhures, a Lei nº 8.112/1990 assegura a concessão de horário especial ao servidor ou à servidora que possui cônjuge, filho ou dependente com deficiência, sem prejuízo do salário e sem a necessidade de compensação de horário. Ora, se o dependente do funcionário federal possui tal prerrogativa, entendemos que o filho de uma professora municipal deve desfrutar de direito semelhante. Pessoas em situações análogas não podem ser tratadas de forma absolutamente desigual, sob pena de violação do multicitado princípio da igualdade substancial, previsto tanto na Constituição Federal quanto na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. No caso específico dos professores do município de Bariri, a Lei Municipal nº 4.111/2011 determina que parte da jornada de trabalho seja realizada por meio de atividades pedagógicas extraclasse, coletivas ou individuais, as chamadas Horas de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC), Horas de Trabalho Pedagógico Individual (HTPI) e Horas de Trabalho Pedagógico Livre (HTPL), sendo as últimas cumpridas em local e horário de livre escolha do docente, nos termos do art. 11, § 6º. Cabe destacar que o § 3º do mesmo artigo diz que o professor de Educação Básica II poderá ampliar ou reduzir a jornada de trabalho definida no início do ano letivo, a critério da Administração, ao passo que o §4º estabelece que o número de horas de trabalho pedagógico sofrerá alteração conforme o número de horas/aulas que o docente assumir. A petição inicial alerta para o fato de que as 62 horas semanais de trabalho seriam compostas por 42 horas presenciais com os educandos, 4 horas de HTPC, 8 horas de HTPI e 8 horas de HTPL. Imaginando-se, em adaptação ou acomodação razoável, um cenário em que as HTPL pudessem ser aumentadas e as horas presenciais diminuídas na mesma proporção, a autora certamente teria a possibilidade de administrar os seus horários para que pudesse ter a liberdade de acompanhar o seu filho nas sessões multidisciplinares. Adotando-se esse horário especial, ainda que haja, em adoção do princípio da solidariedade, a necessidade de remanejamento da jornada dos demais professores de Geografia, ou mesmo o pagamento de horas extras para a substituição da autora nos períodos de impossibilidade de sua docência presencial, o custo adicional para a municipalidade, seja financeiro ou administrativo, certamente não seria substancial a ponto de superar os benefícios individuais e as repercussões sociais decorrentes da procedência do pedido. A "adaptação", neste caso, atenderia plenamente o requisito da razoabilidade previsto no art. 2 da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ainda mais quando se considera que esse ônus deve ser mitigado por um aumento de produtividade da professora, que, livre da preocupação de não poder acompanhar o seu filho nas atividades de que ele necessita, tende a preparar as aulas com maior qualidade e a ministrá-las com maior empenho e profundidade, em evidente benefício de seus alunos. Por fim, colaciona-se julgado do Superior Tribunal de Justiça em que uma demanda de portador de deficiência foi examinada sob a ótica do Princípio da Adaptação Razoável. Recurso de revista conhecido, por violação do art. 5º, caput, da CF e parcialmente provido" (TST-RR-11204-62.2017.5.15.0144, 3ª Turma, Rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 04/12/2020). "AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. RITO SUMARÍSSIMO. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.015/2014. REDUÇÃO DA CARGA HORÁRIA E MANUTENÇÃO DA REMUNERAÇÃO. DEPENDENTE COM NECESSIDADES ESPECIAIS. Não merece provimento o agravo, pois não desconstitui os fundamentos da decisão monocrática pela qual o agravo de instrumento em recurso de revista interposto pela reclamada foi desprovido, fundada na aplicação do entendimento de que, ainda que seja manifestamente inaplicável à reclamante o artigo 98, § 3º, da Lei nº 8.112/1990, com a redação determinada pela Lei nº 13.370/2016, tendo em vista que não se trata de servidora pública federal em sentido estrito, mas empregada pública federal, é certo que não pode ser suprimido o direito essencial e premente que decorre da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 13 de dezembro de 2006 e chancelada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 186/2.008, combinada com o artigo 5º, § 3º, da Constituição Federal de 1988, fazendo jus a autora, empregada pública, à obtenção judicial da redução da jornada ou algum outro mecanismo que lhe permita dispensar cuidados a sua filha, diagnosticada com transtorno do espectro autista e esquizofrenia. Agravo desprovido " (TST-Ag-AIRR-951-96.2022.5.17.0010, 3ª Turma, Relator Ministro José Roberto Freire Pimenta, DEJT 07/12/2023). "[...] REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO. GERENTE BANCÁRIO. EMPREGADO COM FILHO PORTADOR DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA). TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Agravo a que se dá provimento para examinar o agravo de instrumento em recurso de revista. Agravo provido. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI N° 13.467/2017. RITO SUMARÍSSIMO. REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO. GERENTE BANCÁRIO. EMPREGADO COM FILHO PORTADOR DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA). TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Em razão do reconhecimento da transcendência jurídica da matéria, viabilizando-se o debate em torno da interpretação do alcance dado aos arts. 1º, III, e 227 da Constituição Federal, dá-se provimento ao agravo de instrumento para determinar o prosseguimento do recurso de revista. Agravo de instrumento provido. RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI N° 13.467/2017. RITO SUMARÍSSIMO. REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO. GERENTE BANCÁRIO. EMPREGADO COM FILHO PORTADOR DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA). TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. O reclamante, Gerente de Varejo da Agência de Araripina da Caixa Econômica Federal, está submetido à jornada de 8 horas de que trata o art. 224, § 2º, da CLT. Na presente ação, o autor postulou a redução de sua jornada de trabalho, sem prejuízo de sua remuneração atual com a gratificação prevista no referido dispositivo consolidado, a fim prestar assistência ao filho diagnosticado com transtorno do espectro autista (TEA). A Corte Regional manteve a improcedência do pleito de redução da jornada ao fundamento de que " o reclamante é bancário e já possui jornada legal reduzida de 6 (seis) horas diárias, a qual ocupa apenas um período dos seus dias, não restando demonstrado no caderno processual qualquer incompatibilidade entre sua carga horária e o acompanhamento do tratamento do filho ". De fato, o Tribunal local concluiu ser indevida a redução da jornada de 8 (oito) horas prevista no art. 224, § 2º, da CLT, com a manutenção da gratificação de função. Esta Corte Superior tem se posicionado no sentido de que o empregado com filho portador de transtorno do espectro autista tem direito à redução da jornada sem prejuízo da sua remuneração, de forma a viabilizar a assistência necessária ao dependente. Na hipótese, é incontroversa a jornada de oito horas diárias em decorrência do exercício de cargo previsto no art. 224, § 2º, da CLT. Não obstante o cargo de gerente exercido pelo autor ser um cargo de confiança do banco, não constituindo alteração ilícita do contrato de trabalho a determinação empresarial de reversão ao cargo efetivo, na forma dos §§ 1º e 2º do art. 468 Consolidado, é certo que a controvérsia tem contornos que transbordam a CLT, especialmente de Direito Constitucional e de Direito Internacional. A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), chancelada pelo Congresso Nacional mediante o Decreto Legislativo nº 286/2008, equivalente à emenda constitucional, na esteira do art. 5º, § 3º, da Constituição Federal, dispõe no item "x" de seu preâmbulo: "convencidos de que a família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem o direito de receber a proteção da sociedade e do Estado e de que as pessoas com deficiência e seus familiares devem receber a proteção e a assistência necessárias para tornar as famílias capazes de contribuir para o exercício pleno e equitativo dos direitos das pessoas com deficiência". Destaca-se que a CPD foi a primeira convenção de direitos humanos votada no Congresso Nacional sob a redação da Emenda Constitucional nº 45/2004, sendo, até o momento, o único tratado internacional com equivalência de emenda constitucional. Oportuna a referência à teoria do Capitalismo Humanista, em que as bases do Capitalismo são dissecadas para delas extrair a sua dimensão econômica a fim de introduzi-la na concepção dos Direitos Humanos (com o que se torna possível ampliar a sua efetividade em relação à parcela substancial da Humanidade), alcançando a transição evolutiva de um Capitalismo liberal excludente em direção a um Capitalismo inclusivo (SAYEG; BALERA, Fator CapH , 2019, ps. 29-31 e 88). Assim, sem se descuidar do aspecto econômico, a dignidade da pessoa humana foi introduzida na Constituição da República de 1988 como um valor absoluto, compondo as fundações do Estado Democrático de Direito da República Federativa do Brasil juntamente com os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, caput, incisos III e IV). Com a devida vênia do Tribunal Regional, a conclusão de que o autor, necessitando a redução da sua jornada, deveria retornar ao seu cargo efetivo, dispensando a gratificação de função prevista no art. 224, § 2º, da CLT, não se coaduna com a convenção internacional de direitos humanos (CDPD) com equivalência de emenda constitucional e com a citada teoria do Capitalismo Humanista. Ressalta-se, por derradeiro, que a jurisprudência desta Corte Superior tem admitido, em casos similares, a aplicação analógica do art. 98, § 3º, da Lei nº 8.112/1990 aos empregados públicos, conforme os arts. 4º e 5º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro. Nesse sentir, impõe-se a reforma do acórdão regional para deferir o pedido de redução de sua jornada de trabalho, sem prejuízo da remuneração atual e sem necessidade de compensação, enquanto houver necessidade de acompanhamento do filho portador de deficiência (TEA). Recurso de revista conhecido e provido" (TST-RR-209-05.2021.5.06.0401, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 23/02/2024). "AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017. REDUÇÃO DE JORNADA SEM DIMINUIÇÃO DA REMUNERAÇÃO. TRABALHADOR EMPREGADO PÚBLICO E PAI DE CRIANÇA PORTADORA DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Trata-se de debate relativo à possibilidade de redução de jornada, sem diminuição de remuneração, do trabalhador de empresa pública que é genitor de filho diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista - TEA, para que ele possa acompanhar o seu filho em atividades de tratamento, conforme recomendado em laudo médico. Verifica-se, portanto, a existência de transcendência jurídica da causa, conforme art. 896-A, § 1º, IV, da CLT. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017. REDUÇÃO DE JORNADA SEM DIMINUIÇÃO DA REMUNERAÇÃO. TRABALHADOR EMPREGADO PÚBLICO E PAI DE CRIANÇA PORTADORA DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. Nos termos do art. 226 da Constituição Federal, a família é a base da sociedade e deve receber especial proteção do Estado. A seu turno, o art. 227 da Lei Maior, com redação dada pela Emenda Constitucional n. 65/2010, consagra o princípio da proteção integral da criança e do adolescente, cujo teor foi ulteriormente reproduzido nos artigos 1°, 4º e 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Lei 8.069/1990). Por esse princípio - reconhecido como fundamento basilar pela Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil em 24 de setembro de 1990 - crianças e adolescentes são sujeitos de direitos que necessitam de proteção especializada, diferenciada e integral, derivada de sua condição de pessoa em desenvolvimento. No mesmo sentido, por meio do Decreto n. 6.949/2009, o Brasil ratificou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, segundo o quórum exigido pelo art. 5°, § 3°, da Constituição Federal, atribuindo-lhe assim indiscutível status constitucional. Mencionada Convenção, a par de proscrever qualquer trato discriminatório, apresenta o conceito de "adaptação razoável" (art. 2º) e enfatiza o dever de promover a acessibilidade, ou seja, rompe o paradigma tradicional de conceber-se a pessoa com deficiência como alguém a ajustar-se à realidade para, ao revés, obrigar entes públicos e particulares à identificação e eliminação de obstáculos e barreiras que comprometam o acesso e a realização pessoal, inclusive profissional, de todas as pessoas com deficiência. Com base na referida Convenção - e com o mesmo propósito de enlevar a dignidade - foi instituída a Lei n. 13.146/2015, intitulada Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência - LBI (ou Estatuto da Pessoa com Deficiência), que teve como escopo assegurar e promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania. Por sua vez, em 27 de dezembro de 2012, foi publicada a Lei n. 12.764, a qual instituiu a Política Nacional dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista e estabeleceu, no art. 1º, §2º, que "a pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais". No caso concreto, o reclamante é genitor de criança com autismo, em tratamento multidisciplinar. Essa circunstância impõe, indene de dúvida, a necessidade da presença e acompanhamento paternos. Não se olvida que, com esteio no poder diretivo que lhe atribui o art. 2º da CLT, ao empregador é dada a prerrogativa de efetuar alterações unilaterais no contrato de trabalho - desde que observados, a toda evidência, os limites legais -, permitindo-lhe gerir a atividade empresarial da maneira que lhe parecer mais pertinente para a consecução dos seus negócios, já que é ele quem assume os riscos da atividade econômica. Nada obstante, o poder diretivo do empregador não pode se sobrepor ao interesse da criança com deficiência, porquanto, como aludido, o princípio da proteção integral se reveste de envergadura constitucional (art. 227 da Constituição Federal). Ao examinar os direitos das pessoas com deficiência e de seus responsáveis, que são definidos por normas nacionais e internacionais, é essencial levar em conta não apenas o princípio da legalidade, que rege a Administração Pública (art. 37 da Constituição Federal), mas também a análise dos princípios constitucionais que enfatizam a centralidade da pessoa humana, a dignidade (art. 1º, III, da Constituição Federal) e a proteção à maternidade, maternidade e à infância (art. 6º da Constituição Federal). Nesse diapasão, o deferimento dos pleitos autorais encontra amparo no art. 227 da Constituição Federal e no princípio da adaptação razoável, previsto no art. 2º da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, pois as modificações no contrato de trabalho do empregado não acarretam ônus desproporcional ou indevido ao empregador. Assim, não se nega o direito de o empregado público ter redução de jornada, sem redução de remuneração, para cuidados com filho com deficiência. Todavia, no caso concreto, a Turma Regional, capaz de analisar a prova dos autos e melhor compreender as diversas questões fáticas envolvidas, entendeu que a redução de 4 horas semanais de trabalho (de 24 horas de trabalho para 20 horas) seria suficiente para o empregado compatibilizar o labor com os cuidados necessários com o seu filho. Entendo que a decisão regional observa o princípio da adaptação razoável. Agravo de instrumento não provido" (TST-AIRR-608-84.2021.5.23.0005, 6ª Turma, Relator Ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho, DEJT 14/04/2025). "I - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA. LEI 13.467/2017. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. O Tribunal Regional registrou de forma satisfatória e completa os motivos que lhe formaram o convencimento. As razões dos embargos declaratórios demonstram o mero inconformismo com o resultado do julgamento, o que de forma alguma importa em nulidade processual. Agravo de instrumento não provido. II - RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA. LEI 13.467/2017. ECT. EMPREGADA PÚBLICA. DEPENDENTE COM DEFICIÊNCIA (FILHO PORTADOR DE TRANSTORNO ESPECTRO AUTISTA). REDUÇÃO DE JORNADA DE TRABALHO SEM PREJUÍZO SALARIAL E COMPENSAÇÃO DE HORÁRIO. No caso, o Tribunal Regional utilizando-se do método de integração normativa e da técnica sopesamento entre princípios, apontou a solução ajustada ao caso concreto, relativizando as regras de forma proporcional e adequada diante de princípios de maior relevância como o princípio da dignidade da pessoa humana e da tutela da saúde, o que enseja na correta aplicação do princípio da legalidade estrita e do artigo 98, §§ 2º e 3º, da Lei nº 8.112/90, com objetivo de atingir o fim social e o bem comum, nos termos do art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Com relação ao percentual arbitrado pelo Tribunal Regional de redução da jornada em 50%, incide o óbice da Súmula 126 do TST. Precedentes. Recurso de revista não conhecido" (TST-RRAg-533-36.2019.5.09.0965, 8ª Turma, Relatora Ministra Delaíde Alves Miranda Arantes, DEJT 18/02/2022). Assim, embora a CLT e o regramento de pessoal da EBCT não possuam previsão de redução de carga horária para empregado que tenha dependente portador de necessidades especiais, há diversos dispositivos constitucionais que resguardam o bem-estar e desenvolvimento da criança. Imperioso destacar também que os princípios que regem a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, prescrevem que "em todas as ações relativas às crianças com deficiência, o superior interesse da criança receberá consideração primordial" (Art. 7º, 2 da CDPD), com o primordial objetivo de propiciar a essas crianças as melhores oportunidades de desenvolvimento. Ao dispor que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, o artigo 227 da Constituição Federal encerra uma ordem expressa direcionada a todos os atores que, direta ou indiretamente, podem e devem fornecer condições materiais para a concretização desta posição fundamental. Assim, se aos genitores a Constituição Federal impõe um mandamento direto de assistência aos menores, via reflexa, ao empregador, está implicitamente imposta a obrigação de fornecer ao seu empregado as condições necessárias e tangíveis para o cumprimento de seu dever familiar. No particular, restou expressamente demonstrado “que o filho do reclamante foi diagnosticado com transtorno do espectro autista (CID-11: 6A02.2) e que necessita de acompanhamento médico e multidisciplinar (a fls. 46). (...) A conduta patronal em negar a redução da jornada de trabalho do autor é altamente prejudicial ao tratamento médico de seu filho que, repita-se, precisa de cuidados”. Situações especiais requerem soluções específicas adaptadas às circunstâncias apresentadas em juízo. Esta é a função precípua da jurisdição: aplicar a lei ao caso concreto, de forma a garantir a efetividade da norma geral e abstrata. A Corte a quo, com fundamento nos princípios constitucionais e convencionais, bem como no estado delicado do filho menor do reclamante e na necessidade de acompanhamento paterno contínuo, justificou a aplicação do art. 98, §§2º e 3º, da Lei nº 8.112/90, por analogia (art. 8° da CLT): “Registra-se, ainda, que não há óbice para aplicar-se à vida profissional do autor, pela mera condição de ser empregado celetista, a disposição de preceito legal mais protetivo, vale dizer, os §§2º e 3º do art. 98 da Lei nº 8.112/1990, que define a concessão de horário especial para o trabalhador que tiver filho com deficiência, independentemente de compensação de horário. Portanto, a possibilidade de redução da jornada de trabalho sem redução salarial encontra expressa previsão legal, não socorrendo a recorrente a alegação de violação do princípio da legalidade.” Desse modo, o Tribunal Regional, utilizando-se do método de integração normativa e da técnica de ponderação dos princípios, apontou a solução ajustada ao caso concreto, relativizando as regras de forma proporcional e adequada diante de princípios de maior relevância como o princípio da dignidade da pessoa humana e da tutela da saúde, o que enseja a correta aplicação do princípio da legalidade estrita e do artigo 98, §§ 2º e 3º, da Lei nº 8.112/1990, de forma analógica. Assim, de se ver que a aplicação analógica do art. 98, §§ 2º e 3º, da Lei 8.112/1990 à situação dos autos, envolvendo empregado público, decorre da incidência de princípios aplicáveis à questão controvertida – arts. 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/1990; 1º, III, 5º, 6º, 7º e 227 da CF, além da Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência promulgada no Brasil pelo Decreto nº 6.949/2009 –, não se vislumbrando qualquer ofensa aos princípios que regem a Administração Pública. A decisão regional, nos moldes em que proferida, está de acordo com a jurisprudência desta Corte, atraindo a incidência do art. 896, § 7º, da CLT. Desse modo, por não divisar as violações e contrariedades apontadas pela parte, mantenho a decisão recorrida em sua integralidade. Patente, portanto, a ausência de transcendência da matéria. Nesse contexto, não tendo sido apresentados argumentos suficientes à reforma da decisão agravada, deve ser desprovido o agravo. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo. ISTO POSTO ACORDAM os Ministros da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do agravo e, no mérito, negar-lhe provimento. Brasília, 4 de junho de 2025. ALBERTO BASTOS BALAZEIRO Ministro Relator
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