Processo nº 0000630-59.2025.8.13.0352
ID: 299246955
Tribunal: TJMG
Órgão: Vara Criminal, de Execuções Penais, da Infância e Juventude Infracional e Precatórias Criminais da Comarca de Januária
Classe: AçãO PENAL DE COMPETêNCIA DO JúRI
Nº Processo: 0000630-59.2025.8.13.0352
Data de Disponibilização:
16/06/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MARIA DA CRUZ DE OLIVEIRA MOURA
OAB/MG XXXXXX
Desbloquear
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Januária / Vara Criminal, de Execuções Penais, da Infância e Juventude Infracional e Precatórias Criminais da Comar…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Justiça de Primeira Instância Comarca de Januária / Vara Criminal, de Execuções Penais, da Infância e Juventude Infracional e Precatórias Criminais da Comarca de Januária Praça Arthur Bernardes, 208, Fórum Doutor Aureliano Porto Gonçalves, Centro, Januária - MG - CEP: 39480-000 PROCESSO Nº: 0000630-59.2025.8.13.0352 CLASSE: [CRIMINAL] AÇÃO PENAL DE COMPETÊNCIA DO JÚRI (282) ASSUNTO: [Homicídio Qualificado] AUTOR: Ministério Público - MPMG CPF: não informado RÉU: DONIZETE ALVES LIMA CPF: 268.853.168-90 SENTENÇA I – RELATÓRIO Trata-se de ação pública incondicionada proposta pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, por intermédio do seu representante, no uso de suas atribuições legais e constitucionais (art.129, inc. I, da CRFB), em desfavor do acusado DONIZETE ALVES LIMA, qualificado nos autos, pela prática, em tese, da conduta descrita no artigo 121, §2°, inciso II do Código Penal. Narrou à denúncia que: Em 11 de janeiro de 2025, por volta de 17h50min, na zona rural de Januária/MG, o denunciado, consciente e voluntariamente, agindo com animus necandi, por motivo fútil, matou Aldemir Alves da Silva. Extrai-se dos autos que o denunciado e o ofendido, que eram primos e amigos, estavam na residência de Darlan de Abreu Oliveira fazendo uso de bebidas alcoólicas. Consta que, em certo momento, Aldemir cobrou de Donizete o pagamento de uma dívida relativa a uma carne de porco consumida no Natal de 2024, algumas semanas antes. Insatisfeito com a cobrança, o denunciado, munido de uma faca, desferiu um golpe na região epigástrica do abdômen da vítima, causando as lesões que foram a causa eficiente de sua morte, conforme laudo de necrópsia às fls. 65/68. Após a agressão, o denunciado evadiu do local, mas foi posteriormente localizado e preso em flagrante delito por policiais militares. A vítima, por seu turno, foi levada a um hospital, mas ainda no caminho veio a óbito. A denúncia veio acompanhada do APFD (ID 10377853120 - Pág. 1/9), BOPM (ID 10377853120 - Pág. 10/21), Laudo de levantamento pericial em local com suspeita de ter ocorrido crime contra a vida (ID 10377853120 - Pág. 74/77), Laudo de necrópsia da vítima (ID 10377853121 - Pág. 1/4). O acusado teve sua prisão em flagrante convertida em preventiva conforme decisão de ID 10377853121 - Pág. 23/26 proferida nos autos do APFD 5000147-41.2025.8.13.0352. A denúncia foi recebida em 27/01/2025, conforme decisão de ID 10379295369, sendo este o único marco interruptivo da prescrição até o momento (art.117, inciso I, do Código Penal). Na oportunidade, foi mantida a prisão preventiva do acusado. No ID 10387270131, Adelciana Alves da Silva, irmã da vítima, apresentou pedido de habilitação como assistente de acusação. Em manifestação de ID 10388040461, o Ministério Público não se opôs ao pedido de habilitação de assistente de acusação. O acusado foi pessoalmente citado em 30/01/2025 (ID 10382491186), e apresentou resposta à acusação no ID 10388969165, através da Defensoria Pública. Na oportunidade, se reservou no direito de combater o mérito no momento das alegações finais, e arrolou as mesmas testemunhas da acusação. Decisão de ID 10389274339, deferindo o pedido de habilitação da assistente de acusação. Na oportunidade, afastadas as hipóteses de absolvição sumária, foi determinada a designação de audiência de instrução e julgamento. Realizada audiência de instrução e julgamento em 25/02/2025 (ID 10432014301), foram ouvidas 7 (sete) testemunhas arroladas pela acusação em comum com a defesa, na seguinte ordem: os policiais militares Jorge Luís Magalhães Leite, Rafael Ferreira Lima da Silva, Gilberto Ferreira da Silva e Pedro Menino Barbosa Júnior, o Sr. Darlan de Abreu Oliveira, Odenilson Fiuza Oliveira e a Sra. Dilma Alves da Silva, conforme registro audiovisual. Ao final, foi colhido o interrogatório do réu. O Ministério Público, apresentou suas derradeiras alegações, de forma escrita (ID 10440013586), pugnado pela pronúncia do acusado, a fim de que seja levado a julgamento perante o Tribunal do Júri Popular desta Comarca, para que, ao final, seja condenado. A defesa em sede de alegações finais, sob a forma de memoriais escritos (ID 10469783946), pugnou pela absolvição sumária do acusado, em razão da excludente de legitima defesa. Subsidiariamente, pela desclassificação do delito para lesão corporal seguida de morte. Em caso de pronúncia, pelo decote da qualificadora do motivo fútil. Por fim, requereu a revogação da prisão preventiva do acusado, subsidiariamente, pela fixação de medidas cautelares. Ao final, os autos vieram conclusos para julgamento. Eis a síntese relevante da marcha processual. Passo a externar a resposta jurisdicional. II – FUNDAMENTAÇÃO Não há preliminares a serem decididas ou nulidades a serem sanadas. Presentes os pressupostos de constituição válida e regular do processo, assim como as condições da ação, passo ao mérito. Ressalto, de início, que a pronúncia é a decisão interlocutória mediante a qual o magistrado declara a viabilidade da acusação, admitindo-a ou não para julgamento pelo Júri. Nesse ponto, Mirabete, in Processo Penal, 4ª ed., Editora Atlas, São Paulo, 1995, p. 480, preleciona: A sentença de pronúncia, portanto, como decisão sobre a admissibilidade da acusação, constitui juízo fundado de suspeita, não o juízo de certeza que se exige para a condenação. Daí a incompatibilidade do provérbio in dubio pro reo com ela. É a favor da sociedade que nela se resolvem as eventuais incertezas propiciadas pela prova. A inversão da regra in dubio pro reo para in dubio pro societate. Em síntese, como se extrai do art. 5º, XXXVIII, da Constituição Federal, o Tribunal do Júri é o juízo natural para apreciação e julgamento dos processos relativos a crimes dolosos contra a vida, tentados ou consumados. Dessa forma, não deve o juiz sumariante imiscuir-se nos limites de sua jurisdição soberana, limitando-se, quando da pronúncia, a reconhecer sucintamente a existência de provas da materialidade e indícios suficientes de autoria ou participação do acusado para a prática criminosa. Nos termos do § 1º do art. 413 do CPP: A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena. Nesse contexto, passo ao exame dos fatos. A materialidade do delito encontra-se devidamente comprovada pelo APFD (ID 10377853120 - Pág. 1/9), BOPM (ID 10377853120 - Pág. 10/21), Laudo de levantamento pericial em local com suspeita de ter ocorrido crime contra a vida (ID 10377853120 - Pág. 74/77), Laudo de necrópsia da vítima (ID 10377853121 - Pág. 1/4), que atestou a causa da morte como choque hipovolêmico, consequente a traumatismo abdominal por instrumento perfurocortante, devido agressão por arma branca. Quanto aos indícios de autoria, encontram-se amparados no conjunto probatório reunido nos autos, além dos depoimentos dos policiais civis que atuaram na investigação, prestados em juízo, que constituem provas suficientes a, neste momento, admitir que o acusado seja submetido a julgamento perante o Júri. Vejamos. Depoimento do policial militar Jorge Luís Magalhães Leite: […] que no dia dos fatos tomou conhecimento de um homicídio ocorrido na zona rural de Januária, no povoado conhecido como Araçá; que a vítima foi morta com uma faca; que no local colheram informações de quem seria o autor; que deslocaram-se até a residência do denunciado, onde receberam informação de que ele havia fugido para uma área de mata nos fundos da casa; que realizaram buscas na mata, tendo o réu retornado para a residência, onde foi abordado e preso; que o motivo da briga teria sido uma dívida relacionada à compra de carne, não paga pelo réu, ocorrida próximo ao Natal; que o acusado alegou que a vítima teria iniciado a agressão e então teria revidado utilizando a faca da vítima; que no momento da prisão o réu não apresentava ferimentos aparentes; que havia um morador na residência que não presenciou o momento do crime, mas viu o corpo da vítima no chão após a fuga do réu; que o réu aparentava estar embriagado; que não foi apreendida a faca utilizada no crime; que no local havia sinais de luta, como galhos quebrados e o chão amassado; que o local da briga foi no quintal e terminou na área plantação de mandioca; que a relação entre vítima e réu era de conhecidos e amigos. Depoimento do policial militar Rafael Ferreira Lima da Silva: […] que no dia do crime estavam em serviço na cidade de Januária e foram informados do homicídio; que a vítima e o réu tiveram um desentendimento, possivelmente por dívida antiga relacionada à compra de carne ou animal; que a vítima teria agredido o réu, que revidou com uma facada; que a vítima foi socorrida, mas não resistiu; que o réu foi localizado próximo à residência, escondido na mata; que não observou hematomas no réu; que o réu confirmou ter desferido a facada; que segundo o acusado eles teriam entrado em luta corporal; que não foi apresentada a faca do crime; que ouviram familiares e vizinhos que relataram que vítima e réu estavam juntos e começaram a discutir e iniciaram com as agressões que culminaram na facada; que quando chegaram ao local a vítima já não estava mais, que foi socorrida e faleceu a caminho do hospital; que no local dos fatos tinham algumas marcas de sangue, sem sinais de luta corporal; que o local do crime era uma área aberta com uma plantação espaçada; que a dívida mencionada era antiga, possivelmente superior a um ano; que não houve testemunhas presenciais da luta corporal, apenas ouviram a discussão; que o réu não apresentou resistência após ser localizado; que o réu aparentava estar embriagado; que vítima e réu eram conhecidos e amigos. Depoimento do policial militar Gilberto Ferreira da Silva: [...] que participou apenas da condução do réu para a delegacia, não tendo estado no local do crime; que o réu estava embriagado e sem lesões aparentes durante a condução; que o réu estava confuso e relatou que estava bebendo com um primo, com quem teve desentendimento e desferiu a facada; que o réu tomou a faca do primo, que era a vítima; que o réu não detalhou o motivo do desentendimento. Depoimento do policial militar Pedro Menino Barbosa Júnior: […] que teve ciência do homicídio por meio do hospital municipal; que a vítima foi socorrida com vida e consciente, mas no percurso perdeu a consciência; que relatou que foi uma briga entre 2 primos; que o acusado foi encontrado em uma região de mata; que a briga ocorreu entre dois primos; que a motivação foi uma dívida antiga relacionada à compra de costelinha de porco, não paga pelo réu; que ambos estavam ingerindo bebida alcoólica; que o assunto veio a tona e houve agressões mútuas; que o acusado pegou a faca e atingiu a vítima; que o réu estava embriagado; que os fatos ocorreram numa zona rural distante de Januária; que o acusado apresentava sinais de agressão, como olho roxo e marca de paulada nas costas; que o local da luta foi uma plantação de mandioca; que havia marcas de luta corporal no local, com marcas de sangue e pés de mandioca quebrados no local; que o local foi mostrado à perícia, porém não preservado. Depoimento da testemunha Darlan de Abreu Oliveira: […] que é primo do réu; que no dia do crime estava com a vítima Aldemir e o acusado, consumindo bebida alcoólica; que a discussão entre réu e vítima foi motivada por dívida relacionada à compra de carne de porco, que teria sido vendida fiado; que a vítima matou um porco e Donizete comprou a carne; que a vítima queria receber o valor devido e Donizete não pagava, falava que era a mãe dele que ia pagar; que a dívida era recente, ocorrida próximo ao Natal de 2024; que eles estavam falando da dívida, mas com voz normal, não com voz agressiva; que o porco era do Aldemir e ele vendeu a carne fiado para Donizete; que presenciou os momentos anteriores à briga, quando ambos estavam bebendo e conversando; que foi para casa tomar um banho; que ouviu gritos e viu a mãe e o pai da vítima correndo atrás do réu, que estava com uma faca na mão; que ouviu os pais da vítima falando “mataram meu filho; que a briga ocorreu na plantação de mandioca próxima às residências; que havia marcas de sangue e pés de mandioca quebrados no local; que não presenciou o momento exato da agressão; que a faca utilizada no crime era pequena e estava em posse do réu no momento da fuga. Depoimento da testemunha Odenilson Fiuza Oliveira: […] que é primo do réu; que no dia do crime estava próximo ao local e ouviu relatos sobre a briga entre réu e vítima; que a vítima foi esfaqueada e socorrida, mas não resistiu; que o réu chegou ao hospital conversando normalmente; que não presenciou o momento da briga; que o réu não apresentou sinais visíveis de agressão; que o réu não relatou detalhes do ocorrido; que não sabe se havia outras pessoas no local além do réu e da vítima; que não conhece antecedentes criminais do réu; que vítima e réu eram amigos e conviviam normalmente; que a dívida que motivou a discussão era relacionada à compra de carne de porco; que o réu trabalhava como pedreiro; que o réu aparentava estar embriagado no momento da prisão. Depoimento da testemunha Dilma Alves da Silva: […] que Aldemir é seu filho; que Aldemir morava na casa da declarante; que não presenciou o momento dos fatos; que estava no quintal da residência quando escutou os gritos de seu marido; que foi até o local e seu filho estava caído e sangrando; que seu marido não viu o momento do crime; que perguntou a seu marido ‘quem fez esse serviço?’, e ele respondeu que foi Donizete; que a declarante perguntou a Donizete se ele ‘matou meu filho’, e ele respondeu ‘não, tia, não matei não’; que Donizete é seu sobrinho; que Darlan disse que não viu nada porque estava tomando banho; que não viu qualquer brincadeira com faca; que não sentiu falta de qualquer faca em sua residência; que Aldemir não andava com faca; que Donizete devia dinheiro a Aldemir, relativa a uma carne de porco. Em seu interrogatório, o réu Donizete Alves Lima optou por exercer o direito ao silêncio quanto aos fatos relacionados à acusação. Pois bem. In casu, restou demonstrada a materialidade delitiva e presentes indícios suficientes de autoria em desfavor de Donizete Alves Lima. O laudo de necrópsia atestou que Aldemir Alves da Silva veio a óbito por choque hipovolêmico causado por traumatismo abdominal provocado por instrumento perfuro-cortante, conclusão corroborada pela perícia de local, que registrou, no quintal e na plantação de mandioca, manchas de sangue, galhos quebrados e solo revolvido, indícios de luta corporal antecedendo o golpe fatal. Segundo consta dos autos, logo após o crime, o policial militar Jorge Luís Magalhães Leite compareceu ao endereço rural na Comunidade de Araçá e recebeu informação de populares sobre desentendimento relacionado à dívida de carne não paga, ocorrido próximo ao Natal de 2024. Em diligência, localizou o acusado escondido na mata dos fundos, com sinais de embriaguez, e ouviu dele a versão de que teria revidado à agressão inicial da vítima com a própria faca desta. Os Policiais Militares Rafael Ferreira Lima da Silva e Pedro Menino Barbosa Júnior, por sua vez, confirmaram a dinâmica dos fatos motivados pela cobrança de dívida, bem como a confissão parcial do réu, reforçando os indícios de autoria. Ainda, o policial Gilberto Ferreira da Silva relatou que o acusado, conduzido à delegacia, afirmou ter desferido o golpe após desentendimento com seu primo, sem, contudo, detalhar o motivo. No âmbito testemunhal, o depoimento de Darlan de Abreu Oliveira trouxe relevante contribuição ao afirmar que, antes da agressão, o réu e a vítima bebiam e conversavam “em tom normal”; ouvindo, em seguida, gritos, viu Donizete fugir segurando uma faca, enquanto os pais da vítima o perseguiam. Em juízo, Donizete Alves Lima exerceu o direito constitucional ao silêncio, abstendo-se de oferecer qualquer versão dos fatos. Contudo, na fase policial, ele fora ouvido e apresentou depoimento no qual alegou que Aldemir estaria “brincando com uma faca” e teria se autolesionado (ID 10377853120, p.68). Tal narrativa, além de inverossímil, choca-se com o conjunto probatório colhido em juízo, uma vez que nenhuma das testemunhas indicou ter visto a vítima manuseando ou portando faca em momento algum, limitando-se a relatar conflito corporal sem qualquer indício de autolesão voluntária. Dessa forma, a versão defensiva revela-se contraditória e desprovida de respaldo fático, reforçando o caráter deliberado da conduta homicida imputada ao réu. Quanto às teses defensivas, o artigo 415, IV, do Código de Processo Penal autoriza a absolvição sumária quando restar demonstrada causa de exclusão do crime, a exemplo da legítima defesa prevista no art.23 do Código Penal. Para tanto, é imprescindível comprovar que o agente agiu moderadamente, empregando apenas os meios necessários para repelir agressão atual ou iminente e injusta. No presente caso, porém, neste momento processual, não há prova cabal de que Donizete Alves Lima tenha sido surpreendido por agressão contemporânea e desproporcional que justificasse o uso da faca. Em nenhum dos depoimentos colhidos — policiais militares, familiares ou testemunhas — consta a existência de instrumento equivalente em poder de Aldemir ou de lesões defensivas compatíveis com ataque inicial da vítima. A versão defensiva de legítima defesa perde, portanto, seu lastro fático diante da ausência de evidências de agressão injusta e atual, de moderação dos meios usados e de proporcionalidade entre ofensa e reação. Resta, pois, incerta a alegação de que o réu teria buscado salvaguardar direito próprio ou de outrem, não sendo cabível a absolvição sumária nessa fase processual. Assim, com base na prova já colhida, não há como sustentar, de pronto, a buscada absolvição sumária, até porque, reitere-se, nesta fase procedimental, a dúvida não beneficia o acusado, cabendo ao Tribunal do Júri o cotejo dos termos da denúncia com o substrato fático trazido pela prova, o qual verificará a correção da narrativa ali exposta, isto é, sua identidade com a verdade dos fatos, emitindo, ao depois, soberanamente, sua decisão. Neste sentido é o entendimento do E. TJMG: EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - HOMICÍDIO QUALIFICADO - SENTENÇA DE PRONÚNCIA - INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA - MATERIALIDADE DELITIVA DEMONSTRADA - ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA - INVIABILIDADE - LEGÍTIMA DEFESA - AUSÊNCIA DE PROVA INSOFISMÁVEL DA EXCLUDENTE ALEGADA - MATÉRIA A SER SUBMETIDA À APRECIAÇÃO DO CONSELHO DE SENTENÇA - DECOTE DAS QUALIFICADORAS - INADMISSIBILIDADE - TEMAS A SEREM SUBMETIDOS À APRECIAÇÃO DO CONSELHO DE SENTENÇA. 1. A decisão de pronúncia, por sua natureza mesma, encerra mero juízo de admissibilidade da denúncia, bastante que é para sua prolação a demonstração da materialidade e indícios de autoria delitiva, não podendo o juiz togado, neste momento procedimental, proceder a exame aprofundado dos elementos de convicção existentes, sob pena de inaceitável invasão de competência. 2. Para a absolvição sumária amparada pela excludente de ilicitude da legítima defesa é necessária a comprovação induvidosa de que o agente, usando moderadamente dos meios necessários, agiu para repelir injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem, causada pela vítima, de modo a justificar a conduta perpetrada, o que inocorre na espécie. 3. Ainda que haja dúvida acerca da existência de intenção homicida do agente, ao Tribunal do Júri cabe saná-la, emitindo o Conselho de Sentença soberanamente sua decisão. 4. A dicção final sobre a configuração das qualificadoras, não sendo elas manifestamente improcedentes, cabe ao Conselho de Sentença, que deve apreciar o caso em sua plenitude, já que a ele incumbe por força constitucional a competência para julgar a prática de crimes dolosos contra a vida, esteja embalada ou não por circunstâncias que qualificam o crime. 5. Nos termos da Súmula 64 deste Egrégio Tribunal: "Deve-se deixar ao Tribunal do Júri a inteireza da acusação, razão pela qual não se permite decotar qualificadoras na fase de pronúncia, salvo quando manifestamente improcedentes". (TJMG - Rec em Sentido Estrito 1.0000.24.527088-9/001, Relator(a): Des.(a) Paulo Calmon Nogueira da Gama , 7ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 11/06/2025, publicação da súmula em 11/06/2025) – grifei. Ademais, a desclassificação do homicídio para lesão corporal seguida de morte exige demonstrar que o agente não teve a intenção de matar, limitando-se a causar lesão de menor potencial ofensivo, cujo resultado morte seria imprevisível ou não desejado. Sob tais aspectos, a despeito dos argumentos trazidos pela defesa, tenho que as provas não são suficientes a ensejar, nesta fase processual, a desclassificação do delito de homicídio a ela imputado para o crime de lesão corporal seguida de morte, previsto no art. 129, §3º, do Código Penal. Importa elucidar que a incerteza da prova na fase do judicium accusationis não pode beneficiar ao acusado, devendo prevalecer o interesse da sociedade, razão pela qual descabida a pretensão defensiva. Com efeito, a decisão de pronúncia encerra mero juízo de admissibilidade da acusação, vigorando nesta fase o princípio do in dubio pro societate, reservando-se, pois, ao Tribunal do Júri - juiz natural para o julgamento dos delitos em apreço - o exame mais aprofundado sobre as discussões meritórias. Ainda que se tenha dúvidas acerca da presença do animus necandi, a pronúncia é cabível, pois, nesta fase não se exige a certeza absoluta dos fatos, bastado a existência de indícios suficientes de autoria e materialidade do crime, conforme ocorre no caso em tela. Desse modo, caberá apenas ao Júri decidir sobre a questão, prevalecendo nesta fase, portanto, o princípio do in dubio pro societate. Neste sentido é o entendimento do E. TJMG: EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - HOMICÍDIO QUALIFICADO - DECISÃO DE PRONÚNCIA - DESCLASSIFICAÇÃO PARA LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE - IMPOSSIBILIDADE - ANIMUS NECANDI VERIFICADO - DECOTE DAS QUALIFICADORAS DO MOTIVO FÚTIL E RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA - NÃO CABIMENTO - AUSÊNCIA DE MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA - INTELIGÊNCIA DA SÚMULA CRIMINAL Nº 64 DESTE TJMG. - Se de uma análise perfunctória dos autos, não exsurge prova irretorquível de que a recorrente não tinha a intenção de matar a vítima (animus necandi), não há que se falar em desclassificação do crime de homicídio qualificado tentado para o delito de lesão corporal seguida de morte. - Não exsurgindo prova irretorquível de que as qualificadoras do motivo fútil e recurso que dificultou a defesa da vítima são manifestamente improcedentes, não há falar em seu decote, nos termos da Súmula Criminal nº 64, deste TJMG. (TJMG - Rec em Sentido Estrito 1.0000.25.028470-0/001, Relator(a): Des.(a) Agostinho Gomes de Azevedo , 7ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 28/05/2025, publicação da súmula em 28/05/2025) – grifei. Portanto, reunidos, todos os elementos comprovam a materialidade delitiva e reúnem indícios suficientes de autoria, permitindo concluir, neste juízo fundado de suspeita, pela viabilidade do prosseguimento para julgamento pelo Tribunal do Júri, pois presentes os requisitos do art. 413, § 1º, do CPP, não sendo cabível a absolvição sumária ou a impronúncia. Destaca-se, que na fase de formação de culpa, não deve o juiz togado proferir minuciosa valoração da prova. Assim, a razoável dúvida surgida recomenda o envio do caso à apreciação do Tribunal do Júri, constitucionalmente competente para julgar os delitos dolosos contra a vida. Diante do exposto, e considerando que a decisão de pronúncia não se presta à completa resolução do mérito, mas sim à constatação dos elementos mínimos que autorizem a submissão do acusado ao Tribunal do Júri, reconheço a existência de prova da materialidade e de indícios suficientes de autoria, nos termos do artigo 413 do Código de Processo Penal. II.1 – Da qualificadora (art. 121, §2º, inciso II do CP) Não se pode olvidar que o decote de qualificadoras somente se justifica quando manifestamente improcedente, nos termos da Súmula 64 do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, o que não é o caso presente diante da clareza dos indícios que apontam para a existência de motivo fútil. No caso concreto, a qualificadora do inciso II — motivo fútil — revela-se na origem ínfima e desproporcional do conflito entre Donizete e Aldemir: cobranças de valor irrisório referente à compra de carne de porco, entre primos e amigos de convivência, incapazes de justificar um desfecho trágico quanto o desferimento de golpe letal. Ante ao exposto, por não ser manifestamente improcedente, entende-se viável a submissão da qualificadora prevista no artigo 121, §2º, inciso II, do Código Penal à apreciação do Conselho de Sentença. II.2 – Manutenção da Prisão Preventiva A manutenção da prisão preventiva do réu se impõe, diante da permanência dos pressupostos que justificaram sua decretação, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal. Posto isto, corroborando com o entendimento apresentado na decisão que decretou a prisão preventiva do acusado, vislumbro no caso em análise a manutenção da presença do fundamento descrito no artigo 312 do Código de Processo Penal, pois, a meu sentir, há clara ameaça à ordem pública com a liberdade do réu enquanto responde ao processo. Destaca-se que ficam superados os requisitos da prova da existência do crime e os indícios de autoria em razão da presente decisão de pronúncia, se fazendo presente o fumus comissi delicti, ou seja, o lastro indiciário mínimo de que necessita o juiz para a decretação de uma medida cautelar. Ratifico, ainda, que a segregação preventiva do acusado se mostra imprescindível para a segurança e tranquilidade da sociedade, uma vez que, o fato tal como cometido, com certeza abala sobremaneira toda a sociedade, causando desordem e insegurança, notadamente pela ação do acusado ocorrer em comunidade rural de pequeno porte. Sob essa perspectiva, o Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais entende: EMENTA: HABEAS CORPUS - HOMICÍDIO QUALIFICADO POR MOTIVO FÚTIL E RECURSO QUE DIFICULTOU OU TORNOU IMPOSSÍVEL A DEFESA DO OFENDIDO -REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA - IMPOSSIBILIDADE - DECISÃO FUNDAMENTADA NOS ARTS.312 E 313 DO CPP - GRAVIDADE CONCRETA DO DELITO - RISCO À ORDEM PÚBLICA - INADEQUAÇÃO DAS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO - OFENSA AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA - NÃO OCORRÊNCIA - NECESSIDADE E ADEQUAÇÃO DA MEDIDA DE EXCEÇÃO EVIDENCIADOS -- ORDEM DENEGADA. 1. Atendidos os requisitos instrumentais do art. 313 do CPP, bem como presentes os pressupostos e ao menos um dos requisitos do art. 312 do CPP (garantia da ordem pública), deve ser a prisão preventiva mantida, não havendo que se falar em sua revogação, ou mesmo em substituição pelas medidas cautelares diversas da prisão previstas no art. 319 do CPP, pelo fato de estas se revelarem absolutamente insuficientes ante a gravidade concreta do delito. [...] (TJMG - Habeas Corpus Criminal 1.0000.23.196682-1/000, Relator(a): Des.(a) Guilherme de Azeredo Passos , Relator(a) para o acórdão: Des.(a) Valladares do Lago , 4ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 06/09/2023, publicação da súmula em 11/09/2023) – (grifou-se) EMENTA: HABEAS CORPUS - HOMICÍDIO TENTADO QUALIFICADO PELO MOTIVO FÚTIL E PELO RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DO OFENDIDO - NEGATIVA DE AUTORIA E RECONHECIMENTO DE LEGÍTIMA DEFESA - IMPROPRIEDADE DA VIA - REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA - IMPOSSIBILIDADE - DECISÃO FUNDAMENTADA – GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA - GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA - MODO DE EXECUÇÃO DO DELITO E FUTILIDADE DO MOTIVO DO CRIME. 1. A negativa de autoria e o reconhecimento de Causa Excludente de Ilicitude, por demandarem dilação probatória, são incompatíveis com os limites estreitos do Habeas Corpus. 2. A Prisão Preventiva encontra-se fundamentada na gravidade concreta da conduta, tendo em vista que a Vítima teria sido atingida por golpes de arma branca, enquanto estava de costas para o Paciente, aliado ao Motivo Fútil do Crime, consubstanciado no fato de que o Ofendido teria empurrado o Agente, durante briga generalizada em festividade, impondo-se a manutenção da segregação cautelar. 3. A garantia da ordem pública e o perigo gerado pelo estado de liberdade são requisitos que, quando presentes, indicam a insuficiência e inadequação de Medidas Cautelares Diversas da Prisão. (TJMG - Habeas Corpus Criminal 1.0000.23.180077-2/000, Relator(a): Des.(a) Octavio Augusto De Nigris Boccalini , 3ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 05/09/2023, publicação da súmula em 11/09/2023) – (grifou-se) Destarte, concluo que não houve nenhuma alteração no contexto fático em que se baseou a decretação da custódia cautelar, de modo que a manutenção da prisão preventiva é medida que se impõe. Com efeito, a violência empregada, a natureza das lesões e a motivação banal do delito evidenciam a periculosidade do agente e o risco concreto à ordem pública, recomendando, portanto, a segregação cautelar como forma de prevenir a reiteração delitiva e resguardar a eficácia do processo penal, nos termos do art. 312 do CPP. Além disso, está preenchido os requisitos do artigo 313, inciso I, do Código de Processo Penal, uma vez que se trata de crime doloso punido com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos, o que autoriza a custódia cautelar. Dessa forma, considerando a prova da materialidade do crime, os indícios suficientes de autoria, a garantia da ordem pública e a necessidade de assegurar a aplicação da lei penal, nego ao réu o direito de recorrer em liberdade, determinando a manutenção de sua prisão preventiva, nos termos do art. 413, § 3º, do Código de Processo Penal. III – DISPOSITIVO Com esses fundamentos, com amparo no artigo 413 do Código de Processo Penal, PRONUNCIO o acusado DONIZETE ALVES LIMA, pela infração do art. 121, §2º, inciso II do Código Penal, para que seja submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri da Comarca de Januária/MG. Preclusa a presente decisão de pronúncia, intimem-se o Ministério Público e a Defesa, para, no prazo de 5 (cinco) dias, apresentarem rol de testemunhas que irão depor em plenário, até o máximo de 5 (cinco), oportunidade em que poderão juntar documentos e requerer diligências, na forma do art. 422, do CPP. Em seguida, conclusos para as deliberações previstas no art. 423 do CPP. Publique-se. Intimem-se, observando-se o disposto no artigo 420 do Código de Processo Penal. Cumpra-se. Januária, data da assinatura eletrônica. RODRIGO DA SILVEIRA Juiz de Direito Vara Criminal, de Execuções Penais, da Infância e Juventude Infracional e Precatórias Criminais da Comarca de Januária
Conteúdo completo bloqueado
Desbloquear