Processo nº 5000726-67.2023.4.03.6205
ID: 313588493
Tribunal: TRF3
Órgão: 1º Juiz Federal da 1ª TR MS
Classe: RECURSO INOMINADO CíVEL
Nº Processo: 5000726-67.2023.4.03.6205
Data de Disponibilização:
02/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
PODER JUDICIÁRIO Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul 1ª Turma Recursal da Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5…
PODER JUDICIÁRIO Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul 1ª Turma Recursal da Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5000726-67.2023.4.03.6205 RELATOR: 1º Juiz Federal da 1ª TR MS RECORRENTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL PROCURADOR: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL RECORRIDO: CYNTHIA CAROLINA PEREIRA DE BENITEZ Advogado do(a) RECORRIDO: ALEXANDRE LUIS JUDACHESKI - RS66424-A OUTROS PARTICIPANTES: RELATÓRIO Dispensado o relatório (artigo 38 da Lei 9.099/95 c.c. artigo 1º da Lei 10.259/2001). PODER JUDICIÁRIO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE MATO GROSSO DO SUL RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5000726-67.2023.4.03.6205 RELATOR: 1º Juiz Federal da 1ª TR MS RECORRENTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL PROCURADOR: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL RECORRIDO: CYNTHIA CAROLINA PEREIRA DE BENITEZ Advogado do(a) RECORRIDO: ALEXANDRE LUIS JUDACHESKI - RS66424-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Tempestividade O recurso é próprio e tempestivo, devendo ser conhecido. Mérito Trata-se de recurso interposto pela parte ré em face de sentença que julgou parcialmente procedente o pedido inicial, condenando a CEF ao pagamento de indenização por danos materiais e morais. Nas razões recursais, alegou: (i) ilegitimidade passiva; (ii) prescrição trienal; e (ii) inexistência de danos morais. A parte autora não apresentou contrarrazões. É a síntese do necessário. Decido. A respeito do mérito, consigno, de pronto, que o art. 46 combinado com o parágrafo 5º do art. 82, ambos da Lei nº 9.099/95, facultam à Turma Recursal dos Juizados Especiais a remissão aos fundamentos adotados na sentença. Por sua vez, o mencionado parágrafo 5º do artigo 82 da Lei nº 9.099/95, dispõe “se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão.”. O Colendo Supremo Tribunal Federal já reconheceu a constitucionalidade, vale dizer, a não violação ao dever constitucional de motivação das decisões judiciais (art. 93, inc. IX, da CF/88), da utilização da denominada técnica da fundamentação per relationem, consoante se infere na leitura do seguinte precedente da jurisprudência da excelsa corte, verbis: “(...) O Supremo Tribunal Federal tem salientado, em seu magistério jurisprudencial, a propósito da motivação “per relationem”, que inocorre ausência de fundamentação quando o ato decisório – o acórdão, inclusive – reporta-se, expressamente, a manifestações ou a peças processuais outras, mesmo as produzidas pelo Ministério Público, desde que, nestas, se achem expostos os motivos, de fato ou de direito, justificadores da decisão judicial proferida. Precedentes. Doutrina. O acórdão, ao fazer remissão aos fundamentos fático-jurídicos expostos no parecer do Ministério Público – e ao invocá-los como expressa razão de decidir –, ajusta-se, com plena fidelidade, à exigência jurídico-constitucional de motivação a que estão sujeitos os atos decisórios emanados do Poder Judiciário (CF, art. 93, IX).” (ADI 416 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 16/10/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-215 DIVULG 31-10-2014 PUBLIC 03-11-2014) grifei. Nessa toada, no caso dos autos, a sentença, no mérito, não merece reparos, uma vez que se fundamentou em norma jurídica e orientação jurisprudencial aplicáveis à espécie. No tocante à alegação de prescrição, anoto que, de acordo com o entendimento do STJ, aplica-se o prazo geral de prescrição de 10 anos (artigo 205, do CC), nas controvérsias relacionadas à responsabilidade civil decorrente de inadimplemento contratual por atraso na entrega de obra (EREsp n. 1.281.594/SP, relator Ministro Benedito Gonçalves, relator para acórdão Ministro Felix Fischer, Corte Especial, julgado em 15/5/2019, DJe de 23/5/2019.) Considerando a data prevista para entrega do imóvel (12/05/2018), a data da efetiva entrega (02/2019) e a data do ajuizamento da ação (29/06/2023), fica claro que não houve prescrição no caso. As demais insurgências aventadas nas razões recursais foram enfrentadas pelo juízo de origem, conforme se verifica na fundamentação da r.sentença que colaciono: “(...) PRELIMINARMENTE PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL A requerida levanta a preliminar de ilegitimidade passiva. Esclarece que o caso é de um financiamento pela CAIXA ligado ao FDS, não tendo sido ela responsável pela construção, projetos ou contratação da obra. No seu entendimento, a responsabilidade pelo projeto e execução fica a cargo do profissional técnico responsável, do construtor ou do proprietário do imóvel. No caso, a CAIXA atuaria apenas como instituição financeira, concedendo crédito ao mutuário, com o imóvel permanecendo como garantia até o pagamento integral do contrato. No que se refere a ilegitimidade da CEF para figurar no polo passivo da demanda, verifico existir liame entre o financiamento feito para a construção da obra e a entrega do imóvel. No caso concreto, a CEF não figura apenas o agente financeiro em sentido estrito, mas como agente financiador da construção vinculado ao cronograma físico-financeiro, envolvendo responsabilidade técnica pela obra, à medida que fiscaliza a construção e faz o repasse dos valores à Construtora gradualmente, de acordo com a execução das obras. Também se verifica in casu que o contrato de compra e venda do imóvel foi firmado entre particulares e também com a CEF, que emprestou o dinheiro para parte autora (qualificada como compradora), com participação no financiamento da obra. Essa é a interpretação pacificada pelo E. Superior Tribunal de Justiça: “EMENTA: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO COMINATÓRIA C/C PEDIDO CONDENATÓRIO - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PROVIMENTO AO RECLAMO DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL PARA EXCLUÍ-LA DA LIDE SECURITÁRIA - PRECEDENTES DO STJ. IRRESIGNAÇÃO DA SEGURADORA. 1. A alegação de incompetência da Justiça Estadual constitui mera inovação recursal, atraindo, no ponto, o enunciado da Súmula 282 do STF, ante a ausência manifesta de prequestionamento, porquanto não teve o competente juízo de valor aferido, nem interpretada ou a sua aplicabilidade afastada ao caso concreto pelo Tribunal de origem. 2. Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, "o agente financeiro somente tem legitimidade passiva ad causam para responder solidariamente com a seguradora, nas ações em que se pleiteia a cobertura por vícios de construção do imóvel, quando também tenha atuado na elaboração do projeto, na execução ou na fiscalização das obras do empreendimento" ( AgRg no REsp 1.522.725/PR, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/02/2016, DJe 22/02/2016). 3. Não cabe a majoração da verba honorária quando esta instância especial é inaugurada ainda na vigência do CPC/73, mesmo que o agravo em recurso especial tenha sido interposto sob a égide do novo CPC. Precedentes. 4. Agravo interno desprovido.” (STJ, AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL nº 1.358.232, Relator Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, DJE DATA:29/06/2018) – Grifou-se. Em face do exposto, afasto a preliminar alegada, reconhecendo a legitimidade da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF para figurar no pólo passivo da ação. – Grifo nosso. Assim, conforme depreende-se dos termos do contrato exibido em Num. 292730600, a CEF obrigou-se a repassar os valores das parcelas, mediante acompanhamento de engenheiro indicado pela Caixa, nos termos de sua cláusula 5.5. Portanto, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva da CEF. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO DA ENTIDADE ORGANIZADORA OU DA CONSTRUTORA Afirma a requerida que a Entidade Organizadora Associação de Apoio à Habitação Popular e Reforma Urbana do Estado de Mato Grosso do Sul tinha a responsabilidade pela escolha da construtora. Também afirma que a construtora teve responsabilidade pela entrega atrasada do imóvel, quando a CAIXA, em seu papel de agente financeiro, representante do Fundo de Desenvolvimento Social (FDS) e executora das políticas públicas do governo federal, não assumiria essas responsabilidades. Assim, a parte ré requer a integração da lide na condição de litisconsortes passivos necessários tanto a Entidade Organizadora Associação de Apoio à Habitação Popular e Reforma Urbana do Estado de Mato Grosso do Sul, quanto a construtora responsável pela obra. Pois bem. A integração acima referida é desnecessária. A responsabilidade solidária entre o agente financeiro e a construtora possibilita que ambos sejam responsabilizados plenamente e de maneira individual pelo total do dano. O autor tem a liberdade de acionar judicialmente qualquer um dos responsáveis, em parte ou na totalidade, sem prejuízo de uma possível ação regressiva. Assim, o mutuário pode escolher processar tanto a Caixa quanto a construtora em litisconsórcio facultativo ou apenas uma das partes. No Egrégio TRF 3ª Região é entendimento de que é desnecessário o litisconsórcio passivo: E M E N T A QUALIDADE DE PRODUTOS E SERVIÇOS, PREVENÇÃO E REPARAÇÃO DOS DANOS – PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA - VÍCIOS CONSTRUTIVOS - PARCIALMENTE PROCEDENTE – RECURSO DE AMBOS – ARGUIÇÃO DE EXCEÇÃO DO CONTRATO NÃO CUMPRIDO ARGUIDA EM GRAU DE RECURSO NÃO CONHECIDA - LEGITIMIDADE DA CEF PARA FIGURAR NO POLO PASSIVO DA LIDE – DESNECESSIDADE DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO – INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO – DANOS MATERIAIS EXISTENTES E CORRETAMENTE APURADOS EM PERÍCIA JUDICIAL E LIMITADOS AO PEDIDO - EXTENSÃO DOS DANOS DIFICULTAM SOBREMANEIRA a HABITABILIDADE E O USO A QUE SE DESTINA - SITUAÇÃO QUE ULTRAPASSA O MERO ABORRECIMENTO – DANOS MORAIS FIXADOS DE ACORDO CRITÉRIOS LEGAIS – NEGADO PROVIMENTO AOS RECURSOS (TRF-3 - RECURSO INOMINADO CÍVEL: 0004007-18.2021.4.03.6325, Relator: NILCE CRISTINA PETRIS, Data de Julgamento: 11/12/2023, 3ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo, Data de Publicação: DJEN DATA: 18/12/2023) A jurisprudência regional tem por base o julgamento de situações semelhantes no C. STJ, conforme depreende-se a seguir: VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. DANOS MATERIAIS E MORAIS. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. GESTORA DO FUNDO DE ARRENDAMENTO RESIDENCIAL (FAR). ETAPA 1. GESTORA DE POLÍTICA PÚBLICA. LEGITIMIDADE PASSIVA. 1. Pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a Caixa Econômica Federal "somente tem legitimidade passiva para responder por vícios, atraso ou outras questões relativas à construção de imóveis objeto do Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida se, à luz da legislação, do contrato e da atividade por ela desenvolvida, atuar como agente executor de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa renda, sendo parte ilegítima se atuar somente como agente financeiro" (AgInt no REsp n.1.646.130/PE, relator Ministro Luís Felipe Salomão, 4T, DJe 4/9/2018). Igualmente: AgInt nos EDcl no REsp 1.907.783/PE, relator Ministro Antônio Carlos Ferreira, 4T, DJe 13/08/2021; AgInt no AREsp 1.791.276/PE, relator Ministro Raul Araújo, 4T, DJe 30/06/2021; AgInt no AREsp 1.494.052/MT, Ministro Marco Aurélio Bellizze, 3T, DJe 06/04/2021. 2. A parte autora não juntou o contrato celebrado com a Caixa Econômica Federal. Todavia, em atenção à presunção de boa-fé, admite-se como verdadeira a afirmação de que o contrato tem cobertura do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR). Assim, o contrato em discussão, trata de empreendimento habitacional no Programa Minha Casa Minha Vida PMCMV, tem como contratante o FAR, representado pela Caixa Econômica Federal, situação que configura a legitimidade daquela empresa pública para constar no polo passivo da ação (TRF1, AC 1007261-76.2020.4.01.3801, relator, relator Desembargador Federal Jamil Rosa de Jesus Oliveira, 6T, PJe 23/11/2021). Confiram-se também: AC 1008754-30.2020.4.01.3400, relator Juiz Federal Convocado Paulo Ricardo de Souza Cruz, 5T, PJe 07/04/2022; AC 1011661-36.2020.4.01.3801, relator Desembargador Federal Souza Prudente, 5T, PJe 11/03/2022; AC 1030333-95.2020.4.01.3800, relator Desembargador Federal Carlos Augusto Pires Brandão, 5T, PJe 04/02/2022; AC 1035770-65.2020.4.01.3300, relator Juiz Federal Convocado Gláucio Maciel, 6T, PJe 09/12/2021; AC 1005216-90.2020.4.01.3901, relatora Juíza Federal Convocada Kátia Balbino de Carvalho Ferreira, 5T, PJe 30/11/2021; AC 1018823-24.2020.4.01.3400, relatora Desembargadora Federal Daniele Maranhão Costa, 5T, PJe 25/10/2021). 3. A responsabilidade é solidária (cf. AC 1018823-24.2020.4.01.3400, relatora Desembargadora Federal Daniele Maranhão Costa, 5T, PJe 25/10/2021; AC 1001301-79.2019.4.01.3800, relator Desembargador Federal Souza Prudente, 5T, PJe 10/09/2021), de modo que o mutuário pode ingressar em juízo contra a Caixa e a Construtora, em litisconsórcio, ou contra apenas uma dessas partes. Não há litisconsórcio necessário. 4. O fato de ter sido dispensada, neste momento, a juntada do contrato celebrado com a CEF, exclusivamente para o fim de verificação da legitimidade passiva, pelas razões supracitadas, não exime a parte autora de juntá-lo, caso o magistrado a quo o considere indispensável. 5. Provimento à apelação para anular a sentença, com vistas ao retorno dos autos à origem para prosseguimento da ação. (AC 1001928-30.2021.4.01.3310, DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA, TRF1 - SEXTA TURMA, PJe 02/05/2022 PAG.)” Embora em caso de tal jaez a lei permita que o autor intente a ação contra todos os responsáveis pelo evento dito danoso, a propositura de apenas uma demanda com a formação de litisconsórcio passivo facultativo somente é possível perante o juiz absolutamente competente para o exame da causa proposta contra todos os réus, o que não é a hipótese dos autos. Nesse sentido: “Processo AC 200334000412133 AC - APELAÇÃO CIVEL - 200334000412133 Relator (a) JUIZ FEDERAL MARCELO VELASCO NASCIMENTO ALBERNAZ (CONV.) Sigla do órgão TRF1 Órgão julgador QUINTA TURMA Fonte DJ DATA:29/08/2005 PÁGINA:129 Decisão A Quinta Turma, por unanimidade, negou provimento ao apelo dos autores. Portanto, rejeito a preliminar de litisconsórcio passivo necessário. MÉRITO Questão principal Dos danos materiais e lucros cessantes De início, esclareço que, apesar de a autora ter denominado o dano material como lucro cessante, o caso é de dano emergente. Ocorre que os danos são relativos ao momento anterior ao recebimento do imóvel, o que não descaracteriza a sua pretensão de ressarcimento da danos materiais. O dano material é composto por lucro cessante (perda de lucros futuros) e danos emergentes (gastos imediatos decorrentes do dano), ambos visam compensar a vítima pelos prejuízos financeiros, nos termos dos artigos 402 a 405. Para a configuração da responsabilidade civil são imprescindíveis: a conduta comissiva ou omissiva, presença de culpa ou dolo (que não precisa ser comprovada na objetiva), relação de causalidade entre a conduta e o resultado e a prova da ocorrência do dano. O artigo 186 do Código Civil preceitua que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Nos dizeres de Sergio Cavalieri Filho, (...) não basta que o agente tenha praticado uma conduta ilícita; tampouco que a vítima tenha sofrido um dano. É preciso que esse dano tenha sido causado pela conduta ilícita do agente, que exista entre ambos uma necessária relação de causa e efeito. (...) O conceito de nexo causal não é jurídico; decorre das leis naturais. É o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado. Salienta-se, assim, que o nexo de causalidade é elemento indispensável em qualquer espécie de responsabilidade civil. O nexo causal é um elemento referencial entre a conduta e o resultado. Por ele podemos concluir quem foi o causador do dano e, consequentemente, quem terá o dever de repará-lo, pois ninguém deve responder por aquilo a que não tiver dado causa, segundo fundamental princípio do Direito. Na lição de FLÁVIO TARTUCE em seu livro Direito Civil, volume 2: direito das obrigações e responsabilidade civil, 3ª edição, editora Saraiva, 2008, “o nexo de causalidade ou nexo causal constitui o elemento imaterial ou virtual da responsabilidade civil, constituindo relação de causa e efeito entre a conduta culposa ou o risco criado e o dano suportado por alguém”. No caso em apreço, sustenta a parte autora, em breve síntese, ter pactuado contrato de mútuo habitacional pelo Programa "Minha Casa, Minha Vida", tendo sido imitida na posse de imóvel localizado em fevereiro de 2019. Alega que o imóvel foi entregue com 09 (nove) meses de atraso. Pois bem. Nos contratos pelo Sistema Financeiro da Habitação, existe uma participação incentivada do Poder Público, responsável pelo funcionamento dos programas de habitações populares. O agente financeiro entra como delegado do órgão central que gerencia o Sistema Financeiro da Habitação, sendo que nessa condição o agente financeiro compromete-se a obedecer as regras do Sistema Financeiro da Habitação, ou seja, ele participa como agente descentralizado do órgão público gestor do Sistema. Assim, as regras emanadas do órgão gestor garantem a credibilidade das operações, particularmente considerando o interesse público envolvido no negócio de aquisição de casas pela população de baixa renda. O Sistema Financeiro da Habitação não decorre de interpretação construtiva dos Tribunais. É uma criação legal. A Lei nº 4.380/64, no art. 8º, comanda que o “O Sistema Financeiro da Habitação, destinado a facilitar e promover a construção e a aquisição da casa própria ou moradia, especialmente pelas classes de menor renda da população”, será integrado, dentre outros órgãos e entidades, pelas sociedades de crédito imobiliário (inciso III). E, ainda, prescreve que o órgão central do Sistema, o então Banco Nacional da Habitação, “poderá instalar agências em todo o território nacional, mas operará de preferência, usando como agentes e representantes as Caixas Econômicas Federais e Estaduais, os bancos oficiais e de economia mista e as demais entidades integrantes do Sistema Financeiro da Habitação” (art. 16, parágrafo único). Com esse cenário, o contrato no Sistema Financeiro da Habitação tem a peculiaridade de alcançar o agente financeiro como co-responsável pelo negócio. Não se pode olvidar que, na hipótese dos autos, em se tratando de imóvel adquirido com recursos destinados ao Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), instituído pela Lei n. 11.977/2009, a Caixa Econômica Federal participa como gestora do aludido Programa. De acordo com a Lei 4.380/64, o Sistema Financeiro da Habitação é destinado a facilitar e promover a construção e a aquisição da casa própria ou moradia, especialmente pelas classes de menor renda da população, sendo integrado, dentre outros órgãos e entidades, pela Caixa. Desse modo, a competência do agente financeiro do Sistema Financeiro da Habitação relaciona-se ao fornecimento dos recursos ao construtor e a fiscalização da regular utilização de tais recursos. A regularidade dessa utilização, sendo assim, além de abranger a correta aplicação do numerário ao fim para o qual se destina, com observância das cláusulas pactuadas, engloba, também, o dever do agente financeiro de fazer com que o bem adquirido cumpra a função social inerente ao próprio Sistema Financeiro da Habitação, inserindo-se, aí, também a pontualidade na entrega do imóvel custeado com tais recursos, na defesa do interesse público que envolve negociações dessa natureza. A participação do Poder Público nos programas de habitações populares garante a credibilidade das operações, particularmente considerando o interesse público envolvido no negócio de aquisição de casas pela população de baixa renda. Em razão disso, o contrato no Sistema Financeiro da Habitação tem a peculiaridade de alcançar o agente financeiro como corresponsável pelo negócio. A responsabilidade da Caixa Econômica Federal, em tais casos, não se refere apenas à função de repassar os recursos, mas, também, a de fiscalizar a sua utilização, bem como o andamento da obra, para que tudo seja feito em obediência aos termos do contrato e da legislação correlata. Sendo assim, ao não adotar medidas necessárias ao regular andamento da obra, sendo omissa quanto ao atraso na entrega das unidades habitacionais pela construtora, foi configurado o descumprimento pela Caixa de sua função fiscalizatória, uma vez que sendo a referida obra parte integrante de um programa governamental, a fiscalização que lhe é cabível não se destina somente a resguardar os seus próprios interesses. No que tange à aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, o Superior Tribunal de Justiça, no exercício constitucional de uniformização da jurisprudência infraconstitucional, tem posicionamento “firme no sentido da incidência da legislação pró-consumidor aos contratos de financiamento e compra e venda de imóvel (contratos de adesão), vinculados ao Sistema Financeiro da Habitação (AgRg no REsp nº 802.206/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, DJ de 3.4.2006; REsp 642968/PR, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, DJ de 8.5.2006; AgRg no REsp nº 714.537/CE, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JÚNIOR, DJ de 13.6.2005; REsp nº 662.585/SE, DJ de 25.4.2005). (REsp 669.990/CE, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, 4ª Turma, julgado em 17/08/2006, DJ 11/09/2006, p. 289). Diante disso, a jurisprudência tem entendido pela possibilidade de aplicação do CDC aos contratos de financiamento firmados no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação, desde que comprovada a existência de ilegalidade ou abusividade a justificar a intervenção no contrato. Nos casos em que a jurisprudência reconhece a aplicação do CDC, suas regras só são aplicadas quando se têm presentes práticas de atos ilegais ou abusivos, ou eventual ônus excessivo, desvantagem exagerada, enriquecimento ilícito, ofensa aos princípios da boa-fé e da transparência, ou mesmo qualquer outra irregularidade capaz de saneamento pelas normas consumeristas, verificadas no presente caso pela mora na entrega de imóvel objeto do Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida, pelo que se reputa caracterizada como de consumo a relação entre o agente financeiro e os mutuários. Consta dos autos que a obra referente ao empreendimento em questão estava prevista inicialmente para ser entregue em maio de 2018, o que não aconteceu, tendo a Caixa Econômica concorrido para o não recebimento do imóvel no prazo adequado. Nesse ponto, há de se destacar que o fato deu-se por culpa da construtora, que atrasou a obra, e por má fiscalização da CEF. Com efeito, na espécie dos autos, restou caracterizada a inexecução do contrato nos moldes pactuados pelos promitentes-vendedores. Quanto ao cabimento dos aluguéis como lucros cessantes, a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que, descumprido o prazo para entrega do imóvel objeto do compromisso de compra e venda, é cabível o pagamento de indenização por lucros cessantes, sendo presumido o prejuízo. Confira-se, a propósito, o Tema 996 de seus recursos repetitivos: RECURSO ESPECIAL CONTRA ACÓRDÃO PROFERIDO EM INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS - IRDR. ART. 1.036 DO CPC/2015 C/C O ART. 256-H DO RISTJ. PROCESSAMENTO SOB O RITO DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA. CRÉDITO ASSOCIATIVO. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO. CONTROVÉRSIAS ENVOLVENDO OS EFEITOS DO ATRASO NA ENTREGA DO BEM. RECURSOS DESPROVIDOS. 1. As teses a serem firmadas, para efeito do art. 1.036 do CPC/2015, em contrato de promessa de compra e venda de imóvel em construção, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1,5, 2 e 3, são as seguintes: 1.1 Na aquisição de unidades autônomas em construção, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância. 1.2 No caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma. 1.3 É ilícito cobrar do adquirente juros de obra ou outro encargo equivalente, após o prazo ajustado no contrato para a entrega das chaves da unidade autônoma, incluído o período de tolerância. 1.4 O descumprimento do prazo de entrega do imóvel, computado o período de tolerância, faz cessar a incidência de correção monetária sobre o saldo devedor com base em indexador setorial, que reflete o custo da construção civil, o qual deverá ser substituído pelo IPCA, salvo quando este último for mais gravoso ao consumidor. 2. Recursos especiais desprovidos. ( REsp 1729593/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 25/09/2019, DJe 27/09/2019) Em razão de todo exposto, é cabível a condenação da parte ré, ao pagamento, pela não fruição do imóvel, desde a data prevista contratualmente para sua entrega - ora mantida em 0,5% por mês de atraso - incidente sobre o valor atualizado do imóvel - deve fluir até a efetiva entrega das chaves, em consonância. O valor do imóvel deve ser auferido com base em sua matrícula registral (Num. 292731751). Julgo procedente o pedido de condenação por danos materiais. Danos morais Há danos morais, não havendo que se falar em meros dissabores comuns na vida cotidiana. Destaco desde já não desconhecer a Tese firmada pela TNU no sentido de que “O dano moral decorrente de vícios de construção que não obstam a habitabilidade do imóvel não pode ser presumido (in re ipsa), devendo ser comprovadas circunstâncias que no caso concreto ultrapassam o mero dissabor da vida cotidiana por causarem dor, vexame e constrangimento, cuja gravidade acarreta abalo emocional, malferindo direitos da personalidade.” No presente caso, não se trata de vício de construção mas atraso na entrega, o que pode ser visto como transtorno muito pior, pois a autora caso confiasse totalmente no plano de entrega, não teria onde morar. Apesar do meu entendimento de que o dano moral não decorre exclusivamente da situação de dor, vexame ou constrangimento, havendo muitas outras situações que podem ensejá-lo sem que essas características estejam presentes (Enunciado 445 da V Jornada de Direito Civil), seguindo o entendimento acima transcrito, verifico ter a parte autora sofrido abalo emocional. A parte autora adquiriu, por meio de programa governamental destinado à população de baixa renda e, por isso, econômica e muitas vezes socialmente vulnerável, um imóvel, concretizando, ou buscando concretizar, um direito seu garantido constitucionalmente (artigo 6º, caput, da Constituição Federal). Confiando na eficiência da Administração (artigo 37, caput, da Constituição Federal), investiu suas economias que não garantem sequer o mínimo constitucionalmente previsto (artigo 7º, inciso IV, da Constituição Federal), na aquisição da moradia própria, vinculando-se a uma dívida de uma vida toda objetivando alguma segurança para a família. A par disso, viu-se envolvida em situação pior do que o de dano construtivo decorrente de deficiência no processo de escolha e/ou fiscalização pela CEF do trabalho que estava sendo desenvolvido pela construtora por ela selecionada, e sem muito poder de impugnação, seja por falha informacional, técnica ou ainda pela burocracia envolvida na solução da questão. Há ainda a questão da impossibilidade material de reparação dos danos de maneira voluntária, pois como já mencionado, as economias foram investidas no pagamento de prestações para uma vida toda. Afora isso, é inegável a perda do tempo útil do contratante ao ter que questionar judicialmente ou extrajudicialmente a falha na prestação do serviço pela Administração. Finalmente, entendo ter havido a quebra do contrato (a CEF deveria fiscalizar a qualidade da obra e atender a demanda relativa a vício construtivo, cuja presença restou demonstrada nos autos) e isso afetou o direito fundamental da parte autora não a um teto, mas a uma moradia digna, onde ela não sinta temor, desgosto ou ansiedade em permanecer diante dos reparos que deveriam ser feitos, ainda que isso não lhe retire de maneira absoluta seu local de residência. Provada a responsabilidade da parte ré e a lesão moral da parte autora bem como o nexo de causalidade entre ambos, há que se indenizar o dano moral sofrido. No que diz respeito ao quantum indenizatório da reparação por dano extrapatrimonial, a indenização deve ser suficiente para compensar a vítima pelo dano sofrido e, concomitantemente, sancionar o causador do prejuízo de modo a evitar futuros desvios, respeitado o binômio proporcionalidade/razoabilidade. É o caráter punitivo-reparador que encerra esse modelo indenizatório (punitive damages). No caso dos autos, fixam-se os seguintes parâmetros para a quantificação do montante indenizatório: a) demonstração da falha na prestação do serviço; b) caráter coercitivo e pedagógico da indenização; c) respeito aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade; d) configuração de dano moral puro; e) a reparação não pode servir de causa a enriquecimento injustificado; e f) ato com consequências. Tendo em conta esses parâmetros, impõe-se a fixação do montante indenizatório em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), que deverão ser corrigidos desde a data desta sentença (Súmula 362 do STJ) e com incidência de juros de mora desde o evento danoso que aqui considero a data da entrega do imóvel (artigo 398 do Código Civil e Súmula 54 do STJ). DOS PARÂMETROS DE CÁLCULO Em caso de responsabilidade contratual, os juros de mora do dano material deve incidir a partir da citação e a correção monetária é contada a partir do efetivo prejuízo (Súmula 43 /SJT), que no caso é a data da efetiva entrega do imóvel, quando o dano pode ser avaliado, o que aconteceu em fevereiro de 2019, com correção pelo IPCA-E e juros de 1% ao mês a partir da citação. Para danos morais, corrigidos desde a data desta sentença (Súmula 362 do STJ) e com incidência de juros de mora desde o evento danoso que aqui considero a data da entrega do imóvel (artigo 398 do Código Civil e Súmula 54 do STJ), quando o dano pode ser avaliado, o que aconteceu em fevereiro de 2019. (...)” Não há, portanto, reforma a ser implementada neste segundo grau de exame. No mais, consigno ser suficiente que sejam expostas as razões de decidir do julgador, para que se dê por completa e acabada a prestação jurisdicional, não havendo a necessidade de expressa menção a todo e qualquer dispositivo legal mencionado, a título de prequestionamento. Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso da parte ré, nos termos da fundamentação. Condeno a parte ré ao pagamento de honorários advocatícios que fixo em 10% (dez por cento) do valor da condenação, nos termos do artigo 55, segunda parte, da Lei nº 9.099/95. Custas na forma da lei. É o voto. Dispensada a redação de ementa nos termos do artigo 13, §3º, da Lei 9.099/95, aplicável aos Juizados Especiais Federais por força do disposto no artigo 1º da Lei 10.259/2001. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma Recursal da Seção Judiciária de Mato Grosso do Sul decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso da parte ré, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. RAQUEL DOMINGUES DO AMARAL Juíza Federal
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