Tiago Francisco De Almeida x Wmb Supermercados Do Brasil Ltda.
ID: 313350442
Data de Disponibilização:
03/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
DRA. ANA CLÁUDIA MORAES BUENO DE AGUIAR
OAB/SP XXXXXX
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DR. NATHALIA ROQUE LEÃO
OAB/SP XXXXXX
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DR. RONALDO LEÃO
OAB/SP XXXXXX
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A C Ó R D Ã O
3ª Turma
GMABB/ws/
RECURSO DE REVISTA. LEI Nº 13.467/2017. INTERVALO INTRAJORNADA. CONCESSÃO PARCIAL. DIREITO MATERIAL. CONTRATO DE TRABALHO VIGENTE À ÉPOCA DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI…
A C Ó R D Ã O
3ª Turma
GMABB/ws/
RECURSO DE REVISTA. LEI Nº 13.467/2017. INTERVALO INTRAJORNADA. CONCESSÃO PARCIAL. DIREITO MATERIAL. CONTRATO DE TRABALHO VIGENTE À ÉPOCA DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI Nº 13.467/17. DIREITO INTERTEMPORAL. TESE JURÍDICA FIRMADA NO EXAME DO TEMA 23 DA TABELA DE INCIDENTES DE RECURSOS DE REVISTA REPETITIVOS. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA.
1. A jurisprudência desta 3ª Turma adotou entendimento iterativo, à luz do direito intertemporal, no sentido de serem inaplicáveis as alterações introduzidas pela Reforma Trabalhista (Lei n° 13.467/2017), aos contratos de trabalho em curso quando da sua edição, por entender que a supressão ou alteração de direito incorporado ao patrimônio jurídico do empregado, com redução da remuneração, ofende o ato jurídico perfeito, a teor do que dispõem os arts. 5º, XXXVI, e 7º, VI, da Constituição da República e 6º da LINDB.
2. Todavia, o Pleno desta Corte na sessão do dia 25/11/2024, ao examinar o Tema 23 da Tabela de Incidentes de Recursos de Revista Repetitivos, firmou nos autos do IRR nº 528-80.2018.5.14.0004 tese jurídica vinculante no sentido de que "a Lei nº 13.467/2017 possui aplicação imediata aos contratos de trabalho em curso, passando a regular os direitos decorrentes de lei cujos fatos geradores tenham se efetivado a partir de sua vigência", ressalvado o entendimento pessoal do Relator.
3. Nesse contexto, proferida a decisão regional em consonância com a jurisprudência uniforme desta Corte, incide o teor do art. 896, § 7º, da CLT e da Súmula nº 333 do TST.
Recurso de revista de que não se conhece.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista nº TST-RR - 10591-17.2022.5.15.0128, em que é Recorrente TIAGO FRANCISCO DE ALMEIDA e é Recorrida WMB SUPERMERCADOS DO BRASIL LTDA.
Trata-se de recurso de revista, com fundamento no art. 896 da CLT, interposto pelo reclamante em face de acórdão prolatado pelo Tribunal Regional do Trabalho.
A Presidência do Tribunal de origem admitiu o recurso.
Foram oferecidas contrarrazões.
Dispensado o parecer do Ministério Público do Trabalho, a teor do art. 95 do Regimento Interno do TST.
É o relatório.
V O T O
1. CONHECIMENTO
Interposto o recurso contra acórdão publicado na vigência da Lei 13.467/2017, exigindo-se a demonstração prévia de transcendência da causa, conforme estabelecido nos artigos 896-A da CLT e 246 e 247 do Regimento Interno desta Corte Superior.
Reconheço que a matéria possui transcendência jurídica, por cuidar de controvérsia afeta às novas complexidades advindas da Reforma Trabalhista de 2017.
Satisfeitos os pressupostos comuns de admissibilidade do recurso de revista, prossigo no exame dos pressupostos específicos, conforme o art. 896 da CLT.
INTERVALO INTRAJORNADA. CONCESSÃO PARCIAL. DIREITO MATERIAL. CONTRATO DE TRABALHO VIGENTE À ÉPOCA DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI Nº 13.467/17. DIREITO INTERTEMPORAL.
O Tribunal Regional negou provimento ao recurso ordinário interposto pelo reclamante, sob os seguintes fundamentos, transcritos nas razões do recurso de revista, a teor do que dispõe o art. 896, § 1º-A, I, da CLT:
(...) em atenção às razões de recurso do reclamante que, no que se refere ao intervalo intrajornada, uma vez que o contrato de trabalho vigorou em período anterior e posterior à Reforma Trabalhista (Lei n.º 13.467/2017), até 10 /11/2017 a verba é considerada de natureza salarial, sendo devidos os reflexos nas demais verbas do contrato e o pagamento do período integral do intervalo, na forma da Súmula nº 437 do C. TST.
Para o período posterior, a condenação limita-se ao pagamento do período suprimido, sem as incidências reflexivas ante a sua natureza indenizatória. A alteração legislativa é aplicável ao caso após a sua vigência, já que o contrato de trabalho é de trato sucessivo, renovando-se mês a mês, e não há direito adquirido nessa circunstância.
Nas razões do recurso de revista, o recorrente pretende a reforma do julgado, para que seja afastada a modulação temporal perpetrada pelo Tribunal Regional, no sentido de alterar os parâmetros da condenação ao pagamento do intervalo intrajornada a partir de 11/11/2017, tendo em vista o advento da Lei nº 13.467/2017, que conferiu nova redação ao art. 71, § 4º, da CLT.
Defende a inaplicabilidade do referido diploma legal ao presente caso, sob o argumento de que o contrato de trabalho é anterior à sua vigência, de sorte que não há falar em incidência imediata aos contratos em cursos, sob pena de vulnerar o direito adquirido do trabalhador.
Aponta violação dos artigos 5º, XXXVI, da Constituição Federal e 6º, caput, da LINDB, bem como contrariedade à Súmula nº 437, itens I e III, do TST.
Examina-se.
No caso dos autos, verifica-se que o vínculo trabalhista abrange período anterior e posterior à edição da Lei nº 13.467/2017.
Nesse passo, o Tribunal Regional entendeu que a indenização pela supressão do intervalo intrajornada parcialmente usufruído seria integralmente devida como hora extra apenas no lapso contratual anterior à entrada em vigor da Lei nº 13.467/2017, determinando o pagamento apenas do período suprimido, a ser adimplido de forma indenizatória, a partir de 11/11/2017, na forma da nova redação do art. 71, § 4º, da CLT.
A rigor, a matéria tratada nos autos envolve questão de direito intertemporal, correspondente à aplicação da nova redação dada ao § 4º, art. 71, da CLT aos contratos de trabalho vigentes à época da entrada em vigor da Lei nº 13.467/2017.
Nesse sentido, a jurisprudência desta 3ª Turma, à luz do direito intertemporal, consolidou o entendimento de que, "em observância à segurança jurídica, ao princípio da confiança e ao direito adquirido (art. 5º, XXXVI, da CRFB; art. 6º da LINDB), são inaplicáveis as disposições constantes na Lei 13.467/17 aos contratos trabalhistas firmados em momento anterior à sua entrada em vigor, que devem permanecer imunes a modificações posteriores, inclusive legislativas, que suprimam direitos já exercidos por seus titulares e já incorporados ao seu patrimônio jurídico - caso dos autos. 3 . Portanto, as disposições contidas na Lei 13.467/17, em especial quanto ao intervalo em comento, aplicam-se, tão somente, aos contratos de trabalho firmados após o início de sua vigência" (ED-ARR-753-10.2010.5.20.0006, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 11/06/2021).
Nestes termos, destaco os seguintes julgados deste colegiado turmário:
"AGRAVO. RECURSO DE REVISTA COM AGRAVO. INTERVALO INTRAJORNADA. DIREITO MATERIAL. CONTRATO DE TRABALHO EM CURSO À ÉPOCA DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI Nº 13.467/2017, EM 11/11/2017. REDAÇÃO CONFERIDA AO ARTIGO 71, § 4º, DA CLT PELA REFORMA TRABALHISTA. LIMITAÇÃO DA CONDENAÇÃO AO PERÍODO SUPRIMIDO E NATUREZA INDENIZATÓRIA. IRRETROATIVIDADE. DIREITO INTERTEMPORAL. INCIDÊNCIA DOS ARTIGOS 5º, XXXVI, E 7º, VI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DIREITO À MANUTENÇÃO DO PAGAMENTO INTEGRAL DO INTERVALO INTRAJORNADA E DA NATUREZA SALARIAL. Não merece provimento o agravo que não desconstitui os fundamentos da decisão monocrática pela qual se concluiu que a nova redação do artigo 71, § 4º, da CLT, conferida pela Lei nº 13.467/2017, não se aplica aos contratos de trabalho em curso à época de sua entrada em vigor, pois, em matéria de direito intertemporal, a interpretação acerca da disposição normativa a incidir no caso concreto deve levar em consideração a irretroatividade ou retroatividade restrita das leis, insculpida no art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, e a aplicação da lei com efeito imediato, prevista no art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), além da aplicação de princípios como os da segurança jurídica e do direito adquirido, entre outros. Agravo desprovido " (Ag-RRAg-1001350-57.2018.5.02.0466, 3ª Turma, Relator Ministro Jose Roberto Freire Pimenta, DEJT 06/09/2024). - Grifos inclusos.
"AGRAVO. RECURSO DE REVISTA . INTERVALO PREVISTO NO ARTIGO 384 DA CLT E INTERVALO INTRAJORNADA. DIREITO MATERIAL. CONTRATO DE TRABALHO EM CURSO À ÉPOCA DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI Nº 13.467/2017, EM 11/11/2017. REVOGAÇÃO DO ARTIGO 384 DA CLT E REDAÇÃO CONFERIDA AO ARTIGO 71, § 4º, DA CLT PELA REFORMA TRABALHISTA. IRRETROATIVIDADE. DIREITO INTERTEMPORAL. INCIDÊNCIA DOS ARTIGOS 5º, XXXVI, E 7º, VI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DIREITO À MANUTENÇÃO DO PAGAMENTO NOS MOLDES ANTERIORES . Não merece provimento o agravo que não desconstitui os fundamentos da decisão monocrática pela qual se concluiu que a nova redação conferida pela Lei nº 13.467/2017 não se aplica aos contratos de trabalho em curso à época de sua entrada em vigor, pois, em matéria de direito intertemporal, a interpretação acerca da disposição normativa a incidir no caso concreto deve levar em consideração a irretroatividade ou retroatividade restrita das leis, insculpida no art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, e a aplicação da lei com efeito imediato, prevista no art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), além da aplicação de princípios como os da segurança jurídica e do direito adquirido, entre outros. Agravo desprovido " (Ag-RRAg-21194-14.2019.5.04.0015, 3ª Turma, Relator Desembargador Convocado Marcelo Lamego Pertence, DEJT 14/06/2024). - Grifos inclusos.
"AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACORDO DE COMPENSAÇÃO DE JORNADA. PRESTAÇÃO HABITUAL DE HORAS EXTRAS. DESCARACTERIZAÇÃO. CONTRATO DE TRABALHO EM CURSO À ÉPOCA DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI Nº 13.467/2017. REFORMA TRABALHISTA. DIREITO INTERTEMPORAL. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. Ante a possível má aplicação do art. 59-B, parágrafo único, da CLT, dá-se provimento ao agravo de instrumento para prosseguir no exame do recurso de revista. Agravo de instrumento a que se dá provimento. RECURSO DE REVISTA. ACORDO DE COMPENSAÇÃO DE JORNADA. PRESTAÇÃO HABITUAL DE HORAS EXTRAS. DESCARACTERIZAÇÃO. CONTRATO DE TRABALHO EM CURSO À ÉPOCA DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI Nº 13.467/2017. REFORMA TRABALHISTA. DIREITO INTERTEMPORAL. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. O presente caso envolve a incidência da alteração legislativa introduzida pelo parágrafo único do art. 59-B da CLT, aos contratos de trabalho vigentes à época da entrada em vigor da Lei nº 13.467/2017. Esta Turma possui entendimento no sentido de serem inaplicáveis as disposições constantes na Lei 13.467/17, relativas a direito material, aos contratos trabalhistas firmados em momento anterior à sua entrada em vigor. Assim, restando comprovada a prestação habitual de horas extras, descaracteriza-se o acordo de compensação de horas durante todo o contrato de trabalho, gerando a obrigação de pagamento das horas extraordinárias. Precedentes. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento" (RR-20147-43.2021.5.04.0012, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Bastos Balazeiro, DEJT 21/06/2024). - Grifos inclusos.
"AGRAVO. RECURSO DE REVISTA COM AGRAVO. PROCESSO SOB A ÉGIDE DAS LEIS 13.015/2014 E 13.467/2017 . INTERVALO INTRAJORNADA. DIREITO MATERIAL. CONTRATOS CELEBRADOS EM MOMENTO ANTERIOR AO ADVENTO DA LEI 13.467/2017. DIREITO INTERTEMPORAL. Cinge-se a controvérsia acerca da eficácia da lei no tempo e a aplicabilidade ou não da lei nova - na presente hipótese, a Lei 13.467/2017 - aos contratos de trabalho em curso no momento de sua entrada em vigor. No plano do Direito Material do Trabalho, desponta dúvida com relação aos contratos já vigorantes na data da vigência da nova lei, ou seja, contratos precedentes a 13 de novembro de 2017. De inequívoca complexidade, o exame do tema em exame perpassa necessariamente pelas noções de segurança jurídica, direito intertemporal e ato jurídico perfeito. No ordenamento jurídico brasileiro, a regra de irretroatividade da lei civil - à exceção da Constituição Federal de 1937 - possui status constitucional. A Lei Magna de 1988, no art. 5º, inciso XXXVI, dispõe que "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada". No âmbito infraconstitucional, os limites de bloqueio à retroatividade e eficácia imediata da lei são tratados no art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, dispondo o caput do citado dispositivo que: "A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada". A solução do conflito das leis no tempo, em especial a aplicação da lei nova às relações jurídicas nascidas sob a lei antiga, mas ainda em curso, envolve, nas palavras de Caio Mário da Silva Pereira, tormentoso problema, entre "a lei do progresso social" e o "princípio da segurança e da estabilidade social, exigindo o respeito do legislador pelas relações jurídicas validamente criadas". E, segundo o festejado autor, "aí está o conflito: permitir, sem restrições, que estas se desenvolvam em toda plenitude, sem serem molestadas pela lei nova, é negar o sentido de perfeição que as exigências sociais, traduzidas no novo diploma, pretendem imprimir ao ordenamento jurídico; mas aceitar também que a lei atual faça tábula rasa da lei anterior e de todas as suas influências, como se a vida de todo o direito e a existência de todas as relações sociais tivessem começo no dia em que se iniciou a vigência da lei modificadora, é ofender a própria estabilidade da vida civil e instituir o regime da mais franca insegurança, enunciando a instabilidade social como norma legislativa". Nessa ordem de ideias, Caio Mário da Silva Pereira, no campo dos contratos, citando Henri de Page, ainda, leciona que: "Os contratos nascidos sob o império da lei antiga permanecem a ela submetidos, mesmo quando os seus efeitos se desenvolvem sob o domínio da lei nova. O que a inspira é a necessidade da segurança em matéria contratual. No conflito dos dois interesses, o do progresso, que comanda a aplicação imediata da lei nova, e o da estabilidade do contrato, que conserva aplicável a lei antiga, tanto no que concerne às condições de formação, de validade e de prova, quanto no que alude aos efeitos dos contratos celebrados na vigência da lei anterior, preleva este sobre aquele". Importante também destacar que Paul Roubier, em amplo estudo de direito intertemporal, excetua os contratos em curso dos efeitos imediatos da lei nova. Admitindo o citado jurista a retroatividade da lei nova apenas quando expressamente prevista pelo legislador. Circunstância que não ocorre na hipótese sob exame. Seguindo a diretriz exposta destacam-se julgados do STF e STJ. Assente-se que jurisprudência do TST, ao enfrentar, há poucos anos, situação parecida - redução da base de cálculo do adicional de periculosidade do empregado eletricitário, em decorrência do advento da então nova Lei nº 12.740, de 08.12.2012 -, sufragou a vertente interpretativa de exclusão dos contratos em curso dos efeitos imediatos da lei nova, ao aprovar alteração em sua Súmula 191 no sentido de afirmar que a "alteração da base de cálculo do adicional de periculosidade do eletricitário promovida pela Lei n. 12.740/2012, atinge somente contrato de trabalho firmado a partir de sua vigência, de modo que, nesse caso, o cálculo será realizado exclusivamente sobre o salário básico, conforme determina o § 1º do art. 193 da CLT" (Súmula 191, inciso III; grifos acrescidos). Com efeito, a irretroatividade da lei nova aos contratos de trabalho já vigorantes na data de sua vigência ganha maior relevo, diante dos princípios constitucionais da vedação do retrocesso social (art. 5º, § 2º, CF), da progressividade social (art. 7º, caput, CF) e da irredutibilidade salarial (art. 7º, VI, CF). Nessa perspectiva, em relação às partes integrantes de contrato de trabalho em curso no momento da entrada em vigor da Lei 13.467/2017, ou seja, firmados sob a égide da lei anterior, a prevalência das regras legais vigentes à época da contratação e norteadoras das cláusulas contratuais que as vinculam (tempus regit actum e pacta sunt servanda) imprimem a certeza dos negócios jurídicos, a estabilidade aos direitos subjetivos e aos deveres, bem como a previsibilidade do resultado das condutas das partes contratuais - características essas inerentes à segurança jurídica, conforme a conceituação apresentada por José Afonso da Silva: "Nos termos da Constituição a segurança jurídica pode ser entendida num sentido amplo e num sentido estrito. No primeiro, ela assume o sentido geral de garantia, proteção, estabilidade de situação ou pessoa em vários campos, dependente do adjetivo que a qualifica. Em sentido estrito, a segurança jurídica consiste na garantia de estabilidade e de certeza dos negócios jurídicos, de sorte que as pessoas saibam de antemão que, uma vez envolvidas em determinada relação jurídica, esta se mantém estável, mesmo se modificar a base legal sob a qual se estabeleceu". Portanto, por força da segurança jurídica e da irredutibilidade salarial, a aplicação das inovações trazidas pela Lei nº 13.467/17 aos contratos em curso, especificamente quanto à supressão ou redução de direitos - com impacto direto e danoso à remuneração integral obreira - não alcança os contratos de trabalho dos empregados em vigor quando da alteração legislativa. No caso concreto , o TRT concluiu pela aplicação da nova redação do § 4° do art. 71 da CLT para os intervalos suprimidos a partir de 11/11/2017. Pois bem, considerando que o contrato de trabalho foi firmado em 24.08.1995, a alteração promovida pela Lei nº 13.467/2017 no art. 71, § 4º, da CLT, não alcança o patrimônio jurídico do Reclamante, resguardando-se, pois, o direito do Obreiro ao pagamento integral do intervalo intrajornada parcialmente usufruído no período posterior a 11/11/2017, com o adicional de, no mínimo, 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho (art. 71 da CLT), sem prejuízo do cômputo da efetiva jornada de labor para efeito de remuneração, além do reconhecimento da natureza salarial da parcela, conforme a diretriz da Súmula nº 437, I e III, do TST. Nesse contexto, o Tribunal Regional, ao limitar a condenação até 10/11/2017, aplicando a nova redação dada pela Lei da Reforma Trabalhista, para contrato de trabalho firmado em momento anterior à entrada em vigor da Lei 13.467/2017, proferiu decisão em dissonância com a Súmula 437, I e III/TST e com o art. 71, § 4º, da CLT. Assim sendo, a decisão agravada foi proferida em estrita observância às normas processuais (art. 557, caput , do CPC/1973; arts. 14 e 932, IV, "a ", do CPC/2015), razão pela qual é insuscetível de reforma ou reconsideração . Agravo desprovido" (Ag-RRAg-270-90.2018.5.09.0010, 3ª Turma, Relatora Desembargadora Convocada Adriana Goulart de Sena Orsini, DEJT 26/03/2024). - Grifos inclusos.
"RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. INTERVALO INTRAJORNADA. FRUIÇÃO PARCIAL. PERÍODO POSTERIOR A 11/11/2017. DIREITO INTERTEMPORAL. 1. A matéria diz respeito à aplicação da Lei 13.467/2017 aos contratos de trabalho firmados antes de 11/11/2017, mas que permaneceram em vigor quando da edição da nova lei. Discute-se se a alteração promovida pela Lei 13.467/2017, excetuadas as situações jurídicas constituídas e adquiridas sob a égide da lei anterior, pode incidir em relação aos fatos e obrigações que se renovam ao tempo da nova lei. 2. A questão tem sido objeto de debate no âmbito desta Corte, principalmente porque o próprio art. 6º da LINDB, ao dispor que 'A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada', sofreu influência tanto da Teoria Objetiva das Situações Jurídicas, defendida por Paul Roubier, como da Teoria do Direito Adquirido de Francesco Gabba. 3. Entende-se que, ainda que o contrato de trabalho tenha iniciado antes da vigência da Lei nº 13.467/2017, não há como a lei anterior permanecer vigendo para situações futuras, porque a nova lei, com disposição oposta, já entrou em vigor para as situações presentes e futuras. Destaca-se que, inclusive, foi nesse sentido o Parecer nº 248, de 14 de maio de 2018, publicado no DOU de 155/2018, do Ministério do Trabalho, elaborado pelo i. Procurador Federal Ricardo Leite, referente à 'aplicabilidade da modernização trabalhista (Lei 13.467/2017) aos contratos em curso', em que se ressaltou que 'os atos jurídicos, decorrentes de obrigações de trato sucessivo fundadas em normas cogentes, como as estabelecidos pelas leis trabalhistas de forma geral, devem ser realizados segundo as condições da nova lei, não havendo o que se falar, nesse caso, em retroatividade legal, mas, simplesmente, de aplicação de lei nova no momento da realização do ato, ou da consubstanciação do direito'. 4. No entanto, já fiquei vencido em outras situações semelhantes a esta, tendo em vista que esta c. 3ª Turma tem entendimento diverso, no sentido de que, mesmo advindo alteração da legislação para limitar o direito preexistente, este incorporou-se ao patrimônio jurídico do empregado, não podendo ser suprimido. Assim, por disciplina judiciária, curvo-me ao entendimento desta e. Turma, ressalvando meu entendimento. 5. Dessa forma, e, considerando que no caso dos autos o contrato de trabalho vigeu de 13/09/2006 a 05/03/2018, a alteração promovida pela Lei nº 13.467/2017 no art. 71, § 4º, da CLT não alcança o patrimônio jurídico do reclamante, devendo, por isso, o intervalo intrajornada, parcialmente usufruído no período posterior a 11/11/2017, ser igualmente remunerado, na forma da Súmula 437, I, desta Corte, conforme determinado pelo v. acórdão regional. Recurso de revista não conhecido" (RR-20461-18.2018.5.04.0101, 3ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 10/12/2021). - Grifos inclusos.
"RECURSO DE REVISTA. PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO. DIREITO INTERTEMPORAL. HORAS EXTRAS. REGIME DE COMPENSAÇÃO DE JORNADA - ATIVIDADE INSALUBRE. INTERVALO DO ART. 384 DA CLT - CONSTITUCIONALIDADE. CONTRATO DE TRABALHO EM CURSO QUANDO DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. IRRETROATIVIDADE. A Lei nº 13.467/2017 não retroage para alcançar fatos ocorridos antes de sua vigência, nem seus efeitos futuros. Caso fosse intenção do legislador a aplicação das normas materiais da Reforma Trabalhista aos contratos em curso, o que implica retroatividade mínima, haveria norma expressa em tal sentido. A anomia quanto à vigência da Lei para esses contratos, entretanto, inviabiliza a aplicação imediata pretendida. Recurso de revista não conhecido" (RR-0020577-22.2020.5.04.0661, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 01/10/2021). - Grifos inclusos.
No âmbito da 5ª Turma, (colegiado que integrei ao ingressar nesta Corte e, portanto, anteriormente a minha remoção para esta 3ª Turma, embora pessoalmente não tenha votado sobre o tema), tem prevalecido o entendimento de que as alterações promovidas pela Lei nº 13.467/2017 alcançam os contratos em curso.
Nesse sentido é o seguinte julgado:
"AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI 13.467/2017. HORAS IN ITINERE . CONTRATOS DE TRABALHO EM CURSO NA DATA DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI 13.467/2017. ARTIGO 58, § 2º, DA CLT. NOVA REDAÇÃO CONFERIDA PELA LEI 13.467/2017. LIMITAÇÃO TEMPORAL DA CONDENAÇÃO. Caso em que, o Tribunal Regional limitou a condenação ao pagamento das horas in itinere a 10/11/2017, ou seja, até antes do início da vigência da Lei 13.467/2017. No caso, é incontroverso que os contratos de trabalho estavam em curso na data da entrada em vigor da Lei 13.467/2017. Com efeito, a Lei nº 13.467/2017, com vigência em 11/11/2017, alterou a redação do art. 58, § 2º, da CLT, que previa como à disposição o tempo despendido pelo empregado em transporte fornecido pelo empregador para local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o qual passou a estipular que o tempo "... despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador ". Desse modo, para os atos praticados após a entrada em vigor da Lei 13.467/2017, aplicam-se as inovações de direito material do trabalho introduzidas pela referida legislação, em observância ao princípio de direito intertemporal tempus regit actum , razão pela qual deve haver a limitação temporal da condenação à mencionada parcela a 10/11/2017. Nesse contexto, como os argumentos trazidos pela parte não são suficientes a alterar tal constatação, resta íntegra a decisão atacada. Agravo não provido, com acréscimo de fundamentação" (Ag-RRAg-11587-41.2017.5.03.0090, 5ª Turma, Relator Ministro Douglas Alencar Rodrigues, DEJT 29/04/2022).
Pesquisa mais detalhada à jurisprudência deste Tribunal evidencia que, ainda que se observem julgados com entendimentos díspares no âmbito das Turmas, a orientação que vem se consolidando na SDI-1, a partir de dois relevantes julgados, é no sentido de que as inovações trazidas pela Lei nº 13.467/2017, vigente desde 11/11/2017, não se aplicam às situações juridicamente consolidadas antes de sua entrada em vigor, em razão do disposto nos arts. 5º, XXXVI, da Constituição Federal e 6º da LINDB.
Com efeito, ao julgar o E-RR-22069-20.2015.5.04.0404, cujo objeto é pedido de incorporação da gratificação de função de trabalhador que exerce função de confiança por mais de dez anos, anteriormente à vigência da Lei nº 13.467/2017, a SDI-1 desta Corte, em acórdão relatado pelo Ministro Alberto Bresciani, firmou tese de que "a Lei nº 13.467/2017 não retroage para alcançar fatos ocorridos antes de sua vigência, nem seus efeitos futuros. Caso fosse intenção do legislador a aplicação das normas materiais da Reforma Trabalhista aos contratos em curso, o que implica retroatividade mínima, haveria norma expressa em tal sentido".
Eis a ementa da decisão emblemática:
"RECURSO DE EMBARGOS. GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO PERCEBIDA POR MAIS DE DEZ ANOS. DIREITO ADQUIRIDO À INCORPORAÇÃO. SÚMULA 372/TST. APLICABILIDADE. INOVAÇÕES INTRODUZIDAS NA CLT PELA LEI Nº 13.467/2017. IRRETROATIVIDADE. REESTRUTURAÇÃO ADMINISTRATIVA. JUSTO MOTIVO NÃO CONFIGURADO. 1. A Eg. 4ª Turma deu provimento ao recurso de revista do reclamado para "excluir da condenação o pagamento da gratificação de função indevidamente incorporada e seus reflexos". Considerou que "com a entrada em vigor Lei n° 13.467/17, o legislador cuidou de fixar, expressamente, a ausência do direito à incorporação de função, independentemente do tempo de seu exercício ou do motivo o qual levou o empregador realizar a reversão do empregado ao cargo efetivo". 2. Entretanto, a Lei nº 13.467/2017 não retroage para alcançar fatos ocorridos antes de sua vigência, nem seus efeitos futuros. Caso fosse intenção do legislador a aplicação das normas materiais da Reforma Trabalhista aos contratos em curso, o que implica retroatividade mínima, haveria norma expressa em tal sentido. A anomia quanto à vigência da Lei para esses contratos, entretanto, inviabiliza a aplicação imediata pretendida. 3. Nesse contexto, diante do exercício de função gratificada superior a dez anos, antes da alteração do art. 468 da CLT, pela Lei nº 13.467/2017, é vedada a supressão ou redução da respectiva gratificação, salvo se comprovada a justa causa, em observância aos princípios da estabilidade econômico-financeira e da irredutibilidade salarial, nos termos da Súmula 372 do TST. Precedentes. Recurso de embargos conhecido e provido" (sem grifo no original, E-RR-22069-20.2015.5.04.0404, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 19/11/2021).
Posteriormente, a SDI-1 desta Corte, por ocasião do julgamento do E-RR-816-85.2017.5.09.0009, de relatoria do Ministro Augusto César Leite de Carvalho, (Data de Julgamento: 09/12/2021, Data de Publicação: DEJT 17/12/2021), voltou a firmar o entendimento de que "são inaplicáveis, retroativamente, as inovações introduzidas pela Lei 13.467/2017, em especial o atual art. 468, § 2º, da CLT".
Consta na ementa da decisão:
RECURSO DE EMBARGOS REGIDO PELAS LEIS 13.467/2017 E 13.015/2014. GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO. INCORPORAÇÃO. EXERCÍCIO DE FUNÇÕES DE CONFIANÇA POR MAIS DE DEZ ANOS. SÚMULA 372, I, DO TST. Debate-se acerca do direito à incorporação de gratificação de função recebida por mais dez anos em contrato de trabalho firmado antes de 11/11/2017 e que se encontra em vigor para efeito de aplicação da Lei 13.467/2017. A Turma deste Tribunal manteve a procedência do pedido de restabelecimento da gratificação de função percebida por mais de dez anos em tempo anterior a 11/11/2017 (data de início da eficácia da Lei 13.4672017), bem como o pagamento dos valores vencidos e vincendos com reflexos em parcelas do contrato de trabalho, concluindo inaplicáveis ao caso as inovações introduzidas pela Lei 13.467/2017, ante o princípio da irretroatividade da lei. Cabe observar, a propósito dos fundamentos adotados por jurisprudência destoante, que não se está a cuidar de verbete de súmula de geração espontânea, sem lastro em método rigoroso da integração da norma jurídica. Como anotou o Ministro Orlando Teixeira da Costa, em precedente seminal da Súmula n. 372, I do TST (ERR 01944/1989, Ac 2.155/1992, DJ 12.02.1993), há "aplicação analógica, à espécie, de princípio de Direito Administrativo, em face da lacuna do Direito do Trabalho, no particular". Ainda que a analogia não se desse a princípios, antes que a normas legais que àquele tempo também vigoravam, tem influência recordar que o c. STF, ao julgar embargos declaratórios no RE 638115/CE, por meio do qual se proclamou a inconstitucionalidade da incorporação, sem base legal estrita, de gratificação de função ("quintos") em favor de servidores públicos estatutários, modulou os efeitos da decisão para preservar o nível remuneratório dos servidores que estavam a perceber a gratificação incorporada em virtude de decisão judicial ou administrativa. A estabilidade econômica é, como se há notar, princípio regente da remuneração de servidores públicos e, a fortiori, de empregados em empresas privadas. Se, noutra perspectiva, são consideradas as regras de direito intertemporal, é válido afirmar que, salvo para beneficiar o titular de direitos sociais (art. 5º, § 1º, da Constituição), lei mais gravosa não pode incidir sobre relações jurídicas em curso, sob pena de violar ato jurídico perfeito. O art. 5º, XXXVI, da Constituição protege o contrato, dentre as relações jurídicas regularmente constituídas, como ato jurídico perfeito, protegendo-o de inovações legislativas que rompam o seu caráter sinalagmático. No plano dos direitos sociais resultantes da relação de trabalho, a eficácia imediata das novas leis está prevista no citado art. 5º, § 1º, da Constituição e, portanto, está relacionada somente à proteção do titular de direitos fundamentais, entre esses o direito à irredutibilidade salarial (art. 7º, VI). Parcelas que compunham o salário não podem ser reduzidas ou suprimidas por lei ordinária. Não bastasse o esteio em referidos preceitos da Constituição brasileira, o retrocesso social não justificado, no tocante a regras de direito do trabalho, viola o art. 26 da Convenção Americana de Direitos Humanos, tendo esse dispositivo caráter normativo e exigibilidade em sede judicial, segundo precedentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos (citemos, por todos, o caso Acevedo Buendía versus Peru), esta respaldada em entendimento, por igual, do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU. Mantém-se, pois, o acórdão turmário, este a consignar a tese de que são inaplicáveis, retroativamente, as inovações introduzidas pela Lei 13.467/2017, em especial o atual art. 468, § 2º, da CLT. Recurso de embargos conhecido e desprovido." (E-RR-816-85.2017.5.09.0009, Relator Ministro Augusto César Leite de Carvalho, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, DEJT 17/12/2021).
Entendo que o tema trazido a exame, relativo ao alcance da lei nova sobre os contratos celebrados anteriormente ao seu advento, envolve a necessidade de se adentrar nas noções de segurança jurídica, direito intertemporal e ato jurídico perfeito.
No ordenamento jurídico brasileiro está assegurado em norma constitucional que "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada" (art. 5º, XXXVI).
O art. 6º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro estabelece que: "A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada".
Nesse contexto, considero que o contrato de trabalho, nos termos em que celebrado, configura ato jurídico perfeito, não podendo ser alcançado por normas posteriores, sob pena de comprometimento da segurança jurídica.
Assim, em observância ao direito intertemporal, a alteração do art. 71, § 4º, da CLT pela Lei nº 13.467/2017, a meu ver, é inaplicável aos contratos de trabalho que se encontravam em curso, quando da sua edição, uma vez que suprime e/ou altera direito preexistente, incorporado ao patrimônio jurídico do empregado, sob pena de redução da remuneração e violação ao direito adquirido do trabalhador, a teor do que dispõem os arts. 5º, XXXVI, e 7º, VI, da Constituição da República e 6º da LINDB.
Todavia, o Pleno desta Corte na sessão do dia 25/11/2024, no exame do Tema 23 da Tabela de Incidentes de Recursos de Revista Repetitivos, firmou nos autos do IRR nº 528-80.2018.5.14.0004 tese jurídica vinculante no sentido de que "a Lei nº 13.467/2017 possui aplicação imediata aos contratos de trabalho em curso, passando a regular os direitos decorrentes de lei cujos fatos geradores tenham se efetivado a partir de sua vigência".
Naquela oportunidade debateu-se a matéria sob os seguintes aspectos:
"Trata o presente incidente de questão de grande impacto na jurisprudência trabalhista nacional. Tal se dá, não apenas em face da sua relevância como questão prejudicial em praticamente todos os processos nos quais aplicadas as muitas alterações da CLT promovidas pela Lei nº 13.467/2017, mas também por sua extrema repetitividade. A título ilustrativo, em simples consulta jurisprudencial, desde novembro de 2017, 9.176 decisões ou acórdãos utilizaram os termos "direito intertemporal" e "13.467" - apenas nesta Corte Superior, estimando-se, proporcionalmente, a ocorrência de tal discussão em cem mil processos ou mais, nas demais instâncias.
Por outro lado, reitere-se que o que se discute no presente incidente é a aplicação do direito no tempo em relação aos contratos de emprego em curso quando de alteração legal que reduziu ou suprimiu direitos laborais decorrentes de lei. Tratando-se de uma questão prejudicial à aferição da incidência de qualquer alteração legal em tais contratos, é desnecessária a afetação de um exemplificativo sobre cada uma das alterações em questão. O padrão decisório de direito intertemporal a ser aqui definido, na realidade, servirá como precedente em todas tais situações, ou mesmo no caso de alterações legais futuras. Da mesma forma, aliás, decidiu o Supremo Tribunal Federal no Julgamento do Tema 1046 da Repercussão Geral:
"...o fundamento constitucional desta demanda é idêntico ao de diversas outras que diariamente chegam a esta Corte e à Justiça do Trabalho. ... o tema 1.046, ora debatido, possui alcance amplo, não se restringindo às particularidades do caso concreto e tampouco apenas à negociação coletiva que verse sobre horas in itinere" (ARE 1.121.633, Rel. Min Gilmar Mendes, 02/06/2022, disponibilizado em 28/04/2023, p. 14).
Por tais razões, na decisão de 19/12/2023 (seq. 232), examinando o alcance da questão prejudicial aqui debatida, além da discussão sobre horas in itinere veiculada no processo originário deste incidente, registrei alguns outros exemplos de situações também dependentes da tese a ser firmada por este Tribunal Pleno:
- intervalo intrajornada - Art. 71, § 4º "A não concessão ou a concessão parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, a empregados urbanos e rurais, implica o pagamento, de natureza indenizatória, apenas do período suprimido, com acréscimo de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho." (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017);
- o direito à incorporação de gratificação de função - Art. 468, §2º "A alteração de que trata o § 1º deste artigo, com ou sem justo motivo, não assegura ao empregado o direito à manutenção do pagamento da gratificação correspondente que não será incorporada, independentemente do tempo de exercício da respectiva função." (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017);
- o "descanso de 15 (quinze) minutos no mínimo, antes do início do período extraordinário do trabalho", para as mulheres, "em caso de prorrogação do horário normal" - Art. 384 da CLT, revogado pela Lei nº 13.467/2017.
2 - DELIMITAÇÃO DA QUESTÃO JURÍDICA E EXEMPLIFICATIVOS AFETADOS
A adequada delimitação do tema ou questão jurídica controvertida nos autos é fundamental. Constitui premissa para a formação dos fundamentos determinantes do precedente - ou ratio decidendi, o núcleo normativo que, no respectivo contexto fático-jurídico do caso, lhe embasa a solução, servindo de paradigma para os casos seguintes que versarem sobre a mesma questão jurídica em contexto fático suficientemente similar.
Dentre as diversas doutrinas que buscaram delimitar a ratio decidendi, destaca-se a de Arthur Goodhart, focada na fórmula "material facts" e "outcome", ou seja, fatos essenciais e o resultado outorgado à questão jurídica, prolatado em tal pano de fundo fático. Os fatos essenciais (material facts) são as premissas fáticas cuja existência é incontroversa e que são consideradas pela Corte como necessárias para a solução outorgada (descartados os detalhes juridicamente irrelevantes), enquanto que o resultado (outcome), aqui, é a tese que soluciona a questão, condicionada por tal contexto fático. Já a questão jurídica, propriamente dita, é a controvérsia de direito estabelecida em tal contexto fático essencial, necessária para a solução da lide.
Tanto no caso concreto em que originado este incidente (nº 0000528-80.2018.5.14.000), quanto nos demais exemplificativos inicialmente afetados para correr em conjunto (1000254-24.2019.5.02.0255, 0020817-51.2021.5.04.0022 e 0010411-95.2017.5.18.0191), a questão pode ser desdobrada nas seguintes premissas fáticas e controvérsia jurídica, a saber:
Premissa A: um direito trabalhista decorrente de lei (direito sujeito a conteúdo regulatório legislado, ou de jurisprudência que infere tal direito como norma de ordem pública, portanto infenso à contratação entre as partes em nível inferior - regime legal e não propriamente contratual, ainda que eventualmente repetido o texto em contrato);
Premissa B: praticado ou pago durante um contrato de emprego em curso (incidental a contrato de trabalho vigente quando da alteração legal; ou seja, o empregado vinha recebendo a parcela quando sobrevém norma legal que a reduz ou suprime);
Premissa C: edição de Lei que reduz ou suprime tal direito;
Premissa D: ocorrência ou conclusão de fatos geradores de tais direitos após a alteração legal (e.g., novas ocorrências de intervalos reduzidos, art. 71 da CLT, de horas extras praticadas por mulheres, art. 384 da CLT, ou a posterior conclusão do prazo de 10 anos, antes considerado requisito para a incorporação de gratificação de função, Súm. 372, I, do TST);
CONTROVÉRSIA JURÍDICA: remanesce o dever de observar/pagar tal direito quanto a fatos geradores ocorridos ou completados a partir da entrada em vigor da alteração legislativa?
Tal é a controvérsia comum tanto ao caso concreto originário do incidente quanto aos demais casos afetados, os quais constituem exemplares da mesma questão jurídica.
(...)
6 - FIXAÇÃO DA TESE JURÍDICA
Neste incidente vem sendo debatida a seguinte questão:
"Quanto aos direitos laborais decorrentes de lei e pagos no curso do contrato de trabalho, remanesce a obrigação de sua observância ou pagamento nesses contratos em curso, no período posterior à entrada em vigor de lei que os suprime/altera?"
Diante de todo o exposto, a partir da análise normativa, jurisprudencial e doutrinária procedida acima, a resposta é negativa.
Em suma, só há ato jurídico perfeito quanto aos fatos já consumados segundo a lei da época. Há direito adquirido quando completados todos os pressupostos fáticos para seu exercício imediato (ou exercício postergado por termo ou condição inalterável a arbítrio de outrem, LINDB, art. 6º, §§1º e 2º).
Tal se desdobra de duas formas diversas. Quanto a situações estritamente contratuais, de puro ajuste de vontade, cujo conteúdo não seja determinado por lei, o ajuste instantaneamente constitui ato jurídico perfeito e produz direito adquirido de seu titular, quanto a tal conteúdo.
Já quando o conteúdo de um contrato decorre de lei, tratando-se de situação institucional ou estatutária, a lei nova imperativa se aplica imediatamente aos contratos em curso, quanto aos seus fatos pendentes ou futuros. É que, nestes casos, a lei nova não afeta um verdadeiro ajuste entre as partes, mas tão somente o regime jurídico imperativo, que incidia independente da vontade daquelas e, por isso, se sujeita a eventuais alterações subsequentes, pelo legislador.
Como vimos, inclusive a partir da doutrina clássica, este é o típico caso do contrato de emprego, dotado de elevada carga de regulação estatal obrigatória. Há um feixe de limites, obrigações e direitos mínimos, assim como de normas de segurança, higiene e saúde, etc. São decorrentes das balizas do direito positivo e não da livre convenção entre as partes. Logo, leis que alteram ou suprimem direitos trabalhistas se aplicam de imediato nos contratos em curso, quanto aos fatos posteriores à sua entrada em vigor.
As ocorrências anteriores à alteração da lei constituem fatos pretéritos, consumados (faits accomplis, facta praeterita, fatti compiuti), não atingidos pela nova lei, enquanto que os fatos incompletos ou futuros (situations en cours - facta pendentia) recebem a aplicação imediata desta, já que a concretização do respectivo fato gerador ainda não havia ocorrido quando da entrada em vigor da nova lei que alterou o regime jurídico atinente a determinada parcela trabalhista.
Não há falar em direito adquirido quanto aos fatos posteriores à alteração legal, ou seja, não realizados antes da alteração legal, já que, no direito brasileiro, inexiste direito adquirido a um determinado estatuto legal ou regime jurídico, inclusive àquele que predomina nas relações de emprego.
Por outro lado, não há como afastar a aplicação da nova norma aos contratos em curso quanto ao período posterior à sua vigência, à guisa de irredutibilidade salarial. A garantia de irredutibilidade não se refere a parcelas específicas nem à sua forma de cálculo, mas apenas ao montante nominal da soma das parcelas permanentes. Tais parcelas, entretanto, não estão implicadas nas alterações legais em discussão neste incidente, o qual discute exatamente as parcelas que não podem ser consideradas permanentes, já que dependentes de fatos posteriores à alteração normativa.
Da mesma forma, não há falar, no presente incidente, em vedação ao retrocesso social, em aplicação da norma mais favorável, nem na manutenção da condição mais benéfica ou inalterabilidade lesiva - uma vez que nenhum constitui regra de direito intertemporal. Na realidade, a vedação ao retrocesso social constitui critério de controle de constitucionalidade, a norma mais favorável é princípio hermenêutico para compatibilização de normas simultaneamente vigentes (e não sucessivamente). Finalmente, condição mais benéfica ou inalterabilidade contratual lesiva se referem à preservação de cláusulas em face de alteração contratual in pejus (não a alterações por norma heterônoma).
De tal modo, fixa-se a seguinte tese: "A Lei nº 13.467/2017 possui aplicação imediata aos contratos de trabalho em curso, passando a regular os direitos decorrentes de lei cujos fatos geradores tenham se efetivado a partir de sua vigência".
Conforme se verifica, diversamente do entendimento adotado no âmbito desta Terceira Turma, que se posicionava no sentido de que as alterações advindas da Reforma Trabalhista aplicar-se-iam aos contratos de trabalho firmados posteriormente à sua vigência, o Tribunal Pleno desta Corte firmou tese vinculante no sentido de que as disposições da Lei nº 13.467/2017 incidem de imediato aos contratos em curso, considerando, para tanto, que "as ocorrências anteriores à alteração da lei constituem fatos pretéritos, consumados (faits accomplis, facta praeterita, fatti compiuti), não atingidos pela nova lei, enquanto que os fatos incompletos ou futuros (situations en cours - facta pendentia) recebem a aplicação imediata desta, já que a concretização do respectivo fato gerador ainda não havia ocorrido quando da entrada em vigor da nova lei que alterou o regime jurídico atinente a determinada parcela trabalhista", com ressalva de meu entendimento pessoal.
Nesse contexto, a decisão regional está em plena consonância com a jurisprudência uniforme desta Corte, atraindo a incidência do disposto no art. 896, § 7º, da CLT e na Súmula nº 333 do TST.
Ante o exposto, NÃO CONHEÇO do recurso de revista.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, não conhecer do recurso de revista.
Brasília, 30 de junho de 2025.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
ALBERTO BASTOS BALAZEIRO
Ministro Relator
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