Dilmar Biazussi e outros x Dilmar Biazussi e outros
ID: 314801502
Tribunal: TJMT
Órgão: Terceira Câmara de Direito Público e Coletivo
Classe: APELAçãO CíVEL
Nº Processo: 1000490-89.2023.8.11.0107
Data de Disponibilização:
03/07/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
MARCOS DE MOURA HORTA
OAB/MT XXXXXX
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KAMILLA PAVAN
OAB/MT XXXXXX
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ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO Número Único: 1000490-89.2023.8.11.0107 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Dano Ambiental] Relator: Des(a). MA…
ESTADO DE MATO GROSSO PODER JUDICIÁRIO TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO Número Único: 1000490-89.2023.8.11.0107 Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198) Assunto: [Dano Ambiental] Relator: Des(a). MARCIO VIDAL Turma Julgadora: [DES(A). MARCIO VIDAL, DES(A). JONES GATTASS DIAS, DES(A). VANDYMARA GALVAO RAMOS PAIVA ZANOLO] Parte(s): [MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), ST MADEIRAS LTDA - CNPJ: 37.498.573/0001-05 (APELANTE), KAMILLA PAVAN - CPF: 821.615.420-87 (ADVOGADO), MARCOS DE MOURA HORTA - CPF: 181.476.498-43 (ADVOGADO), DILMAR BIAZUSSI - CPF: 182.730.099-04 (APELANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS), DILMAR BIAZUSSI - CPF: 182.730.099-04 (APELADO), KAMILLA PAVAN - CPF: 821.615.420-87 (ADVOGADO), MARCOS DE MOURA HORTA - CPF: 181.476.498-43 (ADVOGADO), ST MADEIRAS LTDA - CNPJ: 37.498.573/0001-05 (APELADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELANTE)] A C Ó R D Ã O Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO E COLETIVO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). MARCIO VIDAL, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DEU PROVIMENTO EM PARTE AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR, DES. MARCIO VIDAL. Ementa: DIREITO AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSOS DE APELAÇÃO CÍVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO ILEGAL EM FLORESTA DE PRESERVAÇÃO NA AMAZÔNIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA POR DANO AMBIENTAL. CUMULAÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, MORAIS COLETIVOS E OBRIGAÇÕES DE FAZER. PROVIMENTO PARCIAL DO APELO DA PARTE REQUERIDA. PROVIMENTO DO APELO DA PARTE AUTORA. I. Caso em exame 1. Recursos de Apelação Cível interpostos, de um lado, por pessoa jurídica e seu responsável legal, e, de outro, pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso, contra sentença proferida nos autos de Ação Civil Pública por dano ambiental ajuizada em razão de desmatamento raso de 55,76 hectares de floresta nativa, no bioma Amazônia, sem autorização ambiental, em imóvel rural localizado no Município de Nova Ubiratã/MT. A sentença julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, condenando os requeridos ao pagamento de indenização por danos materiais, à obrigação de não explorar economicamente a área desmatada sem autorização, bem como à obrigação de fazer consistente na apresentação e execução do PRAD. Os réus apelam buscando, como questões prévias, o reconhecimento de ilegitimidade passiva e nulidade da sentença por ausência de fundamentação e cerceamento de defesa, e, no mérito, a improcedência dos pedidos iniciais. O Ministério Público, por sua vez, interpõe apelação para incluir condenação por dano moral coletivo. II. Questão em discussão 2. Há cinco questões em discussão: (i) definir se o representante da pessoa jurídica possui legitimidade para compor o polo passivo da demanda; (ii) verificar a nulidade da sentença por ausência de fundamentação; (iii) aferir a ocorrência de cerceamento de defesa pela ausência de produção de prova pericial; (iv) examinar a possibilidade de cumulação entre indenização por danos materiais ambientais e obrigação de fazer; (v) apurar se é cabível a condenação ao pagamento de indenização por dano moral coletivo decorrente do ilícito ambiental. III. Razões de decidir 3. A legitimidade passiva do corréu se confirma com base em dados obtidos no inquérito civil, que o identificam como responsável pela pessoa jurídica demandada, nos termos do art. 3º, incisos III e IV, da Lei n. 6.938/1981. 4. A sentença atacada possui fundamentação suficiente, atendendo ao disposto no art. 489 do CPC, inexistindo nulidade por ausência de motivação. 5. Não há cerceamento de defesa, pois o conjunto probatório dos autos (auto de infração, relatórios técnicos e imagens por sensoriamento remoto) é suficiente para o julgamento da lide, sendo desnecessária a produção de prova pericial. 6. A responsabilidade civil ambiental é objetiva e fundada na teoria do risco integral, conforme art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/1981 e art. 225, § 3º, da CF/1988, sendo desnecessária a comprovação de dolo. 7. A prática do desmatamento ilegal está suficientemente demonstrada pelo Auto de Infração n. 0080000623/2023, relatórios técnicos e imagens de satélite, provas reconhecidas como idôneas pelo art. 64 da Lei Estadual n. 233/2005. 8. A cumulação entre obrigação de fazer e indenização por dano material ambiental é admitida, sendo distintas as naturezas do dano residual e intercorrente, conforme REsp 1.940.030/SP do STJ. 9. O valor da indenização por dano material residual deve ser fixado em sede de liquidação de sentença, condicionando-se à efetiva apresentação do PRAD. 10. É cabível a indenização por dano moral coletivo quando o ilícito ambiental atinge de forma grave o patrimônio imaterial da coletividade, nos termos da jurisprudência do STJ (REsp 2.200.069/MT), sendo presumido (danum in re ipsa). 11. O desmatamento de 55,76 hectares de floresta nativa no bioma Amazônia representa grave violação ecológica e justifica, em caráter pedagógico, a fixação de indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais). 12. A taxa de juros moratórios incide desde a data do evento danoso (Súmula 54 do STJ), calculados pela Taxa Selic, e a correção monetária será apurada pelo IPCA até o arbitramento (Súmula 362 do STJ). IV. Dispositivo e tese Recurso da pessoa jurídica parcialmente provido. Recurso do Ministério Público Estadual provido. Tese de julgamento: O responsável legal por pessoa jurídica pode figurar no polo passivo de ação civil pública ambiental, ainda que não conste formalmente como proprietário da área. A responsabilidade civil ambiental é objetiva e solidária, fundada na teoria do risco integral, não exigindo prova de dolo ou culpa. É lícita a utilização de imagens de sensoriamento remoto como prova de desmatamento, nos termos do art. 64 da Lei Estadual n. 233/2005. É admissível a cumulação entre obrigação de fazer (PRAD) e indenização por danos materiais ambientais, distinguindo-se entre danos intercorrente e residual. A indenização por dano moral coletivo é devida quando o ilícito ambiental compromete bem de uso comum do povo, sendo presumida (danum in re ipsa), e deve observar os princípios da proporcionalidade e da reparação integral. _________________________ Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 225, § 3º; Lei n. 6.938/1981, art. 14, § 1º, e art. 3º, III e IV; Lei Estadual n. 233/2005, art. 64; CPC, arts. 370, 489, § 1º, e 509, I; CC, art. 406; STJ, Súmulas 54, 362 e 618. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 2.200.069/MT, Rel. Min. Regina Helena Costa, j. 13.05.2025; STJ, REsp 1.940.030/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 16.08.2022; STJ, AgInt no REsp 1.681.460/PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 03.12.2018; TJMT, N.U. 1001067-72.2020.8.11.0107, Relª. Desª. Maria Erotides Kneip, j. 06.03.2023. R E L A T Ó R I O DES. MÁRCIO VIDAL Egrégia Câmara, Trata-se de dois Recursos de Apelação Cível, interpostos por ST Madeiras LTDA e outro e pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso, contra a sentença prolatada pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Nova Ubiratã, que, nos autos da Ação Civil Pública, julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, condenando o Requerido à recomposição da área degradada, por meio da apresentação do Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD), à obrigação de não explorar economicamente as áreas passíveis de uso desmatadas, sem autorização do órgão ambiental e ao pagamento de indenização pelos danos materiais causados. ST Madeiras LTDA e Dilmar Biazussi, em seu Apelo, alegam, em preliminar, a ilegitimidade de Dilmar Biazussi para figurar no polo passivo da demanda, bem como a ilegitimidade de ambos quanto aos danos constantes no Auto de Infração n. 008000623. Em prejudicial de mérito, sustentam a nulidade da sentença prolatada pelo Juízo singular, em razão da ausência de fundamentação, bem como a ocorrência de cerceamento de defesa. No mérito, aduzem a ausência de comprovação do nexo de causalidade entre o dano ambiental e as condutas atribuídas a ambos. Verberam que não houve comprovação do dolo, de forma que não há se falar em responsabilidade pelo dano ambiental em testilha. Asseveram, por fim, a ilegalidade da condenação ao pagamento de indenização por dano material. Com tais razões, requerem o provimento do Apelo interposto para que a sentença seja reformada, e os pedidos iniciais sejam julgados improcedentes. Contrarrazões ofertadas pela parte Apelada no id. 220800726. O Ministério Público do Estado de Mato Grosso, por sua vez, sustenta, em síntese, a necessidade de condenação dos Apelados ao pagamento de indenização por dano moral coletivo. Com tal razão, requer o provimento do Apelo para que a sentença seja reformada neste ponto. Instada a manifestar, a Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra dos Procuradores Hélio Fredolino Faust e Marcelo Caetano Vacchiano, opinou pelo desprovimento do recurso interposto por ST Madeiras LTDA e outro, e pelo provimento do Apelo interposto pelo Parquet (id. 290525862). É o relatório. V O T O DES. MÁRCIO VIDAL (RELATOR) Eminente Pares, Conforme relatado, ST Madeiras LTDA, Dilmar Biazussi e o Ministério Público do Estado de Mato Grosso se insurgem contra a sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, formulados no bojo da Ação Civil Pública por Dano Ambiental. Extrai-se dos autos que a Ação Civil Pública foi ajuizada pelo Parquet em desfavor da pessoa jurídica ST Madeiras LTDA e de Dilmar Biazussi, ao argumento de que foi constatada degradação ambiental em imóvel rural de propriedade dos requeridos, consistente no desmatamento a corte raso de 55,5600 hectares de floresta nativa, objeto de especial preservação, sem autorização do órgão ambiental competente. O fato resultou na lavratura do Auto de Infração Ambiental n. 0080000623/2023 e no correspondente embargo administrativo n. 0080000723, ambos expedidos pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SEMA). Pugnou, com base no princípio da reparação integral, pela condenação de ambos os requeridos ao ressarcimento dos danos ambientais, materiais e morais coletivos, além da obrigação de reparar in natura a área degradada, mediante apresentação e execução de Projeto de Recuperação de Áreas Degradadas ou Alteradas (PRAD). A parte ré apresentou impugnação. O Juízo de primeiro grau proferiu sentença satisfativa, cujo dispositivo foi redigido nos seguintes termos: “[...] JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS formulados na inicial, e resolvo o mérito da presente demanda nos seguintes termos, para tanto: I - Confirmo a tutela antecipada; II - CONDENO a parte requerida ao pagamento da indenização pelos danos ambientais materiais, atualmente estimados em R$ 530.384,65 (quinhentos e trinta mil, trezentos e oitenta e quatro reais e sessenta e cinco centavos), devidamente corrigidos e com a incidência de juros de mora na forma do art. 406 do Código Civil, a contar da data da prática do ato ilícito (Súmula 562 do STF e Súmula 54 do STJ), em prol do Fundo Municipal ou Estadual do Meio Ambiente ou em projeto de natureza ambiental aprovado pelo Ministério Público. III - Condeno ainda, o réu nas obrigações de fazer e de não fazer, em especial aquelas consistentes em não explorar economicamente as áreas passíveis de uso desmatadas, sem autorização do órgão ambiental, e recuperar a área degradada ou alterada, mediante apresentação e execução do Projeto de Recuperação de Áreas Degradadas ou Alteradas (PRADA) aprovado pelo órgão ambiental estadual, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena de multa”. Do ato sentencial, ambas as partes aviaram Recurso de Apelação Cível, os quais se passa à análise. Da apreciação do Apelo interposto por ST Madeiras LTDA e outro. Da apreciação da preliminar de ilegitimidade passiva. Sustentam os Recorrentes a ilegitimidade passiva de Dilmar Biazussi para a presente demanda, sob o argumento de que “este não é sócio da empresa ST, tampouco é titular da área embargada, não possui área naquela localidade, fato que o torna ilegítimo para compor o polo passivo da demanda”. Sobre o tema, anota-se que a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, solidária e fundada na teoria do risco, conforme o disposto no art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/81. Essa norma deve ser interpretada em consonância com o art. 3º, incisos III e IV, da mesma lei, que conceitua “poluidor” e “responsável direto ou indireto” como qualquer pessoa, física ou jurídica, causadora de degradação ambiental. No caso dos autos, extrai-se do Inquérito Civil acostado à inicial que, em consulta ao Portal de Apoio à Investigação (PAI), foram obtidas informações sobre a empresa ST Madeiras LTDA, constando Dilmar Biazussi como responsável pela referida pessoa jurídica. Dessa forma, não há que se falar em ilegitimidade de Dilmar Biazussi para figurar no polo passivo da presente demanda. Com tais fundamentos, rejeito a preliminar suscitada. Da apreciação da prejudicial de mérito de nulidade da sentença. Alegam os Recorrentes a nulidade da sentença proferida pelo Juízo singular, sob os fundamentos de ausência de fundamentação e de cerceamento de defesa. Desde logo, anoto que a alegação não merece prosperar. Com efeito, o art. 489, § 1º, incisos III e IV, do Código de Processo Civil, dispõe: Art. 489. São elementos essenciais da sentença: [...] § 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: [...] III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador. Observa-se, portanto, que as decisões judiciais — interlocutórias, sentenças ou acórdãos — devem ser devidamente fundamentadas, cabendo ao magistrado apresentar as razões de seu convencimento, demonstrando a interpretação conferida à norma jurídica aplicável e sua correlação com os fatos do caso concreto. Sob essa perspectiva, não se constata qualquer deficiência na fundamentação da sentença apelada. No caso, embora concisa, a decisão de primeiro grau apresenta motivação suficiente, com clareza e objetividade, evidenciando os fundamentos jurídicos e fáticos que levaram à parcial procedência dos pedidos formulados na exordial. Assim sendo, afasto a prejudicial de mérito de nulidade da sentença. Da apreciação da prejudicial de mérito de cerceamento de defesa. Os Recorrentes sustentam, ainda, a ocorrência de cerceamento de defesa, sob o argumento de que seria imprescindível a produção de prova pericial. É certo que as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa são pilares do processo justo. Contudo, o Código de Processo Civil admite, em determinadas hipóteses, o julgamento antecipado da lide, desde que presentes nos autos elementos suficientes para a convicção do magistrado, sem que isso represente violação às garantias processuais das partes. Com efeito, para que não se caracterize cerceamento de defesa, é necessário que o processo esteja suficientemente instruído com os elementos necessários ao julgamento. Destaca-se que cabe ao juiz decidir, motivadamente, sobre a necessidade ou não de produção de prova requerida pelas partes, à luz do princípio do livre convencimento motivado, previsto no art. 370 do CPC. Dessa forma, não incorre em cerceamento de defesa o magistrado que, ao analisar o conjunto probatório constante dos autos, entende ser desnecessária a produção de prova técnica para o deslinde da causa. No caso em apreço, não se verifica afronta às garantias do contraditório e da ampla defesa, uma vez que a controvérsia envolve aspectos de direito e de fato que já se encontram satisfatoriamente esclarecidos nos autos, por meio dos documentos juntados, notadamente os relatórios técnicos, auto de infração, georreferenciamento e demais provas administrativas. Cumpre lembrar que o julgamento antecipado pressupõe que a causa esteja madura, ou seja, que prescinda de dilação probatória. De fato, só haverá cerceamento de defesa quando a parte for surpreendida com o julgamento antecipado e não tiver oportunidade de comprovar fatos relevantes por insuficiência de provas — o que não se constata na hipótese em análise. Nesse sentido, colhe-se o seguinte entendimento do Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE DESPEJO CONJUGADA COM COBRANÇA DE ALUGUEL– PROCESSUAL CIVIL – INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO – IDOSO – DESNECESSIDADE – JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE – DESPACHO SANEADOR – INEXISTÊNCIA – CERCEAMENTO DE DEFESA – NÃO CONFIGURAÇÃO. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Esta Corte firmou entendimento no sentido de não ser obrigatória a intervenção do Ministério Público nas ações que envolvam interesse de idoso, exceto se comprovada a situação de risco de que trata o art. 43 da Lei nº 10.741/2003. Precedentes. 3. Não é nula a sentença proferida em julgamento antecipado, sem prolação de despacho saneador, desde que estejam presentes nos autos elementos necessários e suficientes à solução da lide. Precedentes. 4. Agravo interno não provido. (STJ - AgInt no REsp: 1681460 PR 2017/0152731-4, Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, data de julgamento: 03/12/2018, T3 – Terceira Turma, data de publicação: DJe 06/12/2018). AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – RECURSO INCAPAZ DE ALTERAR O JULGADO – PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS – PRIMEIRA FASE – JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE – CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA – REEXAME – SÚMULA Nº 7/STJ.1. As instâncias ordinárias, à luz dos elementos constantes dos autos, concluíram pelo dever de prestar as contas em relação ao período de 2006 e 2007, tendo em vista que as contas referentes ao ano de 2005 foram aprovadas.2. Não configura cerceamento de defesa o julgamento da causa sem a produção de prova quando o tribunal de origem considerar substancialmente instruído o feito, declarando a existência de provas suficientes para seu convencimento. Rever tal conclusão acarreta a incidência da Súmula nº 7/STJ.3. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp 1079073/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 17/08/2017, DJe 30/08/2017). Além disso, a Lei Estadual n. 233/2005, que trata da política florestal do Estado de Mato Grosso, autoriza expressamente o uso de imagens obtidas por sensoriamento remoto como meio de prova idôneo para configurar infrações ambientais (art. 64), sendo, portanto, legítima a atuação da Administração Pública com base nesses elementos. Diante de tais considerações, afasto também a alegação de cerceamento de defesa. Da apreciação do mérito. Inicialmente, cumpre registrar que o meio ambiente ecologicamente equilibrado constitui direito fundamental assegurado pelo art. 225 da Constituição da República Federativa do Brasil, sendo de titularidade coletiva, difusa e intergeracional, o que impõe ao Poder Judiciário o dever de tutelá-lo, assegurando a efetividade da responsabilidade civil ambiental. A responsabilidade por danos ao meio ambiente, nos termos do art. 225, § 3º, da Constituição Federal e do art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/1981, é de natureza objetiva, informada pela teoria do risco integral, de modo que não se admitem excludentes de responsabilidade, como caso fortuito, força maior, culpa exclusiva de terceiro ou da vítima. Assim, comprovadas a conduta ilícita, o dano e o nexo de causalidade, resta configurado o dever de indenizar. Logo, a tese recursal que sustenta a ausência de dolo na conduta dos Recorrentes não pode prosperar, justamente em razão da natureza objetiva da responsabilidade civil por dano ambiental. No caso em apreço, o Auto de Infração n. 0080000623, lavrado em 24/01/2023, comprova, de forma inequívoca, que os Recorrentes realizaram o desmatamento raso de 55,560 hectares de floresta nativa, considerada de especial preservação, sem autorização do órgão ambiental competente, em imóvel rural situado no Município de Nova Ubiratã. Do Relatório Técnico n. 0000001110, de 27/01/2023, elaborado no âmbito da Operação Amazônia, extrai-se que a equipe técnica diligenciou até o local para fiscalização terrestre, após a detecção de alertas de desmatamento gerados pela plataforma SCCON, com base em imagens de satélite de alta definição da constelação Planet. Na ocasião, foi constatado desmatamento a corte raso em 55,76 hectares de Floresta Estacional Semidecidual, pertencente ao bioma Amazônia. Dessa forma, a autoria e a materialidade da infração ambiental restaram devidamente demonstradas por meio dos documentos técnicos juntados aos autos pelo Ministério Público, em especial os relatórios ambientais, autos de infração e georreferenciamento da área atingida. Em razão disso, a alegação recursal de que “não há comprovação de fogo na área” não se sustenta, pois a infração ambiental discutida não se refere ao uso irregular do fogo, mas sim ao desmatamento de floresta nativa a corte raso. Ademais, as imagens obtidas por sensoriamento remoto possibilitam a análise detalhada de vegetação, relevo, uso do solo e alterações na superfície terrestre, sendo reconhecidas legalmente como meio de prova idôneo. A Lei Estadual n. 233/2005, que dispõe sobre a política florestal do Estado de Mato Grosso, prevê expressamente a validade das imagens digitais obtidas por sensoriamento remoto para fins de comprovação de infração ambiental, nos termos do art. 64: Art. 64. As imagens digitais, obtidas por sensoreamento remoto, em formato analógico, com especificação das coordenadas e datas de sua captação, constituem meio idôneo para a comprovação de desmatamento, sendo suficientes para configurar a infração administrativa, caso o empreendimento não esteja regularmente licenciado. Nota-se, portanto, que a utilização de imagens de satélite para atestar a ocorrência de desmatamento está amparada em legislação específica, razão pela qual não há qualquer nulidade no Auto de Infração lavrado pela SEMA/MT com base nesse tipo de prova. Nesse sentido, colaciona-se o seguinte julgado: RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DANO AMBIENTAL – AUTO DE INFRAÇÃO – UTILIZAÇÃO DE IMAGENS COLHIDA VIA SATÉLITE – POSSIBILIDADE – EQUIPARAÇÃO A DOCUMENTO PÚBLICO – DANOS MORAIS – AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO – FALTA DE INTERESSE RECURSAL – RECURSO DESPROVIDO. 1. A sentença proferida pelo juízo a quo não condenou o Apelante em indenização por danos morais difusos. 2. Logo, falta ao Apelante interesse recursal. 3. Dano ambiental e mencionado no Auto de Infração constatado por meio de imagens via satélite. 4. Embora as imagens que originaram o Auto de Infração sejam provenientes de satélites, o auto foi lavrado por agente público, o qual tem fé pública e os atos administrativos por ele realizados gozam de presunção de veracidade e legitimidade. 5. Ademais, as imagens realizadas por satélites e corroboradas por agentes púbicos equivalem a documentos públicos, em observância ao que dispõe o art. 405 do CPC. 6. Recurso Desprovido. (N.U 1001067-72.2020.8.11.0107, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO, MARIA EROTIDES KNEIP, Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo, Julgado em 06/03/2023, Publicado no DJE 22/03/2023) A Ação Civil Pública por dano ambiental pode resultar em diferentes espécies de condenação: indenização pecuniária (danos materiais e morais) ou imposição de obrigação de fazer ou não fazer, sendo perfeitamente possível a cumulação de tais modalidades. No tocante à condenação ao pagamento de indenização por danos materiais no valor de R$ 530.384,65 (quinhentos e trinta mil, trezentos e oitenta e quatro reais e sessenta e cinco centavos), os Recorrentes alegam que tal imposição não poderia ser cumulada com a obrigação de fazer. Sobre o tema, cumpre esclarecer que tanto a doutrina quanto a jurisprudência pátrias reconhecem duas espécies distintas de danos materiais decorrentes de ilícito ambiental: o residual e o intercorrente. O dano residual deve ser arbitrado quando for inviável a recuperação da área degradada ou, ainda, quando não houver o cumprimento da obrigação de fazer, consistente na apresentação e execução do Plano de Recuperação de Área Degradada (PRAD). Já o dano intercorrente corresponde ao período em que a área permaneceu degradada, ou seja, entre a data da ocorrência do dano e o momento da efetiva recuperação ambiental. Ele visa compensar a perda temporária do serviço ambiental. Nesse sentido, destaca-se o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL. DANOS MORAIS COLETIVOS. DANOS AMBIENTAIS INTERCORRENTES. OCORRÊNCIA. 1. Os danos morais coletivos são presumidos. É inviável a exigência de elementos materiais específicos e pontuais para sua configuração. 2. A configuração dessa espécie de dano depende da verificação de aspectos objetivos da causa. Trata-se de operação lógica em que os fatos conhecidos permitem ao julgador concluir pela ocorrência de fatos desconhecidos. 3. Considerando-se a inversão do ônus probatório em matéria ambiental, deve o réu comprovar a inexistência de tais elementos objetivos. A presunção opera em favor do fato presumido, somente se afastando diante de razões concretas. 4. O dano intercorrente não se confunde com o dano residual. O dano ambiental residual (permanente, perene, definitivo) pode ser afastado quando a área degradada seja inteiramente restaurada ao estado anterior pelas medidas de reparação in natura. O dano ambiental intercorrente (intermediário, transitório, provisório, temporário, interino) pode existir mesmo nessa hipótese, porquanto trata de compensar as perdas ambientais havidas entre a ocorrência da lesão (marco inicial) e sua integral reparação (marco final). 5. Hipótese em que o acórdão reconheceu a ocorrência de graves e sucessivas lesões ambientais em área de preservação permanente (APP) mediante soterramento, entulhamento, aterramento e construção e uso de construções civis e estacionamento, sem autorização ambiental e com supressão de vegetação nativa de mangue, restinga e curso d'água. 6. Patente a presença de elementos objetivos de significativa e duradoura lesão ambiental, configuradora dos danos ambientais morais coletivos e dos intercorrentes. As espécies de danos devem ser individualmente arbitradas, na medida em que possuem causas e marcos temporais diversos. 7. Recurso especial provido para reconhecer a existência de danos ambientais morais coletivos e danos ambientais intercorrentes, com valor compensatório a ser arbitrado em liquidação. (STJ - REsp: 1940030 SP 2021/0038297-6, Data de Julgamento: 16/08/2022, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/09/2022) (grifos nossos). Ad argumentandum tantum, não há qualquer vedação à cumulação da indenização por danos materiais (residual e intercorrente) com a condenação ao pagamento de danos morais coletivos, conforme entendimento consolidado pela jurisprudência e doutrina especializadas. Dessa forma, é plenamente cabível que o valor da indenização por dano material ambiental, tanto residual quanto intercorrente, seja apurado em sede de liquidação de sentença por arbitramento, nos termos do art. 509, inciso I, do Código de Processo Civil, considerando a necessidade de avaliação técnica acerca do grau e extensão do impacto ambiental. Assim, impõe-se a reforma parcial da sentença apenas para que o valor da indenização por dano material ambiental residual seja fixado em liquidação de sentença, condicionado à apresentação do PRAD pelos Recorrentes. A jurisprudência desta Corte caminha na mesma direção, conforme se verifica no seguinte julgado: DIREITO AMBIENTAL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. QUEIMADAS IRREGULARES EM PROPRIEDADE RURAL. PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE DIALETICIDADE. REJEIÇÃO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA POR DANO AMBIENTAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS COLETIVOS. CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÕES DE FAZER, NÃO FAZER E INDENIZAR. PROVIMENTO DO RECURSO. I. Caso em exame Apelação interposta pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso contra sentença da 1ª Vara da Comarca de São José do Rio Claro-MT, que, em ação civil pública por dano ambiental, impôs ao réu, Sebastião José Ferreira, obrigações de fazer e de não fazer para prevenção de queimadas, mas negou o pedido de indenização por danos materiais e morais coletivos. O recurso busca a reforma da sentença para condenação do réu ao pagamento de indenizações em razão de queimadas não autorizadas na Fazenda Beira Rio II, em Nova Maringá-MT, entre 2016 e 2021. II. Questão em discussão Há quatro questões em discussão: (i) a admissibilidade do recurso diante da alegada ausência de dialeticidade; (ii) a possibilidade de cumular obrigações de fazer e de não fazer com a obrigação de indenizar por danos material e moral coletivo; (iii) a configuração e quantificação da obrigação de indenizar o dano material ambiental; e (iv) a configuração e quantificação da indenização por dano moral coletivo ambiental. III. Razões de decidir Quanto à preliminar de ausência de dialeticidade, o recurso preenche o requisito do art. 1.010, III, do CPC, uma vez que as razões recursais são suficientes para demonstrar o interesse do apelante na reforma da sentença, afastando a alegação de inadmissibilidade. A jurisprudência do STJ reconhece que a mera repetição de argumentos não configura falta de dialeticidade (STJ, EDcl no AgRg no AREsp 825.367/SC, Rel. Min. Humberto Martins). A legislação e a jurisprudência permitem a cumulação das obrigações de reparar e indenizar por danos ambientais, pois visam finalidades distintas: a reparação integral do meio ambiente e a compensação pelos danos materiais e morais coletivos. A Súmula 629 do Superior Tribunal de Justiça admite a condenação cumulativa em obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar em casos de dano ambiental. A responsabilidade civil por dano ambiental é objetiva e independente de culpa, baseada na teoria do risco integral (CF, art. 225, § 3º, e Lei 6.938/1981, art. 14, § 1º), cabendo ao poluidor a obrigação de reparar e/ou indenizar os danos causados ao meio ambiente. A jurisprudência do Superior Tribunal Justiça exige nexo de causalidade para a configuração da responsabilidade ambiental, o qual foi demonstrado pela posse do réu na Fazenda Beira Rio II e pela ausência de autorização para queimadas, conforme Relatório de Focos de Incêndio e recibo de inscrição no CAR. Comprovado o dano material ambiental, mas não sendo possível determinar de imediato o valor para fins de reparação, admite-se que sua quantificação seja realizada em fase de liquidação de sentença, por arbitramento, considerando: i) a dimensão e a natureza da área atingida pelos incêndios; ii) o marco inicial do dano; e iii) o marco final do dano, a depender da constatação da reparação da área degradada, seja por meio da restauração in natura, seja por compensação indenizatória do dano residual, caso a restauração não se revele viável. O dano moral coletivo ambiental é configurado pela degradação do meio ambiente, sendo desnecessária a comprovação de sofrimento coletivo específico, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. O uso de fogo, sem a devida autorização do órgão ambiental competente, prática esta ocorrida de forma recorrente, configura grave violação ao patrimônio ambiental e aos direitos difusos da coletividade, resultando na responsabilização por dano moral coletivo ambiental. A fixação do valor de indenização por dano moral coletivo deve observar os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, podendo utilizar o método bifásico do Superior Tribunal de Justiça para determinar um valor justo e equitativo. No caso, foi fixado o montante de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais), considerando a gravidade e a extensão dos danos. IV. Dispositivo e tese Recurso provido. Tese de julgamento: “1. O requisito da dialeticidade é atendido quando as razões recursais são suficientemente claras para justificar a reforma da sentença, não configurando ausência de dialeticidade a mera repetição de argumentos. 2. É permitida a cumulação das obrigações de fazer e de não fazer com a de indenizar, em casos de danos ambientais, para assegurar a reparação integral, conforme Súmula 629 do STJ. 3. A responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva, fundamentada no risco integral, e requer nexo causal entre a conduta do agente e o dano causado. 4. O dano moral coletivo ambiental decorre da violação a direitos difusos ao meio ambiente equilibrado, prescindindo de comprovação de sofrimento individual, sendo passível de indenização pelo prejuízo coletivo.” Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 225, § 3º; Lei 6.938/1981, art. 14, § 1º; Lei 7.347/1985, art. 3º e art. 13; Lei 12.651/2012, art. 38; CPC, arts. 1.010, III, 491 e 509, I; CC, art. 944. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula 629; STJ, EDcl no AgRg no AREsp 825.367/SC; STJ, REsp 1.454.281/MG, Rel. Min. Herman Benjamin; STJ, REsp 1.596.081/PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva; STJ, REsp 1.269.494/MG, Relª. Minª. Eliana Calmon; STJ, REsp 1.057.274/RS, Relª. Minª. Eliana Calmon; STJ, REsp 1.845.200/SC, Rel. Min. Og Fernandes; TJMT, N.U. 0001864-05.2010.8.11.0111, Rel. Des. Luiz Carlos Da Costa, Segunda Câmara De Direito Público E Coletivo, j. 04.11.2020; TJMT, N.U. 0001651-53.2013.8.11.0059, Relª. Desª. Maria Aparecida Ferreira Fago, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, j. 28.05.2024; e TJMT, N.U. 0000647-16.2010.8.11.0049, Relª. Desª. Antônia Siqueira Gonçalves, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, j. 16.09.2020. (N.U 1001369-95.2021.8.11.0033, CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PÚBLICO, RODRIGO ROBERTO CURVO, Vice-Presidência, Julgado em 04/12/2024, Publicado no DJE 04/12/2024) Diante de tais fundamentos, a hipótese é de parcial provimento do Apelo interposto, tão somente para que o valor da indenização por dano material seja fixado em sede de liquidação de sentença. Da apreciação do Apelo interposto pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso. Inicialmente, anoto que se verifica dos autos que os documentos acostados pelo Apelante motivaram a parcial procedência da demanda e, por consequência, a condenação à reparação da degradação ambiental. Conforme se extrai do Auto de Infração n. 0080000623/2023, restou devidamente comprovada a ocorrência de dano ambiental nos presentes autos, decorrente do desmatamento de área de floresta nativa, considerada de especial preservação, localizada no imóvel rural denominado “Lote Serraria”, de propriedade dos Apelados. Na petição inicial, o Ministério Público instruiu a demanda com: i) auto de infração; ii) termo de embargo/interdição; iii) notificação; e iv) relatório de apuração de infrações administrativas ambientais (ID 220800650). Do laudo pericial produzido nos autos, verifica-se que foi constatado o desmatamento de 55,76 hectares de área de especial preservação, sem a devida autorização da autoridade ambiental competente. O recurso em análise cinge-se à possibilidade de condenação dos Apelados ao pagamento de indenização por dano moral coletivo. Sobre o ponto, reputo plenamente cabível a condenação ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, uma vez que o dano ambiental extrapola a esfera privada e atinge o patrimônio imaterial da coletividade. É de se destacar que não é apenas a agressão física ao meio ambiente que merece reparação, mas também a privação imposta à sociedade quanto ao equilíbrio ecológico, ao bem-estar e à qualidade de vida que o recurso ambiental degradado proporcionava. Nessa perspectiva, o dano moral coletivo caracteriza-se pela lesão à esfera extrapatrimonial da comunidade, consubstanciando a violação de direito transindividual de ordem coletiva e de valores sociais juridicamente tutelados, não se limitando à dor psíquica individual, mas englobando todo abalo à coletividade. Neste mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça, por meio do Informativo de Jurisprudência n. 851, firmou entendimento no sentido de que: “A identificação de danos ecológicos transindividuais de natureza imaterial deve ser objetivamente constatada sob a perspectiva de danum in re ipsa, vale dizer, de forma inerente à conduta lesiva.” No julgamento do REsp 2.200.069/MT, a Ministra Regina Helena Costa assim decidiu: “[...] O cerne da presente controvérsia reside em definir se a supressão de vegetação nativa situada na Amazônia Legal, à revelia de autorização dos órgãos competentes, permite a condenação do infrator ao pagamento de indenização por danos morais ambientais. O art. 225, § 4º da Constituição da República atribui proteção jurídica qualificada à Floresta Amazônica, à Mata Atlântica, à Serra do Mar, ao Pantanal Mato-Grossense e à Zona Costeira ao arrolá-los como patrimônio nacional. Em consonância com a referida norma Constitucional, a utilização de áreas situadas na Floresta Amazônica sem a observância do dever de proteção ao meio ambiente e em contrariedade às normas legais e regulamentares, especialmente a supressão de espécimes nativas com impedimento ou embaraço à regeneração da flora, implica ilícito danoso ao patrimônio da coletividade nacional, cuja reparação há de ser perseguida em suas mais diversas formas. Diga-se, por oportuno, que o meio ambiente hígido e equilibrado é compreendido como um direito fundamental cuja titularidade é transindividual. Por essa razão, a despeito da relevante e necessária recomposição de lesões ecológicas materiais, não se pode perder de vista, à luz do princípio da reparação integral, a imprescindibilidade de tutelar o meio ambiente sob a perspectiva imaterial por meio do reconhecimento de danos difusos de matizes distintas, a exemplo dos danos morais coletivos em sentido amplo e dos danos sociais. Em verdade, a existência de violação indenizável ao patrimônio moral da coletividade ocorrerá sempre que evidenciada a intolerabilidade do dano, por atentar, por exemplo, contra processos ou padrões ecológicos detentores de especial proteção jurídica e objetivamente identificáveis, presumindo-se, nessa hipótese, o vilipêndio in re ipsa ao direito difuso ao meio ambiente equilibrado. Dessarte, não obstante seja inadequado considerar presente lesão ecológica difusa e extrapatrimonial tão somente em virtude do descumprimento da legislação ambiental - exigindo-se, ao revés, a intolerabildade do dano à natureza -, sua constatação deve ser apreciada de maneira objetiva e tomando por parâmetro avaliação conjuntural de ações ou omissões singulares, sendo presumida a lesão imaterial sempre que as condutas ilícitas, consideradas em sua totalidade, afetem processos ou padrões ecológicos detentores de especial proteção jurídica. No Superior Tribunal de Justiça, a Corte Especial estabeleceu que os danos morais coletivos advêm de grave ofensa ao direito tutelado, sendo aferíveis, de maneira objetiva e in re ipsa, quando averiguada lesão intolerável e injusta a valores fundamentais da sociedade. Nesse contexto, o reconhecimento dos danos morais coletivos em matéria ambiental avulta como corolário do princípio da reparação integral, de modo a recompor os prejuízos difusos à integridade dos processos biológicos e, ainda, para preservar a sadia qualidade de vida das presentes e futuras gerações. Assim, não obstante o descumprimento da legislação ambiental não seja o suficiente, por si só, para ensejar perquirição de danos imateriais difusos, a constatação de ofensas concretas ao meio ambiente - e, em especial, quando atingidos os biomas arrolados como patrimônio nacional pelo art. 225, § 4º, da Constituição da República, com diminuta tolerância à sua descaracterização - induz a existência de abalos inaceitáveis e injustificáveis a bem jurídico de natureza fundamental, rendendo ensejo, por conseguinte, à presunção do nexo de causalidade entre a conduta ilícita e o evento danoso - analisado, repise-se, sob o aspecto holístico e conjuntural, para além da mera averiguação individualizada -, inclusive mediante a distribuição pro natura do ônus probatório, consoante retratado no enunciado da Súmula n. 618/STJ. Além disso, é impróprio afastar a ocorrência de danos extrapatrimoniais ao meio ambiente apenas com fundamento na extensão da área degradada, impondo-se, diversamente, apreciá-la tomando por parâmetro o aspecto cumulativo e sinérgico de ações múltiplas praticadas por agentes distintos, as quais, conquanto isoladamente não ostentem aspecto expressivo, resultam, em conjunto, em inescusável e injusta ofensa a valores fundamentais da sociedade, de modo emprestar efetividade ao princípio da reparação integral. Portanto, não cabe condicionar a fixação de indenização extrapatrimonial por lesões ambientais difusas a aspectos eminentemente subjetivos (por exemplo a angústia e o sofrimento experimentado por indivíduos de uma coletividade), uma vez que a identificação de danos ecológicos transindividuais de natureza imaterial deve ser objetivamente esquadrinhada sob a perspectiva de danmum in re ipsa - vale dizer, de forma inerente à conduta lesiva, sendo prescindível averiguações outras -, cuja verificação deflui de ofensa intolerável e injusta a valores fundamentais da sociedade. (REsp 2.200.069-MT, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 13/5/2025, DJEN 21/5/2025)”. Com base nessa fundamentação e à luz da jurisprudência dominante, entendo ser plenamente possível o reconhecimento do dano moral coletivo decorrente do ilícito ambiental perpetrado. No caso concreto, o desmatamento irregular de 55,76 hectares de floresta nativa pertencente ao bioma Amazônia implica grave comprometimento da biodiversidade, do equilíbrio ecológico e dos serviços ambientais prestados por aquele ecossistema, cuja regeneração é de extrema complexidade. Segundo Philip M. Fearnside, referência internacional no estudo da Amazônia (Destruição e conservação da floresta amazônica. Manaus: INPA, 2022, p. 35), a recomposição desse bioma demanda séculos e, mesmo quando viável, raramente atinge o estado original de funcionamento. Ainda, sob o ponto de vista global, a degradação da floresta amazônica contribui para o agravamento do aquecimento global, mediante a liberação de carbono estocado na biomassa, e interfere no regime hidrológico, afetando bacias hidrográficas e a regulação climática. Dessa forma, a fixação de indenização por dano moral coletivo deve observar os critérios de razoabilidade e proporcionalidade, ponderando-se a gravidade da infração, o impacto coletivo, a capacidade econômica dos responsáveis e o caráter pedagógico da medida. Diante dessas considerações, verifica-se que a condenação ao pagamento de indenização por dano moral coletivo deve guardar correspondência com o dano ambiental causado, motivo pelo qual fixo o valor da indenização em R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais). Conclui-se, portanto, que o recurso interposto pelo Parquet comporta provimento, a fim de condenar a parte Apelada ao pagamento de indenização por dano moral coletivo. Forte nessas razões, em parcial consonância com o parecer ministerial, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao Recurso interposto por ST Madeiras LTDA e outro, tão somente para determinar que o valor do dano material ambiental residual seja fixado em sede de liquidação de sentença, e DOU PROVIMENTO ao Recurso de Apelação Cível interposto pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso, para condenar ambos os Apelados, solidariamente, ao pagamento de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais), a título de dano moral coletivo. Quanto à incidência dos juros moratórios, estes deverão ser calculados pela Taxa Selic, a partir da data do evento danoso, nos termos da Súmula 52 do STJ. A correção monetária deverá observar a variação do IPCA até a data do arbitramento, momento a partir do qual passará a incidir também a correção monetária, em conformidade com a Súmula 362 do STJ. É como voto. Data da sessão: Cuiabá-MT, 01/07/2025
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