Processo nº 0800690-17.2024.8.20.5112
ID: 257208953
Tribunal: TJRN
Órgão: 1ª Vara da Comarca de Apodi
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CíVEL
Nº Processo: 0800690-17.2024.8.20.5112
Data de Disponibilização:
15/04/2025
Polo Ativo:
Polo Passivo:
Advogados:
FABIO FRASATO CAIRES
OAB/RN XXXXXX
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
1ª Vara da Comarca de Apodi
BR 405, KM 76, Portal da Chapada, null, null, APODI/RN - CEP 59700-000
Processo nº: 0800690-17.2024.8.20.5112
Classe: P…
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
1ª Vara da Comarca de Apodi
BR 405, KM 76, Portal da Chapada, null, null, APODI/RN - CEP 59700-000
Processo nº: 0800690-17.2024.8.20.5112
Classe: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL
AUTOR: ELZA MARIA DE MORAIS LIMA
REU: Banco BMG S/A
SENTENÇA
Vistos.
Trata-se de AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE
DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS proposta
por ELZA MARIA DE MORAIS LIMA em face de BANCO BMG S/A, todos
devidamente qualificados nos autos, em decorrência da cobrança de parcelas
relativas a empréstimo por cartão consignado que nega ter contratado.
Alega a parte autora que “ao consultar seu extrato de benefício
e empréstimos, percebeu um desconto na ordem de R$: 55,00 (cinquenta e cinco
reais), frutos de uma contratação de cartão de crédito com reserva de margem
consignável, que vem fazendo descontos desde Julho de 2018.”.
Requereu o pagamento de indenização por danos materiais e
morais, bem como declaração de inexistência de negócio jurídico.
Este juízo indeferiu o pedido liminar de suspensão do desconto
das parcelas em folha de pagamento, entretanto, deferiu a gratuidade da justiça e
determinou a inversão do ônus da prova em favor da parte autora, bem como
dispensou a audiência de conciliação.
Devidamente citada, a parte requerida apresentou contestação
arguindo preliminarmente a ausência de interesse de agir, impugnando o valor da
causa apresentando pela autora em sua inicial e ainda suscitou a prescrição e
decadência.
No mérito, apresentou contestação acompanhada da cópia do
contrato e sustentando a regularidade do contrato apresentado, aduzindo que a
parte autora se beneficiou do empréstimo, e, ao empreender os descontos das
parcelas, afirma ter agido no exercício regular de direito, o que afastaria sua
responsabilidade, e, por consequência, o dever de indenizar.
Pugnou pela improcedência do pedido.
Réplica da parte autora reafirmando os termos da
inicial, impugnando os fundamentos da contestação e pugnando pelo julgamento
antecipado.
Devidamente intimada, a parte requerida pugnou pela
improcedência da demanda.
Este juízo proferiu sentença de improcedência do pedido.
Em grau de recurso, o E. TJRN reconheceu de ofício a
ocorrência de cerceamento de defesa e determinou a realização de perícia.
Anexado o laudo, a parte autora concordou com a conclusão
do perito, ao passo que a parte ré pediu dilação do prazo para manifestação.
É o relatório.
Fundamento e decido.
De início, incabível o pedido de dilação do prazo formulado
pelo réu, diante da ausência de previsão legal. A parte ré teve o prazo legal de 15
dias para se manifestar sobre o laudo pericial, sendo incabível a prorrogação, sob
pena de incorrer em indevido tratamento desigual.
Ademais, saliento que tem sido corriqueiro neste juízo a
propositura de inúmeras ações padronizadas, nas quais, litigando sob o pálio da
gratuidade judiciária, a parte autora alega genericamente não ter conhecimento
da origem de cobranças existentes há vários anos, pugnando, assim, pela
declaração de nulidade do negócio jurídico, a repetição do indébito nos últimos
cinco anos e compensação por danos morais.
O Poder Judiciário tem enfrentado uma série de desafios,
sendo que um deles é conseguir adequar o aumento da demanda processual
com a falta de recursos humanos e materiais, a fim de que não dificulte o
atendimento ao jurisdicionado.
Nesse sentido, após levantamento estatístico realizado nos
sistemas PJe e GPSJus, constatou-se que, em 2020, foram 780
processos distribuídos na 1ª Vara de Apodi/RN, resultando numa média mensal
de 65 casos novos; em 2021, a quantidade aumentou para 953 processos
entrados, média de 79 casos por mês; em 2022, foram 1.241 feitos ajuizados, ou
seja, média de 103 processos mensais; em 2023, até o mês de junho, foram 887
casos novos, a saber, 147 processos em média a cada mês, conforme tabela que
segue:
Esses números demonstram que, a partir do ano de
2021, quando aportaram neste juízo as demandas em massa, ajuizadas em lote
de maneira predatória, a média de distribuição de processos mais que duplicou,
aumentando em 126%, sem que tenha havido alteração nas competências desta
vara ou outro fator que justificasse tal acréscimo.
O crescimento exponencial das distribuições de processos
padronizados e repetitivos pode ser explicado pelo volume de ajuizamentos de
processos com contratos antigos, conforme se vislumbra no presente caso, em
que a parte autora efetua o pagamento de várias parcelas sem questionar a
legitimidade do negócio, e, em regra, se beneficia do valor da operação em sua
conta bancária.
Este fenômeno pode ser denominado de LITIGIOSIDADE
PREDATÓRIA, quando a parte, tendo em vista a facilidade e a gratuidade da
justiça, questiona de maneira genérica os empréstimos antigos, sem se importar
com os custos econômicos e sociais de seu processamento, na expectativa de
que nada tem a perder em caso de derrota processual, pois não há condenação
em custas ou honorários.
Dito isto, passando adiante, destaco que as preliminares não
merecem acolhimento, senão vejamos.
A parte requerida sustenta a ausência de pretensão resistida
por parte do autor, por não ter feito prova de que buscou solucionar a
problemática pela via administrativa. Entretanto, tal argumento não merece
acolhida por este juízo, pois, se faz desnecessário que a parte autora esgote as
vias administrativas para, só então, poder buscar judicialmente a satisfação de
sua pretensão, sob pena de violação ao art. 5º, XXXV, da CF.
Dessa forma, REJEITO a preliminar arguida.
Ainda, houve a impugnação ao valor da causa, alegando-
se que o valor apresentando pela autora não condiz com a realidade e foi
quantificado de forma aleatória.
Porém, de acordo com o art. art. 292, V, do CPC, aduz que o
valor da causa corresponde, na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano
moral, o valor pretendido. No caso, a somatória do dano moral e material
pleiteado na inicial é igual àquele designado pela parte autora, não havendo
nenhuma irregularidade.
Assim, rejeito a impugnação ao valor da causa.
Em relação à decadência/prescrição, observo que não se
aplica ao caso concreto, uma vez que, em se tratando de fato do serviço, aplica-
se o prazo prescricional previsto no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor.
De igual modo, considerando a relação jurídica de trato
sucessivo, a prescrição quinquenal não atinge o fundo de direito, alcançando, tão
somente, os descontos efetuados anteriormente aos cinco anos que antecedem a
propositura da ação.
Por essas razões, REJEITO as preliminares/prejudiciais
arguidas, ressalvando-se que os descontos efetuados anteriormente aos cinco
anos que antecedem a propositura da ação, estão fulminados pela prescrição.
Estando presentes pressupostos processuais de existência,
requisitos de validade do processo, bem como as condições da ação, cabível a
análise do mérito.
Antes de analisar os aspectos fáticos trazidos à baila, é mister
tecer algumas considerações acerca do princípio da boa-fé nas relações
jurídicas, que tanto pode ser visto como uma chave interpretativa (art. 113 do
Código Civil), quanto geradora do dever de lealdade em todas as fases do
negócio (art. 422 do Código Civil), além de exercer função limitadora do exercício
de um direito (art. 187 do Código Civil).
Neste último aspecto, em que o postulado da boa-fé exerce um
papel limitador do exercício de direito, a doutrina tradicional construiu quatro
formas de limitações de comportamento que podem ser caracterizadas como
abuso de direito, quais sejam: o venire contra factum proprium, o tu
quoque, a surrectio e a suppressio.
Segundo a lição de Flávio Tartuce, in Direito Civil - Teoria Geral
do Contrato e Contrato em Espécie. Vol. III, Editora Método, São Paulo: 2006,
pág. 108, supressio significa “a supressão, por renúncia tácita, de um direito, pelo
seu não exercício com o passar do tempo”.
Por sua vez, Luiz Rodrigues Wambier, no artigo publicado na
Revista dos Tribunais 915/280, janeiro de 2012, assevera que:
“A supressio significa o desaparecimento de um direito, não exercido por
um lapso de tempo, de modo a gerar no outro contratante ou naquele que
se encontra no outro polo da relação jurídica a expectativa de que não
seja mais exercido. Pode-se dizer que o que perdeu o direito teria
abusado do direito de se omitir, mantendo comportamento reiteradamente
omissivo, seguido de um surpreendente ato comissivo, com que já
legitimamente não contava a outra parte”.
De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça, “o instituto da supressio indica a possibilidade de redução do conteúdo
obrigacional pela inércia qualificada de uma das partes, ao longo da execução do
contrato, em exercer direito ou faculdade, criando para a outra a legítima
expectativa de ter havido a renúncia àquela prerrogativa”. (AgInt no REsp n.
1.841.683/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em
21/9/2020, DJe de 24/9/2020).
Para o Colendo STJ, “segundo o instituto da supressio, a
consagrada inércia no exercício de direito pelo titular, no curso de relação
contratual, gera para a outra parte, em virtude do princípio da boa-fé objetiva, a
legítima expectativa de que não mais se mostrava sujeita ao cumprimento da
obrigação negligenciada, caracterizando possível deslealdade a pretensão de
retomada posterior do exercício do direito”. (AgInt no AREsp n. 1.795.558/PR,
relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 21/6/2021, DJe de
1/7/2021).
Na esteira desse entendimento, a Corte Cidadã consignou
que “a supressio inibe o exercício de um direito, até então reconhecido, pelo seu
não exercício. Por outro lado, e em direção oposta à supressio, mas com ela
intimamente ligada, tem-se a teoria da surrectio, cujo desdobramento é a
aquisição de um direito pelo decurso do tempo, pela expectativa legitimamente
despertada por ação ou comportamento”. (REsp n. 1.338.432/SP, relator Ministro
Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 24/10/2017, DJe de 29/11/2017).
Feitas estas considerações, passo a análise da possibilidade
de aplicação do instituto da supressio no caso concreto.
Compulsando os autos, colhe-se da petição inicial da autora
que “ao consultar seu extrato de benefício e empréstimos, percebeu um desconto
na ordem de R$: 55,00 (cinquenta e cinco reais), frutos de uma contratação de
cartão de crédito com reserva de margem consignável, que vem fazendo
descontos desde Julho de 2018”.
Com efeito, cuida-se de um contrato antigo, com início no ano
de 2018, cujos pagamentos foram feitos mensalmente, sem nenhuma
oposição da parte autora durante mais de 3 anos, porém, após o pagamento
de diversas parcelas, veio a juízo (proc. n. 0803093-61.2021.8.20.5112) alegar
que desconhece a origem dos descontos, requerer a nulidade do negócio e pedir
restituição em dobro, além de compensação por danos morais.
Do contexto narrado, extrai-se a toda evidência que houve
omissão reiterada da parte autora, por longo período de tempo (mais de 3
anos), durante a execução do contrato, em exercer a pretensão veiculada na
inicial, criando para a outra parte, com base no princípio da boa-fé, a legítima
expectativa de ter havido a renúncia àquela prerrogativa, desaparecendo o direito
vindicado pelo(a) requerente em decorrência da supressio e surgindo para o(a)
requerido(a) o direito à continuidade do vínculo obrigacional a partir da ocorrência
da surrectio.
A jurisprudência dos tribunais vem adotando a aplicação desse
entendimento em casos análogos, senão vejamos:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE
DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E REPETIÇÃO
DE INDÉBITO - CONTRATO DE EMPRÉSTIMO - NEGATIVAÇÃO DO
NOME DA PARTE - PAGAMENTO NÃO COMPROVADO - INVERSÃO
DO ÔNUS DA PROVA - IMPOSSIBILDADE - SUPRESSIO -
PRESUNÇÃO DE VERACIDADE - INOCORRÊNCIA. A inversão do ônus
da prova não constitui princípio absoluto, não é automática e não
depende apenas da invocação da condição de consumidor, pois esse
conceito não é sinônimo necessário de hipossuficiência, tampouco de
verossimilhança. A inversão prevista no CDC só é permitida se houver
prova inequívoca da verossimilhança das alegações da parte que a pede,
ou hipossuficiência real à produção de determinada prova, não estando
presentes nenhum dos requisitos no caso. A sanção processual de
presunção de veracidade é aplicável somente quando a exibição é
requerida de forma incidental ao processo principal. A inércia qualificada
de uma das partes gera na outra a expectativa legítima (diante das
circunstâncias) de que a faculdade ou direito não será exercido,
configurando-se a supressio. (TJMG - Apelação Cível 1.0693.12.006676-
8/001, Relator(a): Des.(a) Rogério Medeiros, 13ª CÂMARA CÍVEL,
julgamento em 10/03/2016, publicação da súmula em 18/03/2016).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. Ação de rescisão contratual. Contrato de
cartão de crédito consignado. Decisão que deferiu a tutela antecipada,
determinando a suspensão dos descontos. Insurgência do Banco Réu.
Ausência de prova inequívoca, verossimilhança das alegações e perigo
de dano irreparável ou de difícil reparação. Demanda judicial ajuizada
após mais de 7 anos do início dos descontos. Legítima expectativa da
parte contrária. Deslegitimação da insurgência. "Supressio". Decisão
revogada. Recurso provido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2219693-
49.2023.8.26.0000; Relator (a): Pedro Paulo Maillet Preuss; Órgão
Julgador: 24ª Câmara de Direito Privado; Foro de José Bonifácio - 2ª
Vara; Data do Julgamento: 14/09/2023; Data de Registro: 14/09/2023).
Na mesma linha de raciocínio, segue precedente do Egrégio
TJRN:
EMENTA: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO
CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C INDENIZAÇÃO POR
DANOS MORAIS. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA
DE IMÓVEL. IRRESIGNAÇÃO QUANTO À FALTA DE APRESENTAÇÃO
DE DOCUMENTAÇÃO PARA A MUDANÇA DE TITULARIDADE E
DEMORA NA ENTREGA DO IMÓVEL. BEM QUE DEVERIA TER SIDO
ENTREGUE NO ANO DE 2009, MAS APENAS O FOI EM
2011. DEMANDA AJUIZADA EM 2016. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ
OBJETIVA. APLICAÇÃO DO INSTITUTO DO SUPRESSIO.
SIGNIFICATIVA DEMORA NA PROPOSITURA DA AÇÃO.
EXPECTATIVA QUANTO AO NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES
CONTRATUAIS POR PARTE DA DEMANDADA. PLEITOS RECURSAIS
QUE NÃO DEVEM SER ACOLHIDOS. PRECEDENTES DO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO
CONHECIDO E DESPROVIDO. (APELAÇÃO CÍVEL, 0804997-
37.2016.8.20.5001, Des. Expedito Ferreira, Primeira Câmara Cível,
JULGADO em 07/07/2023, PUBLICADO em 10/07/2023).
Cumpre salientar, ainda, que a conduta da parte autora neste
caso não se revela apenas omissiva, mas, acima de tudo, comissiva, já que se
beneficiou da quantia disponibilizada em seu favor (ID 119141366 - Pág. Total -
212) e efetuou o pagamento mensal das parcelas ajustadas por vários meses, de
modo que seu comportamento também se mostra contraditório, atraindo a
incidência do venire contra factum proprium, confira-se:
APELAÇÕES – Ação declaratória e indenizatória – Empréstimo
Consignado – Sentença de parcial procedência – Insurgências –
Alegação autoral no sentido de que intencionava contratar cartão de
crédito e que teria enviado seus documentos a terceiro identificado como
preposto do banco – Montante disponibilizado na conta do autor e que até
o momento não foi devolvido, revelando-se contraditório o seu
comportamento, o que deslegitima a própria insurgência e cria a legítima
expectativa na parte contrária de conformidade e consentimento
–"Supressio" – Contrato assinado de forma eletrônica – Geolocalização
que corresponde ao endereço do autor – Biometria – Réu que agiu com
cautela e observância da Instrução Normativa DC/INSS nº 121/2005
quando da Contratação – Cumprimento do dever de informação e
transparência – Ainda que assim não fosse, descontos efetivados em
valores modestos e montante elevado disponibilizado em contrapartida –
Ausente supressão de verba alimentar – Inocorrência de dano moral –
Precedente – Ação improcedente – Recurso do réu provido e do autor
desprovido (TJSP; Apelação Cível 1015753-08.2022.8.26.0196; Relator
(a): Pedro Paulo Maillet Preuss; Órgão Julgador: 24ª Câmara de Direito
Privado; Foro de Franca - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 31/07/2023;
Data de Registro: 31/07/2023).
EMENTA: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR - APELAÇÃO CÍVEL -
AÇÃO ORDINÁRIA - PRETENSÃO ANULATÓRIA DE NEGÓGIO
JURÍDICO POR ERRO - CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM
DESCONTO DA PARCELA MÍNIMA EM FOLHA - DIREITO SUJEITO A
PRAZO DECADENCIAL DE QUATRO ANOS A PARTIR DA
CELEBRAÇÃO DO NEGÓCIO - CONSUMAÇÃO DO PRAZO -
OCORRÊNCIA NO CASO - DESCONTO DAS PARCELAS NOS
PROVENTOS - MERO ABORRECIMENTO - DANO MORAL NÃO
CONFIGURADO. (…) omissis - A inação da vítima por longo período de
tempo, neste caso, também depõe contra sua pretensão, visto que a
análise externa de sua conduta, imposta a partir do dever de proteção da
boa-fé objetiva atualmente encartada em nosso ordenamento jurídico
(artigo 422 do Código Civil), faz supor concordância com a perpetuação
da obrigação dita indesejada, afigurando-se a cogitada reparação civil em
manifesto confronto lógico com as diretrizes comportamentais do venire
contra factum proprium e da supressio. (TJMG - Apelação Cível
1.0000.19.111213-5/001, Relator(a): Des.(a) Márcio Idalmo Santos
Miranda, 9ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 03/03/2020, publicação da
súmula em 10/03/2020).
DIREITO CIVIL – CONTRATOS BANCÁRIOS – DOIS EMPRÉSTIMOS
PESSOAIS. Ação declaratória de inexistência de relação jurídica,
cumulada com repetição de indébito e reparação por dano moral.
Pretensão da autora fundada em erro do réu ao gerar duas contratações
ao invés de uma, como desejado desde o início. Sentença de
improcedência da pretensão e inconformismo da autora. Contratações
formalizadas no mesmo dia sem significar, só por si, erro do
réu. Empréstimos pessoais contratados pela autora, o capital de ambos
creditado na sua conta corrente. Adimplemento substancial justamente do
contrato impugnado, sem disposição de restituir esse capital creditado na
conta corrente da autora. Comportamento duradouro e omissivo da autora
em relação à continuidade do contrato. Inversão comportamental
inaceitável. Violação das expectativas do réu. Proibição da venire contra
factum proprium. Princípio da proteção da confiança. Surrectio e
supressio. Contrato interpretado segundo o comportamento reiterado da
autora, ainda mais se a pretensão, tal como deduzida, tem o potencial de
gerar enriquecimento imotivado. Sucumbência toda a cargo da autora, os
honorários advocatícios majorados ope legis (art. 85, § 11, do CPC), a
12% do valor atualizado atribuído à causa, ressalvada a gratuidade
processual. Recurso desprovido. (TJSP; Apelação Cível 1001361-
91.2019.8.26.0156; Relator (a): Nuncio Theophilo Neto; Órgão Julgador:
19ª Câmara de Direito Privado; Foro de Cruzeiro - 2ª Vara Cível; Data do
Julgamento: 04/09/2023; Data de Registro: 10/09/2023).
EMENTA: RECURSO INOMINADO. DIREITO DO
CONSUMIDOR. CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. CONTRATO
NÃO RECONHECIDO. INSTRUMENTO CONTRATUAL
ASSINADO. COMPROVANTE DE TRANSFERÊNCIA. CONTEXTO
PROBATÓRIO DEMONSTRA REGULARIDADE DA CONTRATAÇÃO.
COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO ENTRE O RECEBIMENTO DO
CRÉDITO E O AJUIZAMENTO DA AÇÃO. VENIRE CONTRA FACTUM
PROPRIUM. INEXISTÊNCIA DE ATO ILÍCITO PELA INSTITUIÇÃO
FINANCEIRA. DANO MORAL NÃO CONFIGURADO. LITIGÂNCIA DE
MÁ-FÉ. OCORRÊNCIA. SENTENÇA MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS
FUNDAMENTOS. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
(RECURSO INOMINADO CÍVEL, 0800256-67.2021.8.20.5133,
Magistrado(a) JOAO EDUARDO RIBEIRO DE OLIVEIRA, 3ª Turma
Recursal, JULGADO em 05/07/2023, PUBLICADO em 11/07/2023).
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO.
TELEFONIA. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE
CONTRATAÇÃO COM PEDIDO DE PERDAS E DANOS. TELEFONIA
MÓVEL. SERVIÇO DIGITAL. PARTE INTEGRANTE DO PACOTE
CONTRATADO. SERVIÇOS REGULARMENTE USUFRUÍDOS E
ADIMPLIDOS PELO CONSUMIDOR POR LONGO PERÍODO.
COBRANÇA INDEVIDA. NÃO OCORRÊNCIA. REPETIÇÃO DE
VALORES E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. DESCABIMENTO.
SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. I. HIPÓTESE EM QUE A
REGULAR UTILIZAÇÃO DO SERVIÇO DE TELEFONIA PELO
CONSUMIDOR MEDIANTE ADIMPLEMENTO DAS FATURAS MENSAIS
POR LONGO PERÍODO (42 MESES) DEMONSTRAM O INEQUÍVOCO
INTERESSE NA CONTINUIDADE DA RELAÇÃO CONTRATUAL. II.
SERVIÇO DIGITAL QUE INTEGRA O PLANO CONTRATADO, RAZÃO
PELA QUAL SE MOSTRA DESCABIDA A DECLARAÇÃO DE
COBRANÇA INDEVIDA DE VALORES. AUSENTE ATO ILÍCITO
PERPETRADO PELA RÉ, IMPROCEDEM OS PEDIDOS DE REPETIÇÃO
DE VALORES E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. APELO
DESPROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível, Nº 50036849520208210029,
Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liege
Puricelli Pires, Julgado em: 24-06-2021).
Não é outro o entendimento do E. Tribunal de Justiça do
Estado do Rio Grande do Norte:
EMENTA: CIVIL E CONSUMIDOR. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE
DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA
CUMULADA COM DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO
QUE O AUTOR ADUZ NÃO TER CONTRATADO. ACERVO
PROBATÓRIO QUE DEMONSTRA A REGULARIDADE DA
CONTRATAÇÃO. CÉDULA DE CRÉDITO PACTUADO EM MEIO
VIRTUAL. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE PROMOVEU A JUNTADA
DE “SELFIE” DO CONSUMIDOR E INFORMAÇÕES RELATIVAS AO
EVENTO. ACEITE BIOMECÂNICO FACIAL DO PRÓPRIO CELULAR.
INDICAÇÃO DA GEOLOCALIZAÇÃO. TRANSFERÊNCIA DO VALOR VIA
TED. DESCABIMENTO DA ALEGAÇÃO DE DESCONHECIMENTO DA
MODALIDADE DO CONTRATAÇÃO. COMPORTAMENTO
CONTRADITÓRIO RECHAÇADO A LUZ DA BOA-FÉ OBJETIVA.
VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM. MODALIDADE
CONSIGNAÇÃO DO PAGAMENTO MÍNIMO. AVENÇA CELEBRADA
COM AS DEVIDAS INFORMAÇÕES AO CONSUMIDOR. OBEDIÊNCIA
AO PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA (ART. 6º, III, DO
CDC). INEXISTÊNCIA DE ILICITUDE DA CONDUTA PERPETRADA
PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO.
CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO APELO. (APELAÇÃO
CÍVEL, 0801323-72.2022.8.20.5120, Des. Claudio Santos, Primeira
Câmara Cível, JULGADO em 04/08/2023, PUBLICADO em 09/08/2023).
Some-se a isso que a parte demandada anexou aos autos o
instrumento contratual em questão (ID 119141364 - Pág. 1 Pág. Total - 132-139),
a demonstrar que os descontos efetuados encontram respaldo em contrato, o
qual não foi impugnado pela parte autora durante longo período (3
anos), circunstâncias que caracterizam o abuso de direito em virtude da
legítima expectativa criada por seu comportamento anterior de utilizar em seu
proveito o valor disponibilizado, além de efetuar, de forma reiterada, o pagamento
mensal das parcelas.
Por outro lado, em que pese o laudo grafotécnico ter
constatado a divergência nas assinaturas do contrato, o juiz não está vinculado
às conclusões do perito, sobretudo quando é fato incontroverso que o consumidor
se beneficiou dos valores, bem como diante da demora reiterada, por vários anos,
para o ajuizamento da ação. Isso porque, extrai-se dos autos que o contrato foi
firmado desde 25/07/2018 (ID 119141364 - Pág. 1 Pág. Total - 132-139), sendo
que os descontos efetuados não foram impugnados pela parte autora durante
longo período, circunstâncias que caracterizam o abuso de direito em virtude da
legítima expectativa criada por seu comportamento anterior de utilizar em seu
proveito o valor disponibilizado, além de efetuar, de forma reiterada, o pagamento
mensal de diversas parcelas.
Nesse sentido é o entendimento do E. Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo:
APELAÇÃO. Ação anulatória e indenizatória. Empréstimos não
autorizados. Transferência do crédito à terceiros. Sentença de
procedência, autorizando a compensação de débitos e créditos.
Insurgência das partes. PRELIMINARES: ilegitimidade passiva e falta de
interesse processual. Rejeição. Pressupostos processuais e condições da
ação presentes. Discussão acerca da legalidade de 04 empréstimos
firmados com o banco Réu. Legitimidade para figurar no polo passivo.
MÉRITO: Recebimento dos créditos oriundos das contratações. Fato
incontroverso. Contato e contrato com terceiro estranho ao Banco Réu.
Pagamento de boleto em favor da Corré MD Consig. Circunstâncias que
revelam falha no dever de cuidado razoavelmente esperado. Culpe
exclusiva da consumidora. Perícia que constatou a falsidade das
assinaturas. Irrelevância. Julgador que não está adstrito às conclusões do
laudo pericial. Inteligência do art. 479 do CPC. Comprovação, pelo Banco
Réu, da regularidade das contratações. Vínculo obrigacional
demonstrado. Demora de 7 meses para o ajuizamento da ação. Princípio
da supressio (eliminação de uma faculdade jurídica decorrente de
condutas do titular que criaram na outra parte legítima expectativa quanto
ao seu exercício). Instrumento de sub-rogação firmado entre a Autora e a
Corré MD Consig. Cessão de crédito que produz efeito somente entre as
partes, sendo ineficaz em relação ao Banco. Valor da cessão que deve
ser impugnado através de ação própria. Sentença reformada. Recurso do
Banco Réu provido. Recurso da Autora improvido. (TJSP; Apelação
Cível 1001082-57.2021.8.26.0311; Relator (a): Pedro Paulo Maillet
Preuss; Órgão Julgador: 24ª Câmara de Direito Privado; Foro de
Junqueirópolis - Vara Única; Data do Julgamento: 17/08/2023; Data de
Registro: 17/08/2023).
Por fim, infere-se do conjunto probatório amealhado
que inexiste prejuízo suportado pela parte requente, tendo em vista que os
valores dispendidos durante o curso da relação jurídica nada mais são do que
a contrapartida obrigacional decorrente da característica da bilateralidade
contratual, ou seja, a instituição financeira cumpriu seu dever de disponibilizar a
quantia do empréstimo, ficando o mutuário obrigado a pagar as parcelas
ajustadas.
Desse modo, diante da inexistência de conduta ilícita, incabível
o acolhimento dos pedidos veiculados na inicial.
Ante o exposto, com supedâneo nas razões fático-jurídicas
elencadas, julgo IMPROCEDENTE o pedido e EXTINGO o processo com
resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC.
Condeno a parte autora no pagamento das custas e honorários
advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) do valor da causa, ficando a
exigibilidade de tais verbas suspensa, pelo prazo de 5 anos, por ser beneficiária
da gratuidade judiciária.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Cumpra-se.
Com o trânsito em julgado, arquivem-se os autos.
Apodi/RN, datado e assinado eletronicamente.
(Assinado Digitalmente - Lei nº 11.419/2006)
ANTONIO BORJA DE ALMEIDA JUNIOR
Juiz de Direito
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